Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2969/12.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:REVERSÃO; CULPA DO GERENTE; PROVA DA AUSÊNCIA; IVA.
Sumário:I - No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).

II - Assim, tratando-se de dívidas provenientes de IVA, não basta ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.

III – É necessário demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.

IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores/gerentes, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente/gerente.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

N…, citado na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “L…, Lda.”, deduziu oposição na sequência da reversão efetuada no processo de execução fiscal com o n.º 3…e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, com vista à cobrança coerciva de dívidas proveniente de IVA, referente ao mês de setembro de 2009, no montante de € 36.172,39.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 31 de Março de 2021, julgou procedente a oposição.

Não concordando com a sentença, a Fazenda Pública, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A) In casu, com elevado respeito pelo douto Areópago a quo, na humilde perspectiva fáctico- jurídica do aqui Recorrente, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. art. 204.º, n.º 1, al. b) do CPPT; art. 24.º, n.º 1, al. b) e 74.º ambos da LGT; art. 342, n.º 1 , 349.º e 350.º do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT; art. 248.º, 249º e 250º do CComercial e arts. 64.º, 390º, 405º, 408.º do CSComerciais,

B) assim como à factualidade dada como assente nas alíneas b), e), g), h), j), o), p), q), r), t) e v) do segmento fáctico do douto aresto a quo.

C) Também, deveria o respeitoso Aerópago a quo ter melhor valorado e considerado o acervo probatório documental constante dos autos (maxime, docs. nº 4 a 8, 9, 11, 12 a 27, juntos com a petição inicial; fls. 265 a 274 dos autos), e a prova testemunhal e depoimento de parte prestados no Proc. n.º 2968/12.5BELRS, de cujo aproveitamento foi aqui preconizado pelo respeitoso Aerópago a quo.

D) Ao que acresce o elemento patológico de, pelo menos, terem sido extraídas erradas ilações jurídico-factuais, do acervo probatório documental constante dos autos, dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas no caso sub judice, do depoimento de parte prestado e do teor daqueles itens, da matéria factual, dada como assente.

E) Tudo devidamente condimentado com o Princípio da Legalidade, o Princípio da Justiça que a todos os outros princípios do edifico legal Tributário abarca e conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores,

F) se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime pela inexistência de uma qualquer ilegitimidade do Oponente.

G) Mormente, pelo facto de o Oponente, aqui recorrido, não ter conseguido ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia pela insuficiência do património social para pagamento das dívidas de imposto.

H) Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, que é muito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante o acervo probatório documental e testemunhal constante e produzido nos autos (concretamente no Proc. Oposição Judicial n.º 2968/12.3BELRS) a matéria de facto dada como assente, devidamente conjugada com os demais elementos constantes do processo sub judice,

I) Não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ao caso vertente.

J) Como as conclusões do recurso exercem uma importante função de delimitação do objeto daquele, devendo “corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo” - (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 147),

K) A delimitação do objecto do recurso supra elencado, é ainda melhor explanado, explicitado e fundamentado do item 31º ao 121º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles que por economia processual aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.

L) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

M) O sobredito “erro de julgamento” foi como que causa adequada para que fosse preconizada uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos que constituem a vexata quaestio recorrida.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE, Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada

JUSTIÇA!»


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O recorrido, N…, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra alegar.
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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso, realçando «(…) o douto Acórdão proferido em 11/04/2019 pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo nº 2968/12.5BELRS, em que é também Oponente o ora Recorrido relativamente a dívidas de IVA, IRS, IRE e IS da mesma sociedade devedora originária, nos termos do qual foi revogada a sentença e julgada, nessa parte, a improcedência da Oposição
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«a) Em 06/10/2006, foi constituída a sociedade por quotas L…, LDA, dedicada à prestação de serviços de consultadoria informática e comunicações, incluindo a venda de equipamentos informáticos e de telecomunicações, a prestação de serviços de instalação e montagem de sistemas elétricos, informáticos e de comunicação em obras e projetos de construção civil e remodelação de imóveis, em regime de subcontração por empreiteiros para prestar os serviços de montagem e instalação de redes elétricas, informáticas e de comunicação em edifícios a construir ou a remodelar, fornecendo os materiais e equipamento a instalar – cfr. certidão permanente constante do PEF apenso aos autos e declarações do Oponente.

