Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:964/11.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO;
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL.
Sumário:1. Segundo a jurisprudência do STA, que acompanhamos, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada [nº 4 do art. 23º da LGT] não se impondo que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.

2. Daqui resulta que no caso de o visado negar a gerência efectiva da sociedade, a AT terá então [na contestação] de avançar com esses elementos para satisfazer o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, em especial o efetivo exercício da gerência da devedora originária.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Fazenda Pública.
RECORRIDA: M……
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº Juiz do TT de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por M........, na qualidade de revertida, contra o processo de execução fiscal nº 3158200404004..., por dívida de IVA do 1º trimestre de 2003, no montante de 62.233,64€, sendo a devedora originária a sociedade ”R.........., Lda”.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
«I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvado melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” julgou procedente o pedido formulado pela oponente com visível deficit instrutório e erro de facto pois apenas assim poderia ser determinado que quanto à originária devedora/primitiva executada, a oponente fosse julgada parte ilegítima na execução e, em consequência a sua oposição fosse julgada procedente.
II - Na verdade, contrariamente ao decidido e de acordo com a prova constante nos autos, a oponente foi gerente à data dos factos e, a sua assinatura obrigava a sociedade.
III – Na realidade, apenas em 28.12.2006, foi elaborada a Ata nº ... da Assembleia Geral Extraordinária da sociedade, onde consta ter sido nessa data “deliberado sobre a cessão de quota da sócia M........, no valor de 8.230,17€ (oito mil duzentos e trinta euros e dezassete cêntimos) a J……...” – ponto 1 do documento.
IV - Apenas então, como consta no ponto quatro da referida ata - foi deliberado sobre a renúncia à gerência da sócia M……..
V - Apenas nesse dia foi nomeado gerente o novo sócio J...........
VI - Apenas a partir daí a sociedade prestou o devido consentimento às cessões das quotas a favor de J……… .
VII - Por outro lado, verifica-se que apenas “Através da AP. 7, 8 e 9/20090…, foi inscrita no Registo Comercial a renúncia à gerência da Oponente e dos restantes sócios-gerentes identificados no probatório, todos com efeitos a 28.12.2006, sendo em simultâneo registadas as cedências de todas as quotas a favor de J……., passando este a ser, a partir daí, gerente único. (cfr. fls. 11 a 14 do PEF apenso) – facto dado como provado.

VIII – Na decisão recorrida foram violadas as regras CSC porque de acordo com os normativos legais a renúncia não se torna efectiva no momento em que a comunicação é recebida pela sociedade porquanto o artº 258º nº 1 do CSC protela a efectividade da renúncia para oito dias depois e a ratio de tal adiamento entronca no compromisso entre o interesse do gerente em cessar de imediato as suas funções e a conveniência da sociedade em ter tempo para designar outro gerente.
IX - Ademais, alegando todos os gerentes que não exerceram essas funções a sociedade encontrar-se-ia sem governo, à deriva.
X – Ora se, o exercício da gerência criteriosa e diligente e respectiva prova têm de basear-se em elementos concretos que evidenciem a tomada de decisões que influenciem a vida da empresa, onde se demonstre a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, julgando sobre a concreta impossibilidade de pagar as dívidas fiscais e da conduta do gerente que deverá ser irrepreensível, sem qualquer nexo de culpa que lhe possa ser imputável, a oponente é responsável.
XI – E, de acordo com a materialidade fática apurada, no que aqui releva as dívidas existem, logo o giro da sociedade era efectivo. Estamos até perante dívidas repercutidas a terceiros em que, pela sua natureza, se presume até haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança.
XII - Ora, face à prova reunida nos autos não logrou a oponente fazer contraprova, limitando-se a alegar sem apresentar qualquer prova em concreto, uma vez que face à prova reunida nos autos, quem tinha poderes para vincular a sociedade perante terceiros era a oponente juntamente com os outros dois gerentes nomeados, embora todos neguem esse facto, o alegado de que era o J.......... quem exercia as funções carece de qualquer suporte factual ou legal.
XIII – Deste modo, sendo apenas o gerente/ administrador que goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade e, sendo a oponente responsável à data dos factos, não pode eximir-se à sua responsabilidade subsidiária no pagamento da dívida exequenda.
XIII – Termos em que, salvo melhor entendimento foram violados os normativos legais aplicáveis subjudice e acima mencionados por errada interpretação dos factos e sua subsequente subsunção ao direito.

Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÂO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

Contra Alegações:
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer no sentido da improcedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a oposição deduzida contra a execução revertida.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) Através da inscrição 1 – Ap. 04/19961…. foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a sociedade comercial “R….. – P……, Lda”, sendo designados como seus gerentes os sócios M........, ora Oponente, M……. e J……., obrigando-se a empresa pela assinatura de dois dos seus gerentes (cfr. fls. 11 a 14 do PEF apenso).
B) Através da AP. 7, 8 e 9/20090…, foi inscrita no Registo Comercial a renúncia à gerência da Oponente e dos restantes sócios-gerentes identificados na alínea antecedente, com efeitos a 28.12.2006, sendo na mesma data registadas as cedências de todas as quotas a favor de J……., passando este a ser gerente único (cfr. fls. 11 a 14 do PEF apenso).
C) Em 06.02.2004, no Serviço de Finanças de Loures 3, foi instaurado contra a sociedade identificada em A), o processo de execução fiscal nº 3158200401004…, para cobrança de dívida de IVA do primeiro trimestre do ano de 2003, no montante de 62.233,64€ (cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso).
D) Em 27.11.2009 foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures 3, despacho a determinar a preparação do PEF mencionado na alínea antecedente, para efeitos de reversão contra a Oponente, determinando-se, em consonância, a notificação desta para efeitos de exercício do direito de audição prévia (cfr. fls. 32 do PEF apenso).
E) Notificada para o efeito, a Oponente exerceu em 28.12.2009 o seu direito de audição, invocando a falta do pressuposto da gerência de facto, e juntando três documentos, a saber: contrato de compra e venda da sua quota na devedora originária, celebrado em 23.05.2000 com J.........., com assinaturas reconhecidas notarialmente; a ata número seis da sociedade; e uma declaração processada pela empresa S…….., S.A., atestando que a Oponente ali exerce as funções de assistente administrativa desde 01.10.1994 (cfr. fls. 48 a 58 do PEF apenso).
F) Em 24.03.2011, foi proferido despacho de reversão contra a Oponente, no âmbito do PEF nº 3158200401004…, com o seguinte teor:
“Vêm os requerentes- M…… e M........, pronunciar-se sobre a proposta de despacho de reversão no sentido de que o mesmo não deve ser convertido em definitivo, alegando para o efeito, que a decisão de, contra ele, reverterem as dívidas em execução nos presentes autos carece de fundamentação, por não estarem reunidos os pressupostos e condições legalmente consagrados, em virtude de:

• Em 1999 ter acordado a venda da quota que tinha na firma:

Do alegado no parágrafo anterior, e de acordo com o já referido, após as diligências efectuadas nomeadamente através da informação não certificada da CRC enviada a este Serviço de Finanças para efeitos de elaboração do Projecto de Decisão, verifica-se que constam como gerentes J……..; M……… E M........;
Em 25/6/2009 foi registada na respectiva Conservatória a cessação por renúncia à gerência dos oponentes por força da acta nº … de 28/12/2006 onde é referido que a cessão da quota resultava de um acordo de 1999;
Nessa mesma acta e ao contrário do afirmado, o Sr. J.......... teria comandado a empresa mas COMO DIRECTOR GERAL e não como gerente, como é implícito no alegado pelos requerentes:

• Quanto à consagração do princípio da culpa real e não meramente presumida

Neste caso cumpre referir que a notificação para o exercício do direito de audição prévia foi feita nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 24° da Lei Geral Tributária (LGT) e não nos termos da alínea a) da mesma disposição legal.
Sendo que a alínea b) é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação em que nesse período ocorrem o facto constitutivo e a cobrança.
E, nestes casos, e como resulta da expressão "quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento", o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores, uma vez que o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação daqueles e, não sendo satisfeita, cabe- lhes provar que a falta de pagamento não lhes é imputável.

Face ao exposto, a execução terá de prosseguir os seus termos na exacta medida e com todas as consequências legais expressas no despacho de reversão, que por este despacho, é convertido em definitivo.

