Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:567/17.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I. No caso em que o contribuinte faltou à sua obrigação de declarar os seus rendimentos para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, a Administração procede à liquidação nos termos do disposto no artigo 90.º nº 1 alínea b) do respectivo Código, com base na "matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada".

II. O artigo 60.º da Lei Geral Tributária impõe que, neste caso, se faculte ao contribuinte a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUIZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


I.RELATÓRIO
B............................................... deduziu junto do Tribunal Tributário de Lisboa, impugnação judicial contra o indeferimento do recurso hierárquico interposto do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que teve por objecto a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do ano de 2013, com fundamento em vícios de forma por preterição do direito de audiência prévia, carência da fundamentação e vício de lei, por não estar sujeita a tributação por não ter estabelecimento estável em Portugal e, por fim, verificar-se errónea quantificação da matéria tributável.
Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi julgada procedente a impugnação judicial.
Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo dessa sentença.
A Recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«i. Na decisão do Tribunal a quo a Impugnação Judicial foi julgada procedente, por ter considerado que a Autoridade Tributária e Aduaneira tinha o dever de realizar audição prévia da Recorrida, antes de emitir a liquidação oficiosa, tendo sido afastada a aplicação do disposto na alínea b), do n.º 2 do art.º 60.º da LGT, que prevê a dispensa de audição prévia.
ii. Em síntese, a fundamentação vertida na decisão do Tribunal a quo viola o disposto nas normas previstas na alínea b) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT, no n.º 2 do art.º 77.º da LGT, e na alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC.
iii. A boa decisão da causa está demanda uma reapreciação da matéria de facto relevante, afigurando-se importante ampliar da matéria de facto dada como provada na decisão do Tribunal a quo, quanto aos seguintes factos:
iv. O elenco de factos provados é omisso quando à indicação explícita do facto de a Recorrida não ter apresentado declaração de rendimentos, no prazo que lhe foi concedido para o efeito, mediante a notificação aludida no Ponto I) dos factos provados, pelo que para fundamentar de facto a conclusão de que «a Impugnante, (…), nunca apresentou qualquer declaração de rendimentos (…)». – Cfr. aludido na pág. 59 da decisão recorrida –, é útil aditar como facto provado que «A Impugnante (aqui Recorrida) não apresentou declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC, relativa a período de 2013, no prazo concedido para o efeito indicado na notificação mencionada no Ponto I dos factos provados», com base no suporte documental constante de fls. 54 do Processo Administrativo – Recurso Hierárquico (PA-RH), mais concretamente no ponto 12.º da Informação n.º ................, que se afigura coerente com os factos vertidos no art.º 98.º e 104.º da petição inicial, segundo os quais a Impugnante se considerava não estar obrigada à apresentação de declaração Mod. 22 de IRC.
v. O rol de factos provados não alude à notificação do Relatório de Inspeção Tributária ao exercício de 2012, relevante para demonstrar que a Recorrida teve conhecimento da correção realizada ao lucro tributável no valor de € 10.936.438,16, no respetivo período, em 15-05-2014, isto é, em data anterior à liquidação oficiosa de IRC respeitante ao período de 2013, que ocorreu em 23- 01-2015, pelo que deve ser aditado aos factos provados que «Em 15-05-2014, a Impugnante foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, que teve origem na Ordem de Serviço n.º OI................, ao exercício de 2012, mediante o qual os Serviços de Inspeção Tributária apuraram um lucro tributável de € 10.936.438,16. – Cfr. fls. 20 e seguintes do PAT», com base no Relatório de Inspeção Tributária que se encontra junto a fls. 20 e seguintes do Processo Administrativo Tributário, e foi invocado no âmbito dos art.º 30.º e 39.º da contestação.
vi. O aditamento do facto referido no ponto que antecede conjugado com o ponto K) dos factos provados tem aptidão para demonstrar de modo exaustivo o método de apuramento da matéria coletável do exercício de 2012, que por ser o exercício mais próximo ao exercício de 2013, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, serviu de base para a quantificação da matéria coletável enunciada na liquidação oficiosa de 2013 e às operações de apuramento da matéria tributável e do IRC devido mencionadas na demonstração da liquidação que foi notificada à Recorrida.
vii. A notificação constante do Doc. 13 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida, permite compreender que a entidade notificada encontra-se obrigada à apresentação de declaração de rendimento Modelo 22 do Imposto sobre Rendimento das Pessoas Coletivas, e que essa obrigação subsiste, mesmo no caso de não ter sido exercida atividade no respetivo período, explicando que nesse caso, a declaração deveria ser entregue com indicação do valor “zero” nos campos de preenchimento obrigatório.
viii. Mediante a referida notificação, a Recorrida ficou ficou ciente que:
- Estava obrigada a entregar declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC, relativa ao período de 2013, mesmo que, nesse exercício, entendesse não ter exercido qualquer atividade;
- O não cumprimento da obrigação declarativa, no prazo de 15 dias subsequentes à notificação, teria como consequência a emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC.
ix. A conjugação da matéria de facto, vertida nas alíneas C) a I) dos Factos Provados indicados na decisão a quo, com o quadro normativo aplicável às situações de incumprimento da obrigação declarativa de IRC, em vigor no período de 2013, infirma a existência de falta de fundamentação do ato de liquidação oficiosa, pelo que evidenciam erro de julgamento sobre a insuficiência da fundamentação.
x. A factualidade que se encontra enunciada no ponto I) dos Factos Provados, indicados na decisão a quo, contém fundamentação jurídica bastante para a AT, uma vez decorrido o prazo de 15 dias sem que a Recorrida tenha apresentado a Mod. 22 do IRC, respeitante ao período de 2013, proceder à emissão da respetiva liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC.
xi. Assim, o teor do ponto I) dos factos provados infirma a conclusão formulada na sentença recorrida que refere que «Apesar da complexidade dos temas enunciados não sabemos, no caso em análise, qual a motivação da atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao decidir-se pela obrigatoriedade da apresentação da declaração Modelo 22 de IRC, i. é, de que impendia sobre a Impugnante o dever declarativo. Nada foi dito ou comunicado a esta (…)», pelo que a citada conclusão fere a decisão a quo da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e) do art.º 2.º do CPPT.

xii. A decisão do Tribunal a quo de afastar a aplicação do disposto na alínea b), do n.º 2 do art.º 60.º da LGT, quanto à liquidação oficiosa em apreço nos presentes autos, constitui um erro de julgamento decorrente da incorreta interpretação do quadro normativo aplicável, no que concerne ao exercício do direito de audição prévia, antes da liquidação.
xiii. Salientamos que a dispensa de audição prévia antes da liquidação, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT, está condicionada à verificação de três pressupostos:
- A falta de apresentação de declaração do contribuinte;
- A notificação do contribuinte pela AT para que aquele proceda à entrega da declaração, no prazo concedido na notificação para o efeito;
- A não entrega de declaração pelo contribuinte dentro do prazo concedido na notificação para o efeito.
xiv. No âmbito da liquidação oficiosa de IRC, do período de 2013, os três pressupostos necessários para a dispensa de audição prévia estão reunidos, como comprova o ponto I) dos factos provados, conjugado com a fundamentação da decisão de Recurso Hierárquico vertida na Informação n.º ................ da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas junta aos autos, onde se extrai o seguinte: «Não tendo sido apresentada a declaração Modelo 22 do período de tributação de 2013 foi a liquidação processada oficiosamente pela Administração Tributária em 21/1/2015, nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, a qual recebeu o n.º ...................... (…)». – Cfr. fls. 54 do PA-RH.
xv. Havendo falta de apresentação de declaração de rendimentos por parte da Recorrida, a liquidação oficiosa foi efetuada tendo por base a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada, nos termos previstos na parte final da alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC.
xvi. O método legalmente previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC subsume-se no conceito de liquidação oficiosa efetuada «com base em valores objectivos previstos na lei», expresso na alínea b) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT.
xvii. Deste modo, quando a AT procede à emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, encontra-se dispensada de realizar audição prévia do sujeito passivo, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT.

xviii. A teleologia da dispensa de audição prévia antes da liquidação prevista nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT, prende-se com a intenção do legislador de, por um lado, sancionar a conduta omissiva do sujeito passivo decorrente da não apresentação de declaração de rendimentos depois de expressamente notificado para o fazer, e por outro lado, possibilitar a AT de emitir uma liquidação oficiosa, dentro dos limites previstos na alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, com base na informação disponível sobre a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada.
xix. O alcance da dispensa de audição prévia da Impugnante antes da emissão da liquidação oficiosa encontra ratio numa restrição legal ao direito de participação fundada no comportamento do sujeito passivo que, podendo exercer o seu direito de participação no procedimento de liquidação do imposto através da apresentação de declaração, escolhe prescindir de exercer o direito de participação nesse procedimento para se eximir ao cumprimento da obrigação declarativa.
xx. A Recorrida foi notificada da obrigação de entregar declaração de rendimentos independentemente de ter ou não exercido atividade no período de tributação (2013) relativamente ao qual foi notificada para apresentar declaração de rendimentos, sob pena de emissão de liquidação oficiosa.
xxi. A Recorrida foi também notificada da possibilidade de entregar uma declaração de rendimentos com inscrição do valor “zero” nos campos obrigatórios, no caso de considerar que não ter exercício atividade no decurso do período a declarar, pelo que o argumento de que não apresentou declaração de IRC, relativamente a 2013, por não ter exercido atividade nesse período, não pode vingar.
xxii. A dispensa de audição prévia prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT constitui uma limitação à participação da Recorrida que é resultante da lei, à qual a AT está absolutamente vinculada.
xxiii. A solução legislativa da dispensa de audição prévia prevista nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT afigura-se equilibrada porque apenas limita a participação do sujeito passivo, quando este notificado de modo expresso de que a falta de apresentação dessa declaração conduzirá à emissão de uma liquidação oficiosa, adota uma conduta intencionalmente omissiva no cumprimento da obrigação de declaração de rendimentos, manifestando de modo tácito que se desinteressou por participar no procedimento antes da emissão da liquidação oficiosa.

