Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 128/15.2 BEBJA |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 03/02/2023 |
![]() | ![]() |
Relator: | MARIA CARDOSO |
![]() | ![]() |
Descritores: | IVA FACTURAS FALSAS ÓNUS DA PROVA |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - As alegações, previstas no artigo 120.º do CPPT, destinam-se à apreciação crítica das provas produzidas nos autos e à discussão das questões de direito suscitadas na petição ou na contestação. II - Em situações como a dos autos, a aplicação da regra do ónus da prova (artigo 74.º da LGT), fracciona-se em duas fases. A primeira faz recair sobre a AT a prova (indiciária) de que as facturas não correspondem a transacções reais, se esta prova for feita, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus de provar a materialidade das operações facturadas |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - RELATÓRIO
1. C........ – C......, Lda., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, referentes ao exercício fiscal de 2013. 2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «1) Falta de pronuncia sobre as alegações produzidas pela recorrente nos termos do artigo 120° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. 2) O Juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 125° do C.P.P.T. e 660°, n° 2 e 668°, n° 1, alínea d) do C.P.C.). 3) E isto, porque o Tribunal a quo deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (artigos 99° da Lei Geral Tributária e artigo 13° do C.P.P.T.). 4) Em Processo Judicial Tributário só é licito julgar com base no ónus da prova depois de terem sido ordenadas todas as diligências necessárias à descoberta da verdade dos factos de que é licito conhecer, nomeadamente, os alegados pelas partes, no caso, pelos factos alegados pela impugnante, ora recorrente. 5) Ora, se a Inspecção Tributária dá como assente que a contabilidade do sujeito passivo da acção inspectiva está regularmente organizada e contabiliza todos os elementos nela descritos e os alicerça em suporte documental e se verifica que todas as transações estão comprovadamente pagas, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira pôr em causa essas transações, totalmente documentadas como se verifica do Ponto II3.7.2 - Valores declarados em IRC, página 4 do Relatório Final, que não foi transcrito nos factos provados da Sentença recorrida. 6) A Inspeção Tributária não faz prova alguma de que as transações referidas nas faturas não se tenham realizado, nem o Juiz a quo na Douta Sentença recorrida. 7) Muito pelo contrário, toda a prova documental produzida nestes autos demonstra a veracidade das transações. 8) Ora, no caso sub júdice, todos os alegados indícios que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz serem demonstrativos da falsidade das facturas, não são indícios, porque nem sequer existem. 9) Tais indícios alegados pela Inspecção Tributária e por esta mobilizados para o cumprimento do dever de fundamentação material dos actos impugnados não constituem prova de que as facturas em causa não titulam verdadeiras operações, não permitindo suportar, objectivamente e à luz das regras da experiência comum, as conclusões a que chegou a Autoridade Tributária e Aduaneira, nas quais assenta a decisão de corrigir a matéria tributável da impugnante e que está na base das liquidações impugnadas de IVA e de juros compensatórios. 10) Mais, todas as facturas em causa reúnem todos os requisitos previstos no artigo 36° do Código do IVA (ex. 35°), pois nada foi posto em causa ou impugnado pelo representante da Fazenda Pública.. 11) A Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia no sentido da fundamentação substancial do acto que a lei exige para legitimar a correcção da matéria tributável declarada, correcção essa que se afigura, assim, desconforme com a lei. 12) O que a Inspecção Tributária faz é imputar ao contribuinte, no procedimento tributário, o ónus de provar que as faturas não são falsas, quando é à Administração Tributária que lhe compete fazer a prova, nos termos do n° 1 do artigo 74° da Lei Geral Tributária (ou não se estivesse em sede de correcções meramente aritméticas). 13) Quando é a Autoridade Tributária e Aduaneira que tem de provar que a impugnante "não tenha comprado e vendido as mercadorias a que se referem as facturas”, que alegou serem falsas (artigo 74°, n° 1 da L.G.T.). 14) Pois, todas as compras efectuadas no exercício de 2013 pela Impugnante, aqui recorrente, ao seu fornecedor correspondem a transmissões de bens. 15) Todos os documentos juntos aos autos pela impugnante. Faturas e recibos, comprovativos da realização das transacções comerciais, não foram objecto de impugnação, pelo que fazem prova plena da veracidade das transacções comerciais realizadas com aquele fornecedor. 16) Pelo que, todos os alegados indícios referidos no Relatório Final e meramente transcritos na alínea h) da Douta Sentença pelo Juiz do Tribunal “a quo”, não foram comprovados por qualquer prova material. 17) Os factos recolhidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira e por esta mobilizados para o cumprimento do dever de fundamentação material das liquidações impugnadas, nem sequer constituem indícios de que as facturas em causa não titulam verdadeiras operações. 18) Por último, considerar indícios o facto dos fornecedores não possuirem estrutura empresarial, nem capacidade produtiva adequada ao exercício de actividade na dimensão demonstrada pelas faturas emitidas, não é evidência nenhuma, uma vez que para transacionar (comercializar cortiça amadia) não é necessário ter instalações fabris, nem capacidade produtiva, pois não se está a falar de fabrico mas de comercialização de mercadoria, além do que é comum a cortiça estar em pilhas ao ar livre nas herdades, não sendo uso na actividade fazer “armazenamento de cortiça''. 19) Resulta, assim, não existir qualquer indicio da falta de materialidade das transações, bem pelo contrário, resulta provado pelos documentos juntos com a P.I. que todas as facturas postas em causa pela Inspeção Tributária correspondem a fornecimentos de mercadoria. 20) Até porque, como seria possível a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitar as vendas efectuadas pela impugnante, aqui recorrente, alegando que as compras por ela efectuada não são verdadeiras ???!!! 21) A impugnante, aqui recorrente, para poder vender teve de comprar matéria prima, ou seja, cortiça. 22) Mas, se dúvidas houvesse quanto à veracidade das facturas, a Inspeção Tributária teria necessariamente de verificar stocks, inventários, verificar se as mercadorias deram entrada na Firma, o que não fez. 23) Pelo que, carecem notoriamente de fundamentação, as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios. 24) Assim, e ao contrário do referido na Douta Sentença recorrida, por imperativo do n° 1 do artigo 74° da Lei Geral Tributária, aplicável por força da alinea a) do seu artigo 2o, que tem primazia sobre o C.P.P.T., e os demais Códigos e leis tributárias, era e é à Inspeção Tributária a quem competia a demonstração de que as facturas não correspondem a operações reais, o que não logrou provar como é notório. 25) Assim, a correcta análise e valoração da prova constante dos autos não permitia, de forma alguma, concluir que as facturas em causa eram falsas, bem pelo contrário, uma vez que não foram postas em causa as vendas declaradas, e o Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Primas Consumidas no exercício de 2013, no valor de 714.591,58 €, conforme página 4 do Relatório, contudo tal facto não foi transcrito nos “Factos provados” da Douta Sentença recorrida. 26) Ora, analisando todo o Relatório, bem como os seus Anexos, constata-se que nada de concreto foi apurado no sentido de pôr em causa a veracidade das transações, sendo completamente falso invocar que as faturas em causa não correspondem a operações reais, pelo que, todas as considerações tecidas no Relatório, constituem meras conclusões pessoais da Inspetora Tributária A…, sem qualquer fundamentação de facto e de direito. 27) A verdade é que a Inspeção Tributária através do Relatório da Inspeção, nada prova relativamente à alegada simulação das faturas, através de factos retirados designadamente de documentos e elementos respeitantes à Firma “C........ – C...... LDA”. 28) Ora, na realidade, os alegados indícios não existem, pois que: a) As Compras da C........ estão tituladas por faturas emitidas pela Firma R........ , U........ , Lda., com o N1PC 508….., e que cumprem todos os requisitos legais, conforme Anexo 2 do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária; b) Como se analisa das facturas em causa, trata-se de fornecimentos de cortiça amadia e em casco, pelo que nem sequer são necessários trabalhadores efetivos (são normalmente trabalhadores sazonais) e não são necessárias Instalações (cortiça amadia e em casco está “a céu aberto")'- c) 87% das vendas da C........ destinaram-se à Firma M........ Lda., com o N1PC 507 416 937; d) O sócio e gerente da Firma “M........, Lda.” detém 50% do capital social da C........ ; e) As vendas no exercício de 2013 foram no valor de 724.561,87 €, sendo o Custo das Mercadorias Vendidas no valor de 714.591,87 € (página 4 do Relatório); f) Por último, o pagamento das faturas em dinheiro não constitui fundamento das faturas serem falsas, pois os pagamentos podem ser realizados em dinheiro. E nada obsta a que os pagamentos sejam realizados em numerário, quando muito poderão os contribuintes incorrer em infracção ao artigo 63° - C da Lei Geral Tributária, e estar sujeitos a coimas, nos termos do artigo 129° do R.G.I.T., o que no caso sub judice nem sequer ocorreu, conforme de verifica do Ponto VII - Infracções verificadas. 29) Assim, meras e genéricas afirmações, tais como “verificam-se fortes indícios de as faturas emitidas em nome da R........ , Lda, serem falsas”, sem indicar concretamente quais são esses indícios, não consubstancia uma correcta e completa fundamentação. 30) As conclusões da Inspeção Tributária não são suportadas por factos retirados de documentos e elementos respeitantes à Impugnante “C........ – C...... LDA.”, aqui recorrente, e que permitissem à Inspeção dizer que entre esta Firma e a emitente das faturas em causa, tenha existido um acordo simulatório com vista a enganar terceiros nos termos do artigo 240° do Código Civil, aplicável por força da alínea d) do artigo 2° da Lei Geral Tributária. 31) Ora, num Estado de Direito não se pode acusar um contribuinte de Fraude Fiscal, nos termos do artigo 104°, n° 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, com afirmações vagas, tais como: "por se acreditar que quer as compras à "R........ Lda. ", quer as vendas à “M........ , Lda. " não são reais", pois tais afirmações, desacompanhadas de documentos que as comprovem carecem de valor e relevo probatório, tal como resulta do n° 2 do artigo 115° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. 32) O que é inquestionável é que com referência ao ano de 2013, nada de concreto foi apurado em relação ao emitente ‘‘R........ Lda/’, pois como se verifica da página 8 do Relatório Final, o ano de 2013 nem sequer foi inspecionado pela Inspeção Tributária, e isto, porque apenas “fizeram-se diligências junto da D.F. Beja, que efetuou ações de inspeção aos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011'\ e nada mais. 33) A isto acresce que, a Sociedade emitente das facturas, a Firma R........ , U........ , Lda., está identificada nos documentos emitidos e o número fiscal neles apostos foi atribuído pela Administração Fiscal para efeitos do exercício da sua atividade, sendo certo que todas as faturas emitidas reúnem todos os requisitos enunciados no artigo 36° do Código do IVA. 34) Acresce que, existe Preterição de formalidade legal essencial (artigo 45°, n° 1 do C.P.P.T. e 8º do RCPIT, pois os relatórios da Inspeção Tributária têm, dentro do procedimento tributário, a natureza de prova e simultaneamente a natureza jurídica de “informações oficiais”, pelo que, era então obrigatória a notificação do seu teor integral à Impugnante, aqui recorrente, como impõe o artigo 115°, n° 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que não ocorreu. 35) Ora, como se analisa do Relatório da Inspeção Tributária, e de acordo com o Ponto 11.3.9 do Relatório da ação inspetiva efectuada à Sociedade R........ , U........ , Lda., NI PC' 503….. 1)1 201400030 da Direção de Serviços de Investigação da brande e de Acções Especiais, páginas 6, 7 e 3 do Relatório, não foi a impugnante, aqui recorrente, notificado do seu teor integral, com o formalismo previsto no artigo 76°, n° 1, 2 e 3 da Lei Geral Tributária (transcrito nas páginas 11, 12 e 13 dos Factos Provados). 36) Sendo certo, que por virtude do Princípio do Contraditório tinha de ser validamente notificado, para que lhe fosse possível exercer adequadamente o respetivo direito de contraditório. 37) Assim, o Meritíssimo Juiz “a quo”, não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, sem fundamentação, o que, só por si, conduz ao vicio de nulidade da Sentença recorrida. 38) O Meritíssimo Juiz "a quo” ao dar como provada a inexistência de transacções comerciais, com base em elementos que nem foram juntos ao Relatório Final e em indícios, que nem indícios são, salvo o devido respeito, o juiz “a quo” decidiu mal e sem qualquer fundamentação concreta, segura e precisa. 39) É principio estruturante do processo judicial tributário o princípio do Inquisitório pleno, previsto nos artigos 13° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nos termos do qual o Juiz deve ordenar as diligências necessárias para a descoberta da verdade material. 40) Em processo judicial tributário só é licito julgar com base no ónus da prova depois de terem sido ordenadas todas as diligências necessárias à descoberta da veracidade dos factos de que é licito conhecer, nomeadamente, o alegado pela impugnante, ora recorrente. 41) A Sentença recorrida ao julgar improcedente a Impugnação, com base no ónus da prova, sem que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha procedido a todas as diligências necessárias com vista ao apuramento da verdadeira situação tributária do contribuinte, designadamente através de um controlo das existências iniciais, das compras e das existências finais em 2013, violou o artigo 58° da Lei Geral Tributária, o que constitui preterição de formalidade legal essencial. 42) Aliás, é processualmente inconcebível que todos os factos dados por apurados e constantes da alínea h) do probatório da Sentença recorrida se sustentem em referências apenas de “partes" de um alegado Relatório efetuado ao emitente das faturas em causa, sem que o seu teor integral tenha sido junto e notificado à impugnante, ora recorrente, como impõe o artigo 115º, n° 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. 43) Por outro lado, como se verifica do Ponto III- Diligências efectuadas transcritas em factos provados, página 12 da Sentença recorrida, apenas resulta a conclusão de que com referência ao ano de 2013, nada de concreto foi apurado, pois os anos inspecionados foram os de 2008, 2009, 2010 e 2011 e nada mais. 44) Ora, a verdade é que, como resulta da matéria de facto, é o próprio Juiz a quo a afirmar na página 25 da Douta Sentença recorrida que : “Ora, é certo que muito dos factos detetados pela Inspeção Tributária, se vistos isoladamente, não podem só por si constituir qualquer indicio de inexistência das operações faturadas ”. 45) Assim, provado está que as conclusões do Relatório da Inspeção Tributária relativamente à impugnante, ora recorrente, não são suportadas por factos retirados designadamente de documentos e elementos respeitantes à impugnante que permita dizer que entre a impugnante, ora recorrente, e a emitente das faturas em causa tenha sido feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiro (artigo 240° do Código Civil). 46) Por outro lado, não se compreende a afirmação do Meritíssimo Juiz a quo na página 31 da Douta Sentença recorrida de que: “No caso concreto, não é alegado, nem se vislumbra em que medida é que o conhecimento do teor integral do Relatório Inspectivo efectuado à R........ U........ , Lda., fosse imprescindível ao exercício do direito ao contraditório da impugnante no âmbito da inspeção de que foi alvo. ’’ 47) A razão é simples e clara, é que o Relatório da Inspeção Tributária possui simultaneamente a natureza jurídica de “informações oficiais’' (artigo 111° do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e de elemento de prova oriundo da parte processual da Fazenda Pública, sendo então, obrigatória a notificação do seu teor (artigo 115°, n° 3 do código de Procedimento e de Processo Tributário). 48) Assim, ao entender de forma diversa, a Sentença recorrida violou os princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade consignados no artigo 55° da Lei Geral Tributária em sintonia com o artigo 266°, n° 2 da Constituição da Republica Portuguesa e, ainda, o artigo 45°, n° 1 do código de Procedimento e de Processo Tributário. 49) Acresce que, existe ERRO NA QUANTIFICAÇÃO DA BASE TRIBUTÁVEL E DO IMPOSTO. 50) Pois, no caso sub judice, face ao Relatório da Inspeção Tributária, página 12, existe erro de quantificação nas liquidações adicionais de IVA, bem como nas liquidações de juros compensatórios, que não estão em conformidade com o Relatório Final. 51) Assim, como se verifica da página 12 do Relatório da Inspeção Tributária:
