Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06720/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:03/19/2015
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores: IRS: REGIME TRANSITÓRIO DAS MAIS-VALIAS
Sumário:I. Para efeitos do regime transitório previsto no art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro o que releva é a natureza do prédio no momento da entrada em vigor do Código do IRS (01/01/1989), sendo irrelevante que posteriormente àquele momento tenha ocorrido a alteração da natureza do prédio para terreno para construção;
II. É inadmissível, em sede de recurso, a Fazenda Pública questionar pressupostos legais do acto tributário que nunca foram questionados, analisados ou colocados em causa no âmbito da acção de inspecção que lhe está subjacente, por tal consubstanciar fundamentação a posteriori do acto tributário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


PROCESSO N.º 06720/13


I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação apresentada por ANTÓNIO............................................e CAPITOLINA ................................... do despacho de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS de 2003.

A Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

I. Salvo o devido respeito, somos da opinião que a douta sentença procedeu a errónea interpretação elos factos e aplicação do direito nos presentes autos.
II. O Código do Imposto de Mais Valias, aprovado pelo DL n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, adiante designado por CIMV, estatuía no seu art. 1.º que «0 imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos actos que a seguir se enumeram: 1° Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no art. 17° da Lei da Lei n.º 2 030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial».
III. O parágrafo 2.º do mesmo normativo estabelecia: «São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo», no que é pacificamente aceite como uma explicitação complementar ela delimitação do campo de incidência do referido imposto.
IV. Por outro lado, o n.º 1 do art. 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de ora em diante referido somente como CIRS, o qual entrou em vigor em 1.1.1989, em conformidade com o previsto no art. 2.º do seu diploma preambular o DL 442-A/88 de 30.11, determinava, na sua alínea a) que constituíam mais-valias «os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário». (redacção em vigor em 2003)
V. No âmbito de aplicação do CIMV, com relação aos ganhos derivados da alienação onerosa de imóveis, somente os provenientes da alienação de terrenos para construção eram sujeitos a imposto de mais-valias, enquanto que, na vigência do CIRS, em regra, é potencial objecto de tributação a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis; isto é, não só os já anteriormente abrangidos terrenos para construção, mas também quaisquer outros prédios, urbanos e rústicos.
VI. O citado diploma preambular do CIRS, o DL n.º 442-A/88 de 30-11, estabelecia, no respectivo art. 5 n.º 1, sob a epígrafe «Regime transitório da categoria G»: «Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei no 46 373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código».
VII. Em face do alargamento do campo de incidência do tributo em causa, o referido art 5.º n.º 1 gizou um regime transitório tendente a disciplinar as situações em que se registassem ganhos provenientes de alienação onerosa de direitos reais sobre outros bens imóveis, que não os terrenos para construção, os quais só ficariam sujeitos a IRS se os bens alienados tivesse sido adquiridos após 1 de Janeiro de 1989.
VIII. Assim, os proveitos derivados da alienação de prédios rústicos ou urbanos, adquiridos a titulo oneroso antes da data de 1.1.1989, estavam subtraídos à tributação em sede de IRS.
IX. Enquanto que o legislador estabeleceu uma solução de continuidade quanto à incidência de IRS sobre as mais-valias obtidas relativamente aos terrenos para construção.
X. Transpondo estes ditames para a situação julganda, a venda pelos impugnantes do prédio em causa nos autos, negócio identificado nos pontos 1 e 2 da matéria de facto dada como provada, será sujeita a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares se for estabelecido o facto tributário de ter ocorrido a transmissão onerosa de um terreno para construção.