xxiv. Discordamos frontalmente com a conclusão vertida na decisão do Tribunal a quo de que «Nas circunstâncias concretas do caso justificava-se que a Impugnante tivesse sido informada e ouvida antes da liquidação, sendo lhe dada a oportunidade de participar na decisão. A Autoridade Tributária e Aduaneira estava obrigada a ouvir a Contribuinte antes de emitir a liquidação.» - Cfr. pág. 59 da Sentença recorrida, porque viola a ratio legis do disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 60.º da LGT.
xxv. A interpretação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, no sentido de que a AT não se encontrava dispensada de realizar a audição prévia à Recorrida, é violadora do conteúdo do preceito, por se verificarem todos os três pressupostos de que a norma faz depender a dispensa da audição prévia.
xxvi. Na sentença recorrida refere-se a adesão à solução jurídica adotada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 27-01-2012, no Processo n.º 00397/08.4BEPRT, todavia, salvo o devido respeito por melhor entendimento, a fundamentação jurídica do referido Acórdão, atentas as especificidades da situação concreta nele apreciado e as diferenças existentes relativamente ao contexto factual da liquidação oficiosa em apreço nos presentes autos, conduzirão a uma decisão de sentido contrário, de acordo com os fundamentos que enunciámos supra nos arts. 59.º a 68.º das alegações de recurso, para as quais remetemos.
xxvii. A decisão do Tribunal a quo peca também por erro de julgamento quanto à conclusão de que a liquidação oficiosa padece de falta de fundamentação, pelo que viola o disposto no n.º 2 do art.º 77.º da LGT e o entendimento jurisprudencial vertido, nomeadamente, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07-06-2017, no Processo n.º 0723/15.
xxviii. Considerando o teor da liquidação oficiosa notificada à Recorrida, bem como os atos de notificação para apresentação de declaração de rendimentos e de notificação do Relatório de Inspeção Tributária realizada relativamente a IRC do período de 2012, levados ao conhecimento da Recorrida, verifica-se que a liquidação oficiosa de IRC, respeitante ao período de 2013, contém uma fundamentação que, apesar de sumária, contém indicação expressa:
- Da alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC como disposição legal que sustenta a liquidação oficiosa;
- Da qualificação do facto tributário da obtenção de rendimentos tributados em IRC, no período de 2013;
- Da sua respetiva quantificação de acordo com o valor de matéria coletável do exercício mais próximo (2012);
- Das operações de apuramento da matéria tributável e do IRC devido.
xxix. Diante do exposto, a interpretação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC seguida na decisão recorrida é violadora do disposto no n.º 2 do art.º 77.º da LGT, na medida em que exige requisitos de fundamentação mais exigentes do que os que se encontram previstos na lei.
xxx. Em face do quadro normativo aplicável e do entendimento jurisprudencial quanto às exigências de fundamentação legalmente previstas para a liquidação oficiosa de IRC, quando não seja apresentada declaração pelo sujeito passivo, conclui-se que a liquidação oficiosa de IRC, relativa a 2013, com o n.º ...................... afigura-se fundamentada, impondo uma solução jurídica oposta àquela que resultou da decisão do Tribunal a quo, por inexistência de fundamento jurídico para anular a liquidação impugnada.

NESTES TERMOS, requer-se a V.as Ex.as que seja dado provimento ao Recurso, como é de JUSTIÇA.».

