Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:563/18.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:MAIS VALIAS
NÃO RESIDENTES
PRINCÍPIO DO PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO
Sumário:I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

II-O normativo 43.º, nº2, do CIRS, na redação aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se vinculou.

III – A aludida incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no artigo 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M. Z., contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2015, no valor global de €8.652,45.


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A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS do ano de 2015, no montante de €8.652,45, determinando a sua anulação.

II. Ancorando-se na jurisprudência vertida no acórdão do STA de 16-01-2008 (proc.º 0439/06) e no corpo do Ac do TCA Sul de 08-05-2019 (proc. 1358/08.9BESNT), a fundamentação da sentença ora recorrida assenta, essencialmente, no entendimento de que o n.º 2 do artigo 43º do CIRS, ao limitar a residentes em território nacional, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRS, a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada ano, é incompatível com o artº 56° do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, o qual proíbe expressamente todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-membros e países terceiros.

III. Ora, salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a douta decisão recorrida, porquanto, não só a mesma não faz, uma correta eleição e apreciação da matéria de facto relevante para os autos, como também não procede a uma total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso subjudice. Vejamos,

IV. Na sequência da alienação de duas frações autónomas do prédio em regime de propriedade horizontal sito no concelho de Lisboa, as quais detinha em regime de compropriedade, a impugnante apresentou a declaração Mod. 3 de IRS para o ano de 2015, declarando rendimentos da Cat. G (Incrementos Patrimoniais) e residência em Itália, exercendo ainda a opção quanto à tributação, nos campos 08 e 09, pelas taxas gerais do art.º 68.º do CIRS, relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória (art.º 72.º, n.º 9, do CIRS).

V. E assim, considerando que para efeitos de tributação da impugnante pelas taxas do artigo 68.º, ou seja, como residente, era condição necessária ter preenchido não só o campo 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) como também o campo 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro) - o que não aconteceu por opção da própria Impugnante, foram tributados os rendimentos auferidos com tal alienação, à luz do preceituado no artº 43º nº 2 do CIRS, a contrario sensu.

VI. É que, da conjugação do disposto nos artigos 1º, 10.º, n.º 1, alínea a), 15º e 43º, n.ºs 1 e 2, todos do CIRS, resulta que, embora o ganho, resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sujeito a imposto seja constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, tal saldo é apenas considerado em 50% do seu valor no caso de transmissões efetuadas por residentes, conforme n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.

VII. E, quanto aos residentes, note-se que o rendimento coletável é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias de rendimentos, auferidos em cada ano, incluindo os obtidos fora do território nacional, sujeito à aplicação de uma taxa progressiva, sendo que quanto aos não residentes, a tributação em sede de IRS incide apenas sobre os rendimentos obtidos em território português, prevendo o n.º 1 do artigo 72.º do Código de IRS a aplicação de uma taxa especial proporcional de 28% que incide sobre a totalidade do saldo relativo às mais-valias imobiliárias.

VIII. Ora, os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, em conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, o que, no caso nacional, se rege pela norma constitucional postulada na alínea i) do n. º1 do artigo 165.º da CRP (reserva de lei da Assembleia da República em matéria fiscal), e o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia não contém qualquer determinação no sentido da harmonização dos impostos directos dos Estados-Membros, sendo que tal harmonização só é obrigatória em matéria de fiscalidade indirecta (IVA).

IX. Por conseguinte, a restrição prevista no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS pode ser justificada pelos motivos referidos no n.º 1 do artigo 58.º do TCE, do qual resulta, em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo, que os Estados-Membros podem estabelecer, na sua legislação nacional, uma distinção entre os contribuintes residentes e não residentes, desde que esta distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

X. Assim, a delimitação do âmbito de aplicação da norma contida no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS a contribuintes residentes no território português não implica desfavor dos não residentes, desde logo, porque a diferença de tratamento fiscal deve ser interpretada em conjugação com o sistema geral do imposto sobre o rendimento, aplicável a residentes e a não residentes.

