Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1173/12.5BELRS-R1
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:LEI 118/2019 – ENTRADA EM VIGOR
RECURSO EXTEMPORÂNEO
Sumário:I - A Lei n.º 118/2019, foi publicada no Diário da República n.º 178/2019, Série I, de 17/09/2019, e dispõe sobre a “aplicação no tempo” que entra em vigor 60 dias após a sua publicação, nos termos do seu artigo 14º.

II - Só a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, ou seja, 16/11/2019, as alterações efectuadas por esta Lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário serão imediatamente aplicáveis, com as excepções referidas no artigo 13º.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I. Relatório

Z….. e S….., notificados do despacho da ora relatora em que foi indeferida a reclamação proferida nos presentes autos, vieram reclamar para a Conferência do referido despacho, requerendo que a presente Reclamação para a Conferência seja julgada procedente e, em consequência, deferida.

Tendo em vista a procedência da sua pretensão apresentou as suas alegações nas quais concluiu nos seguintes termos:

a) Os Recorrentes e ora Reclamantes interpuseram recurso da decisão que julgou a impugnação improcedente.

b) Ao contrário do que despachou a Mmª juiz a quo, o Recurso foi apresentado em tempo e não foi extemporâneo.

c) Os ora Reclamantes deduziram assim Reclamação ao abrigo do artigo 643º do CPC, visando o despacho de 09/12/2019 da Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, o qual não admitiu o recurso por eles deduzido, com fundamento em extemporaneidade.

d) Na verdade, com a aprovação e publicação da Lei 118/2019 de 17/09, procedeu-se a uma alteração substancial do CPPT e do CPTA, nomeadamente quanto aos prazos para interposição das alegações de recurso.

e) No entanto, a própria Lei determina no seu artigo 13º que as alterações efectuadas ao CPTA são imediatamente aplicáveis aos processos administrativos pendentes.

f) O que consubstancia a presente situação.

g) Assim sendo, a contagem do prazo para os Reclamantes interporem recurso iniciou-se em 07/10/2019, pelo que o prazo terminaria em 06/11/2019.

h) No entanto, os Reclamantes entregaram o seu Requerimento e respectivas alegações de recurso no dia 04/11, dois dias antes de terminar o prazo.

i) Pelo que o recurso apresentado não pode ser considerado extemporâneo, devendo ter sido admitido.

j) Concluindo-se, em face do exposto que a Decisão Sumária de que ora se reclama fez errada aplicação do direito, pelo que se requer seja a presente Reclamação para a Conferência, ser julgada procedente.

Termos em que, face aos fundamentos supra alegados, deve a presente Reclamação para a Conferência ser julgada procedente e, em consequência, deferida, devendo sobre a matéria da Decisão Singular recair Acórdão, o que se requer, com as legais consequências.


II – O despacho reclamado, de que se pretende, nos termos do nº3 do artigo 652º, do Código de Processo Civil, que recaia acórdão, contém a seguinte fundamentação de facto e de direito:

«Z….. e S….., deduziram a presente reclamação, ao abrigo do artigo 643.º do Código de Processo Civil (CPC), visando o despacho datado de 09/12/2019 da Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, o qual não admitiu o recurso deduzido pelos reclamantes, com fundamento em extemporaneidade do mesmo, por ter sido apresentado para além do prazo de 10 dias previsto no n.º 1, do artigo 280.º do CPPT.

Os Reclamantes apresentaram as seguintes conclusões:


*

A Fazenda Pública notificada nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, do artigo 643.º do CPC, não apresentou resposta à reclamação.

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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência da reclamação.

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Cumpre apreciar e decidir.

*

Com interesse para a decisão da presente reclamação é o seguinte o circunstancialismo processual relevante:

1 – Em 25/09/2019 foi proferida sentença no processo de impugnação nº 1173/12.5BELRS;

2 - Os Reclamantes foram notificados, em 07/10/2019, da referida sentença;

3 – Em 04/11/2019 os Impugnantes apresentaram requerimento de interposição de recurso da sentença;

4 – Por despacho de 09/12/2019, o Tribunal Tributário de Lisboa não admitiu o recurso por ser extemporâneo, em face do disposto no artigo 280.º, n.º 1 do CPPT;

5 – Em 06/01/2020 foi apresentada a reclamação que originou o presente processo.


*

A questão a decidir consiste em saber se a decisão de não admissão do recurso incorre ou não em erro no que respeita à aplicação do n.º 1, do artigo 280.º do CPPT, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro.

Vejamos.