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A Recorrida, B..............................................., apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
«A. Inexiste fundamento para seja aditado aos factos provados que a ora Recorrida não apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa a 2013 na sequência de notificação efetuada pela AT para o efeito (cf. artigo 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).
B. A inexistência de uma declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC decorre da própria base legal utilizada pela Recorrente para emitir a liquidação oficiosa, o artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do CIRC (cf. alíneas j), k) e m) dos factos provados).
C. De igual modo, não há fundamento para que seja acrescentado aos factos provados que a ora Recorrida foi, em 15 de maio de 2014, notificada do relatório de uma inspeção tributária ao exercício de 2012 na qual foi apurado um lucro tributável de € 10.936.438,16 (cf. § 16.º das alegações).
D. O aditamento pretendido corresponde, em rigor, a uma tentativa de fundamentação sucessiva ou aposteriori do ato de liquidação contestado que é vedada pelo nosso ordenamento jurídico.
E. Resulta da factualidade provada que nem antes, nem no momento da emissão da liquidação oficiosa de IRC de 2013, da sua notificação ou aquando da passagem da certidão supra a AT informou a Recorrida da qualificação e quantificação dos factos tributários e das operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cf. artigo 77.º, n.º 2, da LGT e alíneas k) e m) dos factos provados).
F. Não tendo a AT cumprido o dever constitucional de fundamentação do ato no momento próprio, não pode fazê-lo a posteriori, que é, derradeiramente, o efeito pretendido com o aditamento do “facto” descrito no § 16.º das alegações à factualidade provada.
G. Ademais, seria descabido e atentatório de uma garantia constitucional dos particulares – o direito à fundamentação expressa e acessível consagrado no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição – colocar o particular na posição de ter de prever por conjeturas o concreto conteúdo de um ato tributário.
H. Não existe qualquer contradição entre a factualidade enunciada na alínea i) dos factos provados e as conclusões do Tribunal a quo que se possa reconduzir a uma nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
I. O documento – aviso – a que se refere a alínea i) dos factos provados não tem o alcance preconizado pela AT porque não permite, desde logo, esclarecer a concreta razão pela qual a AT entendia que a Recorrida, uma entidade sem sede nem direção efetiva em Portugal, estava obrigada a entregar a declaração Modelo 22 de IRC.
J. Este aviso da Direção de Serviços do IRC pressupõe a existência da obrigação declarativa sem identificar as concretas circunstâncias de facto e de direito em que a (suposta) obrigação assenta.
K. Por outro lado, o aviso em questão não é minimamente esclarecedor quanto à concreta forma de realização da liquidação oficiosa – e.g. se foi considerado o valor anual da retribuição mensal mínima garantida ou a matéria coletável do período mais próximo que se encontrasse apurada e, neste último caso, qual o período relevante.
L. Em face do exposto, não se pode imputar à sentença recorrida qualquer tipo de contradição entre aquilo que consta da alínea i) dos factos provados e as conclusões porque a falta de fundamentação do ato de liquidação oficiosa de IRC tem pleno suporte na factualidade provada e não impugnada, em especial, nas alíneas k) e m) dos factos provados.
M. A audição do contribuinte em momento anterior à liquidação do imposto constitui a regra, e não a exceção, no nosso ordenamento jurídico (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0822/15, de 26 de outubro de 2016).
N. O caráter oficioso da liquidação, por si só, não autoriza a dispensa da audição do contribuinte (cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 00040/04.0BEPNF, de 30 de outubro de 2014, n.º 00828/12.9BEAVR, de 26 de abril de 2018, e n.º 00779/13.0BEBRG, de 11 de outubro de 2017).
O. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nos Acórdãos n.º 0216/17, de 17 de maio de 2017, n.ºs 0270/17 e 0273/17, ambos de 5 de julho de 2017, n.º 01102/13, de 18 de junho de 2014, e n.º 0648/03, de 2 de julho de 2003, entre outros, “Apesar de poder ser censurável a omissão do contribuinte de declarar (…) o legislador não a sanciona com a retirada do seu direito de audição antes da liquidação, pelo que não pode a entidade liquidadora aplicar tal sanção por não prevista na lei” (destaque nosso).
P. Na situação sub judice não podia haver lugar à dispensa de audição prévia da ora Recorrida por aplicação do disposto no artigo 60.º, n.º 2, alínea b), da LGT.
Q. Em primeiro lugar, porque o comportamento da ora Recorrida perante a notificação da AT para apresentar a declaração Modelo 22 respeitante a 2013 não evidencia dolo ou negligência ou uma manifestação de desinteresse em participar dos procedimentos tendentes à definição da sua situação tributária.
R. Muito pelo contrário, já que após receber a notificação identificada na alínea i) dos factos provados a ora Requerida apresentou perante aquele serviço, em 9 de dezembro de 2014, um requerimento escrito no qual expôs as razões de facto e de direito pelas quais entendia não ter a obrigação de entregar uma declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC em relação a 2013 (cf. Doc. 14 junto à petição inicial).
S. A Recorrida não omitiu, pois, de forma deliberada ou por incúria a entrega da declaração de rendimentos relativa a 2013, ou seja, não se manteve dolosa ou negligentemente passiva diante da interpelação da AT, antes expôs os concretos motivos pelos quais não estava obrigada à entrega daquela declaração.
T. Contra esta conclusão não colhe a alegação da Recorrente que a liquidação oficiosa assentou em “valores objetivos previstos na lei”, antes de mais, porque, conforme a jurisprudência acima citada, a natureza oficiosa da liquidação não é suficiente para dispensar a audição do contribuinte.
U. Depois, porque, como acima foi explicado em detalhe e está demonstrado nos autos, a revelação que a liquidação oficiosa do ano de 2013 teve – aparentemente – como referência a matéria coletável fixada para o exercício anterior (2012) só surgiu num momento ulterior à emissão e notificação do ato (cf. alíneas k) e m) dos factos provados).
V. Em segundo lugar, o facto de a lei determinar que na falta de declaração a liquidação oficiosa deve ser efetuada até determinada data com base num certo valor de referência não significa que o sujeito passivo não possa de todo conformar o seu conteúdo.
W. A própria natureza provisória destas liquidações contraria a irrelevância da participação do sujeito passivo na modelação do seu conteúdo.
X. Conforme o citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01102/13, de 18 de junho de 2014, que remete para o Acórdão n.º 0648/03, “não colhe o argumento de que, tendo a AT procedido às liquidações impugnadas com base na totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada, como lhe impõe a lei, a audição do contribuinte em nada as pode alterar (…) Se é verdade que o ato sempre teria de ser praticado, por força da lei, nada permite afirmar que o mesmo seria o seu conteúdo se tivesse havido lugar à audição da recorrida″”.
Y. No caso concreto, perante a controvérsia quanto ao dever declarativo – fundamento da liquidação oficiosa – e as dúvidas quanto ao critério de quantificação da matéria tributável e do imposto, é incorreto afirmar que a audição da Recorrida teria sido completamente irrelevante na conformação do conteúdo da liquidação.
Z. De facto, ao emitir uma liquidação de IRC com base em elementos que foram recolhidos pela própria AT e sobre os quais a Recorrida não teve oportunidade de se pronunciar em sede própria, é descabido utilizar a doutrina do “aproveitamento do ato” para neutralizar os efeitos da omissão desta formalidade essencial.
AA. Por outro lado, como bem concluiu a sentença recorrida, é manifesto que o ato de liquidação em crise não foi devidamente fundamentado.
BB. A notificação que acompanha a demonstração de liquidação, assim como a certidão emitida a pedido da ora Recorrida, omitem completamente a qualificação e quantificação dos factos tributários relevantes, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto (cf. artigo 77.º, n.º 2, da LGT).
CC. E que não se tente contornar as evidências com o argumento que a matéria coletável de 2013 é a mesma de 2012 e que, aquando da receção da liquidação oficiosa relativa a 2013, a Recorrida já fora notificada do relatório da inspeção a 2012, o que constitui uma tentativa de fundamentação sucessiva ou a posteriori do ato tributário que é proibida por lei.
DD. Em face do exposto, não há qualquer reparo a fazer ao decidido em primeira instância quanto à ausência de fundamentação da liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2013 que constitui objeto da lide.
II. Pedido subsidiário de ampliação do objeto do recurso
EE. Não se pode exorbitar de um simples registo de IVA, necessário para dar cumprimento às obrigações declarativas e de entrega de imposto (quando aplicável) num território diverso do da residência, para a existência de um estabelecimento estável.
FF. Foi o próprio legislador europeu a precaver esta hipótese no artigo 11.º, n.º 3, do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, de 15 de março de 2011, de acordo com o qual “O facto de dispor de um número de identificação IVA não é em si mesmo suficiente para se considerar que o sujeito passivo dispõe de um estabelecimento estável”.
GG. A própria AT não ignora a ilegalidade da prática de equiparar um registo de IVA a um estabelecimento estável, conforme as informações vinculativas melhor identificadas nos artigos 111.º, 113.º e 114.º da petição inicial.
HH. A demonstração do preenchimento de todos os critérios de um estabelecimento estável, seja qual for a forma que reveste, compete à AT por se tratar de um facto constitutivo do seu direito de tributar, conforme a regra geral em matéria de ónus da prova no direito fiscal do artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
II. Este ónus probatório não pode, contudo, considerar-se satisfeito com a referência ao clausulado dos contratos de comissão e de distribuição sem a necessária análise às relações comerciais real ou efetivamente existentes.
JJ. Estar-se-á, neste caso, a sujeitar a tributação com base em meros indícios, o que não se compagina com o princípio da legalidade tributária, ou a considerar – erradamente – que as situações descritas nos n.ºs 2, 3, 5 e 6, do artigo 5.º, da Convenção Modelo constituem presunções de estabelecimentos estáveis, o que representaria uma subversão do conceito e inverteria – também incorretamente – as regras de distribuição do ónus da prova.
KK. Seja como for, não se pode entender que existe (ou existia) um estabelecimento estável da Recorrida em Portugal quando inexiste (ou inexistia) qualquer relação, jurídica ou comercial, dos clientes finais com a Recorrida.
LL. Mesmo que no caso concreto se possa argumentar – mas sem conceder – que existia uma certa dependência económica do agente (B......................) em relação à empresa (Recorrida), seria em si mesma – ou seja, isoladamente de outros fatores relevantes – insuficiente para caracterizar um agente dependente.
MM. É que não há nenhuma demonstração, no plano dos factos, de que em algum momento a Recorrida efetivamente instruiu a B...................... de tal modo que a margem de liberdade desta na condução da venda dos fármacos foi comprimida a ponto de ser ínfima ou até inexistente (cf. § 38 dos Comentários ao artigo 5.º da Convenção Modelo).
NN. In casu as “instruções detalhadas” diziam respeito, no essencial, às vendas, pelo que a B...................... gozava de liberdade de gestão, podia selecionar e contratar colaboradores e fornecedores sem aprovação da empresa, e elaborar contratos em nome próprio no gozo da mais plena autonomia privada.
OO. Ora, se numa situação em que a empresa não residente controla a seleção das matérias-primas, todo o processo de produção, os tempos de fabrico e entrega, o inventário e a logística – caso subjacente à ficha doutrinária emitida no processo n.º ......................, sancionada por despacho da Diretora-Geral da AT de 30 de março de 2017 – a AT considerou que ainda havia uma margem de liberdade do agente que lhe conferia independência, a mesma solução se impunha para a hipótese – caso sub judice – em que as únicas instruções da empresa dizem respeito à venda dos produtos.
PP. Não se explica de onde emerge, em concreto, a pretensa “vinculação significativa e acrescida” da Recorrida em relação aos atos e negócios praticados pela B.......................
QQ. Parece haver aqui uma confusão entre dois planos ou requisitos, o da (i) independência e o dos (ii) poderes para celebrar contratos em nome da empresa, tendo o julgador utilizado indícios relevantes para o primeiro para dar o segundo por confirmado.
RR. Não há prova de que a B...................... tinha a obrigação (contratual ou não) de informar a Recorrida de todo e qualquer negócio celebrado em nome próprio – como eram todos, sublinha-se.
SS. Tinha o dever de informar apenas o volume da sua atividade e os termos e condições acordados com os compradores (cf. cláusulas 3.4 e 6.1 do contrato de comissão, alínea g) dos factos provados).
TT. Relativamente à cláusula 6.2 do contrato de comissão, não significa que era exigido à B...................... que solicitasse uma autorização prévia à Recorrida para cobrar o preço dos fármacos que vendia em seu próprio nome aos clientes finais.
UU. De resto, não se demonstra, nem mesmo de forma indiciária, que a B...................... tenha alguma vez celebrado contratos, em especial de venda dos fármacos, em nome – na aceção literal do termo – da empresa não residente.
VV. Na realidade, toda a análise da AT evidencia a omissão ou, pelo menos, uma apreciação distorcida da “situação comercial efetiva” (cf. § 33 dos Comentários ao artigo 5.º da Convenção Modelo), na medida em que olhou apenas ao clausulado do contrato para daí retirar ilações sem o indispensável suporte de factos concretos.
WW. No plano internacional, tanto o Conseil d'État francês, em decisão datada de 31 de março de 2010 (“caso Zimmer”), como o Supremo Tribunal da Noruega na decisão proferida em 2 de dezembro de 2011, no processo n.º 2011/755 (“caso Dell”), concluíram que o comissário/agente só poderia constituir um estabelecimento estável se contratualmente pudesse vincular o comitente.
XX. Assim decidiram, em primeiro lugar, porque as expressões “atue por conta de uma empresa” e “tenha, e habitualmente exerça, num Estado Contratante poderes para concluir contratos em nome da empresa” sugerem que os contratos celebrados pelo comissário devem ser legalmente vinculativos para o comitente.
YY. Em segundo lugar, porque o § 32.1 dos Comentários ao artigo 5.º da Convenção Modelo foi introduzido sob a perspetiva do sistema de common law ou de matriz anglo-saxónica, o qual não releva para os sistemas de matriz continental – tal como o nosso.
ZZ. O Supremo Tribunal da Noruega teve ainda em conta que a adoção de uma perspetiva diversa da legalista ou formalista – como a do Mmo. Juiz a quo – poderia introduzir dificuldades práticas e técnicas e a incerteza na aplicação de um critério uniforme a outros acordos da mesma natureza.
AAA. Na mesma linha foi a Corte Suprema di Cassazione italiana na decisão proferida em 9 de março de 2012 no processo n.º 3769 (Boston Scientific International BV), que afastou abordagem “substancialista” preconizada pela AT no caso sub judice porque o suposto agente atuava em nome próprio e não vinculava a empresa não residente (comitente) perante os clientes finais.
BBB. A orientação dos tribunais estrangeiros nestes casos é transponível para o presente na medida em que, entre nós, tal como em França, na Noruega e em Itália, a representação não assume a natureza unitária que tem no sistema de common law, em que o mandante/comitente sempre se considera vinculado, independentemente de o mandatário/comissário celebrar contratos em nome próprio ou não.
CCC. Entre nós, se um agente/comissário não tem, contratualmente, poderes para vincular o comitente perante terceiros, o intérprete não pode socorrer-se de elementos externos – como sejam o nível de dependência do agente em relação à empresa – para daí retirar uma vinculação jurídica do comitente cuja existência o contrato exclui (cf. cláusulas 2.1 e 2.2 do contrato de comissão, alínea g) dos factos provados).
DDD. Ainda que se considerasse existir estabelecimento estável, segundo o disposto nos artigos 7.º da CDT e 55.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, alínea c), 17.º, 20.º e 23.º do CIRC todos os custos imputáveis ao mesmo deveriam ser tidos em conta no apuramento do respetivo lucro sujeito a tributação.
EEE. Todavia, no caso concreto a AT não tratou o agente como uma entidade separada da empresa não residente, regra que se aplica aos estabelecimentos estáveis pessoais ou agentes dependentes, nem alguma vez procurou quantificar o lucro a imputar ao mesmo com base na remuneração, nos ativos, nas funções e nos riscos (cf. § 228 e 230 e seguintes do 2010 Report on the Attribution of Profits to Permanent Establishments – 22 July 2010, OCDE, Paris, 2010).
FFF. É que não existe qualquer presunção de que o agente dependente tenha lucros que lhe possam ser imputáveis, pois da análise funcional e factual pode resultar que o montante a atribuir-lhe é insignificante, nulo ou até mesmo negativo.
GGG. Não podia a AT ter-se limitado, no cálculo do rendimento alocável ao pretenso estabelecimento estável, a considerar os valores constantes das declarações periódicas de IVA.
HHH. Até porque não seria, de facto, minimamente crível que o suposto agente dependente – neste caso, sob a forma societária – não tivesse qualquer gasto para manter-se em funcionamento para além dos que foram comtemplados pela AT nos seus cálculos (cf. Doc. 5 junto à petição inicial do processo de impugnação judicial n.º 2636/16.9BELRS)
III. A consideração destas despesas, porque interfere diretamente com o cálculo da matéria coletável efetuado pela administração tributária, insere-se no direito desta de tributar, pelo que não cabia à Recorrente, uma entidade não residente sem instalação fixa em Portugal, comprovar a sua existência e montante (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT, artigo 7.º, n.º 3, da CDT Portugal-Suíça e artigo 55.º, n.º 2, do CIRC).
JJJ. Violou a AT não só a regra do ónus da prova como o princípio do inquisitório, porquanto no cômputo das despesas só teve em consideração, mesmo dispondo de meios para uma apreciação mais precisa da realidade, a informação fornecida pelo registo de IVA (cf. artigo 58.º da LGT).
KKK. O resultado da atuação da AT – abstraindo da qualificação do estabelecimento estável, que se repudia – é o apuramento de um lucro tributável imputável ao agente dependente completamente afastado da realidade, o que inquina as liquidações (cf. artigo 99.º, alínea a), do CPPT).
LLL. Adicionalmente, a desconsideração dos custos implica a violação do princípio da não discriminação, consagrado no artigo 24.º, n.º 3, da CDT, porquanto a AT impôs ao pretenso estabelecimento estável uma tributação mais gravosa do que aquela que, nas mesmas condições, teria sido aplicada a uma sociedade residente em Portugal que conduzisse atividade idêntica.
MMM. Acresce que se a AT não dispunha de elementos suficientes quanto aos gastos para determinar o lucro tributável do estabelecimento estável da Recorrida que deteta na atividade da B......................, deveria ter utilizado métodos indiretos, tal como se dispõe nos artigos 87.º, n.º 1, alínea b), 88.º, alínea a), e 90.º da LGT (cf. decisão arbitral do processo n.º 84/2013-T, de 31 de outubro de 2013).
NNN. A falta de utilização de métodos indiretos no apuramento do lucro tributável imputável ao pretenso estabelecimento estável e que viria a dar origem à liquidação impugnada implica que tal ato esteja ferido de vício de violação de lei por errónea – aliás, grosseira – determinação da matéria tributável.
OOO. Ademais, se o agente/comissário é remunerado de acordo com o princípio da plena concorrência, o que in casu não é questionado, nenhum lucro adicional lhe pode ser alocado para efeitos de tributação em território nacional (cf., a este respeito, a decisão do Supremo Tribunal da Índia no caso Director of Income Tax (DIT) Mumbai v. Morgan Stanley & Co. INC., de 9 de julho de 2007).
*****
Termos em que o recurso interposto pela Fazenda Pública deve ser julgado totalmente improcedente, por não provado, com a consequente manutenção integral da sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial e determinou a anulação dos atos tributários impugnados.

