Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2304/10.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
FALTA DE OBJECTO
Sumário:I. O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que a Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o Tribunal ad quem tome conhecimento delas e as aprecie.

II. Se a Recorrente não convocar questões e argumentos para as sustentar contra os fundamentos desfavoráveis exarados na sentença, o decidido não pode ser alterado, na parte não impugnada, uma vez que, o nosso sistema de recursos (seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa), é de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por A... – P..., SA, tendo por objecto parte da liquidação adicional de IRC, concernente ao exercício de 2007.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adoptada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência resulta de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objecto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.

II – A questão decindenda é saber se os custos estimados e não incorridos são custos fiscais, nos termos do art.º 23.º o CIRC.

III - Antes de mais, da prova testemunhal resultou que, com respeito a custos, ou seja, a orçamentos efectuados pela impugnante, os mesmos serviam de base para se aferir do montante a prestar na garantia.

IV - Nenhuma das testemunhas mencionou que aqueles montantes foram pagos, nem a impugnante entregou qualquer guia ou outro documento donde se afira que os montantes, os quais foram aprovados na reunião da Câmara Municipal e Amadora e que serviu de base para fixar a caução a realizar por garantia bancária, foi efectivamente pago a quem, quando e de que modo.

V - Por outro lado e, quanto às correcções referentes ao realojamento das colectividades, os mesmo ainda não se encontram realojados, pelo que os custos que a impugnante poderá vir a ter ainda não são definitivos, não podendo deduzir custos estimados, no exercício de 2007, nos termos do art.º 23.º do CIRC.

VI - Mas será que aqueles “custos” são custos para efeitos fiscais?

VII - Da prova testemunhal resultou, quanto às expetativas que os adquirentes dos lotes tiveram em relação ao Parque Urbano e, por isso os preços dos lotes foram mais caros.

VIII - Mas será que existe um nexo entre a operação de loteamento que originou a constituição de 60 lotes de terreno para construção e a execução do Parque Urbano, ou seja, se os proveitos obtidos com a venda daqueles lotes de terreno podem refletir os custos com a execução do Parque Urbano?

IX - Na verdade, o art.º 23.º do CIRC consagra que os custos ou as perdas relevam se forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos correspondentes, enunciando as suas alíneas as despesas que devam ser assim consideradas.

X - Quer dizer, um custo para ser relevante fiscalmente, tem de ser afeto à exploração, no sentido de existir um nexo causal entre o tal custo e os proveitos da empresa, ou seja, da impugnante.

XI - Mas, com o mencionado na alínea anterior, não quer dizer que essa relação seja uma relação de causalidade necessária, uma sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o ato, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do ato à finalidade da obtenção de resultados. – vide Ac. do TCAS de 13/09/2011, proferido no rec. 04674/11, relativamente à impugnante noutro processo

XII - No aresto supra, quanto à questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo, não se questiona a veracidade da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso em apreço, a sua qualificação como custo dedutível. XIII - Quanto à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao impugnante o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, no caso da Administração Tributaria questionar a indispensabilidade do custo.

XIV - No aresto supra, é mencionado que, “(…) o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. Ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. Nº 4736/01). Na esteira do Cons. Jorge Lopes de Sousa (Código do Procedimento e Processo Tributário Anotado, 2.º edição, pág. 470), “o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74º/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário…”. – vide Ac. do TCAS de 13/09/2011, proferido no rec. 04674/11

XV - Porém, sendo no conceito de indispensabilidade ínsito no art.º 23.º do CIRC que a questão essencial radica, da consideração dos custos empresariais e que assenta a distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse da coletividade da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, ser considerado como custo.

XVI - Para Saldanha Sanches “é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediato e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim temporal, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se n ao possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa. ” – vide Saldanha Sanches, J.L.. Os limites do planeamento fiscal, pág. 214

XVII - O princípio estipulado no art.º 23.º do CIRC, ou seja, da aceitação de encargos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização os proveitos ou ganhos, pelo que vejamos se os encargos tidos pela impugnante são custos.

XVIII - A impugnante quanto aos custos propugna uma análise conjunta do procedimento burocrático que originou o Parque Urbano e os lotes de terreno para construção, tendo resultado da prova testemunhal que o processo administrativo que conduziu ao aparecimento do Parque Urbano e à criação dos lotes de terreno era o mesmo.

XIX - Mas, os custos contabilizados como inerentes à execução do Parque Urbano, estão justificados por uma estimativa orçamental, nos termos do art.º 115.º n.º 3 al. a) do CIRC, à data dos factos, pelo que era necessário a realização de diligências probatórias.

XX - A estimativa orçamental era para efeitos das obras de infra-estruturas do projeto de loteamento, ou seja, para o pagamento da taxa de infra-estruturas, em que a impugnante não juntou o comprovativo do pagamento da mesma, desconhecendo-se qual o montante.

XXI - Por outro lado, os orçamentos solicitados para o loteamento eram uma estimativa, que a impugnante imputou a terceiros, aos adquirentes dos lotes, pelo que não suportou aqueles custos que faz menção, quanto muito o montante da taxa de infra-estrutura.

XXII - Mas, caso assim se não entenda, a Fazenda dirá que não foi apresentada qualquer prova em que aquela estimativa foi paga e no montante mencionado, pelo que não se poderá falar de custo pois faltam os documentos que comprovem aquelas despesas como faturas ou documentos equivalentes, cheques, guias de pagamento, pois da prova testemunhal não resultou que aqueles montantes foram pagos mas tão só que eram uma estimativa para efeitos de garantia bancária a prestar à CMA.

