Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:879/10.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO;
EXECUÇÃO FISCAL;
PRESCRIÇÃO;
CÔMPUTO;
PRAZO;
AUTO-LIQUIDAÇÃO DE IRC;
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO.
Sumário:I – No que respeita ao IRC, quer com a apresentação da declaração periódica de rendimentos, quer com a apresentação da declaração de substituição, estamos perante situações de auto-liquidação, ou seja, liquidação do imposto directamente pelo contribuinte, sendo que o pagamento deverá ser feito em simultâneo com a autoliquidação.
II – Nos casos de auto-liquidação de imposto, no caso de IRC, não existe obrigação de notificação da liquidação por parte da AT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

C... - P..., SA, na qualidade de sociedade incorporante por fusão da sociedade C..., SGPS, SA, veio deduzir oposição à execução fiscal n° 3107.2008/010..., pedindo a extinção do aludido processo de execução fiscal, em virtude da falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade previsto no n.° 1 do artigo 45.° da LGT e que a Administração Tributária (AT) seja condenada no pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos do artigo 53.° da LGT.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 13 de Fevereiro de 2017, julgou procedente a oposição.

Não concordando com a sentença, a Fazenda Pública veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou totalmente procedente, a oposição deduzida pela Oponente, C... P... S.A., (com sede na Av. M..., em Lisboa e na qualidade de sociedade incorporante por fusão da sociedade C... SPGS S.A., com o contribuinte n.° 5... e com sede na Av. E..., em Lisboa, sociedade incorporada) contra o processo de execução fiscal n.° 31072008010..., que consubstancia a cobrança coerciva do Imposto de Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), relativo ao exercício contabilístico de 2003, no valor de €778.189,24.

II) Para além de ter considerado o pedido procedente, com base no facto da falta de prova da realização da notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, condenou a Fazenda Pública no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, nos termos do artigo 53.° da LGT e extinguindo o processo de execução fiscal n.° 31072008010..., no termos do artigo 204.° n.° 1 alínea i) do CPPT.

III) Não pode a Fazenda Pública concordar com a douta decisão, porque incorre em erro de julgamento de facto e de direito, considera erradamente que o prazo de caducidade termina em 31/12/2007, quando na realidade os factos aponta para um prazo de suspensão, tanto na petição da Oponente como nos documentos dos autos, verifica-se que existiu uma acção de inspecção tributária que tem como efeito a suspensão prazo de caducidade, que não foi contabilizado.

IV) Não foi tido em conta, na douta decisão recorrida, os documentos junto da petição (documento n.° 8) com as anotações realizadas diretamente no Serviço de Finanças Lisboa 8, pela funcionária M..., sobre a notificação da liquidação, com a informação que foi entregue em mãos à TOC da Oponente, no dia 20/02/2008, portanto dentro do prazo de caducidade, evidenciando-se que foi indicado pela própria Oponente portanto num documento anexo à petição inicial (o prazo de caducidade apenas terminaria em 27/02/2008).

V) No nosso entendimento não subjaz da douta sentença recorrida que a liquidação sindicada é uma autoliquidação, portanto uma operação cujo lançamento do apuramento do imposto em causa é determinado pela própria Oponente, pelo que foi o próprio sujeito passivo que concordou em absoluto com a proposta realizada pela inspecção tributária e decidiu realizar a regularização do que foi proposto, voluntariamente.

VI) Sendo um contra senso vir nesta sede alegar que não tem conhecimento de nada.

VII) Tendo a declaração de substituição do IRC de 2003 que originou a liquidação sindicada, modelo 22, sido apresentada por um membro do Conselho de Administração da Oponente e a pela sua Técnica Oficial de Contas (TOC) que como se verifica, foram as mesmas pessoas que em 15/02/2007, realizaram a cessação de IVA e de IRC, da empresa inspeccionada, não tendo contudo alterado a morada fiscal da sede da incorporada.

VIII) Esse facto foi o que induziu a administração fiscal em erro ao remeter a notificação para a morada errada, não lhe sendo oponível tal facto, pois seria obrigatório por parte da Oponente realizar a atualização da morada fiscal, visto que se tratando de uma fusão, a sociedade incorporada não é dissolvida, nem liquidada e portanto mantém-se no nosso ordenamento jurídico.

IX) Não se justificando a manutenção do cadastro fiscal com uma morada que não tem qualquer representação da sociedade naquele local, motivo pelo qual, a carta da notificação da liquidação ter sido devolvida.

X) Tratando-se de matéria essencial para a descoberta da verdade material deveria também ter sido devidamente oficiado o respectivo Serviço de Finanças de Lisboa 8, para corroborar a entrega da liquidação em mãos à TOC, no dia 20/02/2008.

XI) No entanto, entenda-se que é a lógica dos acontecimentos inerentes a esta oposição e por falta de pagamento de uma liquidação diligenciada pela própria Oponente, ultrapassado o prazo do pagamento voluntário, que justifica a instauração do processo de execução fiscal para a sua cobrança coerciva.