XI. Vemos, portanto, que a questão decidenda passa por determinar se estávamos em presença, objectivamente, de um terreno para construção, e isto à data da transmissão, uma vez que o regime transitório estabelecido pelo art 5° do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, só tem sentido para as situações de ganhos advenientes da transmissão de direitos reais sobre outros bens imóveis que não os terrenos para construção, em face de estes já estarem abrangidos por tributação em sede de mais valias, na vigência do CIMV.
XII. Atente-se que o referido art. 5º se insere num diploma preambular, de aprovação do Código do IRS, que não no próprio Código, onde estão plasmadas as normas de incidência do imposto.
XIII. Atente-se na respectiva epígrafe: «Regime transitório da categoria G», sendo que um regime transitório só se compreende para uma situação de transição, isto é, no caso para situações que transitaram de não sujeitas para sujeitas.
XIV. Ora, somente com relação aos (verdadeiros) prédios rústicos e aos demais prédios urbanos se põe a questão de saber se forma adquiridos antes ou depois de 1-1-1989, pois só em relação a estes se verifica a hipótese ela norma: Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-lei n° 46673, ele 9 de Junho de 1965.
XV. Não é controverso que a impugnante mulher adquiriu em 18/07/1972 um prédio misto com parte urbana e outra rústica, a partir do qual (prédio misto) alienou uma parcela a destacar da parte que ainda constava como rústica na matriz.
XVI. O ponto que discutimos é exactamente defender que o referido prédio, melhor, a parcela a destacar da parte rústica do mesmo, quando foi quando foi vendida em 11/12/2003, constituía já objectivamente um terreno para construção.
XVII. Ora, na vigência do CIMV, a jurisprudência firmou-se no sentido de dever considerar-se revestirem a natureza de terrenos para construção todos aqueles que se apresentassem objectivamente afectos à construção- veja-se, a título de exemplo, os Ac. do STA (Pleno) de 17/03/1993 e 12/03/1980, rec. 10498 e 001340.
XVIII. A lei considerava como qualificativos de natureza jurídica de terreno para construção três circunstâncias não cumulativas: a de os terrenos estarem abrangidos por planos de urbanização; a de, por declaração dos contraentes, se destinarem a construção urbana; e a de os terrenos, objectivamente e independentemente de qualquer daquelas características, se localizarem em zona urbanizada".
XIX. Simplesmente, conforme explicitado pela citada corrente jurisprudencial, os três concretos e explícitos indicativos desta destinação à edificação, apontados no parágrafo 2.º do art. 1° do CIMV, sempre foram reputados e valorados como índices facultados pelo legislador com o restrito propósito de facilitar, nas hipóteses de ocorrência das circunstâncias ai plasmadas, a determinação da incidência.
XX. Se, por um lado e sem equívocos, eram de qualificar como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo, por outro lado, a mesma qualificação podia emanar de outros elementos que a inculcassem sem reserva.
XXI. Apesar de ter sido demonstrado pela Fazenda Pública que o bem transmitido consistia objectivamente num terreno para construção, não obstante o facto de ser uma parcela a destacar da parte rústica de prédio misto, o Meritíssimo Juiz a quo não levou tal facto à matéria dada como provada.
XXII. Nem, por sinal, à matéria dada como não provada.
XXIII. Descarta o facto como irrelevante para a decisão, se atentarmos somente nessas duas compilações de factos.
XXIV. Apesar de reconhecer na parte dispositiva da sentença que a Fazenda demonstrou, «Com base em informação da competente autarquia», que «O terreno à data da transmissão se inseria em aglomerado urbano e já em 1993 fora solicitada pelo impugnante informação sobre a viabilidade de construção (vd. Informação a fls. 11 do apenso instrutor)». (realce nosso).
XXV. Com o que cai em evidente contradição, somente compreensível por laborar no erro, acima explicitado, ele crer que a qualificação determinante é a que se verificava à data de 1-1-1989.
XXVI. No que terá sido determinado, porventura, pelo entendimento veiculado pelo Ac. do STA de 29-3-2006, proferido no rec. 1213/05, que invoca, no sentido de que:"... para que haja a possibilidade da existência de mais valias tributáveis é necessário que o prédio em causa seja terreno para construção. Mas com uma abrangência definida que abarque quer o momento da aquisição, quer o momento da transmissão. (...) Na verdade, e para que seja aplicável o art. 5º do DL n." 442 -A/88 de 30/11, é necessário que se trate de terrenos com a mesma natureza (terrenos para construção), quer antes, quer depois da vigência deste normativo, pois, caso contrário, estaríamos perante uma aplicação retroactiva da lei".