XXIII - A corroborar a posição da Fazenda, a notificação efectuada à CMA, em 10/03/2009, na qualidade do vice-presidente, para em 16/03/2009 apresentar os seguintes elementos em esclarecimentos relativamente aos anos de 2001 a 2008 da impugnante:

“1 – Esclarecer se foi formalizado o protocolo a que se refere o n.º 3 do art.º 6.º do Regulamento do Plano de Pormenor do Parque Urbano do N..., publicado no DR., 2.ª Série. N.º 7, de 10 de Janeiro de 2008, através do Aviso n.º 901/2008. Em caso afirmativo, juntar cópia do mesmo.”

“2 – Informar se os custos mencionados na estimativa orçamental, em anexo, foram condicionantes para a aprovação do Alvará de Loteamento n.º 3/2001, emitido em nome do sujeito passivo acima referido. Esclarecer ainda se os mesmos correspondem aos encargos mencionados nos n.º 2 e 3 do art.º 6.º do Regulamento já citado.”

“3 – Enumerar / quantificar os benefícios subjacentes aos encargos a suportar pela entidade privada, no âmbito da execução dom Plano de Pormenor, uma vez que o n.º 3 do art.º 6.º do Regulamento se refere à perequação dos benefícios e encargos decorrentes do mesmo.”

“4 – Esclarecer em que parcela, domínio da Câmara Municipal ou da actividade provada se vai situar o posto de abastecimento referido no art.º 14.º do Regulamento.”

XXIV - Em resposta à notificação mencionada no ponto anterior, a CMA por escrito, em 11/03/2009, respondeu àquela mencionando que:

“1. O protocolo previsto no n.º 3 do artigo 6.º do Regulamento do Plano de Pormenor do Parque Urbano do N... (PPPUN) não foi ainda formalizado.

Está neste momento a ser acordado entre as partes o correspondente clausulado no âmbito dos procedimento que se estão a desenvolver com vista à execução do aludido plano. Estes procedimentos compreendem, entre outros, a aprovação do necessário projecto de execução.

Este protocolo nada tem a ver com o Anexo III ao Alvará de Loteamento n.º 3/2001, conforme melhor se explicará no esclarecimento seguinte.”

“2. Antes de mais cumpre esclarecer que o alvará de loteamento se reporta à área classificada no Plano Director Municipal (PDM) como “espaço urbano”.

A área destinada ao Parque Urbano, classificada no PDM como “espaço verde de protecção e enquadramento urbano”, embora na sua maior parte propriedade da entidade privada, porque carecia, por força do próprio PDM, da elaboração do necessário IGT, foi alvo de tratamento adequado traduzido no PPPUN. Dito de outro modo, os encargos a que expressamente se faz referência constituem uma estimativa sendo certo que o valor final só poderá ser apurado mediante a aprovação do projecto de execução e à data da mesma. Será este o valor que constará do protocolo a celebrar.”

“3. No n.º 3 do artigo 6.º do Regulamento do PPPUN utiliza-se a terminologia expressamente prevista no DL n.º 380/99, de 2/9, de acordo com solicitação da CCDRLVT (ref. 472/DSGT/DUSQ/2005) no âmbito do acompanhamento à elaboração do plano.

Refira-se que, nos termos do nº 2 do artigo 6º do Regulamento do PPPUN, as operações de execução do PP serão integralmente pela entidade privada titular do alvará de loteamento na zona envolvente (alvará de loteamento n.º 3/2001).”

“4. O posto de abastecimento previsto no PPPUN será implantado em parcela propriedade da entidade privada.”

XXV - Em face da resposta da CMA à notificação e ao enquadramento no art.º 23.º do CIRC, a comprovação dos custos reporta-se ao facto de os registos contabilísticos em que assenta a declaração de rendimentos, a Mod. 22, deverem ter subjacente um suporte documental.

XXVI - Contudo, para que o custo seja aceite fiscalmente é necessário a demonstração efectiva da sua ocorrência e a indispensabilidade para a realização dos proveitos, pelo que a ausência de um dos requisitos implica a não consideração dos elementos como custo, devendo os mesmos ser acrescidos ao resultado contabilístico.

XXVII - Ora, se estamos perante estimativas, não se pode considerar que os custos contabilizados estejam devidamente comprovados, nem isso resultou da prova testemunhal nem dos documentosora juntos pois se foram pagos por terceiros não podem ser considerados custos.

XXVIII - Nestes termos constata-se, tal como mencionado no relatório de inspecção, que os montantes contabilizados como custos do exercício é de realização e de montante incerto, tal como o previsto na directriz contabilística n.º 3/ 91, ponto 8 e 9, em que a constituição de provisão, no termo de cada período contabilístico, para perdas previsíveis e, para contingências que surjam durante o período de garantia, as quais não são aceites fiscalmente, nos termos do art.º 34.º do CIRC, à data dos factos.

XXIX - A IAS 37 define “um passivo é uma obrigação presente” e “uma provisão é um passivo de tempestividade ou quantia incerta”.

XXX - Assim, se o conceito prefigura movimentos de acontecimentos de verificação incerta e de montante incerto, no caso em apreço, a situação estaria perfeitamente enquadrável, pelo que, mesmo que se tivesse constituído uma provisão, a mesma não seria aceite fiscalmente como custo, nos termos do art.º 34.º do CIRC.

XXXI - Na prova testemunhal foi mencionado a divergência do relatório face à informação da Direcção de Serviços de IRC quanto aos custos.

XXXII - Na verdade, a informação do DSIRC refere que “(…) estes encargos se venham a suportar após a venda de parte/totalidade dos lotes, a parte da venda dos lotes correspondente aos custos estimados a suportar deve ser considerada como receita antecipada, nos termos do n.º 5 do artigo 19.º do CIRC.”

XXXIII - Porém, o relatório de inspecção explicou contabilisticamente, fundamentando com a legislação em vigor à data dos factos, porque motivo não poderia ser considerada como receita antecipada, tal como consta da pág. 20 e 21 do relatório de inspecção, para a qual remetemos.

XXXIV - E o testemunho de M..., IT, foi no mesmo sentido, explicando porque não eram custos, não havendo qualquer divergência.