b) A sociedade obrigava-se com a assinatura de dois gerentes ou de um procurador com poderes para o ato, tendo sido nomeados gerentes o Oponente e J… – cfr. certidão permanente constante do PEF e declarações do Oponente e de J….

c) Em 2006, o volume de negócios da empresa ascendeu a €138.514,01, em 2007 de €1.567.149,39 e registou no final de 2007 um lucro tributável [após dedução de prejuízos] de €66.379,45 e pago IRC – cfr. doc. n.ºs 6, 7 e 8 [IES], juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzidos.

d) A sociedade passou de 7 trabalhadores em 2006 para 21 trabalhadores em 2007, 35 trabalhadores em 2008 e 18 trabalhadores em 2009 – cfr. doc. n.º 8 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e declarações do Oponente.

e) No relatório de contas referente a exercício de 2008, foi reconhecido o impacto da situação de crise internacional e nacional, redução de projetos e obras – cfr. doc. nº 10 junto com a petição inicial, relatório de contas e gestão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

f) No exercício de 2008, a sociedade encontrava-se sujeita o regime trimestral de IVA, tendo passado no ano de 2009, para o regime mensal de IVA – declarações do Oponente.

g) Em 2008, o saldo em dívida de clientes era de €329,665,55 e, em 2009, ascendia a €511.672,97 – cfr. doc. n.ºs 4 e 8 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

h) A sociedade aumentou os custos e encargos financeiros em 2006 de €581, 48 para €16.169,81 em 2007, €50.431,41 em 2008 e €38.401,31 em 2009 – cfr. doc. n.ºs 4, 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

i) Em 22/06/2007, 26/06/2008, 04/12/2009 e 14/07/2010 a sociedade L…, LDA, entregou via internet a Informação Empresarial Simplificada / Declaração Anual – IES/DA - referente aos exercícios de 2006, 2007, 2008 e 2009 – cfr. doc. 4 a 8 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

j) Em 2008 a sociedade L…, LDA negociou uma linha de factoring com a Caixa … até € 200.000, para antecipar recebimentos dos clientes – cfr. declarações Oponente e de J…, contrato de factoring n.º 2007/… – cfr. contrato junto pelo requerimento datado de 10/09/2014, a fls. 265 a 274 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido [impugnado].

k) Em 02/03/2009, o M… enviou um e-mail aos gerentes da sociedade L…, LDA, informando que o financiamento de médio e longo prazo se encontrava aprovado de acordo com as cláusulas e condições que aqui se dão como reproduzidas – cfr. doc. n.º 11 junto com a petição inicial [impugnado], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

l) Em 2009, a sociedade contratou a sociedade G… para realizar uma auditoria à contabilidade – declarações do Oponente e J….

m) Em resultado da auditoria realizada, foram apresentadas declarações de IVA de substituição, relativas ao ano de 2008 – declarações do Oponente e de J…

n) Na sequência da entrega das declarações de substituição de IVA, a sociedade foi notificada para liquidar IVA, relativo a 2008, no montante de €59.194,17 – declarações do Oponente e de J…

o) A sociedade apresentou ao Serviço de Finanças pedidos de pagamento de dívidas em execução em regime prestacional, os quais foram deferidos e para os quais foi efetuada uma penhora dos elementos do stock, tendo cumprido com o pagamento da primeira prestação em todos eles – cfr. doc. n.ºs 12 a 27 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, planos de pagamento em prestações e alterações.

p) A sociedade negociou com o Serviço de Finanças a entrega de créditos que detinha sobre alguns dos seus clientes – cfr. doc. n.ºs 44 a 51 juntos com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

q) Em 2010, o volume de negócios da sociedade não ultrapassou os €245.543,95 – cfr. doc. n.º 52 junto com a petição inicial – declaração Mod. 22.