NOTIFIQUEM-SE OS REQUERENTES DO TEOR DO PRESENTE DESPACHO CONJUNTAMENTE COM O DESPACHO DE REVERSÃO PARA EFEITOS DE CITAÇÃO.”
(cfr. fls. 88 do PEF apenso).
G) A Oponente foi citada do despacho de reversão em 01.04.2011 (cfr. fls. 99 do PEF apenso).
H) A Oponente assinou em 23.05.2000, conjuntamente com J.........., o escrito denominado “Contrato de Compra e Venda de Quota Comercial e Forma de Pagamento”, pelo qual a Oponente declarou vender a sua quota na sociedade “R.........., Lda” pelo valor de 12.000.000$00 (cfr. doc. de fls. 127e 128 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
I) Em 28.12.2006, foi elaborada a Ata nº 6 da Assembleia Geral Extraordinária da sociedade referida na alínea antecedente, aí tendo comparecido um procurador da Oponente, constando da referida ata o seguinte:
“--- Aos vinte e oito dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e seis, pelas nove horas, na sede social da empresa R.......... - P......... LDA, (…), reuniram em Assembleia Geral Extraordinária, todos os sócios da empresa, tendo esta o carácter de Assembleia Universal, com a seguinte ordem de trabalhos.
-------- Ponto um - deliberar sobre a cessão de quota da sócia M........, no valor de 8.230,17€ (oito mil duzentos e trinta euros e dezassete cêntimos) a J...........
-------- Ponto dois - deliberar sobre a cessão de quota do sócio M........., no valor de 5.237,38€ (cinco mil duzentos e trinta e sete euros e trinta e oito cêntimos) a J...........
-------- Ponto três - deliberar sobre a cessão de quota do sócio J........., no valor de 1.496.39€ (mil quatrocentos e noventa e seis euros e trinta e nove cêntimos) a J...........
-------- Ponto quatro - deliberar sobre a renúncia à gerência dos sócios M........, M......... e J..........
-------- Ponto cinco - nomear gerente o novo sócio J...........
-------- Ponto seis - deliberar sobre a alteração da forma de obrigar da sociedade, passando a ser apenas necessária a assinatura de um gerente para obrigar a sociedade.
-------- Ponto sete - dar nova redacção aos artigos terceiro e quarto do contrato de sociedade no sentido de actualizar a sua redacção em virtude das cessões de quotas, da alteração da gerência e da forma de obrigar.
(…)
------- Aberta a sessão passou-se imediatamente à análise e discussão do primeiro ponto da ordem de trabalhos, tendo-se deliberado por unanimidade, que a sócia M........ irá ceder a sua quota no valor de 8.230, 17€ (oito mil duzentos e trinta euros e dezassete cêntimos) a J.........., pelo seu valor nominal. Mais se disse que esta cessão resulta de um acordo entre ambos que data do ano de 2000.
------- Passou-se de imediato à análise do segundo ponto da ordem de trabalhos, tendo-se deliberado por unanimidade, que o sócio M........., irá ceder a sua quota no valor de 5.237.38€ (cinco mil duzentos e trinta e sete euros e trinta e oito cêntimos) a J.........., pelo seu valor nominal. Mais se disse que esta cessão resulta de um acordo entre ambos que data do ano de 1999.
------- Passou-se à análise do terceiro ponto da ordem de trabalhos, tendo-se deliberado por unanimidade, que o sócio J........., irá ceder a sua quota no valor de 1.496,39€ (mil quatrocentos e noventa e seis euros e trinta e nove cêntimos) a J.........., pelo seu valor nominal. Mais se disse que esta cessão resulta de um acordo entre ambos que data do ano de 1999.
------- A presente Z........., que à data da constituição da empresa era casada com o cedente J........., e não tendo efectuado a partilha desta quota pelo seu- divórcio, vem desta forma dar o seu consentimento à referida cessão de quota.
------- Todos os sócios presentes, em seu nome e em nome da sociedade que representam, não pretendem gozar de qualquer direito de preferência nas cessões de quotas atrás referidas.
------- A sociedade presta o devido consentimento às cessões das quotas a favor de J..........
------- Foi nesta altura dito pelo Sr. J.........., que desde as datas acordadas com os cedentes, tem comandado os destinos da empresa como Director Geral, pelo que assume todo e qualquer encargo e responsabilidade que possa advir desde essas datas.
------- Foi também assumido por todos os sócios cedentes, que dado só agora formalizarem esta cessão, não solicitarão" mais nenhuma quantia ao adquirente, a qualquer título, para além dos valores de cedência, já recebidos por todos.
------- Passou-se então à análise do quarto ponto da ordem de trabalhos, tendo a sócia M........, através do seu representante, renunciado à gerência, reportando-se esta renúncia a Maio de 2000. O sócio M......... também renunciou à gerência reportando-a a Junho de 1999, tendo também o sócio J......... renunciado à gerência reportando-a a Agosto de 1999. Todas as renúncias à gerência foram aprovadas por unanimidade.
------- Passou-se de imediato à discussão do quinto ponto da ordem de trabalhos, tendo-se deliberado por unanimidade, nomear gerente o novo sócio J...........
------- Passou-se à discussão do sexto ponto da ordem de trabalhos, tendo-se deliberado por unanimidade, alterar a forma de obrigar da sociedade, passando a ser apenas necessária a assinatura de um gerente para obrigar a sociedade.
------- Por último passou-se à análise do sétimo ponto da ordem de trabalhos, tendo-se deliberado por unanimidade, alterar os artigos terceiro e quarto do contrato de sociedade, ficando a ter a seguinte redacção: (…)” (cfr. fls. 129 a 133 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
J) A presente oposição foi apresentada em 03.05.2011 (cfr. fls. 16 dos autos).
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Factos Não Provados:
1 – Não foi provado que a Oponente tenha praticado algum ato de gerência ou participado ativamente na vida da sociedade devedora originária, no período posterior a 23.05.2000.
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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
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A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo executivo, conforme indicado a propósito de cada alínea do probatório.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Oponente deduziu oposição judicial contra a reversão da execução inicialmente instaurada contra a devedora originária “R.......... Lda.” por dívidas de IVA do primeiro trimestre de 2003, alegando, além do mais, não ter exercido a gerência efetiva da devedora originária no período das dívidas.