Caso o recurso interposto pela AT seja julgado procedente, o que só se admite por mera cautela e sem conceder, deve haver lugar à ampliação do seu objeto, nos termos previstos no artigo 636.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, e, a final, ser proferida decisão que conceda integral provimento à impugnação judicial e, em consequência, determine a anulação da decisão do recurso hierárquico, a anulação da liquidação oficiosa de IRC n.º ......................, referente ao exercício de 2013, e a indemnização pela prestação de garantia indevida no processo de execução fiscal n.º ......................, concluindo-se como na petição inicial.».
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso apresentado pela Fazenda Pública, improcedendo a ampliação do recurso formulada em contra-alegações.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
- se a sentença recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 615.° n.º 1 alínea c) do CPC;
- se a matéria de facto deve ser ampliada, caso a Recorrente tenha cumprido os ónus impostos pelo artigo 640.º do CPC;
- se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento decorrente da incorrecta interpretação do disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 60.º da LGT;
- se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter decidido pela falta de fundamentação da liquidação;
- procedendo tais fundamentos, importa conhecer as questões apontadas na ampliação do objecto do recurso.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) A Impugnante é uma sociedade comercial de direito suíço que se insere no Grupo B................. (Grupo B.................), que se dedica ao desenvolvimento, fabrico e comercialização de terapêuticas, com vista ao tratamento de doenças neurodegenerativas, hemofilia e doenças autoimunes (cf. artigos 1º e 2º da pi e artigos 1º e 2º da contestação);
B) A Impugnante detém os direitos de comercialização e distribuição dos medicamentos T................. e A................. (cf. artigo 6º da pi e artigo 5º da contestação)
C) A Impugnante encontra-se coletada em Portugal, desde 2009.01.01, para o exercício de atividade com CAE 047730 – Comércio a retalho de produtos farmacêuticos, estando enquadrada para efeitos de IVA no regime normal mensal e para efeitos de IR, no regime normal (cf. artigo 3º da contestação - fls. 106 a 113 do PA-RG)
D) Em Portugal, o Grupo B................. atua através da sociedade B.........................................................., Lda. (B......................), pessoa coletiva n.º .................. e com sede na Avenida .................., nº …, …º Esq., em Lisboa, integralmente detida pela sociedade de direito norte-americano B.................................... (cf. artigo 3º da pi e artigos 1º e 4º da contestação);
E) A B...................... dedica-se ao registo e comercialização de medicamentos e produtos sanitários, matérias-primas, produtos intermédios e preparados relacionados com os mesmos, promoções de ensaios clínicos de qualquer tipo e de outras atividades de investigação, estudo e desenvolvimento dos referidos produtos (cf. artigo 4º da pi);
F) No exercício de 2013, a B...................... comercializou e distribuiu em Portugal, os fármacos T................. e A.................. (cf. artigo 5º da pi e artigo 5º da contestação);
G) Por meio de cessão de posição contratual outorgado em 2008.12.17, com a B...................................., a Impugnante aceitou todos os direitos, obrigações e responsabilidades, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009, decorrentes do Contrato de Comissionamento celebrado com a B......................, documento junto pela Impugnante sob o nº 2, anexo 3, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve:
a. (…);
b. Considerando que o COMISSIONISTA deseja comercializar os Produtos do COMITENTE no Território de modo a concentrar os esforços do COMISSIONISTA nas vendas e comercialização dos Produtos por conta e risco do COMITENTE, e de modo a minimizar qualquer investimento de capital relacionado que fosse atribuído ao COMISSIONISTA agindo em seu próprio nome; e

c. Considerando que o COMITENTE deseja aproveitar o pessoal, as instalações e a experiência do COMISSIONISTA para fins de comercialização dos Produtos do COMITENTE no território e está preparado para assumir os riscos económicos das vendas e atividades comerciais do COMISSIONISTA; (…)

d. 2.1 Nomeação. O COMISSIONISTA atuará como comissionista para o COMITENTE no Território. O COMISSIONISTA venderá os Produtos no Território em seu próprio nome (sem divulgar o seu estatuto de comissionista do COMITENTE) mas por conta e risco económico do COMITENTE.

e. 2.2 Relação entre as Partes. O COMISSIONISTA atuará como contratante independente do COMITENTE ao abrigo das disposições do presente Contrato e não como representante legal do COMITENTE para qualquer fim que seja. (…) O COMISSIONISTA não tem o direito nem a autoridade para assumir ou criar qualquer obrigação de qualquer tipo, expressa ou implícita, em nome do COMITENTE perante clientes do COMISSIONISTA ou perante Terceiros e/ou para renunciar a qualquer direito, interesse ou reivindicação que o COMITENTE possa ter contra Terceiros.

f. 2.3 Não-Exclusividade. A relação entre o COMITENTE e o COMISSIONISTA não será exclusiva e nada no presente Contrato limitará o direito do COMITENTE a nomear outros comissionistas (…).

g. 2.4 Autoridade. O COMISSIONISTA tem autorização para realizar por conta do COMITENTE, e risco económico do COMITENTE, todas as ações razoavelmente necessárias e adequadas para implementar as suas obrigações ao abrigo do presente Contrato sem obter a aprovação prévia do COMITENTE, exceto quando for expressamente solicitado. O COMITENTE reserva-se o direito de limitar a autoridade e os poderes do COMISSIONISTA ao abrigo do presente Contrato. O COMISSIONISTA notificará o COMITENTE antes de celebrar quaisquer acordos com Terceiros para solicitar encomendas ou inquéritos ou para atuar de qualquer outro modo como representante de fabrico, comissionista, distribuidor ou representante de vendas para outro produto farmacêutico.”

h. Quanto aos “Deveres do Comissionista”:

i. “3.1 Conduta Geral. O COMISSIONISTA envidará todos os esforços para comercializar os Produtos no Território e para desenvolver o potencial total de vendas dos Produtos no Território. O COMISSIONISTA concorda que seguirá em todos os momentos as instruções do COMITENTE em relação à venda dos Produtos. (…).