r) Em data não concretamente apurada, foi elaborado o Relatório do Sector da Construção em Portugal, pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, IP – cfr. doc. n.º 9 junto com a petição inicial, INCI, relativo ao ano de 2009, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido.

s) Em 08/12/2009, foi instaurado contra a sociedade L…, LDA o processo de execução fiscal n.º 3…, por dívidas de IVA, referentes a setembro de 2009, no valor de €37.196,74, com base na certidão de dívida n.º 2009/… – cfr. fls. 1 a 3 do PEF apenso aos autos [numeração sequencial de fls].

t) Em 12/12/2010, o sócio N… renunciou à gerência da sociedade L…, LDA – cfr. certidão permanente constante do PEF apenso aos autos.

u) Em 27/01/2011, foram emitidos o despacho e a notificação para audição-prévia (reversão) em nome do Oponente, relativamente ao processo de execução fiscal n.º 3…, divida exequenda no montante de €36.172,39, com fundamento no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT – cfr. despacho e notificação constantes do PEF apenso aos autos.

v) Em 17/03/2011, foi elaborado despacho de reversão, com base na informação elaborada em 27/91/2011 e com fundamento no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT – cfr. informação e despacho constante do PEF apenso aos autos.

x) Em 27/06/2011, o Oponente apresentou oposição aos processos – cfr. carimbo a fls. 4 dos autos.

y) Em consequência, com data de 10/11/2011, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, foi prestada a seguinte informação:


«Imagem no original»

«Imagem no original»


- cfr. fls. 184 e 185 dos autos.

z) Em 27/12/2011, foi prestada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3 a seguinte informação:


«Imagem no original»

«Imagem no original»


- cfr. fls. 183 e 183/v dos autos.

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II. 3 - Factos não provados

«Com relevância para a decisão a proferir nos autos, consideram-se não provados os seguintes factos:
1- A sociedade possuía existências no valor de €136.322,20 suficientes para liquidar a dívida exequenda.
2- Os créditos sobre clientes detidos pela sociedade eram suficientes para o pagamento da dívida.
3- A sociedade viu suspensos os projetos e obras para instalação e equipamentos de ginásio V…, da V… Portugal, a reformulação do novo edifício do Infarmed, instalação do laboratório de desenvolvimento e do polo tecnológico da H…, do G…e do Datacenter da M….»

*

II. 3 – Motivação

«Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa [ou causas] de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e consignar se a considera provada ou não provada [cf. artigo 123.º, nº. 2, do CPPT, in casu, ex vi do artigo 211.º, n.º 1 do CPPT].

Assim, a convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos e constantes do PEF, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes, bem como da prova testemunhal e por declarações do Oponente, produzida no processo n.º 2968/12.5BELRS, bem como da sentença aí proferida e também junta aos autos, identificada supra, ao abrigo do disposto no artigo 412.º, nº 2, do CPC ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido requerida e/ou produzida prova, por constituírem conclusões/considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito, não são os mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório [pese embora a sua pertinência nos respetivos articulados].»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim, lidas as conclusões de recurso, importa aferir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado demonstrada a ausência de culpa do Recorrido na insuficiência do património da devedora originária para solver as dívidas fiscais.

A Execução Fiscal com o nº 3…, a que respeitam os presentes autos de oposição, foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3 para cobrança de dívida de IVA, referente ao período 2009 09, no montante de € 37.196,74.

A sentença recorrida, acompanhando a sentença proferida no âmbito do processo nº 2968/12.5BELRS, entendeu que o ora Recorrido logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia, pelo que concluiu ser o Recorrido parte ilegítima no processo de execução, verificando-se o fundamento de oposição à execução previsto na alínea b) do nº1 do artigo 204º do CPPT.