XXXV - Mas, mesmo que assim se não entenda, a Fazenda dirá que, aqueles encargos dizem respeito a um todo, ou seja, dizem respeito aos custos que poderão vir a ser suportados no final da obra, Parque Urbano, pela impugnante, aos quais deverá ser deduzido os já imputados aquando da venda dos 4 lotes, no montante de € 255.656,70, pois se os considerarmos está a influenciar o resultado líquido do exercício.

XXXVI - É que, se os montantes que serviram de base para a prestação de uma garantia bancária pela impugnante na CMA, foram no âmbito do alvará de loteamento, então o mesmo será dizer que naquele montante estão os gastos que a impugnante previamente previu, mediante os orçamentos solicitados a várias entidades de quanto ficaria os arruamentos, a eletricidade, água, passeios, arborização bem com o realojamento das coletividades e a execução do Parque, pelo que aqueles montantes ou uma parte deles foram imputados aos construtores aquando da venda dos lotes.

XXXVII - Nos termos expostos, a douta sentença enferma de vício de violação de lei por infringir o art.º 23.º do CIRC, uma vez que os custos estimados não podem ser considerados como custos fiscais porquanto os mesmos não foram incorridos e, não o foram porque o Parque do N... só poderia estar concluído após 2008, o que a impugnante contabilizou foram estimativas e, apesar das mesmas terem sido corroboradas pela Câmara Municipal de Amadora, não consta nenhuma factura, nenhuma guia de pagamento dos custos, aqui colocados em crise, mas tão só, os mesmos serviam de base para uma garantia pelo que, quanto muito a impugnante poderia ter deduzido os custos com a prestação da garantia e nada mais, pelo que a sentença do Tribunal ad quo deve ser revogada por outra.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

3. A recorrida apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«A) Resulta provado que a recorrida em 2007 vendeu 4 lotes de terreno integrados no loteamento do N....

B) Resulta igualmente provado que todo o procedimento relativo à concessão do alvará de loteamento teve subjacente que a recorrida duas despesas em concreto: as relativas à execução do parque Urbano e as relativas ao realojamento das coletividades;

C) É também matéria assente que a recorrida realizou o loteamento do N... e se vinculou a suportar os custos com a realização do Parque Urbano e o realojamento das coletividades;

D) Essas obras e o realojamento ainda não tinham sido efetivada no exercício em análise, tendo a recorrida considerados os custos respetivos com base em estimativas.

E) Os custos estimados para o realojamento foram calculados pela própria Câmara Municipal da Amadora, como decorre da matéria dada como provada no ponto 11, p. 10 da sentença recorrida.

F) Os custos estimados com a execução do parque Urbano do N... baseiam-se num documento aceite pela Câmara Municipal da Amadora, como resulta da informação em que se fixou a caução a prestar e onde, justamente é elencado como custo relativo à execução do Parque Urbano o de 468.340.000$00. Tendo a recorrida prestado caução nesse valor. (cfr. Factos 6, 7, ponto iii.1.1 da sentença recorrida.

Em suma:

G) Da avaliação critica da prova, resulta evidenciada a estreita conexão, entre os proveitos obtidos com a venda dos lotes da Urbanização do N..., os custos suportados quer com o realojamento das coletividades, quer com a construção do Parque Urbano.

H) A construção do Parque Urbano e o Realojamento das colectividades foram condições impostas pelo Município da Amadora para emitir o alvará de loteamento do N....

I) É igualmente certo que a construção do Parque Urbano teve influência direta, não apenas na obtenção, mas também na definição do nível de proveitos, já que o preço de venda dos lotes de terreno foi superior por esse facto.

J) Nessa medida, os "custos " com o realojamento das coletividades e com a execução do Parque Urbano hão-de ser tidos como indispensáveis à obtenção dos proveitos.

K) Além do mais, esses custos estão devidamente lançados, documentados e evidenciados na Contabilidade da recorrida, nos termos e para os efeitos do artigo 115/3/a do CIRC, na redação em vigor na data do lançamento contabilístico.

L) Da matéria de facto apurada resulta igualmente confirmado que estamos perante uma atividade de carácter plurianual, que consistiu na execução da urbanização do N..., com a condição de construção do Parque Urbano e do Realojamento das Coletividades.

M) Ora, "...os proveitos e os custos de atividades de caráter plurianual podem ser periodizados tendo em consideração o ciclo de produção ou o tempo de construção...."-artigo 18/5 do CIRC.

N) A determinação do resultado em relação a obras cujo ciclo de produção ou tempo de construção seja superior a um ano pode ser efetuado segundo o critério do encerramento da obra ou segundo o critério da percentagem de acabamento.."- artigo 19/1 do CIRC.

O) No caso, a recorrida optou pelo critério do encerramento da obra - p. 14 do relatório da inspeção tributária, anexado ao processo administrativo.

P) De acordo com este este critério, "...os proveitos e os custos são reconhecidos quando o grau de acabamento da obra contratada seja igual ou superior a 95%..."- artigo 19/3/a do CIRC.

Q) Assim, quando a obra tiver atingido esse grau de acabamento, são reconhecidos os proveitos, sendo deduzidos dos respetivos custos acumulados.

R) Ora, no caso dos autos a AT desconsiderou por completo os custos e valorizou na íntegra as receitas.

S) E, se fez bem, relativamente aos custos já que estes só poderão ser considerados quando a obra contratada estiver substancialmente concluída.

T) Errou quando valorizou na íntegra a receita, sendo certo que esta só poderia considerada, igualmente, quando o grau da obra contratada estivesse substancialmente concluída.

U) No essencial, a correção proposta pela AT viola a lei, nomeadamente os artigos 17, 18/5 e 19 do CIRC, por duas razões:

c) primeiro, porque antecipa a determinação do lucro tributável, para um momento em que o grau de acabamento da obra contratada era inferior a 95%;

d) segundo, porque para a determinação do lucro tributável valoriza apenas a receita e desconsidera por completo os custos.