XII) Compulsados os autos e analisados os documentos juntos pela própria Oponente, não seria possível excogitar o entendimento jurisprudencial apresentado na douta decisão, em síntese, trata-se de uma autoliquidação, que chegou ao conhecimento da Oponente dentro do prazo de caducidade, isto considerando a suspensão do prazo no âmbito da acção de inspeção que não foi considerada, tal como não foi observada a falta da alteração da morada da C... SGPS S.A.. para onde a A.T. remeteu a notificação conforme cadastro fiscal, pelo que a prognose instruída na douta sentença recorrida está quinada de erro de julgamento de facto e de direito.

XIII) Assim, não poderá entender-se que, no caso dos autos, pelo facto de a norma à qual os Serviços da Administração Fiscal devem obediência, que ocorreu qualquer erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43° da LGT, pois que, nenhuma outra conduta lhes poderia ser exigível, no caso concreto, senão aquela que efectivamente tiveram - excluindo-se desta forma, necessariamente, a possibilidade de actuação dos Serviços com culpa (ainda que leve).

XIV) Faltando no caso em apreço o nexo de imputação do erro aos Serviços da Administração Fiscal, previsto na norma, o qual não poderia nunca ter um cariz objectivo, revestindo tal nexo de imputação necessariamente um cariz subjectivo (pelo menos a título de negligência), não se verificam as condições de que, por força daquele artigo 43° da LGT, dependeria a condenação da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios.

XV) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, ofereceu as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«A. A questão material controvertida objeto dos presentes autos prende-se com a análise da legalidade do processo de execução fiscal instaurado contra a ora Recorrida relativo a IRC de 2003, mormente em virtude da falta de válida citação no processo, bem como da falta de notificação da liquidação no decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT.
B. O Tribunal a quo confirmou a tese sustentada pela ora Recorrida, no sentido da procedência da oposição à execução, uma vez que a liquidação em cobrança coerciva não foi validamente notificada ao contribuinte no decurso do prazo de caducidade, o que implica a extinção do processo de execução fiscal e o reconhecimento do direito da Recorrida ao pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia.
C. Os fundamentos invocados pela Fazenda Pública para sustentar o presente recurso, em concreto a alegada notificação pessoal da liquidação, são suscetíveis de constituir nova argumentação em sede de recurso, nunca antes invocada nos presentes autos, pelo que é assim evidente que não podem ser objeto de apreciação no presente recurso, sob pena de violação do disposto no artigo 627.5/1 do CPC, o que motivará por si só a improcedência do presente recurso.
D. Por outro lado, resulta de toda a prova produzida nos presentes autos que:
a. A ora Recorrida - na qualidade de sociedade incorporante da C... SGPS - nunca foi citada nos presentes autos, nem tão pouco foi notificada de qualquer liquidação adicional referente a IRC de 2003, tal como bem concluiu o Tribunal o quo.
b. A C... SGPS também nunca foi validamente notificada de qualquer ato tributário referente a IRC de 2003, o que se comprova pela análise da folha 5 do documento n.º 8 anexo com a petição inicial em 1.ª instância, uma vez que aí consta que as notificações referentes ao documento de cobrança, demonstração de liquidação e demonstração de liquidação de juros estão na situação de "devolvidos".
c. Após consulta efetuada junto do Serviço de Finanças Lisboa 8 - confirmou-se que as notificações dos atos tributários foram efetuadas para a morada da C... constante do cadastro da DGCI, i.e., para a Avenida E..., quando é certo que a morada da C... SGPS era na Avenida E...
E. A Recorrente invoca que a Recorrida foi efetivamente notificada do ato de liquidação aqui em discussão, através de notificação pessoal efetuada ao TOC da sociedade, conforme informação aposta à mão na certidão anexa aos autos pela Recorrida - vide documento n.º 8 anexo à petição inicial, folha 5.
F. A Recorrida não foi notificada de qualquer ato tributário na referida data, uma vez que, nem nessa data, nem em qualquer outra, qualquer representante legal da Recorrida ou alguém por si mandatado recebeu qualquer notificação por via postal, assinou qualquer aviso de notificação ou qualquer documento susceptível de configurar uma notificação nos termos legais.
G. Sejamos claros: inexiste qualquer prova nos autos sobre esta alegada notificação, sendo inadmissível num estado de direito que um ente público pretenda executar quase 1 milhão de euros com base em documentos rasurados, sem dispor de qualquer prova documental do alegado e sem sujeitar a contraditório a alegada prova!
H. Não é admissível num estado de direito que a Fazenda pretenda invocar a realização de uma diligência de notificação com base em documentos rasurados, sem qualquer prova documental, sem identificar o autor da referida rasura, sem chamar o mesmo a depor ou alegar a realização de uma notificação pessoal sem dispor de qualquer termo de entrega da notificação!
I. Dada a incorporação da C... na ora Recorrida - e consequente extinção da primeira parece claro que todos os atos tributários praticados na esfera da C... SGPS careceriam de ser efetuados na esfera jurídica da ora Recorrida, sob pena de serem ineficazes e insusceptíveis de produzirem quaisquer efeitos.
J. Aliás não deixa de ser curioso que a Recorrente agora sustente a falta de extinção da C... SGPS, quando em sede de inspeção bem se viu que não ignorava tal realidade, pois todas as notificações em sede do procedimento de inspeção ao exercício de 2003 da C... foram efetuadas para a sede da Recorrida, sendo, assim, inequívoco que a Administração Tributária tinha pleno conhecimento da incorporação da C... nesta última, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
K. Pelo que, tendo ocorrido a operação de fusão, tendo a AT pleno conhecimento de tal operação e tendo a Recorrida e a C... SGPS cumprido todas as suas obrigações declarativas (facto que a Recorrente não logrou contrariar), é evidente que as notificações dos atos tributários resultantes da ação de inspeção ao exercício de 2003 careceriam de ter sido efetuadas na esfera da ora Recorrida, o que não sucedeu e o que motivará a improcedência do presente recurso.
L. Recorde-se que, conforme prova documental junta aos presentes autos, consta do cadastro da DGCI que a C... cessara a sua atividade a 22 de Janeiro de 2007 por força de um processo de fusão, o que se invoca para os devidos efeitos legais
M. Como bem notou o Tribunal o quo, "o Administração Tributária não logrou provar a realização da notificação da liquidação no prazo de caducidade (...) antes se limitando a juntar prints informáticos, que não têm a virtualidade de provar que a notificação da liquidação exequenda foi efectuada pela forma legalmente exigida, nomeadamente, por carta registada com aviso de recepção e sobretudo para quem foi endereçada, se foi recebida, e por quem
a. Está documentalmente provado nos autos que: (I) As notificações foram efetuadas para uma morada desatualizada da sociedade, a qual consta do cadastro da AT, a saber: Avenida E..., 1700-149 Lisboa; e que (II) a C... SGPS havia entregue declaração de alterações em 22 de julho de 2003, na qual comunicou a alteração do domicilio fiscal.
N. Face ao acima exposto, é assim evidente, tal como bem concluiu o Tribunal a quo, que a falta de notificação do ato tributário referente a IRC de 2003 implica a ineficácia do referido ato na esfera da ora Recorrida, bem como a inexigibilidade da dívida exequenda, constituindo fundamento de oposição nos termos do disposto na alínea e) do número 1 do artigo 204.º do CPPT.
O. Em face de tudo o acima exposto nas presentes contra-alegações e de toda a prova documental produzida nos presentes autos, nenhuma dúvida restará que o ato tributário que está na origem do processo de cobrança coerciva objeto da presente oposição padece do vício de caducidade, o que determinará a confirmação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos termos da alínea e) do número 1 do artigo 204.9 do CPPT e do artigo 45.º da LGT e a improcedência do presente recurso, tudo com as demais consequências legais, mormente a extinção dos presentes autos de execução fiscal e o pagamento à Recorrida de uma indemnização por prestação indevida de garantia, ao abrigo do artigo 53.º da LGT.
P. Mais se requer a fixação do valor do presente recurso em EUR 275.000 para efeitos de custas, ao abrigo do disposto nos artigos 296.º/3 do CPC e 6.º/1 do Regulamento das Custas Processuais e do princípio constitucional da proporcionalidade, o que motivará na esfera da ora Recorrida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, devendo ser confirmada a sentença recorrida no sentido da extinção do processo de execução fiscal relativo a IRC do exercício de 2003 objeto dos presentes autos, nos termos e com os fundamentos melhor expostos nas presentes contra-alegações, o que motivará o reconhecimento do direito da Recorrida ao pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia.
Mais se requer a fixação do valor do presente recurso em EUR 275.000 para efeitos de custas processuais, dispensando-se a Recorrida do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça.»