XXVII. Na verdade, o estar vedado às normas de incidência eficácia retroactiva está constitucionalmente consagrado e decorre da própria essência do Estado de Direito, ancorado que está na tutela da certeza e segurança do Direito e na tutela da confiança.
XXVIII. Porém, apesar do máximo respeito que nos merece, não logramos aceitar como certo este entendimento, em face de, além dos argumentos acima apontados, e tal como expressado no voto de vencido lavrado no aresto de 29-3-2006, não se pode falar de aplicação retroactiva da lei, uma vez que os ganhos em discussão já eram objecto de tributação pela lei antiga.
XXIX. Bem como porque o citado n.º 1 do art. 5° não constitui norma de incidência.
XXX. Permita-se a citação do referido voto de vencido, do Conselheiro Baeta de Queirós: «(Vencido. por considerar que o bem jurídico vendido não é o mesmo que foi adquirido antes da entrada em vigor do CIRS (Artigo 5° n.º 2 do Decreto-Lei. N.º 442-A/88, de 30 de Novembro), pelo que não está abrangido pela norma de não sujeição do n.º 1; e que dai não resulta aplicação retroactiva, pois o imposto incide sobre o ganho resultante da venda por comparação com o gasto implicado pela aquisição, independentemente do momento em que esta tenha ocorrido (artigo 10.º do CIRS), não sendo a norma do n.º 1 do artigo 5° do Dec­ Lei n.º 442-A/88 norma de incidência, antes se limitando a afastar da sujeição a imposto as vendas de imóveis adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS).»
XXXI. Ponto é que o bem tenha sido adquirido após a entrada em vigor do CIMV, para se garantir a não retroactividade da lei fiscal determinante da incidência.
XXXII. O que se verifica nos autos, em face de a aquisição pela impugnante mulher ter ocorrido em 1972.
XXXIII. Não se verifica com a tributação dos ganhos concretamente obtidos na situação julganda qualquer retroactividade na aplicação da lei porque o mesmo objecto estava já na previsão da lei antiga.
XXXIV. Invoca-se, em abono da tese defendida, os magistralmente fundamentados acórdãos do TCAN de 14-12- 2006 e 13-03-2008, proferidos nos proc. 443/04 e 984/04, respectivamente.
XXXV. Somos reconduzidos à questão de saber se a parcela a destacar da parte rústica do prédio identificado nos autos deve ou não ser considerado terreno para construção.
XXXVI. Sendo que a parcela a destacar sempre teria de ser avaliada, uma vez que não constava da matriz enquanto parcela autónoma. Ou seja, estava omissa na matriz. Estava abrangido, portanto, pelo art. 109.º do CIMISSD, o que obrigava à sua avaliação.
XXXVII. Norma que entendemos, assim, também ter sido desrespeitada pela decisão recorrida, fazendo errónea aplicação do Direito.
XXXVIII. Teria de fazer-se a classificação da parcela destacada como rústica ou urbana e isto em face dos critérios legais aplicáveis à época e a consequente avaliação.
XXXIX. O n.º 2 do art. 32.º do DL 287/2003, de 12-11, dispõe que «Aos prédios omissos cujo pedido para inscrição na matriz seja apresentado a partir do dia seguinte ao da publicação do presente diploma aplica-se o regime de avaliações previsto no CIMI».
XL. E, conforme decidiu o STA no Ac. de 10-10-2012, proferido no processo n• 0661112, disponível em www.dgsi.pt, «Para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do Decreto-lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, são 'prédios omissos" os prédios não inscritos nas matrizes (rústica ou urbana).
XLI. Pelo que a parcela destacada teria de ser avaliada jà de acordo com as regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
XLII. De cujo art. 3.º, sob a epígrafe «Prédios rústicos», consta «1- São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que: a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS); b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor. 2 - São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.»
XLIII. Recorda-se que a Fazenda Pública juntou aos autos certidão relativa ao terreno em causa, emitida pelo Município de Vila Franca de Xira, que refere que «de acordo com a planta de ordenamento do PDM, a propriedade em apreciação insere-se no aglomerado Urbano A4 - Alverca do Ribatejo, para o qual estão previstos os parâmetros urbanísticos definidos no art. 22.º do Regulamento do Plano Director Municipal: - Densidade máxima (Dh) b: 65 fogos/há; índice de construção máximo (lc) b: 0,78; altura máxima dos edifícios: 8 pisos( ...)»- cfr. fls. 120 a 122 do processo instrutor.