Dissente a Recorrente do decidido por considerar não ter o Recorrido logrado demonstrar a sua ausência de culpa, e referindo ter sido proferido Acórdão pelo TCAS no âmbito do processo nº 2968/12.5BELRS que revogou a sentença recorrida no que se refere às dívidas de impostos a serem cobradas no processo executivo, por se ter ali entendido que o Oponente não conseguiu demonstrar a sua ausência de culpa na diminuição do património societário que conduziu à falta de pagamento das dívidas fiscais.

Recorde-se que nos presentes autos está apenas em causa uma dívida de IVA.

Efectivamente, foi proferido Acórdão, neste TCAS, no âmbito do processo nº 2968/12.5BELRS, datado de 11/04/2019, no qual a ora Relatora foi 1ª Adjunta, nos termos do qual se entendeu que não foi demonstrada cabalmente a ausência de culpa do Recorrido, pelo que revogou a sentença recorrida e se considerou improcedente a oposição, no que dizia respeito às dívidas de imposto (foi excluída a dívida por coimas).

Não se vislumbrando razões para discordar do ali decidido, e considerando que as conclusões de recurso respeitantes ao processo nº 2968/12.5BELRS estão, em larga medida, incluídas no corpo das alegações de recurso ora apresentadas, permitimo-nos transcrever o decidido no supra identificado Acórdão (com ligeiras adaptações), nos seguintes termos:

“(…) Com base na factualidade transcrita a sentença veio a decidir pela procedência da oposição, com fundamento, no essencial, em que cabendo ao recorrido ilidir a presunção legal contida na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, o mesmo, conforme decorre da factualidade provada, lograra infirmar tal presunção.

É do assim decidido que a Fazenda Pública (doravante recorrente) discorda sustentando, em síntese, que foi feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, na medida em que a factualidade apurada não permite extrair a conclusão que a falta de pagamento das dívidas exequendas não é imputável ao recorrido.

(…), começando por registar que não se discute nos presentes autos, que é aplicável o regime de responsabilidade subsidiária decorrente do disposto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que as dívidas se constituíram em data posterior a 1 de Janeiro de 1999, ou seja, após a entrada em vigor daquela Lei (cfr. artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).

A questão que importa afrontar consiste em apurar se a prova produzida nos presentes autos permite concluir que o recorrido não teve culpa pela falta de entrega do imposto (IVA, (…)) exigido coercivamente na execução fiscal em apreço.

Com vista a um melhor enquadramento da questão colocada, convoca-se o artigo 24.º da LGT, cuja alínea b) tem o seguinte teor:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) (…)
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento (…) .».
A norma transcrita é inequívoca ao estabelecer uma presunção legal de imputabilidade do não pagamento das dívidas tributárias relativamente a quem exercia a gerência no momento em que terminou o prazo legal de pagamento dessas mesmas dívidas, pelo que para que o Oponente se exima da sua responsabilidade subsidiária terá que ser feita a demonstração de que a falta de pagamento dos impostos em causa não lhe é imputável.
(…)

Sendo, naturalmente importante, a quebra da produção que atravessou o sector da construção civil a nível internacional e nacional no ano de 2009, é claramente insuficiente para afastar a presunção de culpa a que alude a alínea b) do artigo 24.º da LGT.
Efectivamente, importa desde logo ter em conta, que a dívida exequenda mais antiga exigida em execução fiscal reporta-se ao ano de 2008, e dentro destas as resultantes da falta de entrega de IVA(…).

Com isto queremos dizer que no respeita às dívidas exequendas provenientes de IVA, não foi feita qualquer prova de que se referem a imposto não entregue ao Estado liquidado em facturas cujo valor não veio a ser recebido de clientes,(…).

O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excecionais poderiam justificar por que a sociedade não efetuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que o recorrido, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega.

Isso mesmo é expressamente assinalado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 07.12.2017, proferido no processo nº 01368/09.9BEBRG:
«No caso especial do IVA, bem como nos impostos retidos na fonte, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável. E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.