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. C..., SGPS, SA é uma pessoa colectiva com o n.° de identificação fiscal 5... (cfr. fls. 1 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

2. Em 22.07.2003, C..., SGPS, SA entregou no Serviço de Finanças de Lisboa 8 declaração de alterações de onde consta como domicílio fiscal a Avenida E..., Lisboa (cfr. documento n.° 1 junto aos autos com a petição inicial constante de fls. 27 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

3. Consta da certidão de registo comercial que, em 22.01.2007, a C..., SGPS, SA foi incorporada, por fusão, na sociedade C... - P..., SA, pessoa colectiva n.° 5... (cfr. inscrição 3 - Ap. 14/20... da certidão da Conservatória do Registo Comercial constante de fls. 82 a 86 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).

4. A C... - P..., SA tem sede na Avenida D..., Lisboa (cfr. certidão de registo comercial constante de fls. 82 a 86 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

5. Em 15.02.2007, a C..., SGPS, SA apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8 declaração de cessação de actividade de IVA e IRC (cfr. documento n.° 3 junto aos autos com a petição inicial constante de fls. 37 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

6. A C..., SGPS, SA está cessada para efeitos de IVA e IRC desde 22.01.2007, pelos seguintes motivos, respectivamente, o artigo 33.°, n.° 1, alínea b), do CIVA e fusão/cisão (cfr. documento n.° 3 junto aos autos com a petição inicial constante de fls. 38 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

7. Em 26.09.2007, foi assinada a Ordem de Serviço n.° OI200705490, com despacho de 06.08.2007, relativa a uma acção de inspecção parcial, de IRC do exercício de 2003 da C... SGPS, SA (cfr. fls. 52 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas e artigo 6.° da petição inicial).