A sentença julgou procedente a oposição, fundamentando-se entre o mais, no seguinte:

“...não existe no nosso ordenamento jurídico suporte normativo que permita concluir que o facto de alguém ter sido nomeado administrador de direito de determinada sociedade faça presumir legalmente o exercício de facto dessa administração.

Ora, no caso dos autos, o despacho de reversão parece partir do princípio de que o simples facto de alguém se encontrar registado como administrador de direito da sociedade devedora originária é razão suficiente para operar a reversão, uma vez que nenhuma outra razão de facto ou de direito vem neles invocada.

Na realidade, não se encontram provados, ou sequer alegados pelo órgão da execução fiscal quaisquer factos concretos que permitam minimamente indiciar o exercício efetivo de poderes de administração por parte da Oponente, ficando, desde logo, afastada a possibilidade de o tribunal chegar àquela conclusão por via de presunção judicial, pelo que é forçoso concluir que a Administração Fiscal não logrou cumprir com o ónus de prova que sobre si impendia em primeira mão.

Não obstante, sempre se dirá que a prova documental carreada para os autos sempre impossibilitaria o recurso à presunção judicial decorrente do facto da Oponente se encontrar registada como gerente da sociedade, na medida em que tal prova constitui um forte indício de que a Oponente não exercia, de facto, a gerência da sociedade desde 23.05.2000, data em que celebrou contrato de compra e venda da sua quota, ideia qua acaba reforçada com o teor da Ata nº 6 da sociedade.

Portanto, quer porque a A.T. não logrou no procedimento de reversão, quer nos próprios autos, trazer qualquer mínimo facto indiciário daquela gerência de facto, quer porque a Oponente, ainda assim, logrou demonstrar factos, no mínimo indiciadores da não verificação daquele pressuposto da reversão, a consequência da falta de tal prova apenas pode reverter contra a A.T.

Assim sendo, e concluindo, não se demonstrando que o Oponente exerceu de facto funções de administração na sociedade executada, falta um pressuposto indispensável à sua responsabilização subsidiária nos termos do artigo 24º da LGT, sendo parte ilegítima na execução.”

A RECORRENTE argumenta que os autos contêm elementos probatórios suficientes para considerar que a Oponente exerceu a gerência efetiva da devedora originária. Esses elementos são a ata n.º … da AG Extraordinária da devedora originária onde consta que apenas em 28.12.2006 foi “deliberado sobre a cessão de quota da sócia M........, no valor de 8.230,17€ (oito mil duzentos e trinta euros e dezassete cêntimos) a J..........” e só a partir dessa data se deliberou sobre a renúncia.
Por outro lado, apenas “Através da AP. 7, 8 e 9/20090…, foi inscrita no Registo Comercial a renúncia à gerência da Oponente e dos restantes sócios-gerentes identificados no probatório, todos com efeitos a 28.12.2006, sendo em simultâneo registadas as cedências de todas as quotas a favor de J.........., passando este a ser, a partir daí, gerente único.
A decisão recorrida violou as regras CSC, porque de acordo com os normativos legais a renúncia não se torna efectiva no momento em que a comunicação é recebida pela sociedade porquanto o artº 258º nº 1 do CSC protela a efectividade da renúncia para oito dias depois e a ratio de tal adiamento entronca no compromisso entre o interesse do gerente em cessar de imediato as suas funções e a conveniência da sociedade em ter tempo para designar outro gerente.

Apreciemos.

É aplicável ao regime da responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias de outrem o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12º do Código Civil), pelo que à situação dos autos é de aplicar o regime decorrente do artigo 24º da LGT.

Preceitua o artigo 24º da LGT o seguinte:

“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

(…) ”.