52) Conforme liquidações efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira - área de cobrança - Imposto sobre o Valor Acrescentado - Notas demonstrativas das liquidações:
53) Isto é, existe erro na quantificação, com referência aos Períodos 2013-03T; 2013-06T; 2013-09 e 2013-12T, que aqui se invoca para todos os efeitos legais. 54) Pelo que, a Douta Sentença recorrida viola também o disposto nos artigos 99°, alínea a) e 100°, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, porque compete à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao contribuinte, demonstrar a existência do facto ou factos tributários, bem como a sua quantificação. 55) Por fim, refira-se que existe falta de audiência, nos termos da parte final do n° 3 do artigo 60° da Lei Geral Tributária, pois após o exercício do direito de audição, a Inspeção Tributária invoca um facto novo ao dizer que”as faturas emitidas pela R........ , e reconhecidas pelo seu sócio, tem um aspecto gráfico diferente”, como podemos verificar através da cópia junta em Anexo 7 (ano de 2011). 56) Pelo que, ainda que o contribuinte tenha sido ouvido antes da conclusão do Relatório da Inspeção Tributária, em caso algum podia ser dispensada nova audiência antes da liquidação, o que constitui preterição de formalidade legal e vicio de violação de lei. 57) Na Douta Sentença ao dar-se e considerar-se que basta alegar a existência de indícios que, no caso, como reconheceu o próprio juiz do Tribunal a quo, página 25 da Douta Sentença, nem sequer existem, apreciou-se e decidiu-se mal, em clara violação do princípio da legalidade inserto nos artigos 55° da Lei Geral Tributária e 266°, n° 2 da Constituição da Republica Portuguesa, que não admitem a presunção da legalidade dos actos tributários. 58) Foram violados os artigos 8º, 55°, 58°, 60°, n° 1 e 3, 77° da LGT, 45°, n° 1, 111°, 115° do CPPT, artigo 103°, n° 3 e 266°, n° 2 e 268°, n° 3 da CRP. Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, seja proferida DECISÃO, na qual se reveja a matéria dada por provada e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegais as liquidações adicionais de IVA, objecto dos autos, por falta de fundamentação e preterição de formalidade legais essenciais, a bem da JUSTIÇA.» 3. A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações. 4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido de julgar improcedente o recurso. 5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento. * II – QUESTÕES A DECIDIR: O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de (i) nulidade por omissão de pronuncia; e, de erro de julgamento na valoração da prova e de direito quanto às seguintes questões: (ii) falta de fundamentação do relatório de inspecção tributária e violação do ónus da prova, (iii) errónea quantificação da base tributável e de imposto, (iv) preterição de formalidades legais, e, (v) violação do direito de audição prévia e principio do inquisitório. * III - FUNDAMENTAÇÃO 1. DE FACTO A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto: «Com relevância para a decisão da causa, e com base na prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos: a) Ao longo do exercício de 2013, a Impugnante deduziu IVA com base nas seguintes facturas, emitidas pela sociedade R........ U........ LDa, e nos seguintes valores “(texto integral no original;imagem)” b) Em 09.05.2013, em nome da Impugnante e com referência ao período 2013 / 03T, foi submetida a declaração periódica de IVA n.º …285, com o seguinte teor:
c) Em 16.08.2013, em nome da Impugnante e com referência ao período 2013 / 06T, foi submetida a declaração periódica de IVA n.º ……586, com o seguinte teor:
d) Em 15.11.2013, em nome da Impugnante e com referência ao período 2013 / 09T, foi submetida a declaração periódica de IVA n.º …..206, com o seguinte teor:
e) Em 09.02.2014, em nome da Impugnante e com referência ao período 2013 / 12T, foi submetida a declaração periódica de IVA n.º …..401, com o seguinte teor:
f) A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção tributária levada a cabo pelos serviços da Direcção de Finanças de Setúbal, determinada pela ordem de serviço externa n.º OI……633, cujos actos de inspecção tiveram início em 22.07.2014; Cfr fls 1 a 15 do PA g) Em 29.12.2014 foi elaborado o respectivo relatório de inspecção tributária cujo teor é o que consta de fls 1 a 8 do PA, frente e verso, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido; h) Desse relatório consta, além de tudo o mais, o seguinte: (…) “(texto integral no original;imagem)” “(texto integral no original;imagem)”
i) Em 30.12.2014, foi efectuada a liquidação de IVA n.º …..507, em nome da Impugnante e respeitante ao período 201303T, com o seguinte teor: “(texto integral no original;imagem)” j) Em 30.12.2014, foi efectuada a liquidação de juros compensatórios de IVA n.º ……507, em nome da Impugnante e respeitante ao período 201303T, com o seguinte teor: “(texto integral no original;imagem)” k) Em 30.12.2014, foi efectuada a liquidação de IVA n.º …..354, em nome da Impugnante e respeitante ao período 201306T, com o seguinte teor: “(texto integral no original;imagem)” l) Em 30.12.2014, foi efectuada a liquidação de juros compensatórios de IVA n.º …..507, em nome da Impugnante e respeitante ao período “(texto integral no original;imagem)” m) Em 30.12.2014, foi efectuada a liquidação de IVA n.º …..508, em nome da Impugnante e respeitante ao período 201309T, com o seguinte teor: “(texto integral no original;imagem)” n) Em 30.12.2014, foi efectuada a liquidação de juros compensatórios de IVA n.º 2014 010751508, em nome da Impugnante e respeitante ao período 201309T, com o seguinte teor: “(texto integral no original;imagem)” o) Em 30.12.2014, foi efectuada a liquidação de IVA n.º …..355, em nome da Impugnante e respeitante ao período 201312T, com o seguinte teor: “(texto integral no original;imagem)” p) Em 30.12.2014, foi efectuada a liquidação de juros compensatórios de IVA n.º …..355, em nome da Impugnante e respeitante ao período 2013 12T, com o seguinte teor: “(texto integral no original;imagem)” * MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO: A convicção do Tribunal fundou-se no seguinte: «A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos pela própria Impugnante e aos documentos constantes do PA, nenhuns deles impugnados.» * 2. DE DIREITO 2.1. Da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia A Recorrente começa por arguir a nulidade da sentença, como se colhe dos pontos 1 a 3 e 37 das conclusões supra transcritas. A Recorrente assaca à sentença recorrida o vício de nulidade por omissão de pronúncia, por o Mmo. Juiz a quo não se ter pronunciado sobre as alegações produzidas nos termos do artigo 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, a primeira questão que importa apreciar é a se saber se a sentença comporta tal vício, por contender com a sua validade formal. Os artigos 125.º do CPPT e 615.º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC), prevêem a nulidade da sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz pelo artigo 608.º, n.º 2 do CPC, de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. É entendimento pacífico e reiterado da nossa jurisprudência de que só se verifica esta nulidade quando existe a violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deva apreciar (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12, disponível em www.dgsi.pt/). Porém, não deve confundir-se as questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes, pois, a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido. Assim, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal pura e simplesmente não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela conhecer (vide Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, ed. 2011). Ora, lida a alegação de recurso constata-se que a Recorrente não identifica qualquer questão que Tribunal a quo devesse conhecer e não conheceu, pois, alega de forma conclusiva que há falta de pronuncia sobre as alegações produzidas, nos termos do artigo 120.º do CPPT. As alegações, previstas no artigo 120.