8. Em 07.11.2007, foi emitida a liquidação n.° 2007 231... referente a IRC do período de tributação de 01.01.2003 a 31.12.2003 do contribuinte: C..., SGPS (5...), com o valor de €778.189,24 (cfr. documento junto aos autos com a petição inicial constante de fls. 74 a 78 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas e artigo 6.° da petição inicial, não contestado).

9. Consta do print de fls. 134 do processo execução fiscal n.° 31072008010..., junto a estes autos de Oposição, que a nota de cobrança n.° 2007 1304437 respeita à liquidação n.° 2007 231... e do print de fls. 135, que a referida nota de cobrança foi remetida à C... SGPS, SA pelo registo CTT RY4...4PT, com data de 13.11.2007 (cfr. fls 134 e 135 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

10. Por ofício n.° 096886 de 23.11.2007, a C... - P..., SA, na qualidade de incorporante da sociedade C... SGPS, SA, foi notificada das conclusões resultantes da análise externa referente à ordem de serviço n.° OI200705490 e da qual consta o seguinte teor (cfr. documento n.° 5 junto aos autos com a petição inicial constante de fls. 43 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas e artigo 6.° da petição inicial, não contestado):

«(...) Para conhecimento fica(m) V.ª(s) Ex.ª, por este meio notificado(s), nos termos do art. 62.° do RCPIT, que da acção de inspecção levada a cabo por este Serviço, relativamente ao exercício de 2003, não resultam quaisquer actos tributários ou em matéria tributária que lhe sejam desfavoráveis, em virtude de Va(s) Exa ter(em) procedido voluntariamente à regularização da situação tributária».

11. Em 07.01.2008, o Director-Geral da Direcção Geral dos Impostos emitiu certidão de dívida n.° 2008/29973, referente ao contribuinte n.° 5..., C... SPGS, SA, e ao IRC do exercício de 2003, no valor de €778.189,24 (cfr. fls. 2 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

12. Em 13.01.2008, o Serviço de Finanças de Lisboa 8 instaurou o processo de execução fiscal n.° 31072008010..., para pagamento do valor da quantia de €778.189,24 e cujo montante em dívida, em 31.03.2008, ascendia a €811.032,73 (cfr. documento n° 6 junto aos autos com a petição, constante de fls. 47 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

13. Consta da tramitação do processo de execução fiscal n.° 31072008010... do Sistema de Execuções Fiscais o seguinte: em 17.01.2008, "citação devolvida”, em 27.03.2008, "para citação pessoal após penhora n.° 1120 de 2008” e a 28.03.2008, "mandado de citação” (cfr. fls. 10 a 13 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

14. Em 27.03.2008, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 31072008010... foi efectuada a penhora do saldo da conta bancária da C... SGPS, SA, no valor de €811.042,33 (cfr. informação da AT constante de fls. 79 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

15. Em 31.03.2008, em virtude de pedido efectuado pela C... - P... de Informação, SA, o Serviço de Finanças de Lisboa 8 emitiu certidão com o seguinte teor (parcial) (cfr. documento n.° 6 junto aos autos com a petição inicial, constante de fls. 45 a 49 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas):

«(...) Mais se C... que, relativamente a C... SGPS, SA NIPC 5..., nesta data existem dívidas conforme “print” em anexo a folhas 2, que faz parte integrante da presente certidão. Junto se anexa tramitação do processo de execução fiscal, conforme “print” a folhas 3, que faz parte integrante da presente certidão (...)».

16. Em 09.04.2008, C... - P... de Informação, SA endereçou ao Tribunal Tributário de Lisboa "reclamação do acto de execução fiscal”, peticionando a revogação do acto de penhora de saldos bancários efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n.° 31 072008010... (cfr. fls. 14 a 32 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas):

17. Em 22.04.2008, em virtude do pedido efectuado, em 17.04.2008, pela C... - P... de Informação, SA, o Serviço de Finanças de Lisboa 8 emitiu certidão com o seguinte teor (cfr. fls. 4 a 6 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas):

«(...) C..., em cumprimento do despacho exarado no requerimento que antecede e fica a constituir a página um e dois desta certidão, que após ter compulsado os elementos existentes neste Serviço de Finanças, designadamente através da consulta ao sistema informático de gestão e controlo dos processos de execução fiscal, verificou que, e relativamente ao processo de execução fiscal n.° 31072008010... instaurado em nome de C... SGPS SA, NIF 5..., não foi concretizada qualquer citação, conforme “print” em anexo que constitui a página quatro desta certidão.

Por ser verdade e por ter sido pedida a presente certidão que vou assinar e datar (...)».

18. Em 30.04.2008, o Oponente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 8 petição inicial que deu origem à presente oposição (cfr. fls. 95 a 100 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).