j. 3.2 Inventário. O COMISSIONISTA manterá um estoque dos Produtos que sejam necessários no Território; DESDE QUE, CONTUDO, o COMISSIONISTA possa a seu critério devolver quaisquer quantidades não vendidas dos Produtos ao COMITENTE. O COMISSIONISTA segurará os Produtos em benefício e às custas do COMITENTE contra incêndios, roubos e danos contra terceiros. O COMISSIONISTA não será responsável por qualquer perda ou dano dos Produtos a seu cargo, (…).

k. 3.3 Direitos aos Produtos. O COMISSIONISTA reconhece que o COMITENTE mantém todos os direitos, posse e interesses sobre os Direitos de Propriedade Intelectual. O direito legal aos Produtos e à documentação e a outros materiais corpóreos que façam parte dos Produtos continuará a pertencer ao COMITENTE até que o COMISSIONISTA, no cumprimento dos contratos de venda entre o COMISSIONISTA e os seus clientes leve a que esse direito seja diretamente transferido do COMITENTE para tais clientes.

l. 3.4 Relatório de Informação. O COMISSIONISTA fornecerá ao COMITENTE informações e dados estatísticos relativos às vendas e comercialização dos Produtos, incluindo informações relativas aos compradores dos Produtos, conforme possa ser razoavelmente solicitado pelo COMITENTE de tempos a tempos. (…)

m. 3.6 Controlo de Qualidade e Armazenamento. O COMITENTE mandará transportar e descarregar os Produtos no armazém do COMISSIONISTA no Território ou noutro local que o COMISSIONISTA indicar. O COMISSIONISTA ou o seu agente armazenará e transportará os Produtos de acordo com os procedimentos escritos do COMITENTE (…).”.

n. Relativamente à “Venda de Produtos pelo Comissionista”:

o. 5.l Transações Permitidas. O COMISSIONISTA celebrará e cumprirá as suas obrigações relativas a contratos de vendas celebrados com Terceiros em seu próprio nome mas por conta do COMITENTE apenas. O COMISSIONISTA não está autorizado a comprar qualquer um dos Produtos por sua própria conta sem a aprovação prévia por escrito do COMITENTE.

p. 5.2 Preços e Taxas. Os preços de venda dos Produtos (na medida em que não forem determinados pelas autoridades relevantes no Território) serão enumerados na lista de preços do COMITENTE para o Território (…).

q. 5.3 Garantias. (…) O COMITENTE indemnizará e exonerará o COMISSIONISTA de responsabilidade contra quaisquer danos e perdas resultantes da não-conformidade dos Produtos com a garantia padrão do COMITENTE para os Produtos no Território.”

r. No que concerne às “Receitas e Compensação do Comissionista”:

s. “6.1 Notificação. (…) o COMISSIONISTA deverá informar o COMITENTE sobre os termos e condições acordados com o comprador.

t. 6.2 Cedência e Autoridade para Cobrar. O COMISSIONISTA cederá, caso o COMITENTE o solicite previamente, ao COMITENTE toda e qualquer reivindicação resultante das vendas de Produtos por parte do COMISSIONISTA a Terceiros nos termos do presente Contrato. O COMITENTE aceita tal cedência e autoriza e concede poderes ao COMISSIONISTA para cobrar todas as receitas de vendas aos compradores dos Produtos em nome do COMISSIONISTA, mas por conta do COMITENTE.

u. 6.3 Remessas de fundos e Não Assunção de Riscos de Pagamento. (…), o COMISSIONISTA deverá enviar para uma conta bancária designada pelo COMITENTE as receitas das vendas dos Produtos que o COMISSIONISTA tiver recebido durante tal período, na moeda acordada entre o COMISSIONISTA e os compradores dos Produtos líquida da compensação do COMISSIONISTA para tal período (…). As despesas bancárias incorridas para receber e remeter as receitas de vendas dos Produtos serão suportadas pelo COMITENTE.

v. 6.4 Compensação do COMISSIONISTA.

w. 6.4.1 Reembolso.

x. (a) O COMISSIONISTA será reembolsado pelo armazenamento de inventário, seguros e outras despesas de manutenção, direta ou indiretamente incorridos, ao custo e sem margem de lucro.

y. (b) Os custos comerciais de Terceiros (…).

z. (c) As dívidas incobráveis incorridas e os custos de cobrança que lhe estão associados serão reembolsados pelo COMITENTE ao custo e sem margem de lucro. (…)

aa. 6.4.2 Taxa de Comissão. Em troca do cumprimento dos deveres por parte do COMISSIONISTA ao abrigo do presente Contrato, o COMITENTE pagará ao COMISSIONISTA uma Comissão (…).

i. [DOCUMENTO A A.................® (lnterferão beta l-a) - PRODUTO A

ii. (…)

iii. Comissão Aplicável:

iv. Em troca do cumprimento dos deveres por parte do COMISSIONISTA ao abrigo do presente Contrato, o COMITENTE pagará ao COMISSIONISTA num prazo de trinta (30) dias de cada mês civil uma Comissão determinada como a maior de:

v. (i) uma taxa de retenção igual aos custos e despesas incorridos pelo COMISSIONISTA no cumprimento dos seus deveres aqui expostos (excluindo os custos reembolsados em separado nos termos da subsecção 6.4.1 acima) mais 5% ou

vi. (ii) uma comissão variável (percentagem de Vendas Líquidas) baseada nas vendas dos Produtos no Território (…).]

bb.(…)

cc. 6.4.5 Taxas e Encargos. O COMITENTE suportará todas as taxas não recuperáveis federais, estatais, municipais e outras (…) e todos os direitos aduaneiros, impostos e encargos semelhantes que possam ser tributáveis ou relacionados com os Produtos no Território.

dd. 6.4.6 Períodos contabilísticos e Especificação de Itens. O COMISSIONISTA deverá apresentar contas ao Comitente numa base mensal (…).”

ee. Relativamente à “Colaboração com o Comitente”:

ff. “7. (…) Mediante uma notificação razoável, o COMISSIONISTA concederá acesso ao COMITENTE a quaisquer instalações do COMISSIONISTA durante as horas normais de atividade para que o COMITENTE, às suas custas, possa inspecionar a contabilidade e as instalações do COMISSIONISTA e verificar o cumprimento das obrigações por parte COMISSIONISTA (…).”

gg. Em relação a indemnizações:

hh. “10.1 Indemnização. O COMITENTE defenderá o COMISSIONISTA de e contra qualquer ação por parte de Terceiros na medida em que esta se baseie numa reivindicação de que as vendas e a comercialização dos Produtos no Território de acordo com as disposições do presente Contrato infringem a patente, os direitos de autor, a marca comercial, o sigilo comercial ou outros direitos de propriedade desse Terceiro e pagará quaisquer custos e danos atribuídos por fim contra o COMISSIONISTA (…).

H) Através do mesmo acordo de cessão de posição contratual supra referido, a Impugnante aceitou todos os direitos, obrigações e responsabilidades, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2009, decorrentes do “Contrato de Distribuição” celebrado com a B......................, documento nº 2 junto com a pi, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se transcreve:
a. (…);

b. “3.1 Geral

c. O DISTRIBUIDOR envidará todos os esforços para promover, criar uma procura e vender de modo ativo e eficaz os Produtos no Território. (…).´

d. 3.3 Marketing

e. De um modo geral, todos os custos relacionados com a promoção dos Produtos no Território serão pagos pelo DISTRIBUIDOR, sujeitos a reembolso por parte da SOCIEDADE nos termos das disposições do artigo 4.2.2 abaixo.”

f. Relativamente aos “Termos e Condições de Fornecimento”:

g. 4.2.1 Os Produtos serão vendidos pela SOCIEDADE ao DISTRIBUIDOR aos preços e nos termos e condições (moeda, etc.) estabelecidos no Anexo A do presente Contrato, de acordo com as modificações que as partes possam ocasionalmente fazer ao Anexo, durante a vigência do presente Contrato.

h. (…)

i. Para compensar o DISTRIBUIDOR como distribuidor de risco limitado, a SOCIEDADE estabelecerá preços de transferência iniciais para cada produto a vender no Território, no início de cada ano. (…)

j. Na medida em que o DISTRIBUIDOR incorra em custos significativos num ano anterior à venda de qualquer produto (custos de lançamento), a SOCIEDADE compensará o DISTRIBUIDOR por meio de um reembolso de custos incluídos, de 110% de todos os custos operacionais. Assim que o DISTRIBUIDOR registar receitas de produto numa base GAAP, todos os custos relacionados com as vendas, comercialização e distribuição, (diretos e indiretos) serão tidos em conta para determinar a margem operacional competitiva adequada sobre as vendas, previstas a 5%, e não se realizarão novamente custos separados nem serão reembolsos de custos de lançamento. (…).

k. Na medida em que o DISTRIBUIDOR forneça outros serviços significativos em nome da SOCIEDADE, ou uma das suas filiais, não relacionados com os esforços de vendas, comercialização ou distribuição do Distribuidor, e estes constituam uma função separada, o DISTRIBUIDOR terá um cuidado razoável em separar as despesas operacionais associadas a esses serviços das despesas que possam ser atribuídas ao seu desempenho das funções específicas para a compra e revenda de Produtos. (…) Os pagamentos a terceiros refletidos na contabilidade do DISTRIBUIDOR serão da responsabilidade da SOCIEDADE e serão reembolsados pela SOCIEDADE.

l. 4.3 Riscos Assumidos pelo DISTRIBUIDOR

m. As partes reconhecem a mútua intenção de tratar o DISTRIBUIDOR como um distribuidor de risco limitado pelo que a SOCIEDADE assumiria os riscos empresariais associados à distribuição venda e comercialização de produtos fornecidos pela SOCIEDADE no Território. (…).