XI. Com a tributação por aplicação de taxa liberatória ao rendimento tributável, o contribuinte não residente beneficia de uma taxa proporcional que o coloca fora do alcance da aplicação de taxas mais elevadas aplicáveis aos contribuintes residentes no território português.

XII. Logo, se o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP proíbe discriminações arbitrárias entre os cidadãos, tal não significa que a lei deva garantir na sua aplicação um resultado igual para cada um dos seus destinatários, mas sim que a diferenciação dos resultados deve corresponder à efectiva diferença existente entre os destinatários.

XIII. Por outro lado, aferir a capacidade contributiva de um residente é mais fácil do que a de um não residente, pois, enquanto aquele é obrigado a declarar todos os rendimentos obtidos tanto no território português como fora do território, o não residente apenas está obrigado a declarar os rendimentos auferidos em território português.

XIV. O Direito Comunitário não proíbe os tratamentos desiguais entre residentes e não residentes de um determinado Estado-Membro, proibindo, isso sim, o tratamento discriminatório daqueles.

XV. O facto de um sujeito passivo estar sujeito a uma taxa progressiva e outro a uma taxa fixa liberatória poderá materializar um elemento objetivo tendente a justificar um tratamento fiscal desigual entre aqueles sujeitos passivos, e do mesmo modo, o facto de os sujeitos passivos residentes estarem sujeitos ao princípio da universalidade da tributação, por oposição à sujeição ao princípio da territorialidade, aplicável aos não residentes, será um elemento objetivo válido para justificar um tratamento fiscal diferenciado

XVI. Não obstante o sobredito, na sequência do acórdão Hollmann do TJUE (proc. nº C-443/06) que concluiu que uma norma, prescrita nos precisos termos do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, é violadora do Tratado, o legislador nacional através da Lei n.º 67.º-A/2007 de 31.12 introduziu os números 7 e 8 do artigo 72.º do CIRS (n.ºs 9 e 10 na redação à data dos factos), adequando assim o sistema tributário nacional à decisão constante do mencionado acórdão Hollmann.

XVII. Com efeito, não basta afirmar que a não aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS aos não residentes é incompatível com a norma do atual artigo 63.º do TFUE, no sentido de que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais, pois com o aditamento legal ao artigo 72.º do CIRS, os não residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu que obtenham em Portugal mais-valias imobiliárias passaram a puder optar pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal, indo-se assim ao encontro desse desejado equilíbrio que o estatuto dos residentes e não residentes merece.

XVIII. Por força do preceituado nos artigos 75.º da LGT e 59.º do CPPT, o procedimento de liquidação dos tributos será iniciado - em regra e como aconteceu no caso em apreço - com base em declaração do sujeito passivo, a qual se presume verdadeira e de boa-fé, pelo que não tendo a Impugnante, apesar de ter efectuado a opção pela tributação das taxas gerais, declarado todos os rendimentos obtidos no estrangeiro, legitimada estava a AT, perante a sua declaração de rendimentos, a liquidar o imposto, à taxa de 28%, prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, considerando a totalidade da mais-valia por si realizada e não apenas 50% daquela.

XIX. De facto, a AT limitou-se a aplicar a lei, não decorrendo dessa aplicação qualquer questão de interpretação ao nível da desconformidade ou incompatibilidade com o direito comunitário, nem poderia deixar de aplicar uma norma com este fundamento, por estar sujeita ao princípio da legalidade, conforme n.º 2 do artigo 266º da CRP, conjugado com o artigo 55º da LGT

XX. Pelo que a citada norma legal não viola, nem discrimina, os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal.

XXI. Por fim, importa ainda referir que o ato de liquidação em conflito nos presentes autos não tem exatamente os mesmos contornos que rodeavam as situações sobre que se debruçaram os acórdãos do STA de 16-01-2008 (proc.º 0439/06), e do TCA Sul de 08-05-2019 (proc. 1358/08.9BESNT) invocados pelo douto tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, porquanto

XXII. no acórdão do STA de 16-01-2008 (proc.º 0439/06) discutia-se a aplicação do artigo 43.º n.º 2 às mais-valias realizadas em Portugal, por um não residente, no ano de 2003, ou seja, em data anterior à alteração legislativa operada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, que veio permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram, declarando igualmente todos os rendimentos obtidos.