19. Em 02.05.2008, a C... - P... de Informação, SA deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 8 de requerimento a arguir a nulidade da citação no âmbito do processo de execução fiscal n.° 31072008010... (cfr. fls. 68 a 77 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas):

20. Em Julho de 2008, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8 proferiu despacho revogando o acto de penhora praticado no processo n.° 31072008010..., com os fundamentos constantes de informação com o seguinte teor (cfr. fls. 116 a 120 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas):

«(...) Descrição dos factos

Cumpre desde logo fixar a seguinte matéria de facto:

4. A sociedade C... SGPS, SA extinguiu-se na sequência de fusão por incorporação na sociedade agora denominada de Reclamante [C... - P..., SA] com efeitos desde 22.01.2007, tendo sido entregue a correspondente declaração de cessação de actividade a que se referem os art. 32.° do CIVA e a alínea a) do n.° 1 do art. 109.° do CIRC em 15.02.2007.

5. Com efeito, não foi indicada na declaração de cessação de actividade qual a entidade beneficiária, até porque o modelo de declaração de cessação de actividade actualmente em vigor só foi aprovado pela Portaria n.° 210/2007, de 20/02 - Série I n.° 36.

6. Tal facto obstou à indicação da nova sede junto da sociedade incorporante, situação que actualmente ainda se mantém.

7. Os autos de execução fiscal foram instaurados em 13.01.2008 por dívida relativa à liquidação de IRC e juros compensatórios do exercício de 2003 no valor de 778.189,24€ (...)

8. Em 19.03.2008 foi solicitada através do Sistema Informático de Penhoras Automáticas (SIPA) a penhora de outros valores e rendimentos sobre a instituição bancária B..., SA (...)

9. Na sequência de tal pedido foi efectuada a penhora do saldo de conta bancária da executada originária nos autos no valor de 811.042,33 (...)

10. Através de certidão requerida a este Serviço de Finanças, a qual lhe foi notificada a 03.04.2008, a reclamante conforme fls. 17 dos autos, confirma ter conhecimento de que contra si e por força da fusão operada correm termos os presentes autos.

11. A reclamante deduziu oposição em 30.04.2008, tendo em consequência requerido em 12.05.2008 a suspensão dos autos de execução fiscal conforme fls. (...)

Conclusão

Atentos à matéria em causa de pronto se conclui que:

(i) A sede da Sociedade C... SGPS, SA não foi alterada porque os impressos de Declaração de Cessação à data da entrega nos Serviços, não dispunham de campo próprio para o efeito (...)

(iv) Acresce ainda que por força do disposto no n.° 6 do art. 190.° do CPPT, no processo de execução fiscal só ocorrerá falta de citação quando o destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto, por motivo que não lhe pode ser imputável.

(v) Nos presentes autos, admite-se que se tenha estado perante a situação prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 195.° do CPC, nomeadamente que tenha havido erro de identidade do citado, não podendo no entanto a reclamante demonstrar que não chegou a ter conhecimento, dado que interveio por várias vezes nos autos, incluindo através da apresentação de oposição à execução, o que desde logo deverá considerar-se como sanada a eventual nulidade tendo em consideração o disposto no art. 196.° do CPC.

(vi) Aliás a própria reclamante por várias vezes reconhece que tomou conhecimento da dívida e da penhora em causa no dia 03.04.2008 (...)».

21. Em 19.06.2008, a C... - P... de Informação, SA requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8 a junção da garantia bancária n.° 130/2008, prestada, em 18.06.2008, pelo B..., SA, no montante de €1.033.057,98, para suspender o âmbito do processo de execução fiscal n.° 31072008010... (cfr. fls. 165 e 166 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzidas).


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a. Factos não provados: inexistem, com relevância para a decisão da causa.

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b. Motivação de Facto: A matéria de facto julgada provada foi a considerada relevante para a decisão da causa, assentando a convicção deste Tribunal no teor dos documentos integrantes do processo judicial e do processo de execução fiscal, que se dão aqui como integralmente reproduzidos e, bem assim, na posição assumida pelas Partes nos articulados.»



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Considerando o disposto no nº 1 do artigo 662.º do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, adita-se ao probatório a seguinte factualidade provada:


22) Em 05/11/2007 foi submetida, via internet, declaração de substituição modelo 22 de IRC, identificada com o nº 3107-C5888-17, relativa ao exercício de 2003, na qual foi apurado imposto a pagar no montante de € 616,056,43 – Cfr. documento 8, junto com a p.i.


23) Em 07/11/2007 foi emitida a liquidação de juros de mora nº 1994265, no montante de € 7.702,58, referente ao exercício de 2003 de IRC – Cfr. documento a fls. 76;


24) Em 07/11/2007 foi emitida a liquidação de juros compensatórios nº 1994264, no montante de € 93.025,61 – Cfr. documento a fls. 77;


25) O PEF referido no ponto 9) foi instaurado para cobrança de dívida de IRC do exercício de 2003 e de juros de mora e compensatórios – Cfr. certidão de dívida a fls. 2 do PEF, apenso;

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões das alegações de recurso, dúvidas não restam que a questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito ao concluir pela procedência da Oposição, por ter considerado que a notificação da liquidação de IRC referente ao ano de 2003 não foi realizada dentro do prazo de caducidade consagrado no nº1 do artigo 45º da LGT.

