Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:273/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:
IVA;
PRESUNÇÃO DE TRANSMISSIBILIDADE.
Sumário:I. As derrogações ao direito à dedução do IVA são de interpretação restrita.

II. A presunção prevista no artigo 80.º, do CIVA, tem presente a existência de uma discrepância não justificada entre o inventário contabilístico e realidade.

III. Se a Administração Tributária não demonstrou o facto conhecido de não ter encontrado nos locais em que a impugnante exerce a sua actividade, partiu, isso sim, da ilação de que os valores registados como “perdas de existências” equivalem a bens não encontrados, não se mostram preenchidos os pressupostos de facto inerentes à aplicação do artigo 80.º, do CIVA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
A sociedade «M…………….., S.A» [anteriormente, denominada, P............, S.A] e a FAZENDA PÚBLICA recorrem na parte em que cada uma delas ficou vencida na sentença proferida pelo TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, datada de 28 de Outubro de 2016, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra os actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes ao exercício de 2004 e respectivos juros compensatórios, no valor global de €23.427.571,79.

A recorrente, «M............, S.A.», finalizou as suas alegações recursórias com as seguintes conclusões:

«A. O Tribunal a quo considerou que as faturas apresentadas pela Recorrente não seriam suficientes para concluir se as despesas em causa nos presentes autos foram ou não incorridas em reuniões de trabalho, o que resulta de um erro evidente na apreciação da matéria de facto.

B. Com efeito, decorre claramente dos descritivos das faturas apresentadas pela Recorrente que as mesmas foram emitidas em relação a eventos de natureza empresarial realizados no âmbito da actividade comercial da Recorrente.

C. Sendo certo que a AT não apresentou também qualquer prova que permitisse colocar em causa a natureza dos serviços indicados, em clara violação do que lhe era exigível ao abrigo dos artigos 74° e 77° da LGT.

D. Termos em que, a coberto do disposto no artigo 662.°, n°1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2°, alínea e) do CPPT, deverá incluir-se uma nova alínea 25) no probatório, propondo-se para a mesma a seguinte redação:
"25) As despesas aqui em causa foram incorridas para a realização de eventos de trabalho ".

E. Por outro lado, ao considerar que as despesas incorridas pela Recorrente não conferem o direito à dedução do IVA suportado nas mesmas, a sentença recorrida padece de um erro na interpretação das normas legais aplicáveis que vicia todas as correções em análise.

F. Desde logo, porque o direito à dedução do IVA é um princípio fundamental do imposto.

G. Nos termos da legislação aplicável, apenas determinadas despesas podem dar origem a IVA que não seja passível de dedução como é designadamente o caso das despesas relacionadas com bens e serviços adquiridos para fins estranhos à empresa ou não dirigidos à obtenção de receitas tributáveis.

H. Será este o caso das despesas contidas no artigo 21° do CIVA.

I. Esta norma, introduzida na legislação interna em data anterior ao início da vigência da Sexta Diretiva em Portugal, foi mantida pelo legislador português ao abrigo da cláusula de standstill constante da cláusula 17° n°6 da Sexta Diretiva.

J. Ocorre que, ao contrário do que é defendido na sentença recorrida, as despesas ora em causa não se encontram abrangidas pelo âmbito de aplicação das referidas normas legais.

K. Com efeito, nada na jurisprudência nacional ou comunitária sobre as referidas disposições legais permite concluir que as normas internas adoptadas pelos Estados-Membros abrangem também despesas de carácter estritamente profissional.

L. Sendo ainda de notar que a referida jurisprudência sequer se pronuncia sobre situações semelhantes àquela que está em análise.

M. De onde se conclui que o Tribunal a quo partiu desde logo de premissas doutrinais e jurisprudenciais incorrectas para chegar à conclusão de que o IVA incluído nas presentes despesas não seria dedutível.

N. Mas mais, é a própria jurisprudência do TJUE - seguida da jurisprudência dos Tribunais nacionais - que clarifica que as disposições que consagram derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA são de interpretação restritiva.

O. Ora, resulta claro das facturas juntas aos autos que as despesas incorridas pela Recorrente não qualifica como despesas relacionadas com viagens, alojamento, alimentação e bebidas, tabaco ou despesas de recepção.

P. Ou despesas de divertimento e luxo.

Q. Pelo que, e atenta a natureza das referidas despesas, as mesmas nunca seriam enquadráveis nas alíneas do artigo 21° do CIVA.

R. E ao abrigo do princípio da interpretação estrita enunciado acima não podem as referidas normas ser interpretadas de modo a incluir bens que não constem expressamente indicados nas mesmas.

S. O Tribunal a quo, ao considerar "estar-se perante despesas relativas a organização de eventos, cujo IVA pode ser excluído do direito à dedução, atento o disposto nas als. c) e d), do nº1 do artº21, do CIVA” cometeu dois erros de direito:
(i) considerou que um qualquer "evento" está abrangido pelas alíneas c) e d) do nº1 do artigo 21° do CIVA, sem ponderar que estas normas não fazem referência a "eventos" e sem ter em conta as características desses "eventos" em concreto e (ii) aplicou extensivamente as referidas alíneas c) e d) do nº1 do artigo 21° do CIVA por forma a que os mesmos abranjam qualquer tipo de "encontro" entre pessoas.

T. Qualquer destes erros é inaceitável.

U. Por outro lado, também das alterações introduzidas nas alíneas c) e d) do artigo 21° do CIVA com a Lei 55-B/2004, de 30 de dezembro, resulta evidente que as referidas normas sempre visaram incidir apenas sobre operações desenvolvidas fora do âmbito estritamente profissional do sujeito passivo.

V. Caso contrário, não faria qualquer sentido clarificar que as referidas despesas passariam a ser dedutíveis sempre que, mediante o preenchimento de determinadas condições, contribuíssem "para a realização de operações tributáveis".

W. Apenas despesas que não são incorridas no âmbito da atividade profissional do sujeito passivo podem "contribuir" para operações tributáveis.

X. Sendo certo que as despesas em causa se encontram intimamente ligadas com a prossecução da atividade da Recorrente.

Y. Pelo que as mesmas sempre estariam excluídas do âmbito de aplicação do artigo 21° do CIVA.

Z. Atente-se nesta matéria nas conclusões constantes da Decisão Arbitral 403/2014-T, de 16 de janeiro de 2015, onde o Tribunal Arbitral conclui expressamente no sentido de que despesas semelhantes às que estão em causa no presente processo eram passíveis de conferir direito à integral dedução do IVA incluído nas mesmas por se concluir que estas se encontravam intimamente ligadas com a prossecução da actividade da empresa.

AA. Tal como acontece no caso em análise.

BB. E tal conclusão é tão mais evidente que uma interpretação contrária ao exposto implicaria adoptar tratamentos de IV A manifestamente desproporcionais aos objetivos da norma em causa.

CC. Permitindo que determinadas reuniões realizadas nas instalações da empresa conferissem direito à dedução do IVA.

DD. Ao contrário de outras reuniões realizadas fora.

EE. Privilegiando-se desta forma a integração de custos face ao outsourcing.

FF. Numa clara violação do princípio da neutralidade do IVA.

GG. Que nunca seria justificado no caso uma vez que a Recorrente comprovou já que estamos perante despesas de ordem estritamente profissional.

HH. Pelo que a aplicação da norma acima referida ao caso não seria também justificada por motivos de prevenção ou combate à evasão fiscal.

II. Termos em que a sentença recorrida atenta ainda contra o princípio da proporcionalidade do imposto, consagrado na mais vasta jurisprudência do TJUE (vide Acórdão do TJUE proferido no Processo C-25/07, de 10 de julho de 2008).

JJ. Face a tudo o acima exposto nas presentes alegações, requer-se assim a este Venerando Tribunal que seja julgado procedente por provado o presente recurso, determinando a revogação da decisão ora recorrida, o que motivará a anulação dos atos tributários ora sindicados bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios, tudo com as devidas consequências legais.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser declarada nula ou, caso assim não se entenda, anulada a decisão recorrida nesta parte.»

A Fazenda Pública terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. A impugnante, P............, SA, NIPC ............, veio deduzir impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2004.