n. A respeito da “Relação entre as Partes - Contratante Independente”:

o. Em todos os momentos e durante a vigência do presente Contrato, o DISTRIBUIDOR atuará como contratante independente e nem a execução do presente Contrato, nem o cumprimento de qualquer uma das disposições do mesmo deverá ser interpretado como constituindo o DISTRIBUIDOR como agente ou representante legal da SOCIEDADE; nem se deverá considerar que o presente Contrato estabelece uma joint venture ou uma parceria; nem o presente Contrato deverá conceder ao DISTRIBUIDOR a autoridade para celebrar qualquer contrato ou para tomar qualquer decisão em nome ou por conta da SOCIEDADE. O DISTRIBUIDOR não se apresentará implícita ou expressamente como agente ou representante da SOCIEDADE ou do Fornecedor. Cada compra de Produtos por parte do DISTRIBUIDOR nos termos do presente Contrato, ou qualquer relação resultante da mesma, cada venda de Produtos feita pelo DISTRIBUIDOR e cada contrato ou compromisso efetuados pelo DISTRIBUIDOR a qualquer pessoa, firma ou empresa em relação ao presente contrato será feita pelo DISTRIBUIDOR por sua própria conta como comitente. (…)”

I) Por carta datada de 2014.11.18, foi enviado à Impugnante ofício IRC – Declaração de Rendimentos Modelo 22, doc. nº 13 junto com a pi, que aqui se dá como integralmente reproduzido, informando não ter sido recebida a declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2013, até 2014.05.30 e que caso não seja apresentada declaração em falta no prazo de 15 dias, se iria proceder à emissão de liquidação oficiosa, nos termos do artigo 90/1.b) CIRC;
J) Em 2014.11.17, foi enviado através de correio eletrónico (e-mail), para o endereço s…...f….@b..................com, mensagem a informar não ter sido registado no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira a declaração de rendimentos modelo 22 (cf. fls. 45 a 46 do PA-RH);
K) Em 2015.01.23, foi emitida a liquidação de IRC nº ......................, do período de 2013, constante de fls. 50 do PA-RG, e que aqui se dá como integralmente reproduzida, no montante de € 2 768 941,54 e data limite de pagamento de 2015.03.09;
L) Em 2015.03.09, a Impugnante solicitou a notificação da fundamentação do ato de liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 37/1.3 CPPT (cf. fls. 85 do PA-RG);
M) Em 2015.03.24, pelo Serviço de Finanças de Lisboa-…, foi emitida certidão constante de fls. 87 do PA-RG, que aqui se dá como integralmente reproduzida e da qual se transcreve:
a. (…);

b. Certifico (…) que os atos praticados no procedimento relativo à liquidação nº .................. – IRC 2013, de 2015.01.21, respeitante ao sujeito passivo B............................................... (…) tem como fundamento o artigo 90º, nº 1 alínea b) do CIRC, conjugado com o artigo 59º, nº 7 do CPPT;

c. (…);

N) Em 2015.06.06, no Serviço de Finanças de Lisboa-…, deu entrada reclamação graciosa contra a liquidação de IRC nº .................., do período de 2013, constante de fls. 4 a 47 do PA-RG, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
O) Por despacho de 2015.11.24, do Diretor de Finanças Adjunto em regime de substituição, constante de fls. 149 do PA-RG, que aqui se dá como integralmente reproduzido, exarado na informação de 2015.11.16 da Divisão de Justiça Administrativa, foi elaborado projeto de despacho de indeferimento da reclamação e ordenada a notificação da Impugnante para exercer o direito de audição prévia; deste transcreve-se:
a. Concordo, pelo que com os fundamentos constantes da presente informação e respetivo parecer, considero o pedido em apreço é de indeferir nos termos propostos;
b. Notifique-se para o exercício do direito de audição prévia nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 60º da LGT;
c. (…);
P) Da informação de 2015.11.16 da Divisão de Justiça Administrativa, identificada na alínea anterior e constante de fls. 149 a 154 do PA-RG, transcreve-se:
a. (…);
b. IV. 3 - Estabelecimento estável

c. IV.3.1 - Em território nacional, a reclamante adquire produtos à Alemanha (aquisições intracomunitárias) e posteriormente cede à B......................;

d. IV.3.2 - A atividade da B...................... carateriza-se pelas operações de mercado interno, ou seja, adquire produtos à reclamante e vende esses produtos a unidades públicas e privadas estabelecidas em Portugal;

e. IV.3.3 - A B......................, fatura os produtos em seu nome às diversas unidades hospitalares e posteriormente, fatura as comissões e /ou encargos à entidade fornecedora - reclamante;

f. IV.3.4 - Relativamente aos descontos comerciais concedidos pela B...................... aos seus clientes, os mesmos são posteriormente reembolsados / creditados pela reclamante;

g. IV.3.5 – Verifica-se assim, que a B................. Suíça atua em território português através de contratos comissionistas e de distribuição com a B......................, assumindo os riscos dessa atividade;

h. (…);

i. IV.3.8 – Ora, no caso em apreço, a reclamante exerce em Portugal a sua atividade por intermédio de um comissionista (B......................) sem que esse comissionista assuma os riscos da atividade, considerando-se a existência de estabelecimento estável para efeitos de tributação em sede de IRC;

j. IV.3.9 – A existência de estabelecimento estável não quer dizer que exista instalação fixa;

k. No presente caso, a B................. Suíça atua em território português através de um comissionista, utilizando a estrutura material e humana desse comissionista – B......................, tal como se pode aferir pela leitura dos contratos de distribuição e comissionamento;

l. IV.3.10 – No contrato de comissionamento verifica-se que a B...................... atua em nome próprio, mas por conta e rico da reclamante, seguindo as suas instruções p.e. preços de venda e descontos concedidos – cláusula 5 do contrato de comissionamento;

m. IV.3.11 – A B...................... é ainda reembolsada pelos gastos incorridos p.e. armazenamento, seguros e outros gastos de manutenção, bem como dívidas incobráveis – cláusula 6.4 do contrato de comissionamento;

n. IV.3.12 – Quanto ao contrato de distribuição, a própria B................. Suíça, assume desde logo que a B...................... é um distribuidor de risco limitado, em que a reclamante assume os riscos associados à distribuição, venda e comercialização de produtos por si fornecidos – cláusula 4.3 do contrato de distribuição;

o. IV.4 – Apuramento do lucro tributável

p. IV.4.1 – Estamos na presença de uma entidade sem sede nem direção efetiva em Portugal, esta está sujeita a IRC quanto aos rendimentos aqui obtidos – artigo 4/2 CIRC;

q. IV.4.2 – O montante de vendas apurado pela inspeção tributária (IT) - € 14 059 760,99, não é contestado pela reclamante;

r. O que alega (…) é que esse valor foi já tributado na esfera do B......................;

s. IV.4.3 - Afirma ainda que a IT não considerou a totalidade dos gastos necessários à prossecução da sua atividade;

t. IV.4.4 Ora, relativamente ao apuramento do lucro tributável, cabe à reclamante trazer elementos de prova dos gastos que incorreu na prossecução da sua atividade;

u. Sendo que, cada uma das entidades deverá ser tributada pelos seus ganhos deduzidos dos gastos que suportou;

v. (…)

Q) O projeto de decisão de indeferimento da reclamação foi comunicado por carta registada em 2015.11.26, endereçado a B......................, .................., Lda., representante legal B..................................., Avenida .................. nº …, …º Esq., Lisboa (cf. fls. 81 e 82 do PA-RG)
R) E, em 2015.12.09, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia sobre o projeto de indeferimento da reclamação graciosa por escrito (cf. fls. 157 a 178 do PA-RG);
S) Por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição, de 2015.12.21, exarado na informação de 2015.12.17 da Divisão de Justiça Administrativa, constante de fls. 186 do PA-RG, que aqui se dá como integralmente reproduzido, a reclamação graciosa identificada nas alíneas anteriores, foi indeferida; deste transcreve-se:
a. Concordo, pelo que com os fundamentos constantes da presente informação e respetivo parecer, considero que o pedido em apreço é de indeferir nos termos propostos;

b. (…)

T) O indeferimento da reclamação graciosa foi comunicado à Impugnante por carta registada com aviso de receção assinado em 2015.12.28, endereçado a B......................, .................., Lda., representante legal de B..................................., Avenida .................. nº …, …º Esq., Lisboa (cf. fls. 193 a 195 do PA-RG);
U) Em 2016.01.21, na Direção de Finanças de Lisboa, deu entrada recurso hierárquico da Impugnante, constante de fls. 3 a 29 do PA-RH e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
V) Por despacho de 2016.11.18, da Subdiretora-Geral, por subdelegação, exarado na informação nº ................, de 2016.09.15, da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o recurso hierárquico, foi indeferido; deste transcreve-se:
a. Indefiro o recurso hierárquico, com os fundamentos invocados;

b. (…);

W) Da informação nº ................, de 2016.09.15, da Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, transcreve-se:
a. (…);

b. VI. Da preterição de formalidade essencial e da violação do dever de fundamentação

c. (…);

d. (34) Em sede de direito de audição invoca (…) a reclamante os seguintes vícios: como questão prévia, o facto de a notificação para direito de audição ter sido endereçada à B......................; a inaplicabilidade da alínea b) do nº 1 do artigo 90º do Código do IRC; a falta de fundamentação da liquidação ora em crise; a falta de audição prévia à emissão da liquidação, e da errónea sujeição a tributação da reclamante;

e. (35) Dos vícios apontados ao projeto de decisão da reclamação graciosa, só poderá considerar-se como facto novo o que a recorrente indica como questão prévia, visto que os restantes já tinham sido invocados na petição de reclamação graciosa e devidamente analisados no referido projeto de decisão sobre o qual a recorrente teve oportunidade de se pronunciar;

f. (…);

g. (37) E mesmo que se pudesse considerar que foi preterida alguma formalidade essencial em notificar para o exercício do direito de audição a sua representante legal, sempre se dirá que a mesma se teria degradado em não essencial uma vez que, em momento algum, o seu direito de defesa ficou prejudicado, nem mesmo dela resultou qualquer lesão dos seus interesses protegidos;

h. (38) Improcede assim, o vício invocado pela recorrente, visto que se encontra fundamentada a decisão recorrida atendendo ao exercício do direito de audição;

i. Da (in)aplicabilidade da alínea b) do nº 1 do artigo 90º do Código do IRC e da violação do direito de audição prévia à emissão da liquidação;

j. (…);

k. (52) (…) Tendo a liquidação sido efetuada dentro do prazo estabelecido no artigo 45/1 LGT, não ocorre a caducidade do direito do Estado à liquidação, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu corretamente à liquidação oficiosa de rendimentos da sociedade B................., uma vez que esta não apresentou a respetiva declaração no prazo legal, encontrando- se a mesma fundamentada de acordo com os normativos legais indicadas;

l. (53) Por outro lado instando ainda a recorrente pela violação do direito de audição prévia à emissão da liquidação de IRC ora colocada pela mesma em crise, cumpre reforçar apenas que a mesma resulta da falta de apresentação pela B................. da declaração a que estava obrigada e que (…) a mesma foi notificada em 2014.11.17, para apresentação da mesma, sob pena de, no prazo de 15 dias, ser emitida a liquidação oficiosa;

m. (54) Daí que após o prazo concedido, sem ter sido apresentada a declaração Modelo 22 do período de tributação de 2013, foi a liquidação oficiosamente processada pela Administração Tributária em 2015.01.21, nos termos do artigo 90/1.b) do CIRC, a qual mereceu o nº ..................;

n. (55) Demonstrando-se que a sociedade B................. teve conhecimento, por meio daquela primeira notificação de 2014.11.17, de que caso não apresentasse a declaração Modelo 22 em falta, a mesma seria emitida oficiosamente pela Administração Tributária, é forçoso concluir que, não tendo regularizado a situação, não tinha que ser novamente ouvida antes da liquidação, nos termos do artigo 60/1.a) LGT, verificando-se, assim, um dos casos de dispensa de audição prévia à emissão da liquidação, referida supra, e previsto no artigo 60/2 LGT;

o. Do conceito de estabelecimento estável na Convenção Modelo da OCDE

p. (…);

q. Do conceito de estabelecimento estável no nosso ordenamento jurídico;

r. (…);

s. A Convenção entre Portugal e a Suíça para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o capital

t. (…);

u. (77) Posto isto,

v. Analisando a decisão recorrida e o relatório de inspeção que deu origem à liquidação em discussão no presente recurso hierárquico, teremos de concordar com os mesmos, fazendo cair a argumentação deduzida pela recorrente na sua petição de recurso.

w. (56) Isto é,

x. Como demonstrado supra, não necessita a recorrente de ter em Portugal uma estrutura funcional, como alega, para ser considerada como detentora de um estabelecimento estável nesse território;

y. (79) Mais, analisando o contrato de comissionamento junto pelo recorrente, reforça-se a ideia de que a entidade suíça tem ao seu dispor, em permanência, o pessoal, as instalações e a experiência do comissionista;

z. (80) Também não há dúvidas de que seria a entidade suíça a assumir os riscos económicos das vendas e da atividade comercial do comissionista, estando este encarregue da venda dos produtos no território em seu próprio nome mas por conta e risco económico do comitente e seguindo em todos os momentos as suas instruções em relação aos preços, à venda e armazenamento dos produtos;

aa. (81) Como ainda podemos concluir que a B...................... depende economicamente da recorrente não só por ser o único cliente da atividade de comissionista mas também por ser o responsável para assegurar uma margem operacional líquida de 5% através da fixação do preço de compra, no caso da atividade de distribuição;

bb. (82) Ora, não nos afigura, como referido no contrato de comissão junto aos autos, que a B...................... atue como contratante independente quando está sujeito às instruções detalhados e mesmo ao controlo da empresa recorrente;

cc. (83) Dos elementos retirados do contrato de comissão, o risco empresarial ainda é assumido pela entidade recorrente, não sendo o comissionista responsável por qualquer perda ou dano dos produtos que detenha a seu cargo;

dd. (84) Teremos, pois, de concluir pela existência de estabelecimento estável da ora recorrente, por força dos n.ºs 4 e 5 da Convenção e existindo deve tal estabelecimento estável ser tributado nos termos do artigo 7.° da Convenção.

ee. (…)

ff. (87) Ora, reforçando que estamos perante uma liquidação oficiosa que tem por base a liquidação do ano anterior (período de tributação de 2012), relembra-se que este período de tributação anterior foi objeto de um procedimento de inspeção externo em que os Serviços de Inspeção em parte alguma olvidaram "por completo, o disposto no n.º 2 do artigo 7.° do ADT celebrado entre Portugal e a Suíça", tendo efetuado o apuramento quer dos rendimentos (vendas), quer dos gastos (compras deduzidos do custo das existências finais e comissões) imputáveis ao estabelecimento estável com base nos elementos por si conhecidos;

gg. (88) E apesar de retomar nesta sede a alegação de que não foram deduzidas as despesas incorridas pelo estabelecimento estável, continua, tal como em sede de procedimento inspetivo e de reclamação graciosa, a não apresentar quaisquer despesas que tornem o apuramento do lucro tributável efetuado pelos serviços de inspeção indevido;

hh. Da (não) ocorrência de dupla tributação

ii. (89) Por fim, cumpre fazer referência à alegação do recorrente no que respeita à determinação do lucro tributável ao estabelecimento estável, efetuada pelos serviços de inspeção, que no entender da mesma, descora o nº 2 do artigo 7º do ADT celebrado entre Portugal e a Suíça, originando uma situação de dupla tributação;

jj. (…)

kk. (91) Por outro lado, o artigo 55º do Código do IRC refere que podem ser deduzidos como custos para a determinação do lucro tributável os encargos gerais de administração que, de acordo com critérios de repartição aceites e dentro de limites tidos como razoáveis pela Autoridade Tributária e Aduaneira, fossem imputáveis ao estabelecimento estável;

ll. (92) Ora, a Administração Tributária procedeu à determinação do lucro tributável do estabelecimento estável em cumprimento do artigo 90º do Código do IRC, não tendo a recorrente trazido aos autos quaisquer elementos suscetíveis de abalar tal liquidação ou de demonstrar a existência de dupla tributação;

mm. VII. CONCLUSÃO

nn. (93) Pelas razões aduzidas, deve ser indeferido o presente recurso hierárquico, mantendo-se a decisão recorrida e, em consequência, as liquidações controvertidas.

oo. VIII. DIREITO DE AUDIÇÃO

pp. (94) Considerando que em sede de recurso hierárquico não foram invocados factos novos, sobre os quais o contribuinte não tenho tido a oportunidade de se pronunciar, tendo ainda em conta que nesta fase a Administração Tributária apenas aprecia os factos que lhe foram dados pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, deverá nesta fase do procedimento ser dispensada a audição, face ao disposto no n.º 3, do artigo 60º, da LGT, e da alínea a), do nº 3, do ponto II, da Circular n.º 13/99.

qq. (…);

X) O indeferimento do recurso hierárquico foi comunicado à Impugnante por carta registada com aviso de receção assinado em 2016.12.15, endereçado a B......................, .................., Lda., representante legal de B..................................., Avenida .................. nº …, …º Esq., Lisboa (cf. fls. 48 a 50 do PA-RH);
Y) Em 2017.03.15, a presente impugnação deu entrada neste Tribunal Tributário de Lisboa (cf. fls. 2 do suporte físico do processo);

b) Factos não provados
Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provado com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

IV - Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos, informações e pareceres constantes do processo.

***
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como no depoimento das testemunhas arroladas.

***
A) DOS FACTOS NÃO PROVADOS
A propósito das provisões constituídas para créditos de cobrança duvidosa, foram ouvidas todas as testemunhas e em particular a testemunha Nuno .................., que nada disse em concreto sobre os esforços desenvolvidos pela Impugnante relativamente a estes créditos concretos. A testemunha limitou-se a afirmar, dum modo muito genérico, que em todas as situações em que existe atraso no pagamento, os vendedores que recebem à comissão deslocavam-se às instalações dos clientes e faziam um ponto da situação relativamente às facturas antigas. Nunca especificou quais são as diligências que são normalmente efectuadas com vista ao recebimento dos créditos, nem quais foram as diligências levadas a cabo no caso concreto. Acresce ainda que também foi referido por esta testemunha que o procedimento normal em face a facturas atrasadas seria o de suspender os fornecimentos. Dos depoimentos prestados não se pode concluir que relativamente a estes créditos concretos tenham existido quaisquer diligências no sentido de cobrar as dívidas cujas provisões não foram aceites. Mais foi alegado pelas testemunhas que o procedimento normal era encaminhar as situações para os advogados da empresa mas para além dos documentos já junto ao processo instrutor e que foram tidas em consideração nas correcções efectuadas, nem elemento foi junto comprovando a existência de processos judiciais, por exemplo, para cobrança das dívidas concretas não aceites pela AF.
Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.»
**

B. DO DIREITO
DA NULIDADE DA SENTENÇA
Nas suas alegações e respectivas conclusões refere a Recorrente que existe contradição no texto da sentença entre o facto dado como provado identificado no ponto I) da matéria assente e a conclusão do mesmo extraído. Isto porque, entendeu-se, que : «Apesar da complexidade dos temas enunciados não sabemos, no caso em análise, qual a motivação da atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao decidir-se pela obrigatoriedade da apresentação da declaração Modelo 22 de IRC, i. é, de que impendia sobre a Impugnante o dever declarativo. Nada foi dito ou comunicado a esta (…)».
Vejamos, pois, se a sentença padece da apontada nulidade.
Estabelece a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC que a sentença é nula, por contradição entre a fundamentação de facto e a decisão final.
A nulidade da mencionada alínea pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto (Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 141).
É fácil de constatar, a uma simples leitura, que a sentença não padece do vício que lhe é assacado. Com efeito, tal como refere a Recorrida (e bem) o ofício identificado na alínea I) da matéria de facto provada não releva para o efeito pretendido, «[p]orque não permite, desde logo, esclarecer a concreta razão pela qual a AT entendia que a Recorrida, uma entidade sem sede nem direção efetiva em Portugal, estava obrigada a entregar a declaração Modelo 22 de IRC
Como diz AMÂNCIO FERREIRA, «[a] oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento.» (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 56).
O resultado pode ser errado mas não constitui vício de nulidade, pois «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (Antunes Varela Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág.686).
Em suma, a arguida nulidade improcede.

Da pretendida alteração da matéria de facto fixada na 1ª Instância
Nas conclusões da sua alegação, começa a Recorrente por referir que decisão da matéria de facto provada deve ser ampliada, de modo a que dela constem os seguintes factos:
(i) Em 15-05-2014, a Impugnante foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, que teve origem na Ordem de Serviço n.º OI................, ao exercício de 2012, mediante o qual os Serviços de Inspeção Tributária apuraram um lucro tributável de € 10.936.438,16. – Cfr. fls. 20 e seguintes do PAT.
(ii) A Impugnante não apresentou declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC, relativa a período de 2013, no prazo concedido para o efeito indicado na notificação mencionada no Ponto I dos factos provados, com base no suporte documental constante de fls. 54 do Processo Administrativo – Recurso Hierárquico (PA-RH), mais concretamente no ponto 12.º da Informação n.º .................»
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, não há dúvida que a Recorrente cumpriu os ónus impostos pelo nº 1 do artigo 640.ºCPC, já que:
- indicou os concretos pontos da materialidade fáctica que pretende aditar;
- e referiu os concretos meios de prova que, na sua óptica, os sustentam.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, o facto indicado em (ii) extrai-se da factualidade vertida nas alíneas j), k) e m) do probatório.
No que respeita, ao facto i) contém matéria conclusiva e, reconduz-se ao uso de conceito normativo «notificado» e não pode, por tal razão, integrar o substrato factual dos autos.
Mas, ainda que o aditamento agora pretendido realizar pela Recorrente fosse concretizado, seria inócuo para alterar a decisão de mérito proferida, uma vez que a questão que coloca em sede de alegações de recurso, no sentido de aferir se ocorrendo a notificação do Relatório de Inspecção (exercício de 2012) a que alude o artigo 62.º do RCPIT, estava dispensada a audição antes da liquidação oficiosa é uma questão completamente nova, que não foi oportunamente alegada pela recorrente e por isso não decidida na 1ª Instância, não podendo por isso aqui ser reapreciada.
Com total pertinência para esta questão, diz-nos de forma sintética o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.04.2016, proferido do processo n.º 0288/15: «Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre(disponível em texto integral em www.dgsi.pt). Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
Termos em que improcede a pretendida alteração da matéria de facto.
DO MÉRITO DO RECURSO
Recorde-se, que a Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial que B............................................... deduziu contra o indeferimento do recurso hierárquico interposto relativo ao indeferimento da reclamação graciosa que teve por objecto a liquidação oficiosa de IRC do ano de 2013.
Para assim decidir, a Juíza do Tribunal a quo considerou procedentes os vícios de forma reportados à violação da alínea a) do n.º1 do artigo 60.º da LGT e ao dever de fundamentação formal do acto de liquidação.
A Recorrente diz não se conformar com a posição espelhada na sentença recorrida, alegando, em síntese que a liquidação oficiosa foi efectuada tendo por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, nos termos previstos na parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, desde modo encontra-se dispensada de realizar audição prévia do sujeito passivo, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT.
Desde já se adianta, que ao contrário do que defende a Recorrente nas suas diversas conclusões, não lhe assiste razão.
Senão vejamos.
No caso concreto, resulta da factualidade fixada que não tendo a Impugnante (doravante Recorrida) apresentado a declaração Modelo 22 respeitante ao ano de 2003, a Administração Tributária procedeu à liquidação oficiosa nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC (na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010 de 28.04).
Dispõe-se no citado normativo legal o que vai transcrito:
«1- A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
(…)
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;»
Olhemos, em seguida, para a garantia constitucional decorrente do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa que reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões que lhes digam respeito.
In casu, a liquidação impugnada foi operada em 2015 (cfr. ponto W) probatório), portanto, é aplicável o regime estabelecido no artigo 45.° do Código do Procedimento Processo e Tributário (CPPT) e no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) [nos quais se regula especialmente o exercício do direito de audição no procedimento tributário].
O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no artigo 60.°n°1, da LGT, constitui direito constitucional aplicado ao procedimento tributário, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (artigo 267.º, n°5, da CRP).
Sob a epígrafe «Princípio da participação» prescreve a alínea b) do n.º2 do artigo 60.º da LGT:
«2 - É dispensada a audição:
(…)
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.»
O Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão 18.06.2014, proferido no processo n.º 01102/13, tal como a restante jurisprudência citada, já teve a oportunidade de apreciar a questão da dispensa da audição do contribuinte no caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, que, não obstante pequenas diferenças de formulação, é substancialmente idêntica à que está em causa nestes autos, tendo decidido: « I-Faltando o contribuinte à obrigação de declarar os seus rendimentos para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, a Administração procede à liquidação nos termos do disposto no artigo 90º nº 1 alínea b) do respectivo Código, com base na "matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada. II - O artigo 60º da Lei Geral Tributária impõe que, neste caso, se faculte ao contribuinte a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia.».
Tal juízo assentou, essencialmente, nos seguintes fundamentos:
«Na verdade, como já se disse no acórdão desta Secção de 2/7/2003, no recurso n.º 684/03, “A dispensa da audiência prévia quando a liquidação coincida com a declaração funda-se na ideia de que, neste caso, toda a participação possível do contribuinte já teve lugar, sendo desnecessário convidá-lo a nova participação, que redundaria num acto inútil.
No caso em que o contribuinte faltou à sua obrigação de declaração não há nenhuma participação sua no procedimento que culmina com a liquidação. Por isso, a mesma razão que, nos casos previstos no apontado n.º 2 (do artigo 60.º LGT), leva a dispensar a audição, exige-a quando o contribuinte não fez a sua declaração.
E não é o facto de o contribuinte faltar a um dever para com a Administração que legitima esta a, por sua vez, desrespeitar um direito dele.
É certo que pode parecer que o contribuinte, ao faltar ao seu dever de declaração, se desinteressa de participar na definição da sua situação tributária. Mas só aparentemente assim é: por um lado, a ausência de apresentação da declaração imposta pela lei não pode interpretar-se com tal sentido, pois outras razões pode haver, nomeadamente, de força maior, justificativas da falta; por outro lado, nada permite afirmar que o contribuinte que se absteve de entregar a sua declaração não quer exercer o seu direito a participar na formação da decisão que, assente nessa omissão, a Administração venha a tomar.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
Neste mesmo sentido já se havia pronunciado o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.04.2008, proferido no processo n.º 22/08, consultável em www.dgsi.pt.
É certo que a Recorrente também afirma que a liquidação oficiosa questionada, foi processada com base na informação disponível sobre a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, a audição do contribuinte em nada as pode alterar.
Sucede que tal modo de colocar a questão, em nada abala os fundamentos da sentença recorrida.
É que nada nos garante, como se acrescenta no Acórdão que vimos seguindo, que o contribuinte, mesmo numa situação dessas, «[s]e acaso lhe fosse dada oportunidade para o fazer, não fornecesse elementos úteis à liquidação, designadamente, quanto a deduções, matéria em que a lei não vincula a Administração.
Não é, pois, possível, no nosso caso, a formulação de um juízo de prognose póstuma que leve o tribunal a concluir que a liquidação efectuada era a única possível. Se é verdade que o acto sempre teria de ser praticado, por força da lei, nada permite afirmar que o mesmo seria o seu conteúdo se tivesse havido lugar à audição da recorrida» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Os fundamentos em que assentou a referida jurisprudência são inteiramente transponíveis para o caso destes autos, pelo que, a sentença que assim entendeu e decidiu não merece censura.
Face ao exposto, o recurso não merece provimento, e por conseguinte, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.
Por isso, no contexto referido, necessariamente fica prejudicada a apreciação da ampliação do objecto do recurso, requerida subsidiariamente pela Recorrida.
Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça
Estabelece o artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais que «nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta afinal, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Conforme entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13 a que aderimos, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000€ (valor da causa no presente processo fixou-se em 2.788.941,54€) e que a mesma não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer uma das partes, em recurso, pode considerar-se num nível reprovável.
Nada obsta que a Recorrente seja dispensada, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendo o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado, comportamento das partes e uma vez que já tinha sido jurisdicionalmente apreciada de modo uniforme e reiterado a questão colocada nestes autos), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
IV.CONCLUSÕES
I.No caso em que o contribuinte faltou à sua obrigação de declarar os seus rendimentos para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, a Administração procede à liquidação nos termos do disposto no artigo 90.º nº 1 alínea b) do respectivo Código, com base na "matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada".
II.O artigo 60.º da Lei Geral Tributária impõe que, neste caso, se faculte ao contribuinte a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia.
V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença sob recurso.

Custas pela Recorrente com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça para ambas as partes.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019.
(Ana Pinhol)


(Hélia Gameiro)


(Benjamim Barbosa)