V) Ora, no caso das empresas, a sua capacidade contributiva é, na verdade, revelada fundamentalmente pelo seu lucro real, por opção legal e constitucional (cfr. n°2 do art°104° da CR, anterior n°2 do art°107°).

W) A não consideração de todos os custos e proveitos obtidos ou incorridos em determinado ano ou exercício económico, constitui, para além do mais, não só violação do princípio da especialização de exercícios, como também viola o princípio da tributação do lucro real, porque se não forem considerados, pela AT, num determinado ano ou exercício, todos os proveitos e custos, a ele economicamente imputáveis, o lucro que vier a apurar não pode, naturalmente, corresponder ao lucro real desse ano ou exercício.

X) A tributação do lucro real pressupõe a conjugação sistemática do binómio custo, proveito.

Y) Todos os atos tributários que para a determinação do lucro tributável suprimem um dos lados do binomio, os custos ou os proveitos, são manifestamente ilegais e inconstitucionais.

Z) Nessa medida, a correção proposta pela Administração Tributária fundada na valorização da receita e na desconsideração da despesa, assenta numa interpretação dos artigos 18 e 19 do CIRC, desconconforme com a Constituição, nomeadamente, com o princípio da tributação do lucro real, previsto no artigo 104/2 da CRP.

Termos em que deve ser mantida a sentença recorrida e com ela anulado o ato de liquidação impugnado.»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi apresentado parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÃO A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter anulado a correcção relativa a custos estimados para realojamento de colectividades relativa à liquidação adicional de IRC do exercício de 2007.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

«1) A impugnante tem por objeto o P... e compra e revenda dos adquiridos para o mesmo fim, estando inscrita no CAE 041200 – construção de edifícios (cfr. fls. 74, 76 e 80 a 84, do processo administrativo).

2) A impugnante apresentou, em 1999, junto dos serviços da Câmara Municipal da Amadora, projeto de loteamento para um conjunto de prédios na freguesia da Damaia (cfr. fls. 173).

3) Na sequência do referido em 2), foi autuado o processo camarário n.º 140- PL/99 (cfr. fls. 173).

4) Foi apresentada, na sessão da Câmara Municipal da Amadora de 05.01.2000, pelo respetivo presidente, a proposta n.º 1107/99, relativa ao processo de loteamento referido em 3), constando da mesma designadamente o seguinte:

“Propõe-se:

Aprovar o licenciamento da operação de loteamento para o conjunto de prédios supra identificados, nos termos e condições constantes do parecer dos serviços, constituindo ainda encargo do titular do alvará o realojamento por sua conta das famílias residentes no conjunto dos prédios a lotear e nos terrenos municipais situados junto aos aludidos prédios que se encontrem inscritos no PER e o realojamento das colectividades existentes entre a Av. P... e a presente Urbanização em condições a acordar com esta Câmara Municipal” (cfr. fls. 173 e 174).

5) A proposta referida em 4) foi aprovada por maioria (cfr. fls. 173 a 185).

6) A impugnante apresentou, em abril de 2001, no âmbito do processo camarário DF-1815/99, apenso ao processo camarário referido em 3), relativo ao projeto de espaços verdes e Parque Urbano, diversos documentos, consubstanciados em:

a) “Estimativa orçamental” relativa ao Parque Urbano do N..., no valor total de 468.340.000$00;

b) “Projecto Base para Licenciamento – Memória Descritiva”

c) “Projeto de execução (cfr. fls. 92 a 138, do processo administrativo).

7) No âmbito do processo referido em 3), foi elaborada informação n.º 54/01, datada de 27.04.2001, pelo Diretor do Departamento de Administração Urbanística (DAU) da Câmara Municipal da Amadora, na qual é proposta a aprovação do pedido de licenciamento das obras de urbanização, constando da mesma designadamente o seguinte:

“… O pedido de licenciamento deste loteamento encontra-se aprovado a 00.01.05, através da proposta 1107/99.

Existe um pedido de substituição / alteração da Planta Síntese - DF 1168/01 (1 ° Vol.) que face ao Estudo Prévio do Parque Urbano desloca o Parqueamento exterior situado a Sul para uma posição junto à Rua 5.

As obras de urbanização cujos pareceres favoráveis das Entidades e Serviços da Câmara estão contidos nos seguintes documentos:


«Imagem no original»


8) Sobre a informação mencionada em 7) foi proferido, pelo diretor do DAU, a 27.04.2001, proposta de aprovação (cfr. fls. 202 a 205).

9) Foi apresentada, na sessão da Câmara Municipal da Amadora de 16.05.2001, pelo respetivo presidente, a proposta n.º 435/2001, relativa ao processo de loteamento referido em 3), constando da mesma designadamente o seguinte:

“… Considerando:

1 – A deliberação tomada em reunião de câmara de 05.01.00, através da qual foi aprovado o licenciamento do loteamento sito no N... (…)

2 – A deliberação de câmara de 26.07.00 que aprovou o Estudo Prévio e o Programa Base de Integração Paisagística do Parque Urbano do N...;

3 - Que a solução constante do referido Estudo inferia no posicionamento de parte do estacionamento existente, de acordo com o referido na informação dos serviços, em anexo, tendo o requerente apresentado, e na sequência daquele Estudo uma rectificação à Planta Síntese, que consubstancia uma terceira solução (DF 1310/01) quanto à forma de distribuição do estacionamento;

4 - A informação dos serviços emitida sobre os projectos das obras de urbanização, os quais obtiveram parecer favorável das entidades a que foram submetidos;

5 - Que, nos termos do n°. 1 do artº. 22 do DL 448/91 de 29 de Novembro, na sua actual redacção, compete à Câmara Municipal aprovar o pedido de licenciamento das obras de urbanização;

Propõe-se:

1 - Aprovar a alteração ao loteamento apresentado pelo requerente e nos termos da informação dos serviços, no que se refere ao estacionamento, tendo ainda de proceder ao tratamento paisagístico do espaço central das rotundas localizadas na área do loteamento, devendo para o efeito apresentar o respectivo projecto.