A sentença recorrida concluiu que não se demonstrou que a liquidação de IRC de 2003 foi validamente efectuada, o que afecta a sua eficácia e obsta a que a dívida possa ser exigida; o que implica a procedência da oposição, nos termos do artigo 204º, nº1, alínea i) do CPPT e a extinção do processo de execução fiscal instaurado contra a sociedade incorporada pela aqui Oponente.

Mais condenou a sentença recorrida a AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos e com os limites previstos no artigo 53ºda LGT.

Em resumo, a discordância da Recorrente Fazenda Pública estriba-se no seguinte:

· A liquidação em causa foi uma auto-liquidação, como resulta da declaração de substituição modelo 22 constante dos autos, no documento 8 junto com a p.i., pelo que não pode a Recorrida alegar falta de conhecimento de uma auto-liquidação;

· Conforme informação escrita à mão por uma funcionária da AT, a liquidação foi entregue em mãos no SF de Lisboa 8 à TOC, em 20/02/2008;

· A sentença recorrida errou ao não considerar a suspensão do prazo de caducidade durante o período de inspecção tributária, que assim, terminaria em 24/03/2008;

· Cabia à Recorrida proceder à alteração da morada no cadastro da AT;

Por razões de decorrência lógica, começaremos a nossa apreciação pela natureza da liquidação cuja falta de notificação no prazo de caducidade foi determinante para que a sentença recorrida considerasse procedente a oposição.

É que, se concluirmos que, por se tratar de auto-liquidação, não existia obrigatoriedade legal da AT proceder à notificação da liquidação de IRC do exercício de 2003, torna-se desnecessário analisar a argumentação relacionada com a alteração de morada e forma de contagem do prazo de caducidade, por irrelevante ao desfecho do recurso.

Vejamos, então.

Considerando a matéria de facto aditada, há que esclarecer que estão aqui em causa 3 liquidações. A saber, uma auto-liquidação de IRC referente ao exercício de 2003 e duas liquidações de juros, efectuadas pela AT, sendo uma de juros de mora e outra de juros compensatórios.

A Recorrente refere, em desacordo com o decidido, que não subjaz da douta sentença recorrida que a liquidação sindicada é uma autoliquidação, portanto uma operação cujo lançamento do apuramento do imposto em causa é determinado pela própria Oponente, pelo que foi o próprio sujeito passivo que concordou em absoluto com a proposta realizada pela inspecção tributária e decidiu realizar a regularização do que foi proposto, voluntariamente.

E que, é a lógica dos acontecimentos inerentes a esta oposição e por falta de pagamento de uma liquidação diligenciada pela própria Oponente, ultrapassado o prazo do pagamento voluntário, que justifica a instauração do processo de execução fiscal para a sua cobrança coerciva.

Vejamos.

Considerando a matéria de facto por nós aditada, com base em documentação constante dos autos, nomeadamente, a declaração de substituição submetida pela Recorrida e por si junta com a p.i., verifica-se que estamos perante uma auto-liquidação de IRC, regulada pelo CIRC.

O que resulta, grosso modo, do regime estabelecido no CIRC, é que a liquidação é efectuada pelo sujeito passivo, na declaração modelo 22, sendo que, por assim ser, não há lugar a obrigação de notificação da liquidação pela AT.

De salientar que, no caso de incumprimento do pagamento no prazo de pagamento voluntário (artigo 101º do CIRC, na redacção aplicável), começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela DGCI.

Isto significa que, para o caso dos autos, e no que respeita à dívida de imposto, é irrelevante averiguar da suspensão do prazo de caducidade e de todas as circunstâncias relativas à morada da Recorrida, pois que, por se tratar de auto-liquidação, não há lugar à notificação da liquidação por parte da AT.

Já assim não será no que diz respeito às liquidações de juros, uma vez que estas, sim, são promovidas pela AT, com a inerente obrigação de notificação ao sujeito passivo.

Esta matéria foi, já, tratada por este TCAS, no Acórdão proferido em 22/05/2019, no âmbito do processo nº 300/08, do qual recuperamos o seguinte:

“ (…) O nosso ordenamento prevê uma variedade de tipologias de liquidações de imposto, podendo as mesmas ser emitidas pela AT ou ser elaboradas pelo próprio sujeito passivo. É neste último caso que se fala em autoliquidação.

Assim, e a título meramente ilustrativo, são claramente emitidas pela AT as liquidações adicionais resultantes de correções efetuadas ou as liquidações oficiosas motivadas por ausência de apresentação de declaração por parte do sujeito passivo.

Da perspetiva do sujeito passivo, a sua atividade declarativa pode ou não implicar autoliquidação de imposto.

A título exemplificativo, no caso do IRS, não se pode falar em autoliquidação na sequência do cumprimento da obrigação declarativa: o sujeito passivo apresenta a sua declaração de rendimentos e é com base nos elementos na mesma constantes que a AT emite a liquidação de imposto (cfr. art.º 75.º do Código do IRS).

No caso do IRC, tendo por referência a disciplina em vigor à data da apresentação das declarações de substituição (2007 – cfr. facto D.), a regra é a de que a liquidação do IRC é feita, em princípio, pelo próprio contribuinte.