II. As liquidações adicionais e objecto mediato da presente impugnação surgem na sequência do procedimento de inspecção externa, de âmbito geral ao exercício de 2004 efectuado à ora impugnante a coberto da OI200600230 emitida pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT).

III. Na sequência desta, e decorrente das correcções efectuadas em sede do respectivo relatório de inspecção, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, as quais constituem objecto mediato da presente impugnação apenas no valor de € 2.427.571,79.

IV. Veio a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, conceder provimento parcial à impugnação apresentada e, consequentemente, anular os actos impugnados na parte respeitante às correcções relativas a facturas alegadamente emitidas e não contabilizadas; perdas de existência e ofertas de serviços com fins alheios, mantendo-se quanto ao demais, condenando ainda, a AT, no pagamento de juros indemnizatórios relativos ao imposto pago respeitante à correcção concernente a perdas de existências.

V. Neste contexto, recorre a Fazenda Publica quanto às questões relativas às correcções respeitantes a perdas de existência e ofertas de serviços com fins alheios.

VI. No que tange à correcção relativa a perdas de existências, vem a impugnante, ora recorrida, advogar que não se verificam os pressupostos para a aplicação da presunção contida no antigo artº80º do CIVA, porquanto os serviços, e ao contrário do que lhes competia, não efectuaram qualquer tipo de inventariação das suas existências, em conformidade com o disposto no artº56º do RCPIT, ao invés, tiveram como ponto de partida a contabilização das perdas de existências efectuada pela própria impugnante em 2004.

VII. Ora, com o devido respeito pela argumentação aduzida, discorda-se da tese perfilhada de que a presunção contida naquele artº80º do CIVA é uma consequência da inventariação que eventualmente tenha sido efectuada nos termos do artº79.º do CIVA.

VIII. De facto, o disposto naquela norma reporta-se à possibilidade, sempre que necessário, de os funcionários encarregados da inspecção procederem à inventariação das existências físicas de qualquer estabelecimento.

IX. Na verdade é a própria impugnante que declara nos seus próprios registos contabilísticos a existência de determinado montante relativo a perdas em existências, que no decorrer da acção inspectiva foi sendo sucessivamente justificado com excepção do montante ora em causa.

X. Talvez por essa razão a impugnante apenas questione a forma como os serviços de inspecção apuraram a falta das existências e não a falta propriamente dita, o que de per si significa, ainda que de forma implícita, que reconhece que tais existências já não estão em seu poder.

XI. Consistindo aquela presunção contida no antigo art.º 80.º uma presunção iuris tantum, a mesma não pode deixar de funcionar, já que quem tem uma presunção legal a seu favor (no caso a AT) escusa de provar o facto a que ela conduz, bem como a mesma só poderia ser destruída mediante a prova do contrário nos termos do disposto no artigo 350º do Código Civil.

XII. Pelo que, não estava a AT, salvo m. o., obrigada a fazer a verificação, in loco, de quaisquer discrepâncias.

XIII. Quanto à correcção relativa a oferta de serviços, no que ao acordo com a DECO diz respeito, alega na presente acção que afinal tais benefícios não configuram ofertas, revestindo antes a natureza de uma indemnização, a que estava obrigada a pagar na sequência da aludida acção popular intentada pela DECO.

XIV. A verdade é que e independentemente da qualificação atribuída às operações aqui em causa, a verdade é que as mesmas consubstanciam verdadeiras prestações de serviços por parte do sujeito passivo aos clientes e ao público em geral que a ela acedessem.

XV. Na verdade e em rigor, nunca tais benefícios poderiam ser qualificados como sendo uma indemnização, porquanto não existe uma conexão directa entre os lesados (leia- se os clientes com direito a reaver a taxa de activação indevidamente cobrada) e os que na prática vieram a usufruir dos aludidos benefícios.

XVI. Por outro lado é inequívoco que existe aqui um animus donandi por parte da impugnante. De facto esta foi condenada a restituir os valores da taxa de activação indevidamente cobrados, o que segundo a própria já não seria exequível, daí que tenha estabelecido o referido acordo com a DECO.

XVII. No que tange à alegada ausência de fins alheios à actividade, reiteramos que as prestações dos serviços compreendidos nos benefícios concedidos a clientes e não só, no âmbito do acordo celebrado com a DECO, não se enquadram de todo na actividade específica da impugnante, que conforme consta do RIT, tem como actividade principal o serviço público de telecomunicações, prestado não de forma gratuita mas em conformidade com a respectiva legislação.

XVIII. Tendo a aludida taxa de activação sido declarada ilegal, a ora impugnante acordou com a DECO a concessão dos benefícios referidos atentas as dificuldades práticas que a restituição uma a uma daquela taxa acarreta,

XIX. Ressalvadas as situações em que os próprios clientes munidos dos respectivos comprovativos de pagamento da aludida taxa de activação, expressamente o solicitassem.

XX. Ou seja imbuída no referido acordo a impugnante prestou os serviços supra identificados a quem os de facto utilizou, quer fosse cliente ou não – no caso das chamadas gratuitas durante 13 domingos seguidos -, sem que para tal fosse cobrado qualquer valor.

XXI. Como tal tais prestações de serviços não constituem um “consumo” da empresa (ora recorrida) no desenvolvimento da sua actividade (auto consumo interno), antes se destinam ao “consumo” de terceiros, ou seja dos clientes e do público em geral (auto consumo externo).

XXII. De facto e como refere P…….. “os serviços prestados em fins alheios à empresa são os que destinam a consumo sem carácter empresarial, quer se trate de um consumo final do sujeito passivo, dos empregados ou de terceiros.” Referindo ainda que “a onerosidade não é condição essencial da incidência objectiva”.

XXIII. Assim “a tributação relativa ao consumo próprio do titular da empresa, do pessoal ou em geral a fins alheios à mesma visa, por um lado, combater a evasão e fraude fiscal e, por outro, evitar a concorrência desleal entre os utilizadores, para que haja uniformidade na tributação do consumo. Trata-se da tributação do auto consumo externo, ou seja, em fins estranhos à actividade da empresa. O auto consumo interno de bens produzidos pela empresa e por ela utilizados no exercício da sua actividade quer no activo permutável quer no imobilizado não é, em regra, tributado”.

XXIV. Da conjugação destes considerados com os factos conhecidos é evidente que a concretização do acordo celebrado entre a impugnante e a DECO, materializados na concessão dos benefícios supra identificados, consubstanciam prestações de serviços em fins alheios à actividade normal/habitual prosseguida pela impugnante, nos termos e para os efeitos do disposto do artº4.º nº2 al. b) do CIVA, não concordando a Fazenda Publica com o entendimento preconizado pela M. Juiz!

XXV. Posto isto, ao proferir a sentença nestes moldes, foram violados os artº4º, nº 2, al. b), 79º e 80º do CIVA.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada parcialmente, no que tange às liquidações de IVA de 1995 e 1996, por não poderem ser objecto de impugnação, assim se fazendo a costumada justiça


Foram admitidos ambos os recursos, mas somente a «M………., S.A.», enquanto recorrida, veio apresentar as suas contra- alegações e nestas as respectivas conclusões, que infra se reproduzem:

«A. No que respeita à correção relativa a perdas de existências, a AT não demonstrou o cumprimento dos pressupostos previstos no artigo 80º do CIVA, pois não efectuou qualquer termo de inventário ou contagens físicas das existências da Recorrida, nem encontrou divergências ou falta de bens no stock da Recorrida face aos seus registos e contabilidade, nem ainda ficou provado que a Recorrida tivesse transmitido tais bens a terceiros.

B. Conforme decorre da matéria de facto provada em 1ª instância, não existe qualquer divergência entre o que está na contabilidade da Recorrida e o seu stock, nem a Fazenda Pública logra apresentar qualquer meio de prova nas suas alegações de recurso susceptível de contrariar tal conclusão.

C. Assim, se a lei não exige que os sujeitos passivos tenham consigo documentos comprovativos do abate e destruição do stock, não sendo estes documentos exigidos, em qualquer caso, pelo Código do IVA, para justificar Perdas de Existências; se é a própria Recorrida que regista tais bens na sua contabilidade como Perdas de Existências; se é a Autoridade Tributária a reconhecer que a contabilidade da Recorrida é tomada por verdadeira; é um contrassenso (ou mesmo má fé...) presumir a Autoridade Tributária que os bens foram transmitidos com base nesses registos contabilísticos.