º do CPPT, destinam-se à apreciação crítica das provas produzidas nos autos e à discussão das questões de direito suscitadas na petição ou na contestação. Não é possível aproveitá-las para invocar novos factos ou levantar questões novas de ilegalidade, com a excepção de questões de conhecimento oficioso e de factos supervenientes que tanto podem ser invocados em articulado superveniente (cf. artigo 588.º do CPC e 86.º do CPTA) como aproveitando-se a fase das alegações, desde que a sua invocação seja tempestiva. Este entendimento emerge do princípio da estabilidade da instância previsto no artigo 260.º do CPC e na imposição legal de a Impugnante indicar as razões de facto e de direito que fundamentam o seu pedido na petição inicial, conforme decorre também do artigo 108.ºdo CPPT. Só a violação do dever de pronuncia torna nula a decisão, consequência que se justifica, uma vez que tal omissão traduz-se em denegação de justiça. E o exacto conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam os artigos 125.º do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, foi objecto de abundante tratamento doutrinal e jurisprudencial, havendo neste momento um consenso no sentido de que não se devem confundir as questões a resolver propriamente ditas com as razões ou argumentos, de facto ou de direito, invocadas pelas partes, para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver e, assim, a nulidade não se verifica quando o juiz deixe de apreciar algum ou todos os argumentos invocados, conhecendo contudo da questão. No ponto 37 das conclusões da alegação de recurso a Recorrente refere que o Meritíssimo Juiz a quo não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante e aquelas que apreciou, fê-lo, sem fundamentação, o que, conduz ao vicio de nulidade da sentença recorrida. Esta alegação é totalmente conclusiva, impedindo este Tribunal ad quem de sindicar os alegados vícios. A Recorrente não identifica, para além, da falta de pronuncia sobre as alegações apresentadas nos termos do artigo 120.º do CPPT, que outras questões poderá o Tribunal a quo ter deixado de decidir. Por outro lado, como resulta da sentença ela pronunciou-se ampla e especificadamente sobre cada um dos vícios invocadas na petição inicial. Concluindo, a sentença não padece da arguida nulidade por omissão de pronuncia. Daí que, improcede a arguida nulidade. * 2.2. Dos invocados erros de julgamento Estão em causa as liquidações adicionais de IVA do ano de 2013, acrescidas de juros compensatórios, no montante global de € 168.604,85, apurado na sequência de acção inspectiva onde foram realizadas correcções meramente aritméticas, com base no artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, por não ter sido aceite a dedução de IVA liquidado em facturas emitidas pela “R........ U........ , Lda.”, por não titularem operações reais. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida e manteve os actos de liquidação de IVA impugnados. A Recorrente discorda da decisão da primeira instância, alegando erro de julgamento quanto às questões apreciadas, que assim se sintetizam: falta de fundamentação do relatório de inspecção tributária e violação do ónus da prova, errónea quantificação da base tributável e de imposto, preterição de formalidades legais, e, violação do direito de audição prévia e princípio do inquisitório. A recorrente alegou os indicados vícios na petição inicial e na alegação de recurso, porém, nesta sede, sem pôr em causa a argumentação da sentença, apenas revisitou o alegado na petição inicial, advogando, em suma, que a AT não recolheu indícios de que as facturas em causa não titulam verdadeiras operações e os demais vícios procedimentais a fim de obter a revogação da sentença e anulação das liquidações adicionais de IVA. De salientar que a Recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto (cfr. artigo 640.º do CPC). Importa, então, apreciar cada uma das identificadas questões. 2.2.1. A Recorrente discorda da sentença começando por alegar que a Inspecção Tributária não fez prova alguma de que as transacções referidas nas facturas se tenham realizado. Mais invoca que a Inspecção Tributária dá como assente que a contabilidade do sujeito passivo está regularmente organizada e contabiliza todos os elementos nela descritos e os alicerça em suporte documental e se verifica que todas as transacções estão comprovadamente pagas, não pode a AT pôr em causa essas transacções, totalmente documentadas (cfr. pontos 4 a 17 das conclusões da alegação de recurso). Alega ainda que o facto dos fornecedores não possuírem estrutura empresarial, nem capacidade produtiva adequada ao exercício de actividade não é evidência nenhuma, uma vez que para transacionar não é necessário ter instalações fabris, nem capacidade produtiva (conclusão 18 e 19). Advoga ainda que, ao contrário do referido na sentença, é à Inspecção Tributária que competia a demonstração de que as facturas não correspondem a operações reais (pontos 22, 24, 26 a 33 das conclusões da alegação de recurso) A sentença recorrida depois de apreciar e concluir que não se verifica qualquer falta de fundamentação formal das correcções efectuadas, julgou improcedente este fundamento de impugnação, quanto à fundamentação substancial e violação do ónus da prova que recaía sobre a AT, alicerçando-se no seguinte: «(…) As liquidações impugnadas foram efectuadas pela Administração Tributária no pressuposto de facto de que as operações sobre as quais se fez incidir o IVA que a Impugnante veio a deduzir, não existiram na realidade. O IVA é um imposto que assenta no método subtractivo, com base no qual o apuramento do montante de cada uma das prestações tributárias resulta da dedução do valor do imposto suportado com as operações passivas, ao valor do imposto liquidado nas operações activas realizadas por um determinado sujeito passivo. Assim, quanto maior for o valor do imposto deduzido, menor será o valor do imposto a entregar, podendo até não existir qualquer valor a entregar num determinado período, o que acontece se o valor do imposto deduzido superar o valor do imposto liquidado, ficando então o sujeito passivo numa situação de crédito para com o Estado. O art.º 19.º n.º 3 do CIVA estabelece que “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura.” Foi justamente esta a norma na qual a Administração Tributária fez assentar o seu direito àquela liquidação adicional, de valor igual ao valor da dedução considerada indevida. (cfr alínea h) da matéria de facto provada, ponto III.2.1 do relatório) Nos termos do art.º 74.º n.º 1 da LGT “O ónus da prova dos direitos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque” A presunção de verdade das declarações dos contribuintes constitui também um princípio estruturante do nosso sistema fiscal, assente numa base essencialmente declarativa, como bem refere a Impugnante na sua petição inicial. Para gozar dessa presunção de verdade, as declarações dos contribuintes devem no entanto revestir determinadas características. De acordo com o disposto no art.º 75.º da LGT, “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos." Esta presunção, como mera presunção que é, cessa no entanto nas situações previstas no n.º 2 daquele artigo 75.º, pelo que os factos presumidos, nomeadamente de que são verdadeiras as declarações do sujeito passivo, podem ser contrariados pela Administração Tributária, que, no exercício dos seus poderes de fiscalização não está impedida de demonstrar que alguns desses factos, presumidamente verdadeiros, não têm correspondência exacta com a realidade. Ficou provada a alegação da Impugnante de qua possuía contabilidade organizada segundo a lei comercial e fiscal. Efectivamente assim concluíram os próprios serviços de inspecção tributária no ponto II.3.2 do relatório inspectivo. (cfr alínea h) da matéria de facto provada) De acordo com este quadro, estando em causa um sujeito passivo de IVA com a sua contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, para que a administração fiscal pudesse liquidar IVA com base no art.º 19.º n.º 3 do CIVA, cabia-lhe recolher indícios suficientemente seguros de que as próprias operações, ou alguns dos elementos descritos numa determinada factura, não têm correspondência com a realidade. “…II. Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção. III. A Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão o STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT. IV. Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. (Acórdão do TCNorte de 28.03.2013, Proc.