A sentença foi proferida em 25/09/2019 e notificada em 07/10/2019.

A citada Lei n.º 118/2019, foi publicada no Diário da República n.º 178/2019, Série I, de 17/09/2019, e dispõe sobre a “aplicação no tempo” que entra em vigor 60 dias após a sua publicação, nos termos do seu artigo 14.º.

Os reclamantes defendem que ao presente processo é aplicável o regime de recursos previsto no artigo 280.º e seg. do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, por serem imediatamente aplicáveis aos processos judiciais tributários pendentes, pelo que a Mma. Juiz a quo ofendeu o disposto no artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 118/2019, de 177/09, ao não admitir o recurso de apelação interposto pelos Reclamantes.

A questão em apreço é resolvida pelo disposto no artigo 14.º da Lei n.º 118/2019, que regula a aplicação no tempo das normas cujas alterações introduz nos diversos diplomas legais referidos no seu artigo 1º.

Com efeito, o referido artigo 14.º, com a epigrafe “Entrada em vigor” dispõe o seguinte A presente lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação.

Daqui resulta que a Lei n.º 118/2019 fixou o dia da sua entrada em vigor, o mesmo é dizer, regula os seus efeitos, não sendo de aplicação imediata, mas antes e apenas 60 dias após a sua publicação.

Como se ponderou no acórdão do STA de 06/07/2011, proferido no processo n.º 0384/11 «Como se sabe, em matéria de aplicação de lei processual no tempo rege o princípio de que, salvo disposição especial, a lei processual ou adjectiva é de aplicação imediata mas não retroactiva, princípio que embora não estabelecido no Código de Processe Civil, se extrai do critério geral de que a lei só dispõe para o futuro, contido no artigo 12.º Código Civil. E, nesse seguimento, também o artigo 12.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária estabelece que «As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes».

O que significa que, quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva. Ou, como afirmam ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in “Manual de Processo Civil”, pág. 45, «a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo».»(disponível em www.dgsi.pt/).

Ora, o artigo 13.º da Lei n.º 118/2019 vem regular a aplicação no tempo das normas de processo tributário, a cuja alteração procede, aos processos pendentes, dispondo no corpo do nº 1 o seguinte:

«1 – As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções: (…)»

Em consonância com o que se acaba de expor, e da leitura conjugada dos artigos 13.º e 14.º da Lei n.º 118/2019, retira-se que a nova redacção do n.º 1 do artigo 280.º do CPPT só é aplicável aos processos pendentes após a entrada em vigor da citada Lei n.º 118/2019, sendo que o advérbio “imediatamente” só pode reportar-se à data de entrada em vigor da citada Lei n.º 118/2019, pois, outra leitura levaria à aplicação de uma norma que ainda não entrou em vigor na ordem jurídica.

Dito por outras palavras, só a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, ou seja, 16/11/2019, as alterações efectuadas por esta Lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário serão imediatamente aplicáveis, com as excepções referidas no artigo 13.º.

Assim sendo, as alterações efectuadas são de aplicação imediata após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019 e não após a sua publicação como parece pretenderem os Reclamantes, uma vez que o legislador estabeleceu no artigo 14.º uma vacatio legis de 60 dias.

Os Reclamantes parecem confundir aplicação imediata aos processos pendentes com entrada em vigor do diploma.

Não têm os Reclamantes, manifestamente, razão.

Definido o regime jurídico aplicável, vejamos se o recurso foi tempestivamente apresentado.

Nos termos do artigo 280.º, n.º1, do C.PPT, na redacção em vigor à data da notificação sentença, das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância cabe recurso a interpor no prazo de dez dias.

In casu, tendo os reclamantes sido notificados da sentença em 07/10/2019, e tendo apresentado o requerimento de interposição de recurso no dia 04/11/2019, terá de se concluir que o mesmo é manifestamente extemporâneo.

Em suma, não têm razão os reclamantes, devendo confirmar-se o despacho do Tribunal a quo objecto da presente reclamação, ao que se procederá na parte dispositiva.


***

DECISÃO

Face ao exposto, indefere-se a reclamação apresentada e confirma-se o despacho que não admitiu o recurso deduzido pelos Reclamantes devido a intempestividade do requerimento de interposição.

Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em duas (2) UC.

Registe e Notifique.