2 - Aprovar o licenciamento das obras de urbanização do loteamento em causa, bem como o prazo de execução das mesmas (36 meses) e fixar a respectiva caução no montante de 893.011.939$00, de acordo com a informação dos serviços” (cfr. fls. 207 e 208).

10) A proposta referida em 9) foi aprovada por maioria (cfr. fls. 207 e 208).

11) Foi elaborado documento, datado de 31.05.2001, pelo diretor do DAU da Câmara Municipal da Amadora, relativo ao realojamento das coletividades existentes no loteamento do N..., do qual consta designadamente o seguinte:

“1 - OS A...

2- E...

3 - D... CLUBE

A) Realojamento de "Os A..." e dos "E..." no lote 2…, em partes iguais, da área total de lote que possui 244,85 m2.

O valor destes 244,85 m2 construído com acabamentos, serão:

A.1 Custo da obra: 244,85 m2 x 114.300$00 = 27.986.355$00

(114.300$/m2 conforme Portaria 982-C/99 de 30/10)

A.2 Margem de lucro (A1x30%)

27.986.355$00 x .30=8.395.906$50

A.3 Valor do terreno (20%deA1+A2)

(27.986.355$00 + 8.395.906$50) x .20= 36.382.261 $50 x .20=7.276.452$30

Total Parcial (A1+A2+A3):

27.986.355$00 + 8.395.906$50+7.276.452$20=43.658.713$80

B) Realojamento do "D... CLUBE"

De acordo com os elementos de projecto juntos, sito na Praceta D. J...

B.1 -Área da sede: Abc - 428,50 m2

Valor/m2 (Portaria 982-C/99 de 30/10): 114.300$00

428,50 x 114.300$00 =48.977.550$00

B.2 Bancada e Instalações Desportivas: 14.800.000$00

TOTAL PACIAL:48. 977. 550$00 + 14.800.000$00= 63.777.550$00

TOTAL GERAL (A +B):

43.658.713$80 + 63.777.550$00=107.436.263$80…”(cfr. fls. 152 e 153, do processo

administrativo).

12) Foi apresentada, na sessão da Câmara Municipal da Amadora de 03.10.2001, pelo respetivo presidente, a proposta n.º 496/2001, relativa ao processo de loteamento referido em 3), constando da mesma designadamente o seguinte:

“…


«Imagem no original»


…” (cfr. fls. 226 a 237).

13) A proposta referida em 12) foi aprovada por maioria (cfr. fls. 226 a 237).

14) Foi apresentada, na sessão da Câmara Municipal da Amadora de 31.10.2001, pelo respetivo presidente, a proposta n.º 969/2001, relativa ao Plano de Pormenor do Parque Urbano do N..., constando da mesma designadamente o seguinte:

“…


«Imagem no original»


…” (cfr. fls. 263 e 264).

15) A proposta referida em 14) foi aprovada por unanimidade (cfr. fls. 263 e 264).

16) Foi emitido pela Câmara Municipal da Amadora alvará de loteamento n.º 3/2001, datado de 12.11.2001, em nome da impugnante, para licenciamento do loteamento e respetivas obras de construção a que respeita o processo n.º 140-PL/99, constando do mesmo designadamente o seguinte:

“Nos termos do artigo 280 do Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, alterado pelo Decreto-lei nº 334/95, de 28 de Dezembro, com alteração por ratificação pela Lei nº 26/96, de 1 de Agosto, é emitido o alvará de loteamento número 3/2001, em nome de A... P..., LIMITADA, pessoa colectiva nº ..., com Sede na Rua ..., C/v esquerda, freguesia da Damaia, município da Amadora.

Através deste são licenciados o loteamento e as respectivas obras de urbanização, a que respeita o processo camarário 140-PL/99, os quais incidem sobre os prédios rústicos e urbanos, sitos na freguesia da Damaia, município da Amadora, que a seguir se descrevem:

a) Prédio rústico, sito no N..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção A;

b) Prédio urbano sito no N..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº …, omisso na matriz, mas pedida a sua inscrição em 18.05.2000;

c) Prédio rústico descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, secção A, tendo sido participada a respectiva rectificação matricial em 13.11.2001;

d) Prédio misto, sito no N..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadorasob o nº … e inscrito na matriz predial, a parte urbanasob os artigos … e … e a parte rústica sob o artigo …, secção A;

e) Prédio misto, sito no N..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº …, e inscrito na matriz predial, a parte urbana sob os artigos … e …, e a parte rústica sob o artigo …, Secção A;

f) Prédio rústico sito no N..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção A;

g) Prédio rústico sito no N..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção A;

h) Prédio rústico sito no N..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção A;

i) Prédio rústico sito no N..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção A, tendo sido participada a respectiva rectificação matricial em 13.11.2001;

j) Prédio rústico sito no N..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção A, tendo sido participada a respectiva rectificação matricial em 13.11.2001;

(…)

Condicionantes do Licenciamento:

(…) 8. Constitui encargo da titular deste Alvará, o realojamento, por sua conta, das associações "Os A... ", "E... ", e "D... Clube ", conforme Protocolo celebrado nesta data com a Câmara Municipal da Amadora (Anexo III)…” (cfr. documento junto de fls. 17 a fls. 23, dos autos, e fls. 140 a 147, do processo administrativo).