º 00383/08.4BEBRG). No caso concreto, a Administração Tributária fundou esses indícios num conjunto de elementos que recolheu, não só junto da Impugnante, como também através de informações sobre a actividade do próprio emitente dessas facturas. (cfr relatório, alínea h) da matéria de facto provada) Efectivamente, e antes de mais, verificou as instalações da Impugnante, tendo concluído que as mesmas são compatíveis com o exercício da sua actividade, mas que nas mesmas labora igualmente a empresa C........ , LDa cujo capital social pertence a um sócio comum à aqui Impugnante. Verificou também que esta não tem funcionários, recorrendo a mão-de-obra de uma outra sociedade, a M........ Lda, cujo capital social pertence a outro sócio seu, e que esta não factura à Impugnante essa mão-de-obra cedida. Constatou ainda que o equipamento aí existente pertence à sociedade C........ Lda, a qual contudo, também não facturou à Impugnante qualquer valor referente às instalações e ao equipamento utilizado. Recolheu e analisou elementos da sua contabilidade, tendo concluído que o seu principal fornecedor era a sociedade R........ U........ Lda, e o seu principal cliente a sociedade M........ Lda. Ao nível dos movimentos financeiros, concluiu que as compras à R........ U........ Lda e as vendas à M........ Lda, que se encontram dadas como pagas, são a pronto pagamento e são feitas em dinheiro. Quanto à R........ U........ Lda, realizou diligências junto do seu gerente e do seu TOC, com base nas quais concluiu que em 2013 não exerceu qualquer actividade, não tendo conseguido localizar as tipografias indicadas nas facturas em questão. Estas conclusões, e os factos em que a Inspecção Tributária as baseou, não são contrariadas pela Impugnante que defende apenas que os alegados indícios de inexistência de operações não se verificam uma vez que as compras da C........ M estão tituladas por facturas emitidas pela Firma R........ U........ Lda e que cumprem todos os requisitos legais…; que se trata de fornecimentos de cortiça amadia e em casco, pelo que nem sequer são necessários trabalhadores efectivos…; 87% das suas vendas se destinam à Firma M........ Lda…; as vendas no exercício de 2013 foram no valor de 724 561,87 €, sendo o custo das mercadorias vendidas no valor de 714 591,87 €; … o pagamento das faturas em dinheiro não constitui fundamento das faturas serem falsas, pois os pagamentos devem ser realizados em dinheiro. Ora, é certo que muitos dos factos detectados pela Inspecção Tributária, se vistos isoladamente, não podem por si só constituir qualquer indício de inexistência das operações facturadas. No entanto, quando vistos numa perspectiva integrada e de conjunto, atendendo àquilo que são as regras da experiência comum, é normal que façam emergir a dúvida sobre a materialidade das operações tituladas pelas facturas em causa. Isto é, daquele conjunto de factos e circunstâncias resulta, de forma indiciária, que as operações descritas nas ditas facturas não terão existido porque as circunstâncias que as rodearam se mostram contrárias às máximas da experiência comum. Note-se que, contrariamente ao que parece defender a Impugnante, a Administração Tributária não está obrigada a provar a inexistência das operações em causa, mas, apenas, no exercício das suas competências fiscalizadoras, a identificar e a recolher indícios fortes de que tais operações não ocorreram pura e simplesmente, ou então de que não ocorreram nos termos em que se mostram descritos nas respectivas facturas. Aquilo que se impõe à Administração Tributária é que aponte e demonstre os “factos-índice” – indícios objectivos e credíveis – que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais” A existência destes indícios é, em qualquer caso e numa primeira fase, suficiente ao impedimento do direito à dedução do imposto constante da respectiva factura, se o sujeito passivo não fizer prova da materialidade das operações descritas naqueles documentos. Perante a reunião destes indícios, é devolvido ao sujeito passivo do ónus de provar a materialidade da operação descrita na factura. Na verdade, perante um conjunto de indícios sérios como os que foram apontados no caso em apreço, o sujeito passivo não está definitivamente impedido de deduzir o imposto constante da ou das facturas que tem na sua posse. Contudo, não lhe basta a posse dessas facturas. Para além delas, passa a caber-lhe demonstrar positivamente que as operações existiram efectivamente tal como são descritas nas facturas que as titulam. O que implica a produção de uma prova concludente sobre a realidade de cada um dos elementos dessas facturas, nomeadamente, dos serviços ou das matérias e produtos nelas descritos, do momento e do lugar da sua realização, da autoria da sua execução, do circuito financeiro dos respectivos meios de pagamento. Em face destas circunstâncias, era à Impugnante de competia fazer a prova das operações constantes daquelas facturas, emitidas pela sociedade R........ U........ Lda, readquirindo assim o direito à dedução do correspondente imposto e determinando a anulação das liquidações impugnadas. Como se relatou acima, após ter sido designado dia para a realização da audiência com vista à inquirição das testemunhas arroladas pela Impugnante, esta veio a prescindir deste meio de prova, pelo que a prova produzida se limitou aos documentos juntos e aos documentos integrados no PA. Ora, após a análise destes meios de prova, esse ónus da Impugnante não se mostrou cumprido, pois o seu cumprimento não se basta com a demonstração de que era possível que aquelas operações tivessem efectivamente sido realizadas nos termos descritos naquelas facturas. A dúvida que permaneça no final terá que ser valorada contra a Impugnante por ser a parte a quem competia afastá-la fazendo prova positiva das operações tituladas naquelas facturas. O mesmo é dizer que, “quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento do direito às deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação. Feita essa prova, passa então a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada. O regime da fundada dúvida previsto no artigo 100º do CPPT refere-se às situações em que é a administração tributária a afirmar a existência do facto tributário e respectiva quantificação, e não quando é o contribuinte que afirma (e tem de provar) a existência do facto tributário.” Assim, e por tudo quanto antecede não se verifica qualquer violação das regras do ónus da prova por parte da Administração Tributária nem qualquer falta de fundamentos para a não aceitação das deduções do IVA constante das facturas emitidas à Impugnante pela R........ U........ Lda em 2013.» Secundamos a decisão da primeira instância na apreciação das questões colocadas nesta matéria pela Recorrente. Como tem sido largamente decidido na jurisprudência, em situações como a dos autos, a aplicação da regra do ónus da prova (artigo 74.º da LGT), fracciona-se em duas fases. A primeira faz recair sobre a AT a prova (indiciária) de que as facturas não correspondem a transacções reais, se esta prova for feita, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus de provar a materialidade das operações facturadas (vide entre muitos outros acórdãos do STA de 24/04/2002, processo n.º 0102/02 e do TCAS de 26/06/2014, processo n.º 07141/13, disponíveis em www.dgsi.pt/). In casu, julgamos, tal como decidido na primeira instância, que a Administração Tributária demonstrou, como lhe competia, factos que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência comum, a legitimaram a corrigir as liquidações de IVA, com fundamento em simulação das operações tituladas pelas facturas em causa (artigo 19.º, n.º 3 do CIVA). Dito por outras palavras, a AT recolheu indícios concretos e objectivos de que as facturas em causa não titulavam aquisições efectivamente realizadas. Tendo a Administração Tributária feito tal prova, ilidindo a presunção da veracidade de que goza a contabilidade da impugnante (cfr. artigo 75.º, n.º 1 da LGT), impunha-se à Impugnante que fizesse prova, em tribunal, da existência dos factos tributários subjacentes à dedução do imposto efectuada, o que não logrou, e, por isso, o IVA mencionado nas mesmas não é dedutível. Porém, a Recorrente não logrou fazer prova nos autos de que os factos apurados pela inspecção tributária não são verdadeiros. De acordo com o disposto no artigo 347.º do CC, e diferentemente da contraprova, para provar o contrário não basta criar incerteza ou dúvida quanto à realidade do facto, por a informação da inspecção tratar-se de uma situação de prova legal plena (vide neste sentido José Maria Fernandes Pires e outros, in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, Almedina, nota 5 ao artigo 76.º, pág. 827). Como se escreveu no Acórdão do TCA Norte de 12/01/2017, proc. n.º 00250/15.3BEPRT, que sufragamos, «De uma maneira ou de outra, o importante agora é notar que se o contribuinte pretende contrariar a “fé” creditada aos factos objectivos expostos no relatório não lhe basta negá-los, impugná-los ou simplesmente contestar a sua força probatória pela falta de documentos que os comprovem. Porque o facto de não constarem do Relatório final da Auditoria realizado pela IGF (ou mesmo no Relatório da Inspecção Tributária) todos os documentos de suporte aos factos relatados não impede que se considerem provados, se contra eles a IMPUGNANTE não ofereceu prova bastante para abalar a “fé” de que gozam os factos objectivos constantes do relatório. Uma coisa é a fundamentação, e outra diferente é a comprovação. Os n.ºs 1 e 4 da LGT não conferem especial força probatória aos documentos (à comprovação), mas sim às informações prestadas pela inspecção tributária. Aliás, a prova é apenas relativa aos factos e não aos documentos, e os factos (informação) estão, por princípio, expostos no relatório.» (disponível em www.dgsi.pt). Alega a Recorrente que a sentença recorrida ao julgar improcedente a impugnação, com base no ónus da prova, sem que a AT tenha procedido a todas as diligências necessárias ao apuramento da verdadeira situação tributária do contribuinte violou o princípio do inquisitório (conclusões 39, 40 e 41 da alegação de recurso). O princípio do inquisitório consagrado nos artigos 99.º, n.º 1 da LGT e 13.º, n.º 1 do CPPT consubstancia-se na atribuição ao juiz de poder para dirigir o processo e ordenar as diligências que entender necessárias à descoberta da verdade, operando no domínio da instrução do processo. Porém, a actividade inquisitória do juiz limita-se aos factos alegados pelas partes e aos do seu conhecimento oficioso, e não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que aquelas têm interesse directo em cumprir, atenta a repercussão das vantagens e desvantagens que podem ter. Compulsados os autos não se vislumbra qualquer diligência que tenha sido requerida pela Impugnante em sede de instrução da causa e que não tenha sido ordenada. Não sendo despiciendo lembrar que o n.º 2 do artigo 99.º da LGT impõe aos particulares um dever de colaboração com o tribunal na tarefa da descoberta da verdade. O Tribunal deve cingir as suas diligências ao apuramento dos factos que foram alegados pelas partes ou que possam ser conhecidos oficiosamente (cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC), não podendo substituir-se às partes, buscando factos que melhor sustentariam alguma das posições controvertidas. Por último, não poderá deixar de realçar que a Recorrente nas suas alegações alheia-se dos fundamentos determinantes da decisão de improcedência desta questão na sentença recorrida, não ensaiando demonstrar o desacerto da respectiva fundamentação, insistindo que compete à AT demonstrar que as facturas não correspondem a operações reais, pondo antes em crise os procedimentos e os fundamentos determinantes do acto de liquidação, já antes invocados e apreciados pela primeira instância, pelo que o presente recurso sempre estaria votado ao insucesso, já que as alegações e conclusões se revelam, como se viu, completamente ineficazes para suscitar qualquer tipo de censura à decisão recorrida. Improcede, pois, nesta parte o recurso. 2.2.2. Alega a Recorrente errónea quantificação da base tributável e dos impostos nos precisos termos em que o fez na petição inicial, em síntese, afirma que as liquidações impugnadas não estão em conformidade com o relatório de inspecção tributária, comparando os valores elementos constantes da página 12 do RIT e os valores das demonstrações das liquidações de imposto impugnadas. Invoca ainda a violação do disposto nos artigos 99.º, alínea a) e 100.º do CPPT (pontos 49 a 54 das conclusões da alegação de recurso e pontos 12 a 15 da p.i.). Na sentença recorrida sobre esta questão escreveu-se o seguinte: «(…) embora sendo correctos os valores que a Impugnante refere como constando da página 12 do relatório inspectivo, esses são valores referentes àquelas que foram as deduções que foram consideradas indevidas, e não valores referentes à base tributável do imposto referente a cada um desses períodos. Ou seja, aquilo que ali se relaciona são as facturas emitidas à Impugnante pela sociedade R........ U........ Lda, com menção das datas, períodos, valores das respectivas operações e valores do imposto deduzido. Já os valores das liquidações com as quais é feita aquela comparação são, por sua vez, os valores dos totais das bases tributáveis das operações activas, sujeitas à taxa normal, de cada um dos trimestres em causa e os valores totais do respectivo imposto. (cfr alíneas i), k), m) e o) da matéria de facto provada) Na verdade, em regra, qualquer sujeito passivo de IVA está obrigado a liquidar imposto sobre todas as operações activas que realize, tendo o direito (ou a obrigação) de deduzir o imposto incidente sobre todas as operações passivas que suporte com vista à realização daquelas operações activas. Da diferença entre o valor total do imposto liquidado pelas operações activas e o valor do imposto suportado com as operações passivas que confiram direito à dedução, resultará, no final de cada período de tributação, um montante de imposto a entregar ao Estado ou um valor de crédito sobre o Estado. No caso presente, aquilo que foi objecto de correcção à Impugnante foi o valor das deduções de imposto. Concretamente, o valor das deduções que a Impugnante havia declarado em cada um dos trimestres de 2013 com base nas facturas emitidas pela sociedade R........ Comércio e Exploração de M........ LDa, num total de € 5 980,00 relativamente ao primeiro trimestre, de € 65 069,30 relativamente ao segundo trimestre, de € 48 856,60 relativamente ao terceiro trimestre, e de € 43 194,00 relativamente ao quarto trimestre (cfr alínea h) da matéria de facto provada, III.2.1 do relatório inspectivo). São esses os valores, com referência a esses elementos, aqueles que constam da folha 12 do relatório inspectivo. De resto se se comparar o valor do campo 22 de cada uma das declarações trimestrais apresentadas em nome da Impugnante com o valor desse mesmo campo no quadro dos valores corrigidos em cada uma das liquidações de imposto impugnadas, logo se conclui que esse foi o valor eliminado ou reduzido nesses campos. (Cfr alíneas b), c), d), e), i), k), m) e o) da matéria de facto provada) A comparação de cada um desses valores, porque referentes a deduções de imposto, com os valores tributáveis das operações activas e com os correspondentes valores de imposto, em nada permite pois concluir por qualquer erro na quantificação da base tributável ou do imposto, uma vez que se comparam realidades completamente distintas. Aliás, comparando os campo 3 e 4 das declarações periódicas da Impugnante com os mesmos campos de cada uma das liquidações impugnadas, logo se constata que esses valores não foram objecto de qualquer correcção, mantendo-se iguais aos que constavam daquelas declarações, uma vez que, tal como se disse, as correcções efectuadas foram ao valor das deduções. (Cfr alíneas b), c), d), e), i), k), m) e o) da matéria de facto provada) Não se verifica por isso a alegada desconformidade entre os valores constantes das liquidações impugnadas e os valores apurados no relatório de inspecção tributária que as antecedeu. O que significa que não se verifica o alegado erro na quantificação da base tributável nem do imposto, constantes de cada uma das liquidações impugnadas, por referência aos valores constantes do relatório de inspecção tributária.» A alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da decisão da primeira instância, cujo entendimento sufragamos. Como bem se percebe da leitura conjugada das conclusões da alegação de recurso com a sentença recorrida, pode-se concluir que a Recorrente não alega erros de julgamento susceptíveis de serem conhecidos por este Tribunal de recurso e que possam conduzir à revogação ou alteração do decidido pelo tribunal a quo quanto ao erro na quantificação da base tributável e do imposto. Efectivamente, as conclusões revelam-se completamente ineficazes para suscitar qualquer tipo censura à decisão recorrida. Conforme resulta da prova alcançada, os valores constantes do RIT, respeitam às deduções que foram consideradas indevidas (valores constantes das facturas emitidas pela R........ , Lda.), e os valores das liquidações respeitam a operações activas, de acordo com o declarado pelo contribuinte (base tributável das operações activas), constituindo realidades diferentes, não permitem concluir que a AT incorreu em errónea quantificação da base tributável nem do imposto. Assim, há que confirmar a sentença. Cumpre ainda dizer que ao contrário do pugnado pela Recorrente na situação dos autos, não tem aplicação o disposto no artigo 100.º do CPPT, como de resto foi decidido pelo Tribunal a quo, uma vez que, a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, que deve ser decidida contra a AT, apenas existe nos casos em que seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação, o que não é o caso Termos em que, improcede neste segmento o recurso. * 2.2.3. Nos pontos 34 a 36 a Recorrente alega a preterição de formalidade legal essencial consubstanciada na violação dos artigos 45.º, n.º 1 do CPPT e do 8.º do RCPIT, nos exactos termos em que os invocou na petição inicial (cfr. pontos 49 a 51 da p.i.). Para enquadrar a questão em apreciação a sentença recorrida ponderou o seguinte: «A propósito desta ilegalidade, alegadamente cometida no procedimento de inspecção tributária que deu origem às liquidações impugnadas, defende a Impugnante que deveria ter sido notificada do teor integral do relatório do procedimento de inspecção tributária levado a cabo pelos serviços da Direcção de Investigação da Fraude e de Acções Especiais à sociedade emitente das facturas cujo IVA deduzido foi corrigido. Na verdade, no âmbito do procedimento de inspecção efectuado à ora Impugnante foram consideradas as diligências e as conclusões alcançadas no âmbito de um outro procedimento de inspecção tributária que teve por destinatário a sociedade R........ Lda, emitente daquelas facturas. (alínea h) da matéria de facto provada, ponto II.3.9 do relatório inspectivo) Nesse contexto, foi vertido para o relatório da acção de inspecção efectuada à Impugnante, um conjunto de diligências realizadas àquela sociedade, e foram elencadas as conclusões aí alcançadas pela inspecção tributária, quanto ao exercício de actividade por parte daquela, e quanto à materialidade das operações tituladas nas facturas que emitiu. Na medida em que essas diligências e essas conclusões integraram o conjunto de indícios recolhidos, com base nos quais a Administração Tributária entendeu que determinadas operações facturadas à Impugnante não existiram, elas teriam que integrar a fundamentação daquele relatório, uma vez que foi com base nesse conjunto de indícios que ali se propuseram as correcções que efectivamente vieram a determinar as liquidações impugnadas. Mas já não quaisquer outros elementos referentes apenas à situação tributária da sociedade R........ U........ LDa, e que nenhuma relação tivessem com as correcções propostas à Impugnante. Ou seja, a Impugnante não tinha qualquer direito, nem qualquer interesse, na notificação do teor integral do relatório do procedimento de inspecção efectuado à sociedade emitente das facturas. Desde logo, do art.º 62.º n.º 1 e 2 do RCPIT resulta que, sendo finalidades do relatório final a identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídica relativamente a um determinado contribuinte inspeccionado, é esse contribuinte que deve ser notificado o relatório integral da acção de inspecção. O princípio do contraditório nos procedimentos tributários, por outro lado, sendo mais uma manifestação do princípio constitucional da participação dos cidadãos em todas as decisões administrativas que lhes digam respeito, tal como expressamente menciona o texto do art.º 267.º n.º 5 da CRP, constitui mais um mecanismo de assegurar ao sujeito passivo a possibilidade de se pronunciar ao longo de um determinado procedimento relativamente aos factos ou às circunstâncias que lhes digam respeito, ainda que recolhidos a partir de elementos de terceiros com os quais o sujeito passivo inspeccionado mantenha relações económicas. Efectivamente, nos termos do art.º 29.º n.º 1 a) do RCPIT, é prerrogativa da inspecção tributária, com vista à realização das suas finalidades, examinar quaisquer elementos dos contribuintes que sejam susceptíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente os relacionados com a sua actividade, ou de terceiros com quem mantenham relações económicas…” Mas já não integra o âmbito desta forma de participação do sujeito passivo inspeccionado o direito a pronunciar-se sobre quaisquer diligências realizadas a outros sujeitos passivos com quem mantenha relações económicas que não digam respeito à determinação da sua situação tributária. No caso concreto, não é alegado, nem se vislumbra em que medida é que o conhecimento do teor integral do relatório inspectivo efectuado à R........ U........ Lda fosse imprescindível ao exercício do direito ao contraditório da Impugnante no âmbito da acção de inspecção de que foi alvo. Não se vislumbra por isso a alegada preterição de formalidade legal essencial por violação ao princípio do contraditório da Impugnante no âmbito do procedimento inspectivo de que foi alvo.» Acontece que, no caso em apreço, as alegações de recurso e respectivas conclusões são totalmente omissas acerca dos fundamentos determinantes da improcedência desta questão. A Recorrente limita-se a transcrever o que já tinha alegado na petição inicial, sem pôr em crise os concretos motivos que levaram o Mmo. Juiz a quo a decidir que não se verifica o alegado vício de preterição de formalidade essencial por violação do princípio do contraditório. O Supremo Tribunal Administrativo tem decidido de forma uniforme que o recurso jurisdicional tem como objecto a decisão judicial recorrida e pode ter por fundamento qualquer vício de forma ou de fundo que o recorrente entenda que afecta a decisão recorrida.(acórdão de 14/01/2015, proc. n.º 0973/13, disponível em www.dgsi.pt/). Efectivamente, os recursos jurisdicionais destinam-se a alterar ou a anular as decisões de que se recorre. Ora, a Recorrente não ensaia demonstrar o desacerto da sentença. Sempre se dirá que o relatório de inspecção tributária encontra-se abrangido pelo dever de sigilo fiscal (artigo 64.º, n.º 1 da LGT). Dos autos não resulta a alegada violação dos princípios do procedimento tributário previsto no artigo 55.º da LGT, nem do princípio do contraditório a que alude o artigo 45.º do CPPT. O decidido pela primeira instância merece a nossa concordância. Neste contexto, improcede o presente segmento de recurso. 2.2.4. A última questão a apreciar respeita à violação do direito de audição e do princípio do inquisitório (conclusões 55 e segs da alegação de recurso). Alega a Recorrente, de forma idêntica ao invocado na petição inicial, que foi preterido o seu direito de audiência prévia antes das liquidações impugnadas e que no âmbito do procedimento inspectivo não foi cumprido o princípio do inquisitório. Impõe-se, pois, relembrar o que sobre as questões o Mmo. Juiz a quo decidiu: «No caso em apreciação, a Impugnante foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária para exercer o seu direito de audição, tendo esta vindo efectivamente a pronunciar-se sobre o mesmo. (admitido, alínea h) da matéria de facto provada, ponto IX do relatório inspectivo) Nos termos do art.º 60.º n.º 3 da LGT Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo a invocação de factos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado. O que significa que, uma vez que a Impugnante foi ouvida no âmbito do procedimento inspectivo que originou as liquidações impugnadas, estaria dispensada a sua audição antes destas, salvo se nestas tivessem sido invocados factos sobre os quais aquela não tivesse tido oportunidade de se pronunciar. Neste caso a Impugnante voltaria a ter que ser ouvida antes das liquidações sob pena de preterição do seu direito de audição. Se o actos de liquidação assentassem em factos novos, não constantes do projecto de relatório e portanto sobre os quais a entidade inspeccionada não tivesse tido a oportunidade de se pronunciar, o direito de audição só se mostraria assegurado com a sua audição antes da emissão das próprias liquidações. A verdade é que, pelas razões que já se adiantaram aquando da apreciação do alegado vício de erro na quantificação da base tributável e do imposto, nenhuma das liquidações impugnadas introduziu qualquer elemento novo relativamente àqueles que, com relevância para o apuramento do imposto a pagar, foram levados ao projecto e ao relatório final do procedimento inspectivo. Efectivamente, as correcções propostas em sede de procedimento inspectivo, fundadas na dedução indevida de imposto, foram exactamente aquelas que estiveram na base das liquidações impugnadas. Sobre o valor e sobre os fundamentos com base nos quais a Administração Tributária considerou tais deduções indevidas, teve a Impugnante oportunidade de se pronunciar em sede de audição prévia no âmbito do procedimento de inspecção tributária pelo que, tendo as liquidações de imposto impugnadas procedido apenas à eliminação do valor dessas deduções, elas não resultaram da invocação de quaisquer factos novos relativamente aos que foram apurados em sede de inspecção tributária. Deste modo estava dispensada a audição da Impugnante antes da emissão das liquidações impugnadas, nos termos do art.