Lisboa, 14 de Julho de 2020»



III - O Direito

Como se constata da leitura da decisão que constitui objecto da presente reclamação, os requerentes continuam inconformados com a decisão de não admissão do recurso aduzindo, tendo em vista a sua alteração no sentido de admissão do recurso, precisamente os mesmos argumentos de direito que anteriormente aduziram, isto é, que com a aprovação e publicação da Lei 118/2019 de 17/09, procedeu-se a uma alteração substancial do CPPT e do CPTA, nomeadamente quanto aos prazos para interposição das alegações de recurso e que a própria Lei determina no seu artigo 13º que as alterações efectuadas ao CPTA são imediatamente aplicáveis aos processos administrativos pendentes.

Ora, uma vez que os requerentes nada mais adiantam e que a argumentação jurídica desenvolvida, em nosso entender, não merece acolhimento, pelas razões que já foram adiantadas no despacho de que ora se reclama, limitar-nos-emos a deixar aqui, mais uma vez, nota, daquela que constitui a fundamentação que determina o afastamento da construção jurídica defendida pelos reclamantes:

«A sentença foi proferida em 25/09/2019 e notificada em 07/10/2019.

A citada Lei n.º 118/2019, foi publicada no Diário da República n.º 178/2019, Série I, de 17/09/2019, e dispõe sobre a “aplicação no tempo” que entra em vigor 60 dias após a sua publicação, nos termos do seu artigo 14.º.

Os reclamantes defendem que ao presente processo é aplicável o regime de recursos previsto no artigo 280.º e seg. do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, por serem imediatamente aplicáveis aos processos judiciais tributários pendentes, pelo que a Mma. Juiz a quo ofendeu o disposto no artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 118/2019, de 177/09, ao não admitir o recurso de apelação interposto pelos Reclamantes.

A questão em apreço é resolvida pelo disposto no artigo 14.º da Lei n.º 118/2019, que regula a aplicação no tempo das normas cujas alterações introduz nos diversos diplomas legais referidos no seu artigo 1º.

Com efeito, o referido artigo 14.º, com a epigrafe “Entrada em vigor” dispõe o seguinte A presente lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação.

Daqui resulta que a Lei n.º 118/2019 fixou o dia da sua entrada em vigor, o mesmo é dizer, regula os seus efeitos, não sendo de aplicação imediata, mas antes e apenas 60 dias após a sua publicação.

(…)

Ora, o artigo 13.º da Lei n.º 118/2019 vem regular a aplicação no tempo das normas de processo tributário, a cuja alteração procede, aos processos pendentes, dispondo no corpo do nº 1 o seguinte:

«1 – As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções: (…)»

Em consonância com o que se acaba de expor, e da leitura conjugada dos artigos 13.º e 14.º da Lei n.º 118/2019, retira-se que a nova redacção do n.º 1 do artigo 280.º do CPPT só é aplicável aos processos pendentes após a entrada em vigor da citada Lei n.º 118/2019, sendo que o advérbio “imediatamente” só pode reportar-se à data de entrada em vigor da citada Lei n.º 118/2019, pois, outra leitura levaria à aplicação de uma norma que ainda não entrou em vigor na ordem jurídica.

Dito por outras palavras, só a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, ou seja, 16/11/2019, as alterações efectuadas por esta Lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário serão imediatamente aplicáveis, com as excepções referidas no artigo 13.º.

Assim sendo, as alterações efectuadas são de aplicação imediata após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019 e não após a sua publicação como parece pretenderem os Reclamantes, uma vez que o legislador estabeleceu no artigo 14.º uma vacatio legis de 60 dias.

Os Reclamantes parecem confundir aplicação imediata aos processos pendentes com entrada em vigor do diploma.

Não têm os Reclamantes, manifestamente, razão.

Definido o regime jurídico aplicável, vejamos se o recurso foi tempestivamente apresentado.

Nos termos do artigo 280.º, n.º1, do C.PPT, na redacção em vigor à data da notificação sentença, das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância cabe recurso a interpor no prazo de dez dias.

In casu, tendo os reclamantes sido notificados da sentença em 07/10/2019, e tendo apresentado o requerimento de interposição de recurso no dia 04/11/2019, terá de se concluir que o mesmo é manifestamente extemporâneo.»

Improcede, pois a reclamação deduzida para a conferência pelos ora reclamantes, mantendo-se, assim, em conformidade, o despacho objecto desta reclamação.


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IV- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário, confirmando integralmente o despacho reclamado, em indeferir a reclamação para a Conferência apresentada pelos reclamantes.

Custas pelos reclamantes.

Registe e notifique.


Lisboa, 22 de Outubro de 2020

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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]


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[Catarina Almeida e Sousa]