XLIV. E recorda-se que a parte dispositiva da sentença reconhece «Ora, tudo o que a Administração Tributária demonstra, a propósito, com base em informação da competente autarquia, é que o terreno à data da transmissão se inseria em aglomerado urbano e que já em 1993 fora solicitada pelo impugnante informação sobre a viabilidade de construção (Vd. Informação a fls. 11 do apenso instrutor».
XLV. O bem imóvel transmitido não poderia ser qualificado como rústico sem atropelo da lei, nomeadamente, do n.º 2 do art. 32° do DL 287/2003, de 12-11, e do art. 3° do CIMI, por este aprovado.
XLVI. Tendo, também, neste especifico ponto, errado a douta decisão ora recorrida.
XLVII. Não resta dúvida, por conseguinte, que se está em presença de um bem que, à luz da lei anterior, estava sujeito a tributação em mais-valias devido à sua inquestionável qualificação de terreno para construção derivada das circunstâncias de localização e apetência construtiva, certificadas pela própria Câmara Municipal de Vila Franca de Xira sem qualquer reticência.
XLVIII. Aliás, todas as demais evidências fácticas obrigam a colocar reservas sobre a natureza rústica do prédio, conforme pugnaram os impugnantes, porquanto se mostram presentes fortes indícios de, inquestionavelmente, o mesmo ser destinado à construção urbana.
XLIX. O facto de haver sido pedida informação sobre a viabilidade construtiva alia-se ao facto de ter sido vendido a uma empresa de construção (cfr. ponto 2 da matéria provada).
L. Além de que o valor declarado de alienação, perto de um milhão de euros (cfr. ponto 3 da matéria de facto dada por provada), não é, para o ano de 2003, minimamente compaginável com a transmissão de um prédio com vocação meramente agrícola.
LI. No caso concreto, ainda para mais, o Meritíssimo Juiz a quo não podia ignorar que, em vez de manter o prédio para posterior venda no estado em que foi adquirido, a adquirente, empresa de construção, tolere-se a repetição, requereu licença de construção e iniciou no referido imóvel construção - cfr. pontos 5, 6 e 9 da factualidade dada por provada nos autos de impugnação n• 1838110.6BELRS, com decisão provinda do mesmo julgador e emanada com poucos dias de intervalo, e da qual também se interpôs recurso para esse Venerando tribunal.
LII. Apesar de provir da parte rústica de prédio misto, podemos e devemos qualificar o objecto da negociação e da transmissão, levada a cabo pelos impugnantes, como subsumível ao conceito legal ele terreno para construção, de acordo com a melhor doutrina acima descrita, e portanto abrangido pelo campo específico da tributação de mais-valias.
LIII. Assim, a alienação que promoveram, em 2003, era passível de tributação em função do disposto no art. 10.º n.º 1 al. a) do CIRS, conjugado com o prescrito no art. 5.º n.º 1 DL. 442-A/88 de 30.11.
LIV. De outra forma, a anterior sujeição a imposto de mais valias dos ganhos provenientes da alienação de bens imóveis qualificáveis como terrenos para construção, a qual foi mantida como solução de continuidade aquando da transição para a tributação em sede de IRS, mais abrangente, resultaria, na prática, numa restrição ao campo de aplicação da mesma tributação.
LV. O que nos parece contrário ao espírito da lei e é esse o fim último que deve nortear a interpretação e aplicação do Direito.
LVI. E, conforme cita o Ac. desse Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 24/05/2011, no Recurso N° 3793/10 «Ora, e no ensinamento de Francesco Ferrara in Interpretação e Aplicação das Leis, 2.º edição, pág. 130, traduzido pelo Prof. Manuel de Andrade, «O jurista há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela».
LVII. Isso pressupõe que o intérprete não se cinja a meras operações lógicas, antes devendo realizar complexas apreciações de interesses, obviamente dentro do âmbito legal, pois toda a norma tem um escopo a alcançar, uma função e uma finalidade a cumprir, pelo que ela tem de ser entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado que quer obter.
LVIII. E para se determinar a finalidade prática da disposição de direito, haverá que atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada e partir do princípio de que a lei quer dar satisfação às exigências económicas e sociais que derivam das relações, procedendo à apreciação dos interesses em causa»
LIX. Face ao estatuído, pugna-se pela manutenção do acto impugnado, não se vislumbrando qualquer vicio que afecte a validade deste.