XXIII. Já o entendimento jurisprudencial vertido no acórdão do TCA Sul de 08-05-2019 (proc. 1358/08.9BESNT), de que fez uso a sentença recorrida, tem subjacente a situação em que os titulares do rendimento sujeito a maisvalias (em sede de IRS) eram residentes em país terceiro (Austrália), enquanto, nos presentes autos a questão a apreciar reporta-se a cidadãos com residência num Estado Membro da União Europeia.

XXIV. Por todo o exposto, podemos concluir que o Douto Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria factual e jurídica relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais, mormente os artigos 43º nº 2 e 72º, n.º 9 e 10, todos do CIRS

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Dão-se por provados os seguintes factos:

1) À data dos factos a impugnante residia em Milão, Itália, não tendo nomeado representante fiscal (facto admitido por acordo/não impugnado);

2) Em 20 de Junho de 2013 a impugnante adquiriu em regime de compropriedade, sem determinação de parte ou direito, duas fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B”, respectivamente R/c e 1.º andar, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na R. V., n.ºs 1.. e 1..-A, da freguesia de S. C., concelho de Lisboa, descrito na conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3.. da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 9.., pelo valor total de € 100.000,00 (doc nº 2, da pi).

3) Em 6.08.2015 alienou, conjuntamente com a outra comproprietária, as duas fracções pelo valor total de € 191.500,00 (doc nº 3, da pi);

4) No período compreendido entre a aquisição e a alienação dos referidos imóveis, a Impugnante procedeu a obras de revalorização dos mesmos, que suportou em conjunto com a outra comproprietária, tendo declarado a título de despesas e encargos o montante de € 30.243,50 (aceite por acordo e doc nºs 4 a 12, da pi);

5) A declaração de rendimentos modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2015 apenas foi entregue pela impugnante em 2017-06-23 (facto aceite por acordo);

6) Em 2017-06-29 foi emitida a liquidação n.º 2017 5005234715 associada à nota de cobrança 2017 16691567, tendo resultado imposto a pagar no montante de 9.020,35 euros (8.652,45 a título de imposto e 367,90 a título de juros compensatórios), com data limite de pagamento voluntário em 2017-08-09 (doc nº 1, da pi);

7) No dia 15 de Julho de 2017 a impugnante foi notificada da nota de liquidação nº 2017 00005595461, no valor de €8.652,45 e juros compensatórios de €367,90 (doc nº 1, da pi);

8) No dia 16 de Agosto de 2017 a impugnante apresentou reclamação graciosa (doc nº 2, da pi);

9) Não tendo sido efectuado pagamento dentro do prazo de pagamento voluntário, foi extraída certidão de dívida n.º ….076, tendo sido instaurado o processo de execução fiscal n.º …949 para cobrança coerciva do valor em dívida;

10) Em 16-03-2018 foi deduz da presente impugnação judicial.


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Ficou consignado como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa.”


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A decisão da matéria de facto consignou como motivação o seguinte:

“A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS, do ano de 2015, no valor de €8.652,45.

Importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, importando, assim, aquilatar:

- Se o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, ao limitar a residentes em território nacional, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRS, a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada ano, é incompatível com o artigo 56.° do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, o qual proíbe expressamente todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-membros e países terceiros;

- Anuindo-se com tal interpretação, se as alterações normativas ao artigo 72.º do CIRS, permitem excluir qualquer efeito discriminatório;

Analisemos, ora, o sindicado erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente sindica, desde logo, que os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos diretos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, por conseguinte, a restrição prevista no n.º 2, do artigo 43.º, do CIRS, pode ser justificada pelos motivos referidos no n.º 1, do artigo 58.º, do TCE.