º 60.º n.º 3 da LGT. (…) Finalmente, também não se vislumbra em que medida a análise feita em sede de procedimento de inspecção tributária à pronuncia da ora Impugnante sobre o projecto de relatório, nomeadamente as partes transcritas pela Impugnante na sua petição inicial, ( “as facturas emitidas pela R........ , e reconhecidas pelo seu sócio, tem um aspecto gráfico completamente diferente, como podemos verificar através de cópia que se junta em Anexo 7; Estamos, portanto, perante uma situação em que os livros das facturas foram impressos clandestinamente; Pelo que, e conforme anteriormente concluído neste Relatório, reiteramos a conclusão de que as facturas emitidas pela R........ à C........ M, não titulam verdadeiras transacções de bens.” ) determinassem o seu direito de audição, novamente, antes da emissão das liquidações. Qualquer dessas passagens, como todo o conteúdo do ponto IX do relatório inspectivo, reflecte aquela que foi a análise dos serviços de inspecção tributária ao exercício do direito de audição da ora Impugnante, que tal como ali é resumido e aqui não contrariado pela Impugnante, se traduziu, resumidamente, no argumento de que não terá sido demonstrada a existência de indícios sérios de que as operações que estiveram na base das correcções propostas, não consubstanciavam a prática de operações reais. Conforme se pode constatar do relatório, o fornecedor em questão, isto é a sociedade R........ U........ LDa, emitente das facturas em questão, foi de resto objecto de diligências específicas através das quais se apuraram alguns daqueles que foram considerados como indícios de que as operações com a Impugnante tituladas por aquelas facturas não seriam verdadeiras. Do relato dessas diligências constavam já as referências ao contacto com o sócio gerente da R........ e da apreciação sobre o aspecto gráfico e sobre o local da sua impressão tipográfica, tal como se voltou a referir na sequência do direito de audição da ora Impugnante. Daí não resulta mais do que o reiterar, por parte daqueles serviços de inspecção tributária, da conclusão de que as facturas emitidas pela R........ à C........ M, não tinham subjacentes operações reais, não obstante a posição discordante que a Impugnante veio a manifestar em sede de direito de audição. Dos factos alegados e provados não se vislumbra pois qualquer violação do direito de audição da Impugnante. Vejamos agora a alegada violação do princípio do inquisitório. Como se disse a Impugnante invoca também a violação do art.º 58.º da LGT e do art.º 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária. Para sustentar essa violação, alega que a Autoridade Tributária e Aduaneira preferiu tributar a agora impugnante sem cumprir o conteúdo mínimo do seu dever de descoberta da verdade material. Dispõe o primeiro daqueles preceitos que A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. O segundo, por sua vez, prescreve que O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo. (…) Convém sublinhar que qualquer daqueles preceitos constitui a Administração Tributária na obrigação de desenvolver todas as diligências que se mostrem adequadas à descoberta da verdade material, mas não define, em concreto, quais são essas diligências. Aliás, se essas diligências estivessem à partida legalmente determinadas, o seu incumprimento geraria um vício de violação directa de lei e não apenas do princípio do inquisitório. O que significa que em primeira linha, e perante um caso concreto, competirá à Administração Tributária definir quais as diligências necessárias à descoberta dos factos relevantes para a decisão que venha a tomar. Não obstante a escolha e a realização dessas diligências não depender de iniciativa do sujeito passivo, o certo é que este não está inibido de requerer a realização de diligências de prova a realizar durante o procedimento. No caso em apreço, não é alegado, nem resulta provado, que a ora Impugnante tivesse requerido quaisquer diligências de prova cujo resultado pudesse alterar o sentido da decisão que veio a ser tomada de não aceitar as deduções de IVA corrigidas. No procedimento inspectivo que antecedeu as liquidações impugnadas, e relativamente à recolha de indícios da inexistência das operações subjacentes às facturas emitidas à Impugnante pela sociedade R........ U........ Lda, a Administração Tributária, através dos seus serviços de inspecção, desenvolveu diligências junto da própria Impugnante, onde verificou as instalações destinadas ao exercício da sua actividade e o equipamento afecto a essa actividade; indagou sobre os funcionários afectos ao exercício dessa actividade; contactou e reuniu com o seu gerente, do qual tomou declarações; solicitou elementos contabilísticos ao seu TOC; recolheu cópias de documentos; fez consultas ao sistema informático, do qual recolheu informações sobre a Impugnante e sobre o seu fornecedor em questão; ouviu em auto de declarações o gerente da empresa emitente das facturas em causa, isto é, a R........ U........ Lda; procurou a tipografia indicada nas facturas em causa, no sistema informático da própria AT, no local, e no Google; deslocou-se ao local declarado como sede da empresa emitente das facturas tendo constatado que esta coincidia com a sede do seu gerente; tomou declarações ao TOC desta empresa emitente das facturas; voltou a contactar o gerente da Impugnante; analisou os documentos de suporte da contabilidade relativos ao exercício de 2013, identificou os seus fornecedores e os seus clientes e apreendeu as facturas emitidas pelo fornecedor R........ U........ Lda; comparou a facturação entre a Impugnante e o seu principal fornecedor e o seu principal cliente com os respectivos pagamentos e recebimentos. De modo resumido, este foi o conjunto de diligências realizadas pela administração tributária para concluir como concluiu no relatório inspectivo em causa. Saber se as conclusões a que chegou após ter realizado todas estas diligências, e com base nelas, se mostraram correctas e suficientes à decisão que tomou é questão diferente. O que não pode é, como pretende a Impugnante, conclui-se que a administração tributária não cumpriu o conteúdo mínimo do seu dever de descoberta da verdade material a que estava obrigada pelos art.ºs 58.º da LGT e art.º 6.º do RCPIT. (…) Por isso, também não se vislumbra qualquer violação do princípio do inquisitório previsto nos art.ºs 58.º da LGT e 6.º do RCPIT.» Aprovamos o entendimento vertido na sentença, realçando-se que a Recorrente não alega na petição inicial, nem nesta sede recursiva, em que medida é que resultado dessas diligências concretas alteraria o sentido das conclusões finais da acção de inspecção em causa relativamente às deduções de IVA que foram objecto de correcção. Consequentemente, é de concluir que a sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe vêm imputados, devendo ser mantida na ordem jurídica, improcedendo assim totalmente o presente recurso. * Conclusões/Sumário: I - As alegações, previstas no artigo 120.º do CPPT, destinam-se à apreciação crítica das provas produzidas nos autos e à discussão das questões de direito suscitadas na petição ou na contestação. II - Em situações como a dos autos, a aplicação da regra do ónus da prova (artigo 74.º da LGT), fracciona-se em duas fases. A primeira faz recair sobre a AT a prova (indiciária) de que as facturas não correspondem a transacções reais, se esta prova for feita, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus de provar a materialidade das operações facturadas * IV – DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam as juízas da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique. * Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao Departamento de Investigação e Acção Penal – Secção de Grândola – proc. n.º 172/15.2IDSTB (cfr. ofício junto aos autos). * Lisboa, 2 de Março de 2023. Maria Cardoso - Relatora Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta Ana Cristina Carvalho – 2.ª Adjunta (assinaturas digitais) |