17) Em momento não concretamente apurado mas pelo menos a 12.11.2001, através de documento escrito, designado de “Protocolo”, no qual surgem como outorgantes a impugnante e a Câmara Municipal da Amadora, a impugnante declarou, designadamente, efetuar por sua conta e risco os trabalhos de urbanização especificados nos projetos aprovados pela Câmara Municipal, em reunião de 16.05.2001 e respeitar todas as prescrições do alvará de loteamento e efetuar por sua conta e risco o realojamento das associações referidas nos considerandos, constando do mesmo designadamente o seguinte:

“… Pelos representantes da primeira outorgante foi dito (…)

Para os prédios acima descritos foi aprovado um loteamento urbano pela deliberação da Câmara Municipal da Amadora de 5 de Janeiro de 2000, cujos trabalhos da urbanização, conforme consta dos respectivos projectos, memórias descritivas, caderno de encargos, estimativas e orçamentos, cauções e prazo de execução foram também já aprovadas pela deliberação tomada na sua reunião de 24 de Outubro de 2001.

Que no âmbito da operação de loteamento referida se torna necessário que se encontre local para a instalação de três associações instaladas no local, a título provisório.

Primeira: A primeira outorgante efectuará por sua conta e risco trabalhos de urbanização especificados nos projectos aprovados pela Câmara Municipal, em reunião de 16.05.2001 e respeitarão todas as prescrições do alvará de loteamento e efectuarão o pagamento de todas as taxas devidas, com excepção da dedução autorizada pelo presente contrato;

Segunda: A primeira outorgante efectuará ainda por sua conta e risco o realojamento das Associações referidas nos Considerandos;

Terceira: Na falta de cumprimento do contrato pela primeira outorgante, a Câmara substituir-se-á à mesma, correndo as respectivas despesas por conta da referida outorgante.

Pelo segundo outorgante foi dito:

Que os custos com os realojamentos a efectuar, que se encontram especificados em lista anexa, a qual faz parte integrante do presente Protocolo, serão deduzidos nas taxas de urbanização, devidas pela operação de loteamento, aprovado em reunião de Câmara de 5 de Janeiro de 2000, por se tratar de construção de equipamentos necessários para a urbanização da operação de loteamento e a sua realização não se encontrar prevista pela Câmara Municipal…” (cfr. fls. 24 a 26, dos autos, e fls. 148 a 151, do processo administrativo, bem como fls. 145, para efeitos de data).

18) Foi apresentada, na sessão da Câmara Municipal da Amadora de 16.05.2007, pelo respetivo presidente, a proposta n.º 180/2007, relativa ao processo de loteamento referido em 3), constando da mesma designadamente o seguinte:

“…


«Imagem no original»

…” (cfr. fls. 243 a 245).

19) A proposta referida em 18) foi aprovada por unanimidade (cfr. fls. 243 a 245).

20) Entre 2004 e 2007 foram realizadas diversas escrituras de compra e venda de lotes relativos ao loteamento mencionado nos números anteriores (loteamento do N...) (cfr. fls. 58 a 172).

21) Foram emitidas declarações, indicando-se como signatários os adquirentes mencionados nos documentos referidos em 20), referindo-se nas mencionadas declarações que o preço teve em conta a realização do parque urbano (cfr. fls. 57 a 172).

22) Foi outorgada, a 25.01.2007, no Cartório Notarial de ..., escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, na qual surgiram como primeira outorgante a impugnante e como segunda outorgante a sociedade T... – Empreendimentos imobiliários (doravante T...) e na qual a impugnante declarou vender à T... e esta declarou comprar-lhe, pelo preço de 1.250.000.00 Eur., um prédio urbano constituído por um lote de terreno para construção, designado de lote 54, descrito na segunda conservatória do registo predial da Amadora sob o n.º 1… – Freguesia da Damaia (cfr. fls. 59 a 66).

23) Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de março de 2007, a impugnante vendeu, pelo preço de 745.200,00 Eur., um prédio urbano constituído por um lote de terreno para construção, designado de lote 32 – Freguesia da Damaia (cfr. fls. 89, do processo administrativo; facto que se extrai igualmente do RIT – cfr. fls. 50, do processo administrativo).

24) Foi outorgada, a 14.09.2007, perante o notário R..., escritura de compra e venda, na qual surgiram como primeira outorgante a impugnante e como segunda outorgante a sociedade de construções E..., Lda (doravante E...) e na qual a impugnante declarou vender à E... e esta declarou comprar-lhe, pelo preço de 1.300.000.00 Eur., um prédio urbano constituído por um lote de terreno para construção, designado de lote 6, descrito na segunda conservatória do registo predial da Amadora sob o n.º 1… – freguesia da Damaia (cfr. fls. 75 a 78).

25) Foi outorgada, a 29.11.2007, no Cartório Notarial da Amadora, escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, na qual surgiram como primeira outorgante a impugnante e como segunda outorgante a sociedade E... e na qual a impugnante declarou vender à E... e esta declarou comprar-lhe, pelo preço de 1.300.000.00 Eur., um prédio urbano constituído por um lote de terreno para construção, designado de lote 7, descrito na segunda conservatória do registo predial da Amadora sob o n.º 1… – freguesia da Damaia (cfr. fls. 80 a 85).

26) A impugnante registou, em 2007, na sua contabilidade, as vendas de lotes mencionadas entre 22) e 25) (cfr. fls. 89, do processo administrativo).

27) A impugnante registou, em 2007, na sua contabilidade, os seguintes custos relativos às vendas de lotes mencionadas em 26):

a) Custos estimados relativos à construção do parque urbano do N...:

b) Custos estimados relativos ao realojamento de coletividades:

(cfr. fls. 57 e 62, do processo administrativo).