Como escreve Saldanha Sanches, «(…) No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (cfr. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274)”.(…)
Note-se que, embora o não recebimento do IVA dos clientes não justifique que o mesmo não haja de ser entregue ao Estado (ao sujeito passivo de IVA compete, em conformidade com o Código daquele imposto, entregar o IVA resultante da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível, independentemente de o ter recebido ou não do cliente), é facto que pode e deve ser ponderado na avaliação da culpa do gerente pela falta de entrega do imposto ao Estado, designadamente se puder estabelecer-se uma conexão entre a falta de fundos da empresa e o não recebimento dos clientes. O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excepcionais poderiam justificar por que a sociedade não efectuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que o Oponente, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega.
Mas, ainda que a sociedade originária devedora não tenha recebido dos seus clientes o IVA que havia de entregar ao Estado em 15/02/2002, tal não determinaria, por si só, o afastamento da culpa do Oponente pela falta de entrega do imposto. Para tanto, sempre haveria que provar-se factualidade que permitisse a conclusão de que a sociedade não tinha os fundos necessários à entrega do imposto e que o Oponente nenhuma responsabilidade tinha nessa situação» (disponível em texto integral em
www.dgsi.pt).
Entendemos, pois na linha de pensamento do Acórdão transcrito que quanto às dívidas exequendas provenientes de IVA (…)atendendo à natureza das mesmas se impõe um especial dever de diligência por parte do recorrido.

Para além disso, não podemos acompanhar a posição sufragada na sentença que partindo dos seguintes considerandos fácticos: «Desde logo, e relativamente às dívidas fiscais, foram celebrados acordos de pagamento em prestações das mesmas com a Administração Tributária, no final de 2009, em muitos dos processos de execução fiscal intentados, para vigorar durante todo o ano de 2010, tendo a sociedade liquidado pelo menos duas das prestações acordadas.

Em seguida, foram contatados alguns dos seus clientes, de modo a que os mesmos regularizassem a sua relação comercial; nos casos em que tal não se mostrou viável, foram intentadas diversas ações judiciais de modo a cobrar coercivamente os montantes que lhe eram devidos.
Entre 2008 e 2009 a sociedade reduziu em cerca de 47% o número de trabalhadores ao seu serviço, (…)
A fim de reduzir os custos fixos da empresa, aumentaram-se em 2009 os custos com os Fornecimentos e Serviços Externos – FSE, conforme quadro abaixo (tendo em conta a informação constante das IES/DA apresentadas): (…)
Por fim, de modo a dispor de mais liquidez, contratou-se uma linha de factoring com a Caixa .............. de quase € 250.000, ao mesmo tempo que negociou-se um alargamento das linhas de crédito concedidas, o que permitiu uma gestão de tesouraria mais folgada.», veio a concluir, nos seguintes termos: «A conduta adotada foi condizente com a atuação de um gerente diligente, que se preocupou com o futuro e respetiva sustentabilidade da sociedade L......, LDA, tentando que o negócio prosperasse e, ao mesmo tempo, que se mantivesse viável no curto prazo.

Além do mais, não era despropositado, em 2009 e 2010, acreditar que a sociedade conseguiria vingar economicamente, em virtude dos créditos que ainda poderiam ser recebidos e as perspetivas de encomendas que se projectavam.
Pelo que, transparece de tudo o que foi analisado que, até à data da renúncia (em finais de 2010) o Oponente tudo fez para não se acomodar a uma situação difícil que se ia avolumando.» veio a concluir, que sobre o recorrido: « (…) não deve (…) recair um juízo de censura na insuficiência patrimonial da sociedade L......, LDA para pagar as dívidas em causa no presente processo.».