Deste normativo legal resulta, desde logo, que a responsabilidade subsidiária aí prevista não exige sequer a gerência nominal ou de direito (“que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração”) e que a responsabilização subsidiária exige a prova da gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

Ora, é sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342º, nº 1, do CC e artigo 74.º, n.º 1, da LGT].

Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária [a inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal - cfr. artigo 11º do Código do Registo Comercial- de que é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência].

E só quem goza de uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC).

Portanto, é inquestionável que a prova da gerência de facto recai sobre quem pretende exercer o direito à reversão, como resulta do disposto no art. 74º/1 LGT e 342º/1 do Código Civil.

O mesmo é dizer que tal prova recai sobre a AT que não pode limitar-se a extrair da gerência de direito qualquer presunção de gerência efectiva, pelo menos depois do acórdão do Pleno da Secção do CT do STA n.º 01132/06 de 28-02-2007, em cujo sumário se lê

I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.

No entanto, se quanto ao efectivo exercício de funções de gerência “não pode [o juiz] retirá-lo mecanicamente, do facto de o revertido ter sido nomeado gerente, na falta de presunção legal” [citado acórdão do STA], pode, no entanto, suceder que o julgador, caso a caso e com base no conjunto de prova produzida, com base nas regras da experiência e em juízos de probabilidade, infira a gerência efectiva de outros factos [cfr. acórdão do TCAN de 27.03.2008, Processo 00090/03].

Por conseguinte, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum [acórdão do STA de 10.12.2008, Processo 0861/08].

E no que respeita ao conteúdo do despacho de reversão, o STA entende que a sua fundamentação formal se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada [nº 4 do art. 23º da LGT] não se impondo que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido [Ac. do Pleno da Secção do CT do STA n.º 0458/13 de 16-10-2013 in http://www.dgsi.pt/].

Daqui resulta que no caso de o visado negar a gerência efectiva da sociedade, a AT terá então [na contestação] de avançar com esses elementos no sentido de satisfazer o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, em especial o efectivo exercício da gerência.[1]

Pelo que deixámos dito, resulta que não acompanhamos totalmente a sentença quando refere que “...não se encontram provados, ou sequer alegados pelo órgão da execução fiscal quaisquer factos concretos que permitam minimamente indiciar o exercício efetivo de poderes de administração por parte da Oponente, ficando, desde logo, afastada a possibilidade de o tribunal chegar àquela conclusão por via da presunção judicial, pelo que é forçoso concluir que a Administração Fiscal não logrou cumprir da prova que sobre si impendia em primeira mão.”

Com efeito, o despacho de reversão não tem de conter quaisquer factos concretos que permitam indiciar o exercício efetivo da gerência. Poderá contê-los, mas se não os contiver, a AT poderá na contestação alegar - e provar - factos de onde se retire a gerência efetiva do Oponente.

Neste contexto, importa agora apurar se os documentos mencionados pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública permitem concluir que a Oponente exerceu, de facto, a gerência da devedora originária.

A gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.

Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, R…… - F……, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, citado, entre outos, nos acórdãos do TCAN de 18.11.2010 e 20.12.2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente.

Ora, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, não se nos afigura que no caso em apreço se possa afirmar o efectivo exercício da gerência a partir do conteúdo dos documentos juntos aos autos, em especial da ata n.º 6 [alínea I dos Factos Provados], nem da renúncia à gerência registada em 25/6/2009 porque nenhum destes elementos tem aptidão para provar a gerência efetiva da devedora originária por parte da Oponente.

E a circunstância de todos os gerentes alegarem que não exerceram essas funções o que implicaria, nas palavras da AT, que “a sociedade encontrar-se-ia sem governo, à deriva” também não constitui qualquer prova de gerência efetiva.

Em suma, não tendo resultado provado nos autos que a Oponente, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária também exercia de facto esse estatuto, praticando os actos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, não pode ser responsabilizado subsidiariamente pelo pagamento das dívidas exequendas e, com tal, deverá concluir-se, como bem fez o Tribunal a quo, pela ilegitimidade do Oponente para a execução, com a presente fundamentação.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub secção de contencioso Tributário deste TCA em negar provimento ao recurso e com a presente fundamentação confirmar a sentença recorrida.

Custas pela AT.

Lisboa, 13 de dezembro de 2019.



(Mário Rebelo)



(Patrícia Manuel Pires)



(José Vital Brito Lopes)


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[1] Ac. do TCAN n.º 01210/07.5BEPRT de 30-04-2014 (Relator: Pedro Nuno Pinto Vergueiro) - Sumário:
II) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
III) Assim, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.].