D. Pelo que não tendo a Autoridade Tributária efetuado qualquer prova da divergência entre os bens fisicamente existentes no stock da Recorrida e os seus registos na contabilidade, não se verificam os pressupostos de aplicação do então artigo 80º do Código do IVA.

E. Note-se que é a própria Recorrente que admite nas suas alegações de recurso que em nenhum momento do procedimento de inspeção foi posta em causa a veracidade da contabilidade da ora Recorrida, pelo que, não pode ao mesmo tempo concluir, sem mais, que o valor registado contabilisticamente em "Perdas de Existências" corresponde a bens não encontrados nos locais onde a Recorrida exerce a sua atividade.

F. Com efeito, se é verdade que a AT não tinha o ónus de provar que os bens não encontrados tinham sido vendidos (já que aqui funciona a presunção legal do actual artigo 86.2 do Código do IVA),é ainda mais certo que tinha, efetivamente, o ónus da prova que os bens em causa não foram encontrados nos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade, o que não sucedeu.

G. A AT quer assim aplicar uma dupla presunção legal: por um lado, a presunção de que o valor inscrito em Perdas de Existências presume-se como "não encontrado nos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade" e, por outro, a presunção de que os bens não encontrados em locais em que o contribuinte exerce a sua atividade presumem-se transmitidos, sendo que a primeira destas duas presunções não se encontra prevista na lei.

H. Pelo que, face à inexistência de facto tributário que legitime as correções em causa e à falta de base legal para o efeito, deve o presente recurso ser julgado improcedente e confirmada a decisão de anulação das liquidações de IVA, na parte relativa à presente correção, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

I. Conforme provado nos autos, em ação popular movida pela Deco, a Recorrida foi judicialmente condenada a restituir aos seus clientes as quantias cobradas a título de taxa de ativação do serviço de comunicações da rede fixa relativas ao ano de 1999.

J. Tendo-se revelada inexequível a restituição, aos clientes, destes valores, devido à ausência de registos e comprovativos de pagamento que o permitisse, a Recorrida e a Deco celebraram um acordo em 12.03.04 tendo em vista a execução da referida decisão judicial.

K. Assim, nos termos deste acordo a Recorrida obrigou-se a:
(i) Restituir o valor da taxa de ativação aos clientes residenciais que facultassem os dados necessários para o apuramento do respetivo valor, através de crédito na fatura de serviço telefónico ou, nos casos em que o cliente tivesse cessado relações com a Recorrida, em vales de compras nas suas lojas ou em cheques;
(ii) Não cobrar as chamadas no dia 15 de Março de 2004, Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, entre as 19:00 e as 24:00;
(iii) Não cobrar as chamadas na rede fixa durante 13 Domingos, a iniciar entre 21 de Março e a terminar em 13 de Junho de 2004, entre as 0:00 e as 24:00. As chamadas tiveram origem e destino na rede fixa PT;
(iv) Não cobrar a assinatura mensal no mês de Setembro de 2004 aos consumidores beneficiários do plano de descontos para pensionistas e reformados;
(v) Atribuir um crédito de € 25 aos consumidores que aderissem ao serviço Internet ADSL, por qualquer prestador de serviço, durante o período de 15 de Março e 15 de Outubro de 2004;

L. A correção aqui em causa tem por base o entendimento sustentado pela AT de que a Recorrida, no âmbito do acordo da Deco, prestou serviços gratuitos com fins alheios à sua atividade, os quais deveriam ter sido sujeitos a IVA nos termos do artigo 4º nº1 a 2 do Código do IVA.

M. Como é evidente, as operações em causa não foram efetuadas pela Recorrida no espírito de liberalidade e gratuitidade típico de ofertas, nem foram realizadas para as necessidades particulares dos seus titulares, pessoal ou, em geral, para fins alheios ou estranhos à Recorrida.

N. Não há assim qualquer oferta, uma vez que a Recorrida estava obrigada a compensar o universo de clientes que usufruíam/haviam usufruído de serviços de telecomunicações, de uma prestação que, juridicamente, e por ordem judicial, lhes competia, pelo que não assiste às mesmas o carácter de animus donandi e gratuitidade típico de ofertas.

O. Os montantes pagos no âmbito desta indemnização foram publicitados como "ofertas" nos slogans promocionais, compreensivelmente, como é sendo comum, para transmitir aos clientes e utentes dos serviços em geral, que a Recorrida, tendo cometido um procedimento errado, prontamente se prestou à sua reparação.

P. E tais montantes foram atribuídos através de descontos nas operações futuras da Recorrida, por ser esse o procedimento que permitia operacionalizar o pagamento da indemnização ao vasto universo de clientes e utentes.

Q. Nenhum destes fatores retira ou afasta, ao contrário do que pretende fazer valer a Recorrente, a verdadeira natureza dos pagamentos em causa: estes consubstanciam uma indemnização.

R. A atribuição de descontos em operações futuras foi o procedimento escolhido para operacionalizar o pagamento da indemnização devida em virtude do acordo formalizado com a DECO.

S. Admitir-se a validade da posição ora sustentada pela Recorrente implica uma violação direta do artigo 4º do CIVA, pois resulta de toda a prova produzida que os valores pagos consubstanciam uma indemnização que visa a mera reparação e compensação de débitos da Recorrida considerados, em sede judicial, ilegais e indevidos, e como tal, a indemnização não está assim abrangida pelo conceito de prestações de serviços sujeitas a IVA, sendo uma operação fora do campo de incidência deste imposto, nos termos do artigo 1º e 4º do Código do IVA.

T. Não se invoque também contra o acima exposto, tal como faz a Recorrente, que ainda assim estaríamos perante operações com fins alheios à atividade da ora Recorrida e como tal sujeitas a tributação.

U. Com efeito, ainda que se entenda que pelo mero facto de não existir qualquer remuneração monetária ou em espécie às operações em causa, as mesmas sejam consideradas como prestações de serviços gratuitas, o que só por mera hipótese de raciocínio se concebe, sem conceder, tais prestações jamais poderão ser consideradas como operações assimiladas a prestações de serviços onerosas, na medida em que lhes faltam os fins alheios.

V. Neste sentido, aplicando a doutrina e jurisprudência sobre o tema ao caso em apreço somos forçados a concluir que, ao contrário do que sustenta a Recorrente, as operações ao abrigo do acordo com a DECO não foram efetuadas para fins alheios à Recorrida, uma vez que tais operações se integravam nos fins de manter e divulgar os seus serviços junto dos consumidores.

W. Por outras palavras, tratando-se de valores pagos no âmbito de um acordo que derivou única e exclusivamente de uma prestação de serviços de telecomunicações, é evidente que estamos perante uma operação enquadrada nos fins e atividade da ora Recorrida.

X. Também por este motivo deve improceder o presente recurso, confirmando-se a decisão proferida em U instância no sentido da ilegalidade das liquidações de IVA ora sindicadas, tudo com as demais consequências legais.

Y. Em harmonia com a mais recente jurisprudência dos nossos tribunais superiores e dada a simplicidade das questões materiais controvertidas, em função da posição já sustentada pela nossa Doutrina e pela jurisprudência dos tribunais, a ora Recorrida vem requerer a este Venerando Tribunal a fixação do valor do presente recurso no montante máximo de EUR 275.000, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do nº7 do artigo 6° do RCP.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juizes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado improcedente no que respeita às questões materiais controvertidas, requerendo-se a confirmação da decisão proferida pelo Tribunal o quo no sentido da anulação do ato tributário ora sindicado, com base nos fundamentos acima melhor expostos, tudo com as devidas consequências legais.

Mais se requer a fixação do valor do presente recurso, que deve ser de €1.770.228,25, atendendo aos segmentos das liquidações impugnadas que são seu objecto.

Mais se requer a fixação do valor da presente ação, para efeitos de custas, no montante máximo de EUR 275.000, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do nº7 do artigo 6° do RCP.

Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!»