Mais advoga que, a delimitação do âmbito de aplicação da norma contida no n.º 2, do artigo 43.º do CIRS, a contribuintes residentes no território português não implica desfavor dos não residentes, porquanto com a tributação por aplicação de taxa liberatória ao rendimento tributável, o contribuinte não residente beneficia de uma taxa proporcional que o coloca fora do alcance da aplicação de taxas mais elevadas aplicáveis aos contribuintes residentes no território português.

E isto porque o Direito Comunitário não proíbe os tratamentos desiguais entre residentes e não residentes de um determinado Estado-Membro, proibindo, isso sim, o tratamento discriminatório daqueles.

Mais enfatizando que com as alterações ao artigo 72.º do CIRS, decorrentes da Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro e Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, a diferenciação entre residentes e não residentes foi ultrapassada, na medida em que os não residentes podem optar relativamente aos ganhos de mais valias imobiliárias pela tributação à taxa de acordo com a tabela prevista no artigo 68.º do CIRS, que seria aplicável aos sujeitos passivos residentes em território português, sendo os ganhos de mais valias sujeitos a tributação apenas em 50%.

O Tribunal a quo esteou a procedência convocando jurisprudência que reputou aplicável ao caso em apreço, mormente, do Acórdão do STA prolatado no âmbito do processo nº 0439/06, de 16 de janeiro de 2008, e do Aresto do TCAS, proferido no processo nº 1358/08, de 08 de maio de 2019, mediante convocação do despacho do TJUE, da 7.º Secção, de 06 de setembro de 2018, concluindo que: “O acto impugnado é, pois incompatível com o artº 56º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação daquele normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação.”

Apreciando.

Comecemos por atentar no regime normativo que para os autos releva.

Preceitua, desde logo, o artigo 1.º do CIRS, que o IRS incide, designadamente, sobre o valor anual dos incrementos patrimoniais qualificados como rendimentos da categoria G, sendo que constituem incrementos patrimoniais as mais-valias, considerando-se como tal os ganhos obtidos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, conforme alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º, do mesmo diploma legal.

Por seu turno, dispõe o artigo 43.º do CIRS, sob a epígrafe “Mais-Valias”, que o “valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”, prevendo ainda o nº 2 do citado normativo que “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.”

Sendo, outrossim, de convocar o artigo 15.º, nºs 1 e 2, do CIRS, que quanto ao “âmbito de aplicação” prescreve que:

“1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.”

De chamar, igualmente, à colação o preceituado no artigo 72.º, nºs 1 e 9, do CIRS, segundo o qual:

“1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:
a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;
b) Outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias; (…)
9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.”

In fine, importa ter presente o artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, atual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, segundo o qual:

“No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”

Visto o quadro normativo, e tendo presente o recorte fático dos autos cumpre, desde já, relevar que a decisão recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, tendo realizado uma adequada e correta interpretação do regime normativo à realidade de facto em apreço.

Senão vejamos.

Ab initio, importa relevar que o julgamento da matéria de facto não foi, de todo, impugnado, pelo que importa ter presente que a, ora Recorrida, em 2015 não era residente fiscal em Portugal, mas noutro País da União Europeia, concretamente, em Milão, Itália, e que, em 6 de agosto de 2015, alienou conjuntamente com a outra comproprietária as duas frações autónomas identificadas no ponto 2, localizadas em território nacional.

E que na sequência dessa alienação, a Recorrida apresentou a competente declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos de 2015, na qual optou pelo regime geral de tributação, sem preenchimento do campo 11, tendo ulteriormente sido emitida a competente liquidação de IRS de 2015 -objeto de impugnação- à luz do preceituado no artigo 43.º, nº2, do CIRS, a contrario sensu.

A questão em contenda, respeitante às mais valias imobiliárias dos não residentes, tem sido decidida de forma uniforme pela Secção de Contencioso Tributário do STA, conforme resulta, designadamente, dos Acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 0439/06, de 16.01.2008, 01031/10, de 22.03.2011, 01374/12, de 30.04.2013, 01172/14, de 03.02.2016 e, 0901/11, de 20.02.2019. (1)

Mais recentemente, especificamente, a 9 de dezembro de 2020, foram proferidos pelo Plenário da Secção de Contencioso Tributário do STA, dois Acórdãos, no âmbito dos processos nº 75/20 e nº 64/20, nos quais se consolidou o entendimento -já antes consagrado nos citados Arestos- de que o: “n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.".