Finaliza com o seguinte pedido: “Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com o que V. Exas. farão a habitual JUSTIÇA”
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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Erro de julgamento de facto, porquanto a sentença recorrida não levou à matéria de facto provada ou não provada que o bem transmitido consistia num terreno para construção (conclusões XXI a XXIV);
_ Erro de julgamento de direito, aferindo se o que releva efeitos da aplicação do regime transitório previsto no art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro é a qualidade de terreno para construção à data da transmissão do mesmo (conclusões XI a XVI), ou conforme se entendeu na sentença recorrida, a data de entrada em vigor do Código do IRS (01/01/1989).

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1. “Por escritura de 18/07/1972, a ora impugnante mulher adquiriu a propriedade do prédio misto com a área total de 52.350m2 denominado “.....................” sito no..........................., freguesia de.........................., concelho de Vila Franca de Xira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo......... e rústica sob o artigo ...... da Secção V (fls.27 e 36 dos autos);

2. Por escritura de 11/12/2003, os impugnantes venderam a................................., S.A., uma parcela com a área de 19.565m2, «...a destacar da parte rústica do prédio misto...» acima indicado (fls.32);

3. A diferença entre o valor de aquisição de €1.496,39 e o de realização de €947.716,00 não foi feito constar da declaração de IRS apresentada para o ano de 2003 (“print” a fls.137 do apenso instrutor);

4. A omissão foi corrigida pela Administração tributária em procedimento de inspecção, tendo originado liquidação adicional de imposto e juros compensatórios, no montante total de €198.145,00 com prazo de pagamento até 10/10/2007 (mapa resumo das correcções a fls. 26 do apenso; demonstração de liquidação de IRS/2003, a fls.22 e demonstração de acerto de contas, a fls.23, dos autos);

5. Deduziram reclamação graciosa da liquidação em 12/12/2007 (fls.2 do apenso de reclamação);

6. A reclamação foi indeferida por despacho de 05/12/2008, do Sr. Director de Finanças Adjunto (fls.57 do respectivo apenso);

7. Os impugnantes foram notificados da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 11/12/2008 (fls.61/62 do respectivo apenso);

8. A impugnação foi apresentada em 05/01/2009, conforme carimbo de entrada aposto a fls.2;

9. Os impugnantes prestaram garantia para suspender o processo executivo na pendência da reclamação graciosa (fls.57 e 57v.).

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante, nomeadamente, não se provou o pagamento da liquidação.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada.”