28) Foi publicado, no Diário da República, 2.ª Série, n.º 7, de 10.01.2008, o Regulamento do Plano de Pormenor do Parque Urbano do N..., do qual consta designadamente o seguinte:

“… Artigo 2º

(Objecto)

O plano de pormenor destina -se a pormenorizar as regras de uso, ocupação e transformação do solo na área do parque urbano do N... nos termos do disposto no artigo 36.º do Regulamento do Plano Director Municipal da Amadora (RPDMA), aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros publicada no Diário da República n.º 142, de 22 de Junho de 1994.

Artigo 3º

(Conteúdo)

O presente Regulamento, que tem a natureza de regulamento administrativo, estabelece, nos termos do Decreto -Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, a concepção do espaço urbano, dispondo designadamente sobre usos do solo e condições gerais de edificação para novas edificações e arranjos dos espaços livres.

Artigo 4º

(Alteração ao Plano Director Municipal)

O plano de pormenor altera parcialmente o Plano Director Municipal da Amadora, ao prever a existência de um posto de abastecimento de combustíveis numa zona que está classificada no RPDMA como “espaço verde de protecção e enquadramento urbano” (artigo 36º do RPDMA), o que determina a alteração da classificação do espaço correspondente para “espaço industrial proposto” (artigo 34º do RPDMA).

Artigo 5º

(Vinculação)

1 — Quaisquer acções de iniciativa pública, cooperativa ou privada a realizar na área de intervenção definida no artigo 1.º devem obrigatoriamente respeitar as disposições do presente Regulamento, sem prejuízo das atribuições e competências cometidas pela lei em vigor e outras entidades.

2 — O plano indica as obras e edificações a desenvolver pelas entidades públicas e privadas.

Artigo 6º

(Execução)

1 — A unidade de execução do presente plano de pormenor corresponde à área abrangida pelo parque urbano do N..., na Amadora, cujo perímetro e prédios abrangidos se encontram definidos na planta da situação fundiária, incluída nas peças gráficas que compõem este plano.

2 — As operações de execução do Plano de Pormenor são realizadas através do sistema de compensação, sendo integralmente custeadas por uma entidade privada, titular de um alvará de loteamento na zona envolvente.

3 — Uma vez que só existem dois proprietários na área de intervenção, a Câmara Municipal da Amadora e a entidade privada que fica incumbida da execução do plano, a perequação dos benefícios e encargos decorrentes do plano realiza -se através da execução do mesmo, formalizada através de protocolo.…” (cfr. fls. 155 a 158, do processo administrativo).

29) Pelo menos a 11.03.2009, o protocolo mencionado no art.º 6.º, n.º 3, do Regulamento referido em 28) não estava formalizado (cfr. fls. 164 e 165, do processo administrativo).

30) Pelo menos em 2009, o realojamento das coletividades “Os A...”, “E...” e “D... Clube” não tinha sido efetuado (cfr. fls. 176 a 181, do processo administrativo).

31) A impugnante foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI20083512, pela Direção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 41, do processo administrativo).

32) Da ação inspetiva referida em 31) resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 04.05.2010, do qual resultaram correções à matéria tributável de IRC no valor de 314.431,62 Eur., constando do mesmo designadamente o seguinte:

“…


«Imagem no original»

«Imagem no original»

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…” (cfr. documento junto de fls. 71 a 72, do processo administrativo).

33) Na sequência do RIT mencionado em 32) foi emitida pela AT, em nome da impugnante, a liquidação adicional de IRC n.º 2010 8310003065, relativa ao exercício de 2007, no valor de 89.734,63 Eur. (cfr. fls. 16).


*

DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.


*

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.

Quanto à prova testemunhal produzida, a mesma não foi considerada, dado que nada acrescentou à prova documental, limitando-se a explanar o que dos documentos constava.


*


2. DE DIREITO

O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, proferida na impugnação judicial que a Recorrida havia deduzido contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2007, na parte em que julgou procedente a impugnação quanto à correcção de custos estimados com o realojamento de três colectividades.

A Recorrente, Fazenda Pública, assaca à sentença recorrida erro de julgamento porquanto na sua óptica os custos estimados não podem ser considerados custos fiscais ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, por tais custos contabilísticos não se mostrarem devidamente comprovados.

De referir que a Recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto

Vejamos, antes do mais, o que foi considerado sobre esta matéria na sentença recorrida, para o que passamos a transcrevê-la na parte relevante da apreciação fáctico-jurídica:

(…) In casu, como resulta provado, em 2007 a impugnante vendeu 4 lotes de terreno, integrados no loteamento do N....

Resulta igualmente provado que todo o procedimento atinente à concessão do alvará de loteamento teve subjacente que a impugnante suportasse duas despesas em concreto: as relativas à execução do Parque Urbano do N... e as relativas ao realojamento de três coletividades [cfr. factos 4) a 13)].

Assim, não é controvertido que a impugnante realizou o loteamento do N..., não sendo igualmente controvertido que se encontrava vinculada a suportar tais custos. Aliás, no próprio RIT refere-se expressamente que não está em causa a indispensabilidade dos custos, mas apenas a sua comprovação.

Estas obras e realojamentos, no exercício em análise, ainda não tinham sido efetivados, tendo a impugnante considerado os custos respetivos com base em estimativa calculada. Refira-se, aliás, que, como resulta provado, apenas em 2008 foi aprovado o Plano de Pormenor do Parque Urbano do N..., circunstância com impacto na referida efetivação da construção [cfr. facto 28)].

A AT, por seu turno, não aceitando a mencionada estimativa, por ter sido calculada pela impugnante, corrigiu a matéria coletável de 2007, mantendo os proveitos e não aceitando os custos.

A impugnante entende, como já referido, que os custos seriam de aceitar e que, a não aceitar-se os custos, não poderiam igualmente ser considerados os proveitos.