Vejamos então as razões da nossa discordância quanto ao entendimento acabado de transcrever-se.
No caso vertente, pese embora tenha ficado provado a instauração de processos judiciais em 2009 e 2010, tendentes à recuperação de créditos em situação de incumprimento, respectivamente no montante de 4.771,08€ e 34.114,36€ [cfr. alíneas M) e N) do probatório], o certo é que ascendendo a dívida a clientes de curto prazo, em 2006, 2007, 2008 e 2009, aos montantes de 99.457,15€, 566,882,71€, 329.665,55€ e 511.671,97€ [cfr. alínea X) do probatório] as medidas adoptadas pelo recorrido ficaram aquém da actuação esperada de um gestor diligente. Tanto mais, quando é certo que a acção judicial visando o pagamento da quantia de 34.114,36€, foi instaurada em 10.02.2011, ou seja, após a renúncia do recorrido ao cargo de gerente [cfr. alínea W) do probatório] e a notificação para o exercício de audição prévia anterior à prolação do despacho de reversão [cfr. alínea CC) do probatório].

Por outro lado, não obstante ter ainda ficado provado a celebração de um contrato de factoring (em 8.10.2007) e um contrato de financiamento de médio e longo (em 02.03.2009) [cfr. alíneas [J]) e [K]) do probatório] (…) face a tal circunstancialismo, parece claro que houve, no mínimo, imprudência, na gestão das quantias recebidas por força das ditas operações financeiras.

Com efeito, se através do contrato de factoring a devedora originária vendeu à entidade bancária os créditos de curto prazo dos seus clientes e recebeu, em troca, o valor acordado na negociação realizada anteriormente, sempre ficou por explicar qual o destino dado a tais quantias.
(…)

Ora, a culpa aqui em causa, como a jurisprudência tem vindo reiterada e uniformemente a afirmar deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. (entre muitos outros, vide Acórdão do STA de 12.03.2003, proferido no processo nº 01209/02, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Neste quadro, tudo ponderado, não se nega a relevância da crise económica no sector da construção civil no ano de 2009, na actividade da devedora originária, mas de per se, é como já afiramos insuficiente para afastar a presunção de culpa prevista na al.b) do artigo 24.º da LGT, pois que, face à amplitude do objecto social da devedora originária, sempre poderiam ter sido tomadas iniciativas visando a exploração de novos segmentos de mercados.
Ora, nenhuma concreta medida se mostrou tomada para fazer face à crise do mercado e, portanto contrariamente ao decidido em 1.ª Instância, somos a concluir que a prova produzida não permite extrair a conclusão que o recorrido logrou demonstrar que a insuficiência do património para satisfazer o pagamento das dívidas exequendas. Ou dito de outro modo, não provado que o não pagamento das dívidas exequenda se ficou a dever fundamentalmente ou exclusivamente a causas externas ou excepcionais, ou que esse resultado danoso não se tenha ficado a dever à gestão por si exercida.
Esta conclusão é reforçada pelo próprio recorrido, na medida em que afirma no artigo 135.º da douta petição inicial «(…) a partir de meados de 2009 a situação começa a tornar-se insustentável e a Sociedade opta, quando a isso se vê obrigada, a pagar a funcionários, colaboradores e fornecedores sem os quais a Sociedade seria forçada a fechar portas, em detrimento de outros fornecedores e do Estado.».

Vale isto por dizer mesmo atravessando uma conjuntura desfavorável, o recorrido optou pela continuidade laboral da empresa privilegiando outros pagamentos em prejuízo do cumprimento das obrigações fiscais.

Deste modo, não está minimamente provado que a falta de pagamento das prestações tributárias relativas a impostos não é imputável ao recorrido.

Pelo que nesta parte se decide pela procedência do recurso.(…).

Regressando ao caso dos autos, e por estarem em causa as mesmas questões e os mesmos factos, acolhemos o decidido no Acórdão transcrito e respectiva fundamentação, pelo que também aqui se conclui que, contrariamente ao decidido em primeira instância, o Recorrido não conseguiu demonstrar a sua ausência de culpa na falta de pagamento da dívida exequenda.

Pelo que, atento o exposto, será de conceder provimento ao recurso.


*


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição à execução.

Custas pelo Recorrido.

Registe e notifique.

Comunique ao processo nº 2026/09.0IDLSB do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 11.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Hélia Gameiro Silva)