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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer a fls. 854/859 dos autos, no qual, a final, se pronuncia no sentido da procedência do recurso interposto pela Fazenda Pública e da «procedência parcial do recurso interposto pela M……………, S.A».


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Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Com este pano de fundo, as questões a decidir são as seguintes:
Do recurso interposto pela Impugnante
- ampliação da matéria de facto;
- erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do artigo 21.º do CIVA.
Do recurso interposto pela Fazenda Pública
- erro de julgamento por errada interpretação e aplicação dos artigos 4.º, nº 2, alínea b), 79.º e 80.º, todos do CIVA;
- valor do processo para efeito de recurso.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:

«1) Por referência a 2004, a impugnante dispunha de sistema de faturação manual, para utilização excecional, quando o sistema informático não funcionava, utilizado de forma descentralizada (cfr. fls. 302).

2) As faturas mencionadas em 1) eram normalmente preenchidas manualmente, sendo prática da impugnante que nelas fossem apostas a assinatura do responsável e a chancela de identificação (cfr. fls. 302).

3) As faturas emitidas pela impugnante relativas a venda de sucata eram preenchidas com a indicação do peso da sucata e a discriminação do tipo de sucata, em virtude designadamente das exigências de certificação ambiental (cfr. fls. 302 e 314 a 316).

4) Por referência a 2004, a impugnante fazia e recebia pagamentos, na globalidade das situações, através de cheque ou transferência bancária, exceto casos excecionais, de pagamentos em balcões e de valores baixos.

5) Foram emitidos documentos, em formulários da impugnante, preenchidos datilografadamente e com indicação de pagamento em numerário, dos quais constam designadamente o seguinte:
N.º da fatura / recibo
Data
Destinatário
Descrição
Valor (sem IVA)
IVA
000030677
05.01.2004
N............, Lda1 Lote de sucata aço
1lote de sucata cabos aço c/ ferro
2 lotes sucata cabo
263.500,00
50.065,00
000030740
30.01.2004
N............, LdaVários lotes de sucata ferro
    1 Lote de sucata Diversa
2 Lotes de sucata cabo autosuportado
287.000,00
54.530,00
000030730
12.02.2004
N............, LdaVários lotes de sucata ferro
Vários lotes de sucata aço
Vários lotes de sucata mista
310.500,00
58.995,00
000030731
27.02.2004
N............, Lda2 lotes de material cabo aço c/ alum. e cobre
1 Lote de sucata ferro
2 Lotes de sucata ferro c/ misto inox
1 Lotes de cabo autosuportado
418.200,00
79.458,00
000030733
07.04.2004
N............, LdaVários lotes sucata diversa
Vários lotes de sucata aço
Vários lotes de sucata ferro
361.200,00
68.628,00
000030734
30.04.2004
N............, Lda1 Lote de sucata mista
1 Lote de sucata aço
ferro
1 Lote de sucata cabo eléctrico
1 Lote de sucata diversa
341.300,00
64.847,00

(cfr. documentos juntos de fls. 435 a fls. 444).

6) A sociedade N............, Lda, contabilizou, em 2004, enquanto compras, valores relativos aos documentos mencionados em 5) (facto que se extrai do ponto 3.1.1.8., do Relatório de Inspeção Tributária – cfr. fls. 99 e 100).

7) Na sequência de comunicação para o efeito, a impugna nte, através de dois funcionários, compareceu em reunião na direção de finanças (DF) do Porto, na qual lhe foi comunicada a emissão de faturas suas relativas a vários anos e a venda de sucata à sociedade N............, Lda (cfr. fls. 278 a 301).

8) No seguimento do referido em 7), a impugnante procedeu a um inquérito interno, tendo verificado o registo de extravio de lotes de faturas, mas sendo inconclusivo quanto à identidade de quem procedera a tal extravio (cfr. fls. 273 e 313).

9) A impugnante, através de fax datado de 21.10.2004, comunicou à DF do Porto que as faturas mencionadas pela AT foram extraviadas e não corresponderam a transações reais (cfr. fls. 273).

10) A impugnante apresentou queixa-crime contra estranhos, através de documento que deu entrada na diretoria nacional da Polícia Judiciária em 2004 por utilização de lote de faturas suas extraviadas (cfr. fls. 274 a 301).

11) A queixa-crime mencionada em 10) deu origem ao NUIPC 2660/04.4JFLSB (cfr. fls. 170, do processo administrativo – reclamação graciosa).

12) A impugnante apresentou aditamento à queixa-crime mencionada em 10), através de documento datado de 13.02.2006 (cfr. documento constante de fls. 170 a 175, do processo administrativo – reclamação graciosa).

13) O inquérito mencionado em 11) foi incorporado no processo de inquérito 2132/03.4JFLSB [cfr. documento com registo no SITAF 93150 (documento n.º 005038623), cuja junção se ordenou no despacho que antecede a presente sentença].

14) No âmbito do inquérito mencionado em 13), foi elaborado relatório pela polícia judiciária, no sentido de a impugnante não ter recebido quaisquer valores relativos às faturas objeto das queixas-crime subjacentes ao mencionado inquérito [cfr. documento com registo no SITAF 137941 (documento n.º 005223535), cuja junção se ordenou no despacho que antecede a presente sentença].

15) Por referência a 29.03.2012, o inquérito mencionado em 13) encontrava-se suspenso ao abrigo do art.º 47º, do RGIT (cfr. 475).

16) Em 2004, a impugnante contabilizou perdas em existências no valor de 681.426,79 Eur. (facto que se extrai do ponto 3.2.1.4., do Relatório de Inspeção Tributária, não controvertido – cfr. fls. 120).

17) Foi instaurada contra a impugnante em 1999 ação popular pela DECO – Associação de Defesa do Consumidor, pedindo a sustação da cobrança da taxa de ativação prevista no tarifário para 1999 e a restituição a todos os clientes das importâncias cobradas a esse título (facto que se extrai do ponto 3.2.1.5., do Relatório de Inspeção Tributária, não controvertido – cfr. fls. 120 e 121).

18) A ação mencionada em 17) foi julgada procedente na 1.ª instância e no Tribunal da Relação de Lisboa (facto que se extrai do ponto 3.2.1.5., do Relatório de Inspeção Tributária, não controvertido – cfr. fls. 120 e 121).

19) Foi proferido a 12.11.2002 acórdão, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito dos autos mencionados em 17), que transitou em julgado, no qual foi negado provimento ao recurso apresentado pela impugnante, constando do mesmo designadamente o seguinte:
“Em suma: face às patentes imperfeições técnicas da Lei de Acção Popular, designadamente no que toca à legitimidade para executar a sentença proferida no seu âmbito, admitimos que, em teoria, talvez haja dificuldades na concretização do presente julgado; simplesmente, esse é um problema que nesta fase não está posto e não colide, consoante tentou demonstrar-se, nem com a admissibilidade processual, nem com as condições substantivas de procedência da pretensão da autora” (facto não controvertido; informação pública constante do sítio da Internet www.dgsi.pt).

20) Na sequência do referido em 19), a associação DECO e a impugnante declararam, através de documento escrito, datado de 12.03.2004, acordar numa metodologia que desse resposta às exigências inerentes aos processos judiciais apresentados pela primeira contra a segunda, do qual consta designadamente o seguinte:

“… [T]endo presente,

A evolução dos processos judiciais accionados pela DECO no âmbito da aplicação, em 1998 e 1999, da activação de chamada pela P............;

A evolução do mercado e a alteração do enquadramento global e da P............ enquanto organização empresarial;

Que os interesses da DECO, enquanto associação de defesa dos direitos do consumidor, e da P............, enquanto empresa orientada para os clientes, são coincidentes na satisfação dos melhores interesses de consumidores e clientes;

Que as duas entidades encontraram uma plataforma de entendimento com repercussões imediatas sobre os processos judiciais em curso e futuras no que respeita à resolução das preocupações de consumidores e clientes,

É celebrado o presente acordo, nos termos seguintes:



1.A PTC compromete-se a não cobrar o valor correspondente às chamadas efectuadas pelos seus clientes com origem e destino na rede fixa, durante 13 domingos seguidos, com início a 21 de Março de 2004 e termo a 13 de Junho de 2004, inclusive, efectuadas entre as 0.00 horas e as 24.00 horas de cada domingo.

2.A PTC compromete-se também a não cobrar as chamadas efectuadas pelos seus clientes com origem e destino na rede fixa no dia 15 de Março de 2004 (Dia Mundial do Consumidor) entre as 19.00 horas e as 24.00 horas.

3. As comunicações a que se referem os números anteriores são as integralmente cursadas na rede fixa PT (chamadas nacionais, regionais e locais).



Relativamente aos consumidores reformados e pensionistas, beneficiários do “Plano Descontos para Pensionistas e Reformados”, a PTC compromete-se a não lhes cobrar o valor da assinatura mensal referente ao mês de Setembro de 2004.


1.A PTC atribuirá um crédito de 25 Euros, a todos os consumidores seus clientes que pretendam aderir ao serviço de Internet ADSL, através de qualquer prestador do mesmo serviço, durante um período de seis meses, com início no dia do consumidor (15 de Março) e termo em 15 de Outubro de 2004, mediante comprovativo apresentado pelos consumidores.

2.A implementação do disposto no número anterior será acordada com cada um dos prestadores do serviço de Internet ADSL.



A PTC incluirá nas facturas respeitantes aos serviços na cláusula 1.ª e 2.ª a menção expressa ao Acordo DECO/PT.


A PTC compromete-se a efectuar a divulgação, atempada e adequada, dos termos deste acordo, designadamente, através da publicação de dois anúncios, com o tamanho mínimo de 11,5*10 cm, em dois dos jornais de maior tiragem nacional, cujo conteúdo será previamente acordado com a DECO.


1.A PTC não utilizará o presente acordo para fins comerciais, designadamente para promover a venda de produtos e/ou serviços.

2. A PTC e a DECO publicitarão a existência deste acordo e divulgarão as vantagens dele decorrentes para os consumidores.



A PTC obriga-se a reembolsar voluntariamente os montantes cobrados a título de activação de chamada no ano de 1998, relativamente aos consumidores que lhe apresentem as respectivas facturas.


1. O presente acordo abrangerá também as acções judiciais Proc. nº65/98, que corre os seus termos na 2ª Secção do 15.º Juízo e Proc. nº70/98, da 1.ª Secção do 12.º Juízo, ambas do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, obrigando- se a DECO , em consequência, a desistir das referidas acções….” (cfr. fls. 320 a 323 e 355 a 359).

21) No seguimento do referido em 20), a impugnante implementou as seguintes práticas:
a) Oferta das chamadas efetuadas na rede fixa, durante 13 domingos seguidos, entre 21.03.2004 e 13.06.2004;

b) Oferta da assinatura mensal referente ao mês de setembro de 2004 aos reformados e pensionistas beneficiários do “Plano Descontos para Pensionistas e Reformados”;
c) Oferta de um crédito de 25,00 Eur. na adesão do serviço de internet ADSL durante o período compreendido entre 15.03.2004 e 15.09.2004 (cfr. fls. 121).

22) Em conexão com o mencionado em 21), foram realizadas campanhas publicitárias (não controvertido – cfr. fls. 147).

23) Na sequência do referido em 21) verificou-se o registo de operações na contabilidade da impugnante no valor total de 9.289.210,58 Eur. (facto que se extrai do ponto 3.2.1.5., do Relatório de Inspeção Tributária – cfr. fls. 123).

24) Em 2004, foram emitidos, em nome da impugnante, os seguintes documentos, relativos a prestações de serviços destinadas a funcionários da impugnante:
N.º da fatura
/ recibo
Emitente
Descrição
IVA
0099
B............ Lda
Encontro de competência da área residencial da P............
7.546,80
0102
B............ Lda
Acerto do valor inicial do encontro de competência Área residencial (…)
6.573,81
A423
P............
Encontro Força de Vendas Door to
Door (…) Audiovisuais
Tenda Extras
Audiovisuais captação em directo Cassete
Alcatifa para tenda Capas de chuva (450) Rampa
Autocarros
3.903,08
0106
B............ Lda
Acção – 1.º Encontro wholosale
3.032,41
0885928
M............
Prestação de serviços – Encontro de Quadros P............
1.805,38
2004000080
I………LdaPlacas wc, 4 enaras, decoração casa
6.650,00
0108
B............ LdaRestante da acção wholosale
2.021,88
0073
H............Serviços de Produção Evento
“Viagem a uma rede para o Futuro”
– Pavilhão de Portugal
9.007,90
0109
B............ LdaEncontro área de redes – pavilhão de Portugal
9.536,30


(cfr. fls. 340 a 348 e 360, dos autos, e fls. 470, do processo administrativo; não é controvertido o facto de se destinarem a funcionários).

25) A impugnante foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento da Ordem de Serviço nºOI200600230, pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária (cfr. fls. 68, dos autos, e fls. 362, do processo administrativo).

26) No âmbito da ação inspetiva referida em 25), a AT não procedeu a qualquer contagem física do inventário da impugnante (facto alegado pela impugnante, não posto em causa, sendo que do processo administrativo nada consta).

27) Da ação inspetiva referida em 25) resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 10.04.2007, do qual decorreram, designadamente, correções em sede de IVA, constando do mesmo designadamente o seguinte:
“…

(…)




«imagens no original»



…” (cfr. documentos juntos de fls. 68 a fls. 179, dos autos, e fls. 362 a fls. 475, do processo administrativo).

28) Na sequência do RIT mencionado em 27) foram emitidas pela AT, em nome da impugnante, as seguintes liquidações:
Período
    Liquidação IVA
    Liquidação Juros Compensatórios
N.º
    Valor
N.º
    Valor
    0401
108.187,4613.350,04
    0402
140.448,7816.823,07
    0403
    3.592,44
    419,28
    0404
384.504,4343.528,01
    0405
429.361,7147.147,44
    0406
154.588,3416.483,78
    0407
316.588,0532.682,30
    0409
545.683,7652.684,65
    0411
111.016,569.964,12
    0412
45.294,92
    3.916,46

(cfr. documentos juntos de fls. 180 a fls. 199, dos autos, e fls. 29 a 49, do processo administrativo – reclamação graciosa).

29) A impugnante efetuou pagamento de IVA junto do Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 4, no valor total de 54.132,28 Eur., relativos a parte das liquidações mencionadas em 28) (cfr. fls. 226, dos autos, e fls. 225 a 227, do processo administrativo – reclamação graciosa).
30) Através de documento escrito, a impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas em 28), junto do SF de Lisboa 4, constando do mesmo designadamente o seguinte:

“…





…”(cfr. documento junto de fls. 200 a fls. 225, dos autos, e de fls. 2 a fls. 215, do processo administrativo – reclamação graciosa).

31) Na sequência do referido em 30) foi autuado o procedimento de reclamação graciosa nº……….. (cfr. fls. 1, do processo administrativo – reclamação graciosa).

32) No âmbito do procedimento mencionado em 31), foi elaborada, na divisão de administração da direção de finanças de Lisboa, informação, datada de 31.12.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“…

«imagens no original»



(…)

…” (cfr. fls. 228 a 257, dos autos, e fls. 294 a 323, do processo administrativo –reclamação graciosa).

33) Sobre a informação mencionada 32) e após parecer de concordância, foi proferido, a 31.12.2009, despacho, pelo diretor de finanças adjunto da direção de finanças de Lisboa, de indeferimento da reclamação mencionada em 30), com o seguinte teor:
“…Concordo, pelo que, convolo em definitivo o projecto de decisão com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação. Indefiro o pedido da reclamante.
Notifique-se

…” (cfr. fls. 228 a 257, dos autos, e fls. 294 a 323, do processo administrativo – reclamação graciosa).

*

DOS FACTOS NÃO ROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
*

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos e na posição assumida pelas partes, conforme indicado em cada um desses factos.

No que respeita aos factos 1) a 3), a convicção do tribunal fundou-se ainda no depoimento das testemunhas M............, diretora financeira da impugnante desde setembro de 2007, assumindo em momento anterior as funções de responsável pela contabilidade, e C............, economista, que trabalhou para a PT Pro desde 2003 e até 2009, sociedade do grupo, que fazia a fiscalidade da P............, SA, que se revelaram coerentes e convincentes, manifestando conhecimento direto dos factos, tendo ambos descrito de forma clara os termos do processamento das faturas manuais. Quanto aos factos 2) e 3), fundou-se ainda no depoimento da testemunha M............, economista, que trabalha para a PT desde 1981 e que trabalhava à época na direção de logística, área que se relacionava com as sucateiras, estando a seu cargo designadamente a gestão de resíduos, que se revelou igualmente coerente e convincente, com conhecimento direto dos factos, e que explanou de forma clara os elementos que as faturas relativas a sucatas deveriam conter, designadamente em virtude da certificação ambiental, esclarecendo ainda que a sucata nunca era vendida em lotes mas ao peso.

No que respeita ao facto 4), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas M............ e C............, com a razão de ciência já mencionada, que se revelaram coerentes e convincentes, manifestando conhecimento direto dos factos, tendo ambos afirmado de forma clara que a prática da impugnante era a de que pagamentos e recebimentos fossem feitos ou em cheque ou por transferência bancária, salvo qualquer pagamento ao balcão e de valores baixos.

No tocante ao facto 7), a convicção do tribunal fundou-se ainda no depoimento das testemunhas M............ e C............, com a razão de ciência já mencionada, que participaram na mencionada reunião.

Quanto ao facto 8), a convicção do tribunal fundou-se ainda no depoimento das testemunhas M............ e C............, com a razão de ciência já mencionada, que confirmaram constar dos registos internos o extravio de impressos, não tendo conseguido, na inspeção interna, aferir o seu autor.»

**


B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa exarada a fls. 631 a 700, foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa que apresentada contra as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios do ano de 2004.

Não se conformando com esta decisão interpuseram recurso para este Tribunal Central Administrativo a Fazenda Púbica e a Impugnante.

Envolvendo o recurso apresentado pela Impugnante apreciação de matéria de facto, cumpre dele conhecer em primeiro lugar.

DO RECURSO DA IMPUGNANTE

Ampliação da matéria de facto

Pretende a recorrente a coberto do artigo 662.º do CPC, que seja aditado ao probatório com referência às facturas elencadas no ponto 24) da matéria de facto provada que «As despesas aqui em causa foram incorridas para a realização de eventos de trabalho

Lê-se na norma legal indicada (aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT), além do mais, o seguinte: «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». A dita alteração tanto pode afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).

Contudo, para que tal conhecimento se verifique, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir os ónus processuais inscritos no artigo 640.º do CPC, segundo o qual:

« 1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º» (sublinhado da nossa autoria).

Tendo presentes tais pressupostos (ónus processuais), vejamos, se no caso concreto os mesmos foram ou não cumpridos para que este Tribunal Central Administrativo seja lícito alterar a decisão do Tribunal «a quo» sobre a matéria de facto.

Compulsadas as conclusões recursórias apresentadas pela recorrente, constata-se que cumpriu os ónus a seu cargo para que possa impugnar a decisão sobre a matéria de facto, dado que indicou do concreto ponto de facto que considera incorrectamente julgado e os concretos meios probatórios (documentos que suportam o ponto 24) da matéria assente) que suportam a pretendida alteração.

Pelo exposto, atento o incumprimento pela recorrente do ónus a que alude o artigo 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPC, impõe-se o conhecimento do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.

Como é sabido, no que respeita à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas.

É que, como bem se salientou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2014, proferido no processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1: «Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Segundo Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;» (Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 206-207)

Para Teixeira de Sousa, «A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica» (Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 312).

Abrantes Geraldes defende que «[d]evem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem(Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 2.ª edição, 1999, p. 147)

Ora, a afirmação «As despesas aqui em causa foram incorridas para a realização de eventos de trabalho.» encerra um juízo de natureza conclusiva e integra o thema decidendum.

Daí que, não pode constar na matéria de facto. E tanto assim é que as questões a que se reporta a al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC «[s]ão os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.»(Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30.06.2016, proferido no processo n.º 1715/12.6TBEVR.E1, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Assim sendo, improcede o recurso nesta parte.

Chegados aqui, estabilizada que está a matéria de facto dos autos, passemos, então, a conhecer do mérito que o recurso nos coloca.

Do mérito do recurso

(i) Dedução de IVA associado a «eventos»

Segundo a fundamentação que suporta a correcção questionada, considerou a Administração Tributária que as despesas tituladas pelas facturas identificadas no ponto 24) do probatório, referentes à realização de “eventos” em que participaram os funcionários da recorrente estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 21.º do CIVA, motivo pelo qual o IVA suportado nas mesmas não seria dedutível.

O Tribunal «a quo» embora reconhecendo que os “eventos” se destinaram « à própria Impugnante e seus trabalhadores», veio a entender que « [d]a descrição das faturas não se conclui que se tratam de reuniões de trabalho e/ou com o objectvivo de formação

Acrescentando, mais adiante, que « [n]ão se verifica qualquer falta de indicação dos pressupostos inerentes às conclusões extraídas: a AT considerou estar-se perante eventos destinados à própria impugnante e seus trabalhadores e, como tal, ser excluído do direito à dedução o IVA suportado, no termos do art.º 21.º, n.º 1, als. c) e d), do CIVA (que abrange despesas de receção, alimentação, transporte, entre outras, nos termos aí definidos), e considerando estar a impugnante na posição de consumidor final (refira-se que nada é posto em causa nesta parte). É certo que o caráter lúdico ou desportivo das despesas se encontra indicado de forma conclusiva, sendo que, no entanto, tal circunstância não é de molde a pôr em causa a correção, atento o cariz mais amplo da disposição legal na qual é subsumida a correção e atento o facto de a AT se referir globalmente a eventos, surgindo o caráter desportivo e lúdico precedido pelo advérbio “nomeadamente”.».

Contra este entendimento, insurge-se a recorrente, alegando, para além do mais, que: «O Tribunal a quo, ao considerar "estar-se perante despesas relativas a organização de eventos, cujo IVA pode ser excluído do direito à dedução, atento o disposto nas als. c) e d), do nº1 do artº21, do CIVA” cometeu dois erros de direito:

(i) considerou que um qualquer "evento" está abrangido pelas alíneas c) e d) do nº1 do artigo 21° do CIVA, sem ponderar que estas normas não fazem referência a "eventos" e sem ter em conta as características desses "eventos" em concreto e (ii) aplicou extensivamente as referidas alíneas c) e d) do nº1 do artigo 21° do CIVA por forma a que os mesmos abranjam qualquer tipo de "encontro" entre pessoas.».

Vejamos, se lhe assiste razão.

O direito à dedução do imposto consubstancia, uma das principais características deste tributo, tal como foi, desde logo, consagrado no artigo 2.º da Primeira (Directiva n.º 67/227/CEE, do conselho, de 11 de Abril de 1967, publicada no JO n.º L 71. de 14.3.67), nos seguintes termos: « Em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, co prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço

O artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva enuncia, em termos claros e precisos, o princípio da dedução pelo sujeito passivo dos montantes que lhe foram facturados como IVA em relação aos bens que lhe foram fornecidos ou aos serviços que lhe foram prestados, na medida em que estes bens ou estes serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributáveis (acórdão do Tribunal de Justiça de 11.12.2008, Danfoss A/S, AstraZeneca A/S processo C-371/07, http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=75789&doclang=PT).

Como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada do Tribunal de Justiça, «O regime das deduções assim estabelecido visa aliviar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante dessa forma a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente do seu fim ou do seu resultado, na condição de essas atividades estarem elas mesmas, em princípio, sujeitas a IVA (v. acórdãos de 29 de abril de 2004, Faxworld, C-137/02, Colet., p. I-5547, n.° 37, e de 22 de dezembro de 2010, Dankowski, C-438/09, Colet., p. I-14009, n.° 24).») (http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=137304&doclang=PT)

O exercício do direito à dedução suportado nas operações de aquisição de bens e serviços a sujeitos passivos não é, contudo, um direito livre ou incondicionado, dependendo antes da verificação de determinados requisitos subjectivos e objectivos.

Nos primeiros figura, desde logo, a condição de o adquirente ser ele próprio um sujeito passivo de imposto actuando como tal, isto é, que adquire bens e serviços para os utilizar efectivamente na sua actividade tributária. Já no plano objectivo, o legislador impõe, designadamente, que as aquisições (rectius, despesa em causa não estejam excluídas do direito à dedução).

Como o Tribunal de Justiça já sublinhou reiteradamente, « (…) o direito à dedução depende, em primeira linha, da existência de uma relação directa e imediata dos bens e serviços adquiridos com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, no sentido de que, na ausência dessa relação, aquele direito é liminarmente recusado, independentemente de averiguações suplementares. Numa segunda linha, é preciso que exista também uma relação específica entre o bem ou o serviço adquirido e aquelas operações que, enquadradas na actividade global do mesmo sujeito passivo, podem classificar-se estritamente como operações tributáveis(P............ SGPS, processo n.º C-496/11 [2012.)](http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=126423&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=381147)

Sendo esta a regra, o CIVA estabelece, por outro lado, em certos casos, a exclusão do direito à dedução. Encontra-se nesta situação, o artigo 21.º, do mesmo diploma.

O fundamento de tal exclusão do direito à dedução encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a IVA suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de IVA, nos termos em que a doutrina as define (cfr.Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, p.91 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p.295 e seg.).

Posto isto, olhemos o caso concreto, começando pelo artigo 21.º n.º1 do CIVA (na redacção então em vigor à data dos factos), por ter sido o dispositivo legal que suportou a correcção questionada.

Diz-nos o citado preceito legal, na parte que aqui releva, o seguinte:

«1 - Exclui-se (…) do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

(…) c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;

d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais receções;

e) Despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.

2 - Não se verificará, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:

a) Despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objeto de atividade do sujeito passivo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda;

b) Despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares;

c) Despesas mencionadas nas alíneas a), c) e d) do número anterior, quando efetuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso».

De facto e na verdade, como bem refere a recorrente, da leitura da norma supra transcrita, resulta que a expressão «eventos» não integra a previsões normativas da alínea c) nem, na alínea d) do preceito.

E, não podemos esquecer que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (neste sentido, vide, por todos o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 14.04.2015, proferido no processo n.º 06525/13, disponível em www.dgsi.pt)

Nesta medida, resulta, desde, logo, que as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas pela reserva de lei não são susceptíveis de integração analógica (cfr. artigo 11º, nº 4, da LGT).

Logo, por esta razão, não se pode fazer uma interpretação extensiva daquela norma e, muito menos, uma integração analógica. A lei quis abranger, exclusivamente, o direito à exclusão do imposto contido nas alíneas tipificadas no já mencionado artigo 21.º do CIVA.

A este respeito, sublinhe-se, que a jurisprudência do Tribunal Justiça já por diversas vezes declarou que as derrogações ao direito à dedução do IVA por constituir de um regime que constitui uma derrogação ao princípio do direito a dedução do IVA, é de interpretação estrita. (Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 2008, Magoora, Magoora sp. zo. o./Dyrektor Izby Skarbowej w Krakowie C-414/07;

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=73220&mode=req&pageIndex=1&dir=&occ=first&part=1&text=&doclang=PT&cid=1475655).

De todo o modo, não é apontado pela Administração Tributária, e nem se vislumbra que as realidades descritas nas facturas (elencadas no ponto 24) do probatório) foram realizadas para fins que são estranhos à recorrente. Efectivamente, estamos perante reuniões de trabalho (Encontro Força de Vendas Door to Door/ Encontro de Competência») em que participaram, como é reconhecido no Relatório de Inspecção, trabalhadores da recorrente portanto estas circunstâncias fácticas levam-nos a concluir que estamos perante operações económicas ligadas e realizadas no âmbito da actividade comercial da recorrente.

De qualquer modo, importa deixar claro que não é suficiente, nem bastante, que a Administração Tributária classifique, com recurso ao advérbio “nomeadamente” que , no caso dos autos, estamos perante eventos de natureza desportiva e lúdica, pois tinha que especificar que tipo de eventos é que ocorrem e só depois é que os poderia excluir ou não da previsão contida no artigo 21.º do CIVA.

Ora, não o tendo feito, também por esta razão, o segmento da sentença aqui em recurso não é de manter.

Em conformidade com o exposto, conclui-se que, as despesas em questão, não estão, contrariamente ao decidido pelo Tribunal «a quo» excluídas do direito à dedução de IVA nos termos do artigo 21.º do CIVA.

Em consequência, o recurso deverá proceder.

Do recurso da Fazenda Pública

(i) Correção relativa a perdas de existências

Como flui do Relatório da Inspecção Tributária (Ponto 3.2.1.4) que é fundamento da liquidação impugnada, a Administração Tributária considerou que pelo facto da recorrida ter contabilizado perda de existências para as quais não dispunha de elementos justificativos, autos de destruição ou inutilização de bens objecto de abate, efectuou a correcção ao abrigo do artigo 80.º do CIVA.

Para julgar procedente a impugnação judicial nesta parte a Meritíssima Juiz do Tribunal «a quo» veio considerar, que a Administração Tributária não demonstrou o facto conhecido de não ter encontrado nos locais em que a aqui recorrida exerce a sua actividade inerente porquanto partir da ilação de que os valores registados como «perdas de existências» equivalem a bens não encontrados.

A recorrente, de acordo com as conclusões das suas alegações de recurso [Conclusões VI. a XII], continua a pugnar que contendo o artigo 80.º do CIVA uma presunção iuris tantum, não estava obrigada a fazer a verificação in loco, de quaisquer discrepâncias.

Vejamos se tal posição pode ser sufragada.

Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do CIVA « [c]onsidera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade».

E, mais adiante, estabelece o artigo 80.º do mesmo diploma legal que: «Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer desses locais». (sublinhado nosso)

Em anotação a este preceito, F. PINTO FERNANDES e NUNO PINTO FERNANDES afirmam: «O disposto neste artigo poderá considerar-se como uma consequência directa da inventariação que eventualmente tenha sido efectuada nos termos do artigo anterior, conduzindo à existência de bens não documentados nem registados e que se presume terem sido adquiridos pelo sujeito passivo. Também como resultado dessa inventariação poderá verificar-se a falta de bens face ao registo dos livros. Em ambos os casos o legislador admite por um lado, uma presunção juris tantum de aquisição daqueles bens e, por outro, a transmissão dos bens encontrados em falta, motivando, neste caso, a liquidação do correspondente imposto.» (Código do Imposto sobre o VALOR ACRESCENTADO, Anotado e Comentado, 4ª Edição, p. 813 e 814).

Também a este propósito, Filipe Duarte Neves, salienta que: «Este artigo estabelece que se presumem como transmitidos os bens não encontrados em qualquer dos locais em que o contribuinte exerça a sua actividade, salvo prova em contrário. O regime consagrado neste artigo pode considerar-se como uma consequência directa da inventariação de bens, sendo que o legislador presume a transmissão dos bens não encontrados no local onde é normalmente exercida a actividade do sujeito passivo, comportando a liquidação do respectivo IVA. Trata-se de uma presunção juris tantum que pode ser ilidida mediante prova (por qualquer meio legalmente admissível) de que os bens não foram transmitidos» (Código do IVA Comentado e Anotado, edição Vida Económica, 2010, p. 628-629).

Pode, pois, dizer-se a Administração Tributária pode presumir como transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade. Por conseguinte, a presunção de transmissão decorre da verificação do facto de os bens não se encontrarem em locais relacionados com o exercício da actividade. Trata-se, nos termos que decorrem do artigo 73.º da LGT, de uma presunção ilidível pelo sujeito passivo, ou seja, este pode demonstrar que não foram transmitidos os bens que não se encontrem nos apontados locais, seja pela destruição, inutilização, furto ou deterioração.

Revertendo ao caso concreto dos presentes autos, resulta assente que a Administração Tributária não procedeu a qualquer contagem física do inventário da recorrida (cfr. 26) do probatório).