Neste contexto, é de chamar à colação o disposto no art.º 82.º do Código do IRC (CIRC), nos termos do qual “[a] liquidação do IRC é efetuada: // a) Pelo próprio contribuinte, nas declarações a que se referem os artigos 112º e 114º; // b) Pela [então] Direção-Geral dos Impostos, nos restantes casos”.

Portanto, nos casos previstos na al. a) do mencionado art.º 82.º o próprio legislador atribuiu ao contribuinte a competência para liquidar (1).

Cumpre, então, analisar quais a declarações previstas nos art.ºs 112.º e 114.º do CIRC e das quais resulta a autoliquidação de imposto.

Assim, o art.º 112.º respeita à declaração periódica de rendimentos, a apresentar, então, até ao último dia útil do mês de maio.

Já o art.º 114.º do CIRC, relativo à declaração de substituição, previa designadamente que “[q]uando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta”.

Ou seja, quer com a apresentação da declaração periódica de rendimentos, quer com a apresentação da declaração de substituição, está-se perante situações de autoliquidação, ou seja, liquidação do imposto diretamente pelo contribuinte, sendo que o pagamento deverá ser feito em simultâneo com a autoliquidação.

Situação distinta é a relativa às liquidações de juros, sejam elas de juros moratórios ou compensatórios.

Com efeito, quanto aos juros moratórios, é de considerar o disposto no art.º 101.º do CIRC, nos termos do qual, no caso de o imposto autoliquidado não ser pago no prazo, começam a correr imediatamente juros de mora. No caso, é de atender à particularidade, in casu, de as liquidações de juros de mora relativas a ambos os exercícios terem sido emitidas pela AT e de ter sido, nas mesmas, definido prazo para pagamento voluntário, findo o qual se passou à sua cobrança coerciva (cfr. factos G., S. e W.).

Quanto aos juros compensatórios, há que atentar no disposto no art.º 35.º da LGT, nos termos de cujo n.º 1 “[s]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente…”.

No caso dos juros, seja qual for a sua natureza, a liquidação dos mesmos cabe à AT em situações como a dos autos, o que, aliás, nem é controvertido. Não é pelo facto de os mesmos resultarem de comandos legais que exime a AT de os liquidar e, como tal, assiste direito ao administrado de conhecer os termos dessa liquidação, para que a mesma lhe seja exigível.

Portanto, in casu, temos, de um lado, valor autoliquidado, relativo ao imposto, e, do outro, valor liquidado pela AT, relativo a juros moratórios e compensatórios.

Cumpre, agora, fazer um breve enquadramento em torno do dever de notificação de atos tributários.

A notificação dos atos tributários decorre desde logo do desiderato constitucionalmente consagrado no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “[o]s atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”.

Trata-se, pois, de um direito e garantia do administrado.

Ao nível da lei ordinária, decorre do n.º 6 do art.º 77.º da LGT que a eficácia do ato depende da sua notificação.

Quanto à forma das notificações, somos remetidos para os art.ºs 36.º e ss. do CPPT, nos quais são definidas as formalidades subjacentes à notificação dos diversos atos tributários.

Feito este introito, cumpre, desde logo, apreciar o invocado pela Recorrente em torno da inexistência de obrigação de notificação da liquidação, por se tratar de autoliquidação.

Desde já se adiante que lhe assiste razão nesta parte, exclusivamente no que respeita às autoliquidações de IRC.

Com efeito, a notificação a que nos tendo vindo a referir é obrigatória para os atos tributários emitidos pela administração tributária. É nestes casos que cumpre acautelar as garantias dos administrados, para que os mesmos tenham conhecimento dos atos praticados pela AT que lhes digam respeito.

Nos casos de autoliquidação, não se pode falar na existência de um ato tributário de liquidação praticado pela AT, sendo que o próprio legislador configura as liquidações resultantes da apresentação de declarações de substituição como autoliquidações. Assim, é o contribuinte quem calcula e liquida o imposto a pagar, mesmo que, como foi o caso e ao contrário do que resulta da disciplina legal aplicável, não proceda ao pagamento com a apresentação da declaração de substituição.

Ora, estando nós perante uma autoliquidação, o contribuinte tem dela conhecimento, pois foi ele próprio quem a elaborou e submeteu. Ainda que a AT tenha atribuído um número à liquidação de imposto e ainda que a tenha evidenciado na demonstração de liquidação (o que sempre seria essencial, para efeitos de cálculo dos juros e emissão das liquidações a estes respeitantes), isso não altera a natureza da liquidação. Só assim não seria se a AT tivesse corrigido o que fora declarado pelo contribuinte e tivesse, nesse seguimento, procedido a nova liquidação, o que não foi o caso.

“[N]em sempre a externalização da liquidação depende de notificação postal. (…) [T]ratando-se de autoliquidação, a externalização da liquidação segue um regime específico. (…) Nestas situações, a liquidação produz imediatamente efeitos externos, dado que é o próprio sujeito passivo da obrigação de entrega do imposto que a ela procede"(2).

Sendo, pois, autoliquidações não têm de ser notificadas ao contribuinte pela AT (3).