Na medida em que o Acórdão prolatado no processo nº 064/20, de 09 de dezembro de 2020, reportava-se, justamente, a uma situação de um não residente em país da União Europeia, que não país terceiro, e com convergência fática com a situação visada nos presentes autos, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no citado Acórdão, porquanto aborda todas as questões convocadas pela, ora, Recorrente. Extratando-se, assim e na parte que, ora, releva, designadamente, o seguinte:
“A questão fundamental de direito que está em causa consiste em saber se quanto a mais-valias imobiliárias resultantes de alienação de imóveis, obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que manifestou na declaração apresentada em Portugal pretender a tributação pelo regime geral, sem que optar de acordo com o previsto no art. 72.º n.º 9 do C.I.R.S., é ou não de excluir a aplicação do artigo 43.º, n.º 2, do C.I.R.S., em que se prevê que as ditas mais-valias sejam consideradas em 50%, bem como se com a com a exclusão da aplicação do dito art. 43.º n.º 2 do C.I.R.S. ocorre a violação do direito comunitário, nomeadamente, do artigo 63.º do T.J.U.E..
Entendemos ser de adotar a fundamentação constante do acórdão proferido pelo S.T.A. em 20-02-2019 no processo 0901/11.0BEALM, o qual se encontra publicado em www.dgsi.pt e que incidiu sobre caso semelhante ao em causa (apreciado em sentença proferida por Tribunal da Jurisdição Administrativa e Fiscal):
“O acto tributário, aqui em discussão, resultou da aplicação, pela Autoridade Tributária, do disposto no n.º 2 do Art. 43.º, do CIRS, em que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias respeitantes às transmissões efectuadas, por residentes, previstas na alínea a), do n.º 1 do Art. 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor, daí resultando que tal redução não se aplica quando estejam em causa, como aqui acontece, não residentes.
Com efeito, está em causa uma mais-valia percebida por dois sujeitos passivos que não residiam em Portugal mas na Bélgica daí que em face daquele dispositivo legal a mesma não pôde ser considerada apenas em 50% do seu valor, mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal a contrario sensu.
A sentença recorrida desconsiderou a aplicação da referida norma com o entendimento de ser ela violadora do direito comunitário na medida em que tributa de forma diferente, e, menos favorável, os cidadãos comunitários não residentes no território nacional por comparação com a tributação que efectuaria aos cidadãos comunitários aqui residentes, assente exclusivamente no seu local de residência.
A Autoridade Tributária considera que tal norma legal não viola nem discrimina os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal, porquanto os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, que, no caso de Portugal, se rege pelo estatuído na alínea i), do n.º 1, do art. 165.º, da CRP - Reserva de Lei da Assembleia da República em matéria fiscal».
O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros -.
O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
Seguindo a jurisprudência do TJUE a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal cfr. Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24., sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.
Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.”
Com efeito, a liquidação efetuada na medida em que é menos favorável que a aplicável em caso semelhante quanto a nacionais, reveste carácter discriminatório arbitrário para o ora recorrido, não residente em Portugal mas residente noutro país da União Europeia, e é susceptível de ser restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados membros, nos termos previsto no art. 65.º do T.F.U.E., nos termos do seu n.º 3, aplicável à derrogação prevista no seu n.º 1, relativamente às disposições pertinentes de direito fiscal.
A esse entendimento não obsta a opção por outro regime, conforme decorre ainda da jurisprudência do T.J.U.E., citada pelo recorrido, nomeadamente, dos acórdãos de 28-2-2013, proferido no processo C-168/11 e de 8-6-2016, no processo C-479/14, publicados em eur-lex.europa.eu, no último dos quais se pode ler: “A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de uma escolha efetuada pelo contribuinte”.
Em conclusão é de resolver a invocada oposição na jurisprudência do seguinte modo:
- Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.
- O entendimento contrário é discriminatório, nos termos do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.” (destaques e sublinhados nossos).

De salientar, ainda neste particular, que a orientação perfilhada na decisão arbitral, convocada pela Recorrente, concretamente, a proferida no processo n.º 539/2018-T, datada de 22 de abril de 2019, não se encontra de harmonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA e bem assim dos TCA, daí que os recursos interpostos pela AT, por alegada contradição com a aludida decisão arbitral não tenham sido admitidos, justamente porque “Não há que conhecer do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência de decisão arbitral se, não obstante a existência de contradição entre as decisões, a orientação perfilhada na decisão recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).”.

Com efeito, nos termos supra expendidos, e sedimentando esta corrente jurisprudencial, destacam-se, designadamente, os Arestos do STA, proferidos em Plenário, no âmbito dos processos nºs 71/20, de 20.01.2021, 092/20.6BALSB, de 24.02.2021, 115/20, de 24.02.2021, 066/20, de 24.03.2021, de 0121/20.3BALSB, de 26.05.2021.

De ressalvar, in fine, que o próprio TJUE em acórdão proferido no Processo C-388/19, datado de 18 de março de 2021, declarou em sentido concordante, no sentido de que:

"O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.".

Dele se extratando, designadamente, a seguinte fundamentação jurídica com a qual se anui, na íntegra, e à qual se adere:

“Quanto à existência de uma justificação para as restrições à livre circulação de capitais à luz do artigo 65.°, n.os 1 e 3, TFUE
34 Resulta do artigo 65.°, n.° 1, TFUE, lido em conjugação com o n.° 3 desse mesmo artigo, que os Estados-Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
35 Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.° 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que disposições fiscais nacionais, como o artigo 43.°, n.° 2, e o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, possam ser consideradas compatíveis com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.os 44 e 45 e jurisprudência referida).
36 Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
37 Quanto, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, importa recordar que, no n.° 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça já declarou, em primeiro lugar, que a tributação das mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, e do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, que essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes; e, em terceiro lugar, que o Estado-Membro de onde o rendimento coletável provém é sempre a República Portuguesa.
38 Resulta do exposto, nomeadamente do n.° 29 do presente acórdão, que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, e do artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais-valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontra um contribuinte não residente, como MK, é comparável à de um contribuinte residente.
39 Esta constatação não é posta em causa pela ratio legis do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50 % aplicável às mais-valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.
40 Quanto, em segundo lugar, à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, importa salientar que o Governo português não refere a existência de tais razões. No entanto, alega que, no âmbito da tributação do saldo positivo das mais-valias imobiliárias realizadas em Portugal, o artigo 43.°, n.° 2, do CIRS tem por objetivo evitar penalizar os sujeitos passivos residentes em Portugal ou os sujeitos passivos não residentes que escolham ser tributados como tais nos termos do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, devido ao facto de lhes ser aplicada uma taxa progressiva.
41 Ora, nos n.os 58 a 60 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça considerou que o benefício fiscal concedido aos residentes, que consistia numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas, excedia, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos. Consequentemente, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que não estava demonstrada uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinada imposição fiscal e que a restrição resultante da regulamentação nacional em causa não podia, portanto, ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.
Quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes
42 Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.
43 Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
44 Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).
45 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).
46 Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.
47 Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, e aderindo aos entendimentos jurisprudenciais citados-como visto, unânimes e consolidados- entende-se que o ato impugnado padece, efetivamente, de vício de violação de lei, na medida em que, relativamente às mais-valias imobiliárias obtidas por um não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral, sem opção de acordo com o regime previsto no artigo 72.º do Código do IRS, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2 do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo, por desconformidade com o artigo 63.º do TFUE.

E porque assim é, não assiste razão à Recorrente, donde a sentença que assim o decidiu não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, tendo, por isso, de ser confirmada.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 11 de janeiro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)






1) E também pela Jurisprudência vertida pelos TCAS, prolatada, designadamente, no âmbito dos processos nºs 528/13, de 13.10.2022, 179/13, 10.02.2022, 1363/19, de 30.09.2021 e 1358/08, de 08.05.2019.