Como é referido no RIT, a própria AT considera que a impugnante deveria adotar o regime das obras plurianuais, designadamente atendendo ao disposto no art.º 19.º, n.º 5, do CIRC. No entanto, em sede de ação inspetiva, afastou-se a aplicação do critério da percentagem de acabamento, em virtude de se entender que a situação não se enquadra no art.º 19.º, n.º 2, do CIRC, e afastou-se igualmente a aplicação do critério do encerramento da obra, por não estarem preenchidos os pressupostos do n.º 3, do mesmo art.º 19.º.

Em sede de análise do direito de audição, a AT afasta ainda o art.º 19.º, n.º 5, uma vez que em 2001 e 2003 a impugnante não terá considerado os custos estimados, só os tendo considerado em 2004, 2005 e 2007, deixando uma pergunta no sentido de estar ou não a impugnante a aplicar sempre o mesmo critério.

Desde já se refira que se entende que assiste razão à impugnante.

Com efeito, a mesma considerou os proveitos do exercício, imputando-lhe custos estimados, que, de facto, não tinham ainda sido incorridos. No entanto, como resulta da matéria de facto provada, a impugnante estava vinculada a suportar tais custos, tendo efetuado o cálculo dos custos estimados e considerado a mencionada estimativa. O facto de em 2001 e 2003 não ter considerado os custos estimados não afasta de per si a aplicação do art.º 19.º, n.º 5, pois não evidencia qualquer mudança de critério (aliás, a própria AT, no RIT, faz referência a esta circunstância sob a forma de questão e não de afirmação).

Refira-se que, quanto aos custos estimados para o realojamento, os mesmos foram calculados pela própria Câmara Municipal da Amadora, como decorre do mencionado em 11) do probatório, tendo ao valor em causa sido aplicada uma taxa de atualização, como referido no próprio RIT (cfr. ponto III.1.2).

(…)

Já quanto aos custos para o realojamento, os mesmos constam de documento efetuado pela Câmara Municipal da Amadora.

De todo o modo, como refere a impugnante, a AT, entendendo que não era possível aplicar o método da percentagem de acabamento nem o do encerramento da obra, desconsiderando os custos, em virtude de considerar que as estimativas não eram fiáveis, ao não aceitar os custos incorridos tinha de simetricamente desconsiderar os proveitos, até estarem reunidos os requisitos do encerramento da obra, o que não ocorreu.

Como tal, a liquidação em crise é ilegal, assistindo, pois, razão à impugnante.

Analisadas as conclusões, auxiliada pela interpretação da motivação das alegações constata-se que a Recorrente não questiona a sentença recorrida, contrariando os seus fundamentos, antes ignora o que nela foi decidido, como se a questão não tivesse sido objecto de apreciação judicial.

Com efeito, a Recorrente não ataca o fundamento pelo qual a correcção de custos estimados foi anulada, que assenta na desconsideração de custos sem a correspondente correcção de desconsideração dos proveitos.

Acontece que, no caso em apreço, as alegações de recurso e respectivas conclusões são totalmente omissas acerca deste concreto fundamento de anulação da correcção em apreço.

Ora, o recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que a Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o Tribunal ad quem tome conhecimento delas e as aprecie (vide neste sentido Ac. do STA de 15/05/2013, proc. n.º 0508/13, disponível em www.dgsi.pt/).

Se a Recorrente não convocar questões e argumentos para as sustentar contra os fundamentos desfavoráveis exarados na sentença, o decidido não pode ser alterado, na parte não impugnada, uma vez que, o nosso sistema de recursos (seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa), é de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso (vide neste sentido Acs. do TCAS de 15/01/2021, proc. n.º 6162/12.7BCLSB e de 09/06/2021, proc. n.º 671/10.0.BESNT, relatados pela mesma relatora da presente formação, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Com efeito, o âmbito do recurso jurisdicional é delimitado pelo Recorrente nas conclusões da alegação de recurso (artigo 635.º do CPC), pelo que, a sentença não pode ser sindicada pelo tribunal ad quem, na parte em que não sofre impugnação, por ficar fora dos seus poderes de cognição, uma vez que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 5 do CPC.

Sobre esta questão também se pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo Sul, no recente acórdão de 16/09/2021, proferido no processo n.º 1059/10.0BELRS, ainda inédito, entre as mesmas partes, em que estava em causa a mesma correcção, mas relativa ao exercício de 2005, com o seguinte discurso fundamentador:

«Ora, do confronto entre as conclusões IX) e seguintes e o decidido (acabado de transcrever) não resulta, expressa ou implicitamente, respaldo capaz de materializar um ataque à decisão recorrida, naquilo que é –repete-se –o seu esteio fundamental: a desconsideração dos custos, sem a correspondente correcção dos proveitos, palas razões avançadas.

Independentemente do acerto da decisão do TT de Lisboa, a verdade é que a mesma não se mostra contrariada, não lhe vindo apontado um erro de julgamento cuja apreciação se imponha a este Tribunal. Por outras palavras, nesta parte do recurso que por último analisamos, concluímos que o seu discurso fundamentador é absolutamente inapto a colocar em causa a decisão sob escrutínio, não sendo esgrimidos argumentos relativamente ao que foi considerado, passando toda a motivação do recurso ao lado daquilo que foi efectivamente decidido.

Assim sendo, e sem necessidade de nos alongarmos mais, diremos que, enquanto forma de ataque à sentença recorrida, o percurso seguido no presente recurso jurisdicional (sem prejuízo da invocada nulidade da sentença, já apreciada) é manifestamente ineficaz.»

Termos em que não tomamos conhecimento do recurso.


*

Conclusões/Sumário:

I. O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que a Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o Tribunal ad quem tome conhecimento delas e as aprecie.

II. Se a Recorrente não convocar questões e argumentos para as sustentar contra os fundamentos desfavoráveis exarados na sentença, o decidido não pode ser alterado, na parte não impugnada, uma vez que, o nosso sistema de recursos (seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa), é de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.


*

IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, ­­­­­­30 de Setembro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)
(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes integrantes da formação de julgamento, as Exmas. Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Isabel Fernandes).