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Acorda-se dar como provado os seguintes factos, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:

10. No procedimento de inspecção referido no ponto 4) foi solicitado à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira elementos referentes ao imóvel objecto de transmissão, designadamente “a qualificação da classe do espaço à data da transmissão e bem assim se houve algum pedido de alvará de loteamento ou construção” (cfr. relatório de inspecção, designadamente fls. 27 dos autos).
11. Em 23/03/2007 a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira respondeu ao pedido mencionado no ponto 10) informando, na parte com relevo para a decisão, o seguinte: “De acordo com a Planta de Ordenamento do PDM, a propriedade em apreciação insere-se no Aglomerado Urbano A4 – Alverca do Ribatejo, para o qual estão previstos os parâmetros urbanísticos definidos no art. 22.º do Regulamento do Plano Director Municipal (…) acresce que entretanto foram solicitadas pelo então proprietário Sr. António ...................... à Câmara Municipal várias informações: SGUH de 1993 (viabilidade de construção), ONEREDPDM, 81 de 2001 (Viabilidade de loteamento Urbano com Fins Habitacionais), ONEREDPDM, 350 de 2002 (informação prévia, estudo de ocupação” (cfr. relatório de inspecção, designadamente fls. 28 dos autos).

2. Do Direito

Conforme resulta dos autos, os Impugnantes, ora Recorridos, deduziram impugnação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS do ano de 2003.

A liquidação impugnada surge na sequência de uma acção de inspecção, e tem por fundamento, em síntese, a omissão de rendimentos auferidos no ano de 2003, derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis (categoria G), cujo ganho está sujeito a IRS nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1, do art. 10.º do CIRS, na medida em que, segundo os serviços de inspecção não se verificam as condições previstas no n.º 5, do art. 10.º do CIRS, nem do art. 5.º do DL n.º 442-A/88 de 30/11, quanto à exclusão da tributação dos referidos rendimentos, na medida em que, entenderam que o prédio em questão adquirido em 14/07/1972 e alienado em 11/12/2003 à data da sua transmissão (11/12/2003) era um terreno para construção.

A sentença recorrida, reconhecendo razão aos Impugnantes, entendeu, também em síntese, que relevante para determinar se os ganhos ora em causa estão ou não sujeitos a tributação em sede de IRS é saber se o terreno estava ou não sujeito a imposto de mais-valias à data de entrada em vigor do Código do IRS (01/01/1989), sendo irrelevante a qualificação do terreno à data da transmissão. Neste contexto, conclui que a Administração Tributária (AT) limita-se a demonstrar que o terreno à data da transmissão se inseria em aglomerado urbano, e já não à data que releva (01/01/1989), e deste modo, entendeu que os ganhos com a transmissão em causa não ficam sujeitos a IRS por se enquadrarem no âmbito do regime transitório previsto no art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, julgando, deste modo, procedente a impugnação.

A Fazenda Pública não se conformando com o decidido, nas suas conclusões de recurso, imputa-lhe erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que, por um lado, a sentença recorrida não levou à matéria de facto provada ou não provada que o bem transmitido consistia num terreno para construção quando foi vendido em 11/12/2003 (conclusões XXI a XXIV), e por outro, o que releva efeitos da aplicação do regime transitório previsto no art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro é a qualidade de terreno para construção à data da transmissão do mesmo, sendo que, no caso em apreço, em 11/12/2003, data da alienação do terreno, este já constituía objectivamente um terreno para construção (conclusões XI, XVI).

Apreciando.

No que diz respeito ao erro de julgamento de facto invocado, entende a Recorrente Fazenda Pública que a sentença recorrida não levou à matéria de facto provada ou não provada que o bem transmitido consistia num terreno para construção quando foi vendido em 11/12/2003, facto que, no seu entender releva para a decisão.

Neste particular, e antes de mais, há que ter em consideração que já aditamos aos factos provados os pontos 10 e 11, por se ter considerado relevante para a decisão. Com efeito, havia que evidenciar a fundamentação em que assenta a correcção subjacente à liquidação impugnada, pois a decisão recorrida assenta em entendimento de direito diverso ao da fundamentação do acto impugnado.

Enquanto no relatório de inspecção foi adoptado o entendimento de que os elementos de prova a recolher para efeitos da correcção deveriam se reportar ao momento da transmissão do prédio, já a sentença recorrida entende serem irrelevantes, pois o que importa é a natureza do prédio à data de entrada em vigor do Código do IRS (01/01/1989).