Não havendo obrigação de notificação, por parte da AT, das autoliquidações de IRC, verifica-se erro de julgamento no que respeita à consideração de que houve falta de notificação desses atos e consequente inexigibilidade do tributo.(…)”

Acolhemos, na íntegra, o que ali se decidiu, pelo que se considera assistir razão à Recorrente, no que respeita à autoliquidação de IRC, pelo que, nesta parte, será de conceder provimento ao recurso.

Como supra se viu, relativamente às liquidações de juros, o regime é diferente, já que, por se tratar de liquidações efectuadas pela AT, devem as mesmas ser notificadas ao sujeito passivo.

Assim sendo, atentemos no que a sentença considerou, relativamente às notificações efectuadas:

“(…) de acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 35.° do CPPT «Diz-se notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo».

Prevendo ainda o n.° 1 do artigo 36.° do CPPT (e no mesmo sentido o artigo 77.°, n.° 6, da LGT) que: «Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados».

O Oponente invoca que, tanto a sociedade incorporada por fusão (C... SGPS, SA), como a sociedade incorporante (a aqui Oponente) não foram validamente notificadas da liquidação de IRC do ano de 2003, e que não o tendo sido no prazo previsto no artigo 45.° da LGT, caducou o direito à liquidação.(…)

Efectivamente, por força do disposto no artigo 74.° da LGT, cabe à Administração Tributária o ónus de demonstrar a efectivação da notificação da liquidação.

Contudo, no caso em apreço, a Administração Tributária não logrou provar a realização da notificação da liquidação no prazo de caducidade, uma vez que não juntou aos autos o registo comprovativo do envio da liquidação para o domicílio fiscal do sujeito passivo, tão-pouco o aviso de recepção, antes se limitando a juntar prints informáticos, que não têm a virtualidade de provar que a notificação da liquidação exequenda foi efectuada pela forma legalmente exigida, nomeadamente, por carta registada com aviso de recepção e sobretudo para quem foi endereçada, se foi recebida, e por quem, de acordo com o determinado no aludido artigos 38°, n.° 1, do CPPT.

Na verdade, dos ditos prints não se consegue sequer compreender se a citação foi efectuada para a sociedade incorporada - devedor originário - ou para a sociedade incorporante - aqui Oponente - nem mesmo para que domicílio fiscal foi endereçada a notificação.

Como tal, não se demonstrou que a liquidação de IRC de 2003 foi validamente efectuada, o que afecta a sua eficácia e obsta a que a dívida possa ser exigida; o que implica a procedência da presente oposição, nos termos do artigo 204.°, n.° 1, alínea i), do CPPT e a extinção do processo de execução fiscal instaurado contra a sociedade incorporada pela aqui Oponente.(…)”

Como resulta do quadro legislativo que referimos supra e decorre da matéria de facto provada, as liquidações de juros moratórios e compensatórios em causa foram emitidas pela AT.

O que significa que, se no caso do IRC estamos perante uma auto-liquidação, já no caso dos juros estamos perante liquidações administrativas, ou seja, perante actos praticados pela AT.

Por serem actos em matéria tributária praticados pela administração, a sua eficácia depende da sua válida notificação. Circunstância que não é arredada pelo facto de os seus pressupostos decorrerem da lei, nem se considera que, em situações como a controvertida, resulte da lei que o legislador prescindiu de tal notificação. Pelo contrário, a leitura conjunta dos artigos 101.º do CIRC e dos artigos 36.º e 38.º do CPPT e os concretos factos ora em análise, implica conclusão em sentido diverso.Aliás, se a AT definiu um prazo para pagamento voluntário, só com a notificação do acto o mesmo poderia ser dado a conhecer ao seu destinatário.

Ora, in casu, como decidido pelo Tribunal a quo, nada ficou provado no sentido de terem sido validamente efectuadas as notificações das liquidações de juros, asserção que a Recorrente não logrou contrariar em sede recursiva.

Não o tendo feito, improcede a sua argumentação, pelo que será de manter a sentença recorrida, neste segmento.

Finalmente, resta dizer que não se compreende a alegação, do recurso, relativa ao erro imputável aos serviços, já que não houve qualquer condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, mas sim, em indemnização por prestação de garantia indevida.

Ora, nada tendo vindo a recorrente dizer quanto a esta condenação, será de manter o decidido em 1ª instância.

Resta dizer que, tendo a sentença recorrida condenado a AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, e considerando o preceituado no nº1 do artigo 53.° da LGT, nos termos do qual «O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução, que tenha por objecto a dívida garantida», deverá o montante da indemnização ser reduzido, proporcionalmente, face ao decidido quanto à liquidação de IRC.

O que significa que a indemnização a pagar será proporcional ao montante das liquidações de juros.


*

Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

Estabelece o artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais que «nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta afinal, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Conforme entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13 a que aderimos, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000€ (o valor da causa no presente processo fixou-se em € 811.032,73) e que a mesma não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer uma das partes, em recurso, se pode considerar reprovável.

Nada obsta que a Recorrente seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atento o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, no que respeita à auto-liquidação de IRC, reduzindo-se, proporcionalmente, a condenação em indemnização por garantia indevida e negar provimento quanto ao demais.

Custas pela Recorrente na proporção do decaimento, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Maio de 2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Lurdes Toscano.


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)