Sendo assim, pese embora a presunção legal de transmissão dos bens a favor da Administração Tributária prevista no artigo 80.º do CIVA, o certo é que, não vindo demonstrada qualquer discrepância entre a inventariação física dos bens (que a Administração não realizou) não pode deixar de se concordar com o Tribunal « a quo», na medida em que a Administração Tributária não demonstrou o facto conhecido de não ter encontrado nos locais em que a impugnante exerce a sua actividade, partiu, isso sim, da ilação de que os valores registados como “perdas de existências” equivalem a bens não encontrados.

É, pois, manifesto que bem andou o Tribunal «a quo» ao decidir que não tendo sido demonstrados os pressupostos de facto inerentes à aplicação do artigo 80.º, do CIVA, a correcção em apreciação não se pode manter.

Decorre do exposto a improcedência do recurso nesta parte.

(ii) Ofertas de serviços com fins alheios

A Administração Tribuária no que à referida correcção respeita entendeu que a recorrida prestou no âmbito de um acordo celebrado em 2004 com a DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, serviços gratuitos com fins alheias à sua actividade e como tal, sujeitos a IVA face ao disposto no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do CIVA.

O Tribunal «a quo» começou por traçar o regime legal que serviu de suporte à correcção e seguidamente expendeu a seguinte linha argumentativa: «(…)In casu, não é controvertido que o acordo celebrado entre a impugnante e a DECO o foi para dar exequibilidade à decisão proferida em sede de ação popular. Ou seja, como resulta do acordo celebrado, tendo a impugnante sido condenada a devolver a taxa de ativação que cobrou e tendo ambas as partes concluído que a exequibilidade da decisão em causa poderia ser feita por formas alternativas à devolução, a forma foi acordada entre ambas através do documento mencionado em 20) do probatório. Aliás, sublinhe-se que o próprio Acórdão do STJ proferido nos autos de ação popular reconhece as dificuldades inerentes à execução de uma sentença condenatória quando se está perante uma ação popular. Ou seja, estamos perante um acordo que se trata no fundo de uma execução de uma decisão judicial condenatória, cujos beneficiários são a comunidade consumidora dos serviços em causa globalmente encarada, na medida em que estamos perante a execução de uma ação popular.

Ora, compulsado o RIT, decorre que a AT não demonstrou, ainda que de forma indiciária, ao contrário do que era seu ónus, atento o disposto no art.º 74.º, da LGT, que as operações em causa respeitam a fins alheios à impugnante, limitando-se a ser conclusiva, o que, desde logo, fere de vício as liquidações impugnadas nesta parte.

Uma prestação de serviços a título gratuito não é, por natureza, destinada a fins alheios à empresa, pelo que se trata de pressupostos distintos com exigências de demonstração também elas distintas.

Por outro lado, e quanto à questão do próprio não preenchimento do conceito de “fins alheios à empresa”, também assiste razão à impugnante.

Com efeito, a impugnante, na sequência da cobrança de uma taxa de ativação, foi demandada pela DECO, tendo sido condenada na ação popular em causa. Por questões de exequibilidade, ambas as partes acordaram na forma executar a decisão em causa, passando pelas operações identificadas no acordo.

Ora, o cumprimento do acordo em causa não entra no conceito de fins alheios.

Trata-se da reconstituição de uma situação anterior à existente antes da liquidação de um valor pela impugnante aos seus clientes (em relação ao qual liquidou IVA). Como bem refere a impugnante, se a mesma tivesse conseguido identificar todas as situações de pagamento da taxa de ativação cuja cobrança foi decidido não poder ser feita, a impugnante teria devolvido os valores em causa e não se colocaria a questão de se tratar de fins alheios.

Do que se tratou aqui foi de se obter o mesmo efeito útil, se bem que através de mecanismos alternativos à devolução das taxas de ativação.

Como tal, não só a AT não demonstrou, como era seu ónus, que a situação era enquadrável em situação de “fins alheios à empresa”, mas também a impugnante demonstrou não se destinar a tais fins alheios.»

A recorrente, discorda do decidido, defendendo, em suma, que os factos retratados dos autos configuram prestações de serviço afectas a fins alheios à actividade da recorrida destinadas ao “consumo” de terceiros.

Isto dito, expor-se-ão, de seguida, as razões pelas quais se entende que não assiste razão à recorrente.

Como se sabe, nos termos do artigo 4.º do CIVA (na redacção à data dos factos):

«1 - São consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

2 - Consideram-se ainda prestações de serviços a título oneroso:

(…) b) As prestações de serviços a título gratuito efetuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou em geral a fins alheios à mesma».

Esta norma transpôs o artigo 26.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de Novembro de 2006 (Directiva IVA).

https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CONSLEG:2006L0112:20100115:PT:PDF)

Comentando o artigo transcrito, Patrícia Noiret da Cunha diz o seguinte: «A alínea b) do n.° 2 do presente artigo equipara a prestações de serviços as prestações de serviços a título gratuito efectuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma. Neste caso, a onerosidade não é condição essencial da incidência objectiva.

Os serviços prestados em fins alheios à empresa são os que se destinam a consumo sem carácter empresarial, quer se trate de um consumo final do sujeito passivo, dos empregados ou de terceiros.»

Ora, como aponta a sentença recorrida, a Administração Tributária não demonstrou, como de resto lhe competia ( cfr. artigo 74.º da LGT) que as operações em causa respeitem a fins alheios i.é, ao consumo não empresarial, ou na expressão do Tribunal de Justiça, « fins estranhos à empresa» ( Acórdão de 18 de julho de 2013, État belge/Medicom SPRL , Maison Patrice Alard SPRL (processos apensos C-210/11 e C-211/11) (http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=139764&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=2514951)

Mas mais: o próprio Relatório de Inspecção Tributária (Ponto 3.2.1.5.) que suporta a liquidação sindicada aponta que « [o] sujeito passivo ficou liberado da obrigação de tomar a iniciativa de restituir os valores da taxa de activação cobrados aos seus clientes, passando estes a ter que solicitar o seu reembolso desde que possuam comprovativos de pagamento.» o que torna algo incompreensível toda a argumentação expendida pela recorrente ao pretender fazer valer que a situação de facto subjacente à correcção é enquadrável na expressão « fins alheios à empresa». (sublinhado nosso)

De modo que, e como aponta a sentença sob recurso « [n]ão só a AT não demonstrou, como era seu ónus, que a situação era enquadrável em situação de “fins alheios à empresa”, mas também a impugnante demonstrou não se destinar a tais fins alheios

Consequentemente, não merece, nesta parte, reparo a sentença recorrida.

Destarte, na improcedência de todas as conclusões de recurso, sendo de negar provimento ao recurso interposto.

Por último, quanto à pretensão da recorrida, diga-se que o valor dos recursos é o da sucumbência quando esta for determinável ( cfr. artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais) portanto a determinação da sucumbência faz-se com base no decaimento fixado para a decisão sob recurso, sendo que in casu as custas recaem na totalidade a cargo da recorrente (Fazenda Pública).

Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

Conforme entendimento expresso no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13 a que aderimos, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000€ e que a mesma não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer uma das partes, em recurso, pode considerar-se num nível reprovável, tendo-se limitado, como referido, grosso modo, à discussão da questão jurídica relativa á interpretação dos normativos indicadso nas alegações de recurso.
Nada obsta que às recorrentes seja dispensada, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendo o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

IV.CONCLUSÕES
I. As derrogações ao direito à dedução do IVA são de interpretação restrita.
II. A presunção prevista no artigo 80.º, do CIVA, tem presente a existência de uma discrepância não justificada entre o inventário contabilístico e realidade.
III. Se a Administração Tributária não demonstrou o facto conhecido de não ter encontrado nos locais em que a impugnante exerce a sua actividade, partiu, isso sim, da ilação de que os valores registados como “perdas de existências” equivalem a bens não encontrados, não se mostram preenchidos os pressupostos de facto inerentes à aplicação do artigo 80.º, do CIVA.
V.DECISÃO
Termos em que, acordam os Juízes que integram a 1.ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:
- negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e manter a sentença recorrida na parte recorrida;
- conceder provimento ao recurso interposto pela M……………., S.A., e em consequência, revogar a sentença recorrida na parte correspondente, e consequentemente julgar procedente a impugnação judicial.
Custas a cargo da Recorrente (Fazenda Pública) em ambos os recursos, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, para ambas as partes, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º7, do RCP.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]

Ana Pinhol