É nesse contexto, ao considerar irrelevante o momento da transmissão do prédio que a sentença recorrida conclui que a AT não demonstrou que o prédio em causa nos autos assumia a natureza de terreno para construção em 01/01/1989.

Ora, assim sendo, a sentença recorrida não tinha de levar à matéria de facto provada ou não provada que o bem transmitido consistia num terreno para construção, pois assentou no entendimento de que a AT não logrou provar que em 01/01/1989 assumia a natureza de terreno para construção.

Dito de outro modo, a decisão recorrida assentou na análise do fundamento da correcção subjacente à liquidação impugnada (fundamentação constante do relatório de inspecção), e que a prova efectuada referia-se a um momento posterior ao que foi dado como relevante na decisão recorrida. Assim sendo, importava dar como provado qual o fundamento do acto impugnado (e por isso aditamos oficiosamente aos factos provados os pontos 10 e 11) para se poder aferir do cumprimento do ónus da prova por parte da AT, como se fez na sentença recorrida.

Por outro lado, também em sede do presente recurso para aferir do erro de julgamento de direito invocado pela Recorrente Fazenda Pública é suficiente dar como provado a fundamentação do acto impugnado, que in casu, e em síntese, é o de que o prédio à data da transmissão (11/12/2003) era um terreno para construção, pois a questão a decidir consiste em saber se aquele momento que a AT adoptou como relevante (transmissão do prédio) é o que deveria ter sido adoptado face ao direito aplicável.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos então, ao conhecimento do invocado erro de julgamento de direito.

Nesta nossa análise seguiremos de perto o recentíssimo acórdão do STA de 12/02/2015, proc. n.º 01266/13, aplicável ao caso dos autos.

“Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 9.º do CIRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias. E estas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS, na redacção em vigor ao tempo, são constituídas pelos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Por sua vez, o art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o CIRS, estabelece, no seu n.º 1, um regime transitório, nos termos do qual os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-valias (IMV) criado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do CIRS.
Ora, o art. 1.º do revogado CIMV dispunha que o imposto incidia sobre os ganhos realizados através de, entre outros actos, transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tivessem a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
Já nos termos do § 2.º deste mesmo art. 1.º do CIMV, eram havidos como terrenos para construção «os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo.
(…)
O que é decisivo para a questão da tributação em IRS, dado que para saber se se verificam os pressupostos da tributação, releva a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor do CIRS, uma vez que, como se viu, no regime transitório estabelecido para a categoria G de IRS (regime previsto no n.º 1 do art. 5.º do citado Decreto-Lei n.º 442-A/88), se estabelece que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.
Daí que, para o efeito de que nos ocupamos, não se possa relevar a qualidade do prédio como terreno para construção na data da alienação, pois tal qualidade foi adquirida em momento ulterior ao da entrada em vigor do CIRS.” (sublinhados nossos).

Aquele acórdão está em plena consonância com jurisprudência anterior do STA. Com efeito, no acórdão do STA de 10/09/2014, proc. n.º 01381/13, sumariou-se que “[o] artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, deve ser interpretado no sentido de que não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código e da venda ocorrida em 21/01/2002.” (sublinhado nosso)

De acordo com aquela jurisprudência, e em síntese, o que releva para efeitos do art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro é a natureza do prédio no momento da entrada em vigor do Código do IRS, sendo irrelevante que posteriormente àquele momento tenha ocorrido a alteração da natureza do prédio para terreno para construção.

Aplicando aquela jurisprudência ao caso dos autos, facilmente se conclui que improcedem as conclusões XI a XVI da Recorrente Fazenda Pública, na medida em que o entendimento que defende (o que releva é a natureza do prédio no momento da alienação) não é o que resulta da lei, tal como tem sido interpretada pelo STA, e que aqui também adoptamos.

In casu, os Impugnantes entendendo que os ganhos resultantes da alienação do prédio estavam abrangidos pela não sujeição a IRS ao abrigo do supra mencionado regime transitório, não declararam tais ganhos na respectiva declaração de IRS.

Como se sabe, estabelecendo o art. 75.º, n.º 1 da LGT uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte (“[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (…)”), cabe a AT o ónus da prova da falta de correspondência com a realidade do teor das declarações (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Ora, deste modo, em sede de acção de inspecção, cabe à AT demonstrar os pressupostos que legitimam a correcção, ou seja, os factos constitutivos desse direito, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT.

Neste contexto, no âmbito dessa acção de inspecção solicitaram-se e analisaram-se elementos solicitados à Câmara Municipal relativamente ao prédio em questão a fim de averiguar se à data da transmissão o terreno seria um terreno para construção, concluindo que nessa data assumiam essa natureza face aos factos que apuraram.

Sucede que, como vimos, resulta da lei e da jurisprudência, que o importaria analisar é se no momento da entrada em vigor do CIRS o prédio assumia aquela natureza de terreno para construção, na medida em que é irrelevante que em momento posterior revista a natureza de terreno para construção. Ora, o que deveria ter sido objecto de recolha de prova e análise era a natureza que o prédio assumia àquela data, e não posterior.

A correcção subjacente à liquidação impugnada, enferma assim, de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, e nessa medida, não se poderia manter, e assim sendo, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento invocado nas conclusões XI a XVI da Recorrente Fazenda Pública.

De igual modo, face ao supra exposto, improcede o invocado pela Recorrente relativamente ao Ac. do STA de 29/03/2006 e o respectivo voto de vencido a que faz apelo nas suas conclusões XXVI a XXXIII. Com efeito, como já referimos, sufragamos a jurisprudência supra, ficando afastada a tese da Recorrente.

De igual modo, improcedem as conclusões XXXV a LIX, porquanto toda a argumentação aduzida relativamente a outros pressupostos para a aplicação do regime transitório de IRS não é admissível, pois há que não olvidar que o acto impugnado foi praticado com o fundamento em que o prédio em questão no momento da sua transmissão assumia a natureza de terreno para construção, nunca foi questionada a sua natureza em momento anterior pela simples razão de que o terreno transmitido deriva da parte rústica de um prédio misto, e deste modo, não pode agora a Fazenda Pública, querer invocar outros fundamentos para obstar à aplicação daquele regime quando não constituem fundamento do acto impugnado.

Como já referimos, a liquidação impugnada surge na sequência de uma acção de inspecção, e é no âmbito dessa acção de inspecção que se analisam elementos solicitados à Câmara Municipal relativamente ao prédio em questão, elementos esses que foram solicitados pelos serviços de inspecção a fim de averiguar se à data da transmissão o terreno seria um terreno para construção (cf. Ponto 10 e 11 da matéria de facto aditada).

E é com base nessa fundamentação que os Impugnantes fundaram legitimamente a sua defesa ao impugnarem a liquidação, invocando enquanto fundamento vício de violação de lei, por entenderem, em síntese, que não seria relevante a natureza do prédio à data da sua alienação, mas antes à data da entrada em vigor do CIRS.

Também é com base na fundamentação do acto impugnado que a sentença recorrida analisa a legalidade do mesmo, face ao invocado pelos Impugnantes.

Pretender a Fazenda Pública, em sede de recurso, questionar pressupostos legais que nunca foram questionados, analisados ou colocados em causa no âmbito da acção de inspecção é manifestamente inadmissível, por tal consubstanciar fundamentação a posteriori do acto tributário.

3. Sumário do acórdão

I. Para efeitos do regime transitório previsto no art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro o que releva é a natureza do prédio no momento da entrada em vigor do Código do IRS (01/01/1989), sendo irrelevante que posteriormente àquele momento tenha ocorrido a alteração da natureza do prédio para terreno para construção;
II. É inadmissível, em sede de recurso, a Fazenda Pública questionar pressupostos legais do acto tributário que nunca foram questionados, analisados ou colocados em causa no âmbito da acção de inspecção que lhe está subjacente, por tal consubstanciar fundamentação a posteriori do acto tributário.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 19 de Março de 2015.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso