Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:690/22.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SIGILO BANCÁRIO
CONTRADITÓRIO
VALOR DA CAUSA
MEIOS FINANCEIROS
PROVA DO NEXO
Sumário:I-São realidades não confundíveis, donde, perfeitamente autónomas e com cominações distintas, as nulidades processuais praticadas em razão da omissão de um ato que a lei prescreva, mormente, concatenada com um ato de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, e a própria nulidade da sentença, consubstanciada com um vício do conteúdo do ato.
II-A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo certo que a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, subsume-se normativamente no artigo 195.º do CPC, pelo que configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no artigo 199º CPC.
III-Quem fixa o valor à causa não são as partes, mas o Tribunal. Nos processos sobre acesso a documentação bancária estão em causa interesses não quantificáveis, pelo que será aplicável, subsidiariamente, por força do preceituado no artigo 2.º, alínea c), do CPPT, o artigo 34.º, nº 2, do CPTA, logo o valor a fixar cifrar-se-á nos €30.001,00.
IV-As declarações de parte reportam-se às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma perceção direta privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova documental, testemunhal ou pericial.
V-A omissão de notificação do ato de derrogação do sigilo bancário no prazo legal de 30 dias (cfr. artigo 63.º B, nº4 da LGT) não afeta a sua eficácia.
VI-Corporizando o ato impugnado uma fundamentação por remissão, legalmente admissível, dela constando expressa e clara menção e remissão para uma informação da AT a qual enuncia, fundada e justificadamente, os pressupostos de facto e de direito que alicerçaram a decisão de derrogação do sigilo bancário, inexiste qualquer falta de fundamentação.
VII-Resultando provada uma divergência entre a capacidade económica manifestada e declarada, e não tendo o Recorrente cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, na medida em que não procedeu à junção de prova documental que demonstrasse, inequivocamente, quais os meios financeiros que foram mobilizados para adquirir os bens contenda, está legitimada a derrogação do sigilo bancário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

P... (doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a derrogação do sigilo bancário deduzida contra a decisão da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), proferida em 11 de novembro de 2021, que autorizou o acesso a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“I - A interposição do presente Recurso visa sindicar (apelar a Roma melhor informada) a bondade da decisão plasmada na Sentença Recorrida, que entendeu estender a mão ao Fisco, através do “Amen”, validando assim a sua actuação ilegal e merecedora de censura.

II - Para tanto e na sua ânsia e sofreguidão de acudir à tese peregrina do Fisco, o próprio Tribunal violou o princípio do contraditório, ao decidir questões de facto e/ou de direito sem dar conhecimento às partes ou a possibilidade de sobre eles se pronunciarem.

III - Que foi exactamente o que aconteceu ao fixar, autoritária e unilateralmente, o valor da causa sem a pronúncia prévia do Recorrente e das suas razões.

IV - Aliás o mesmo se diga da fulminante decisão surpresa, violando o mesmo princípio, ao desprezar e postergar a demais prova processual invocada e produzida pelo Recorrente.

V - As referidas omissões, voluntárias ou involuntárias, são uma violação do ritualismo processual, o que é fulminada com a nulidade da Sentença, já que consubstanciam a violação das garantias da imparcialidade e independência, impossibilitando o correcto funcionamento do direito de defesa que assiste ao Recorrente (proibição de indefesa).

VI - Além disso a Sentença Recorrida também cometeu um grave erro de julgamento ao ter dito o que realmente pretendia, mas decidiu mal, não só porque decidiu contra-legem, mas também quanto aos factos apurados.

VII - Porquanto não reconhecer a ocorrência de uma preterição de uma formalidade essencial (maior que a Torre de Belém), caracterizada pela intempestividade assacada à decisão administrativa da derrogação do sigilo bancário, a qual teria, forçosamente, nos termos da lei, de ser notificada no prazo de 30 dias após a sua prolação, o que viola o Art.º 63.º-B, n.º 4, da LGT.

VIII - Também a mesma Sentença ao não reconhecer que aquela mesma decisão administrativa carecia da menção expressa dos fundamentos, ou seja, a mesma deveria carrear as razões de facto e de direito que justificam a pretendida derrogação, como impõe a referida disposição legal.

IX - E ao não ter decidido assim, entendeu, não só que o legislador fiscal, menos avisado e de certa maneira apoucadinho, não soube consagrar ou verter em lei as soluções mais acertadas, como também não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, para além de ter minimizado e desvalorizado as opiniões dos ilustres tratadistas e processualistas antes identificados, que pelos vistos não sabem o que escrevem e os seus manuais são autênticas ratoeiras para os utentes.

X – Por fim a Sentença Recorrida também sofre de nulidade, pois pecou por excesso de pronúncia ao exceder os seus poderes de cognição, ousando pronunciar-se sobre factualidade não limitada ao período em causa, ou seja, só quanto ao ano de 2018, que era o exercício para que o Fisco estava autorizado.

XI - Além da patente e ostensiva errada aplicação da matéria de facto e de direito constante dos autos, a qual se fosse apreciada criteriosa e conjugadamente não levaria a solução jurídica abraçada na Sentença.

XII - Razão pela qual a Sentença Recorrida deve ser revogada, face aos indicados vícios de violação da lei e aos vícios de forma de que a mesma padece e que fulminam a decisão plasmada na mesma.

Assim, nestes termos, e nos demais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser considerado procedente e provado e por via dele, deve ser revogada a douta Sentença Recorrida.

Como é de Justiça.”


***

A Recorrida devidamente notificada contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:

“i) Inconformado com a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, que julgou improcedente o recurso, e em consequência absolveu a entidade Recorrida do pedido, vêm o Recorrente interpor recurso para esse Venerando Tribunal alegando em síntese que Que o Tribunal violou o princípio do contraditório ao fixar unilateralmente o valor da causa sem a pronuncia prévia do Recorrente; que o Tribunal violou o princípio do contraditório ao desprezar e postergar a demais prova processual, violando as garantias de imparcialidade e independência impossibilitando o direito de defesa do Recorrente; que a sentença cometeu erro de julgamento tendo decidido contra legem ao não ter reconhecido a intempestividade assacada à decisão administrativa, por o Recorrente não ter sido notificado no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 4 do Art.º 63.º -B da LGT, invocando ainda a nulidade da sentença por excesso de pronuncia ao exceder os poderes de cognição pronunciando-se sobre factualidade não limitada ao período em causa, ou seja só quanto ao ano de 2018.

ii) Em sentido contrário, entende a entidade aqui Recorrida que o douto Tribunal “a quo” fez uma exacta apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, maxime das normas legais aplicáveis, razão pela qual deverá ser mantida a douta sentença proferida.

iii) Suscita o Recorrente que a sentença enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório, assentando a sua pretensão no fundamento de que a sentença fixou unilateralmente o valor da causa sem a pronuncia prévia das partes.

iv) Todavia, os argumentos invocados pelo Recorrente são claramente infundados e descabidos desde logo porque a sentença recorrida escorou que nos termos do Art.º 31.º, n.º 4 do CPTA aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º do CPPT, o valor da causa foi fixado em € 30.000,01 por aplicação conjugada do Art.º 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, com o Art.º 6.º, n.º 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e Art.º 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

v) O contraditório consagrado no n.º 3 do Art.º 3.º do CPC, trouxe uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influirem em todos os elementos (factos, provas questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, e implicando facultar sempre às partes a oportunidade de antes da decisão ser proferida, se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido a possibilidade de contraditar, mesmo que sejam questões de direito e que sejam de conhecimento oficioso.

vi) Como se refere no Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal proferido no âmbito do Proc. n.º 1564/12.1BEBRG, de 12.04.2013 o qual refere que “Por conseguinte, o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência no sentido positivo do direito de influir positivamente, no desenvolvimento e no êxito do processo [neste sentido confirmar Lebre de Freitas in Introdução ao Processo Civil conceitos e Princípio Gerais à luz do Código revisto, 1996, pag. 96]. Daí que mesmo relativamente a questões de direito, a norma proíba, as decisões surpresa, ou seja, decisões baseadas em fundamento que não tenha sido considerado previamente pelas partes, enquanto violadora do princípio do contraditório – conforme aliás, o Supremo Tribunal de Justiça tem tido oportunidade de afirmar, nos acórdãos de 18.11.1999, Proc. n.º 791/99, de 16.02.2000 Proc. n.º 732/99, de 05.12.2000, Proc. n.º 3247/00 e de 05.07.2001 Proc. n.º 2038/01”. (destacado nosso).

vii) É neste contexto que se justifica e compreende que nenhuma decisão deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade à parte contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, com vista a evitar decisões surpresa.

viii) Por outro lado, as nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos Art.ºs 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, estando, por seu turno, as nulidades secundárias/irregularidades incluídas na previsão geral do Art.º 195.º CPC, cujo regime de arguição está sujeito ao contemplado no artigo 199.º CPC, pelo que a omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos Art.º 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo certo que a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, subsume-se normativamente no Art.º 195.º do CPC, pelo que configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no Art.º 199º CPC.

ix) Resulta assim de forma clara e evidente que a falta de notificação das partes para efeitos de pronunciar acerca da determinação do valor da causa nunca consubstanciaria uma nulidade processual e muito menos uma irregularidade, porquanto influi na decisão da causa.

x) Como se entendeu no Acórdão do TCAS proferido no âmbito do Proc. n.º 3/20.9BELRA de 25.06.2020, o qual acerca de idêntica matéria entendeu que “Nos processos sobre acesso a documentação bancária estão em causa interesses não quantificáveis, pelo que será aplicável, subsidiariamente, por força do preceituado no artigo 2º, alínea c), do CPPT, o artigo 34º, nº 2, do CPTA, que estabelece que, quando o valor da causa seja indeterminável, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, dispondo o nº1 do mesmo preceito, além do mais, que “consideram-se de valor indeterminável os processos respeitantes a bens imateriais …”. É o caso do recurso da decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação bancária, previsto no artigo 146º -B do CPPT. Note-se que o artigo 97º-A do CPPT respeitante aos valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, não prevê o caso dos processos em que estão em causa interesses não quantificáveis, de valor indeterminável, pelo que, por força do artigo 2º, alínea d) do CPPT, impõe-se a aplicação do CPTA. Ora, de acordo com o nº 4 do artigo 6º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a alçada dos tribunais centrais administrativos corresponde à que se encontra estabelecida para os tribunais da Relação, a qual corresponde a € 30.000,00 nos termos do disposto no nº 1 do artigo 44º da Lei da organização do sistema judiciário. Quer isto dizer que o valor dos processos em que estejam em causa interesses imateriais é de € 30.000,01 – neste sentido, também, J Lopes de Sousa, obra citada, págs. 563 e 564.”.

xi) Logo, improcede liminarmente os argumentos invocados pelo Recorrente.

xii) Alega ainda o Recorrente que, a sentença é nula por se limitar a desprezar e postergar a prova processual, todavia importa referir que o recurso se limita a alegar que a sentença é nula por desprezar e postergar a prova processual, sem que para o efeito e de forma concisa tenha evidenciado de forma concreta de quer modo a sentença desprezou e postergou a prova processual, e muito menos alega quais as provas que o tribunal cerceou.

xiii) Aliás, o Recorrente limita-se a efectuar a transcrição dos argumentos plasmados em sede de recurso da decisão sem que para o efeito, suscite em que se concretizou a alegada nulidade da sentença e quais as provas que foram postergadas pelo Tribunal, ou seja o Recorrente limita-se a repetir e transcrever o que já havia sido dito em sede de recurso da decisão, não podendo por esse facto ser alterado o decidido no Tribunal a quo, nos termos do disposto no n.º 4 do Art.º 635.º do CPC.

xiv) Como se entendeu no Acórdão do TCAN de 25.05.2018 proferido no Proc. n.º 344/12.9BECBR, relativamente a derrogação do sigilo bancário, o qual refere que “O recurso jurisdicional tem como objeto a sentença recorrida e destina-se a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o Recorrente entenda afetá-la (Cfr. STA n.º 0508/13 de 15.05.2013). O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que o Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal de recurso tome conhecimento delas e as aprecie. Os Recorrentes terão de convocar argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada. A propósito da imposição do ónus de alegação ao recorrente já referia Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357 que “(...) em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie. (…)”. É jurisprudência deste Tribunal se em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial, não atacam o julgado, pelo que não pode o Tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 635.º do CPC (Cfr. TCAN n.º 01806/09.0BEBRG de 15-02-2012 e ac. do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013).

xv) Ainda que se possa extrair dos pontos 9 e seguintes do presente recurso que o Recorrente se insurge contra a diligencia de prova consubstanciada na falta de inquirição das testemunhas, importa desde logo assentir que como tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores a falta de inquirição de testemunhas não constitui qualquer nulidade, desde logo, porque a lei não prescreve que deva ter sempre lugar, conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção.3

xvi) Acresce ainda que no caso vertente tal facto é claramente esclarecedor na medida em que o legislador conectou o processo de derrogação de sigilo bancário como processo de natureza urgente, consagrando que a prova se deve revestir de natureza exclusivamente documental (Art.º 146-B n.º 3 do CPPT), ainda que tal norma tenha sido declarada inconstitucional - cfr. Acórdão do TC proferido no Proc. n.º 759/3013 de 30 de Outubro.

xvii) Ora, conforme se assentiu no recente Acórdão do STA, proferido no Proc. n.º 081/16 de 17-02.2016” I - A falta de inquirição das testemunhas arroladas não consta do rol de nulidades insanáveis do art. 98º do CPPT nem constitui uma nulidade processual à luz do art. 201º e segs. do CPC, ou do artº 195º do mesmo compêndio normativo (alegada nulidade que influi decisivamente no exame e decisão da causa) na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção (artº 113º nº 1 do CPPT); pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova possa afectar o julgamento da matéria de facto e acarretar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório. (assim se decidiu no Ac. deste STA de 27/11/2013 tirado no rec. 01159/09). (realce nosso)

xviii) De igual forma e no que concerne a outro meio processual urgente entendeu aquele colendo Tribunal no âmbito do acórdão n.º 01869/13 de 09.04.2014 que “I - A falta de inquirição das testemunhas arroladas no processo de reclamação judicial previsto no art. 276.º e segs. do CPPT, porque não está prevista como nulidade processual nem constitui uma nulidade processual à luz do art. 195.º e segs. do CPC, na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção, não permite que, se o juiz dispensar a produção de prova se possa dizer que foi preterida uma formalidade legal, sem prejuízo de a omissão de diligências de prova, na medida em que possa afectar o julgamento da matéria de facto, poder acarretar a anulação da sentença por défice instrutório”.

xix) Ora, a falta de inquirição das testemunhas não consta do rol exaustivo de nulidades insanáveis constante do Art. 98.º do CPPT, nem constitui uma nulidade processual à luz do regime do Art. 195.º e segs. do CPC, segundo o qual «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».

xx) Recorta-se assim que, a falta de inquirição de testemunhas não constitui nulidade porque não surge como diligência cuja realização se imponha inelutavelmente ao juiz, antes cabendo a este avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, constam do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido.

xxi) Compete assim ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, decidindo «se deve ou não realizar diligências que forem requeridas, podendo oficiosamente realizar as diligências que entender úteis para a descoberta da verdade, em relação aos factos alegados ou de que oficiosamente possa conhecer (art. 99.º, n.º 1, da LGT JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 8 g) ao art. 278.º, págs. 312/313.).

xxii) Ou seja, a lei não prescreve que deve haver sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção; pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal geradora de nulidade processual.

xxiii) Neste desiderato, tendo o Tribunal a quo entendido ser desnecessária a produção da prova testemunhal em face dos documentos juntos pelas partes e a posição assumida pelas mesmas nos seus articulados, sendo possível apurar todos os factos relevantes para a decisão a proferir na presente instância, tal decisão, à revelia do alegado pelo Recorrente não constitui qualquer nulidade processual, como tem vindo a decidir uniformemente o STA a entender (v.d. e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 28 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 388/13, disponível em; de 27 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 1159/11, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d3fa5d25ce444b4c80257c3600544933?OpenDocument).

xxiv) Improcedem assim os argumentos aventados nesta sede pelo Recorrente.

xxv) Alega ainda que a sentença cometeu erro de julgamento tendo decidido contra legem ao não ter reconhecido a intempestividade assacada à decisão administrativa, por o Recorrente não ter sido notificado no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 4 do Art.º 63.º -B da LGT.

xxvi) Uma vez mais se salienta que, o Recorrente se limita a repetir e transcrever o que já havia sido arguido em sede de recurso da decisão, não imputando directamente quaisquer razões de facto ou de direito que confrontem o entendimento perfilhado na sentença limitando-se o Recorrente a repetir o que já havia dito em sede de recurso da decisão, não atacando a sentença, não pode o Tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no n.º 4 do Art.º 635.º do CPC, tal como amplamente tem sido reiterado pela jurisprudência de que se destaca o Acórdão do TCAN de 25.05.2018 proferido no Proc. n.º 344/12.9BECBR, Acórdão do TCAN n.º 01806/09.0BEBRG de 15-02-2012 e Acórdão do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013.

xxvii) No âmbito da douta sentença entendeu que quanto à falta de notificação nos 30 dias após a emissão da decisão, conforme previsto no n.º 4 do artigo 63.º-A da LGT, a jurisprudência tem unanimemente entendido que a notificação efetuada após aqueles 30 dias da decisão de levantamento do sigilo bancário não tem efeitos invalidantes, configurando somente uma formalidade externa ao ato.

xxviii) Conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 18/04/2018, exarado no processo n.º 0128/18 “[…] salvo norma expressa em sentido contrário, a notificação não constitui requisito de validade de um acto tributário ou de um acto administrativo em matéria tributária. E, por outro lado, a omissão de notificação do acto de derrogação do sigilo bancário no prazo de 30 dias não afecta sequer a sua eficácia, uma vez que a Administração Tributária pode, logo após a emissão deste,ter acesso à informação bancária, ainda que essa notificação se imponha com vista a abrir ao contribuinte a possibilidade de suscitar o controlo jurisdicional da legalidade do acto, mediante a apresentação do respectivo recurso judicial. (…) No caso em análise, apesar de a notificação da decisão de derrogação do sigilo bancário ter sido realizada para lá do prazo de 30 dias, os recorrentes exercerem o direito de recurso judicial no prazo legal de 10 dias contados da notificação do acto; caso o recurso obtivesse provimento, os elementos de prova entretanto obtidos pela Administração Tributária não poderiam ser utilizados para qualquer efeito em seu desfavor.”

xxix) Acresce que a derrogação do sigilo bancário a coberto do Art.º 63.º-B da Lei Geral Tributária tem como pressuposto que: (i) decorra uma acção de fiscalização tributária (Art.º 63.º n.º 3 da Lei Geral Tributária); (ii) nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo que decorrem das circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do seu n.º 1; (iii) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspecção (Art.º 63.º n.º 1 e 55.º da Lei Geral Tributária e 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e ainda no âmbito da jurisprudência de que se destaca o Acórdão do TCAS, de 16.10.2014, P. 07945/14).

xxx) In casu não foram preteridos quaisquer direitos do Recorrente, não tendo sido solicitados quaisquer elementos bancários às respetivas instituições bancárias, nem realizada qualquer liquidação adicional resultante do procedimento em curso para o Recorrente.

xxxi) Acresce que, apenas com a notificação da decisão ao Recorrente, nos termos do disposto no n.º 4 do Art.º 63.º-B da LGT, poderão ser despoletados os meios contenciosos consignados na lei, mormente por via do recurso a que alude o disposto no Art.º 146-A do CPPT, o que o Recorrente fez, improcedendo os argumentos do Recorrente.

xxxii) Alega o Recorrente que provou justificou e fundamentou os meios financeiros com vista à obtenção dos bens imóveis e móveis.

xxxiii) Conforme refere a sentença Recorrida “Resulta da factualidade assente que o Recorrente apresentou a declaração de rendimentos de IRS, referente ao ano 2018. Assim, o que cumpre aferir é i) se os acréscimos de património e/ou as despesas efetuadas pelo Recorrente nesse período são divergentes dos rendimentos declarados; e, em caso afirmativo,

ii) se tal divergência se encontra justificada. Ora, o Recorrente, em 2018, declarou rendimentos da categoria A no montante de € 6.960,00; e, declarou rendimentos da categoria G no montante de € 430.000,00 (correspondente ao valor de realização da transmissão de imóvel com intenção de reinvestimento em habitação permanente). Por outro lado, também em 2018, o Recorrente efetuou aquisições no montante global de € 659.867,61, desdobrando-se este valor nas seguintes aquisições: - aquisição de imóvel, no valor de € 550.000,00; - aquisição de dois veículos, no valor de € 98.900,00 e € 53.788,03. Do confronto entre os rendimentos declarados e a despesa efetuada em 2018, resulta claro que esta é superior a € 100.000,00 e que é manifestamente divergente da capacidade económica revelada nos rendimentos declarados pelo Recorrente. Pelo que se verificam os dois pressupostos legais positivos”

xxxiv) De igual forma resulta da decisão que o saldo do Ano de 2018 é de € -143.369,58 (€51.538,03 + € 28.000,00 + € 86.000,00 + € 344.000,00 + € 6.960,00 - € 98.900,00 - €10.967,61 - € 550.000,00).

xxxv) Refira-se que a falta de elementos, justificativos das fontes de rendimentos, relativamente à globalidade das aquisições realizadas no ano de 2018, associada à falta de colaboração do Recorrente, na apresentação e obtenção dos referidos elementos de prova, impossibilitou o apuramento dos reais rendimentos do agregado familiar em análise, para o ano de 2018, sendo apenas através da análise da informação bancária ser possível determinar os reais rendimentos obtidos pelo referido agregado familiar, sujeitos a tributação em sede de IRS, relativamente ao ano de 2018.

xxxvi) Existiu omissão de declaração de rendimentos auferidos, não sendo possível, à luz de qualquer critério, aceitar como válida uma situação tributária como aquela que o Recorrente declara em sede de IRS no período de tributação de 2018, com rendimentos de trabalho dependente auferidos pelo agregado familiar de € 6.960,00 e um valor de realização respeitante a um bem imóvel de € 430.000,00 cuja intenção de reinvestimento foi manifestada, quando o montante total dos meios financeiros mobilizados para aquisição de bens imóveis e móveis ascendeu aos € 659.867,61.

xxxvii) Existe uma diferença entre o rendimento declarado pelo Recorrente no âmbito de 2018 e o montante total do capital mobilizado para a aquisição de bens imóveis e móveis ascende a €-222.907,61 [( €430.000 + €6.960 ) - €659.867,61 ], sem que tenha justificado tamanha divergência, sendo que o saldo acumulado entre os rendimentos declarados e as mobilizações financeiras para aquisições de bens imóveis e móveis realizadas pelo agregado familiar entre os anos de 2015 e 2017 ascende aos €-251.734,96, e se a este período juntarmos o ano de 2018, o saldo aumenta para os €-395.103,54.

xxxviii) Quanto à aquisição dos veículos automóveis, o Recorrente não apresentou nenhum meio de prova, nomeadamente prova da permuta efetuada e respetivo valor atribuído inerente à aquisição da Viatura Tesla, prova do valor de venda e do recebimento da viatura Ford matrícula .., bem como, prova de que tal montante foi afeto a aquisição de outra viatura.

xxxix) Tais justificações apresentadas pelo Recorrente indicam que o preço de aquisição do veículo Tesla, matrícula .. foi de € 53.788,03, cujo pagamento foi realizado com a entrega do veículo Mercedes, matrícula..,com o valor de troca de € 51.538,03, e o montante de € 2.250,00 em numerário, todavia, nas justificações apresentadas igualmente pelo Recorrente em 2021/05/17 de modo bem diverso, é indicado que o preço de aquisição do mesmo veículo Tesla, matrícula .. foi de mais ou menos € 94.000,00, e o pagamento efetuado com a entrega do veículo Mercedes, matrícula.. e o montante de mais ou menos € 42.000,00.

xl) Recorta-se assim, existir omissão de declaração de rendimentos auferidos, não sendo possível, à luz de qualquer critério, aceitar como válida uma situação tributária como aquela que o Recorrente declara em sede de IRS no período de tributação de 2018, com rendimentos de trabalho dependente auferidos pelo agregado familiar de € 6.960,00 e um valor de realização respeitante a um bem imóvel de € 430.000,00 cuja intenção de reinvestimento foi manifestada, quando o montante total dos meios financeiros mobilizados para aquisição de bens imóveis e móveis ascendeu aos € 659.867,61.

xli) Ora, é inelutável que em caso de existência de divergência não justificada, entre o património ou o consumo evidenciado e o rendimento declarado, tem pleno fundamento legal a realização da avaliação indirecta da matéria colectável nos termos da alínea f) do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, impendendo no caso vertente, sobre o Recorrente o ónus de prova sobre a origem não tributada do património ou o consumo evidenciado, à luz do disposto no n.º 3 do Art.º 89-A da LGT (a este propósito veja-se o Acórdão do STA proferido no âmbito do Proc. 097/09 de 06.05.2009 e o Acórdão do TCAN proferido no Proc. n.º 01695/08.2BEPRT).

xlii) Neste desiderato, são espúrios os argumentos aventados pelo Recorrente.

Nestes termos e nos mais de direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, devendo manter –se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.


***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

***

Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 20/08/2018, a cônjuge do Recorrente celebrou contrato de financiamento com a “Mercedes-Benz …, S.A.”, para aquisição do veículo Mercedes-Benz, com a matrícula .., cujo valor financiado corresponde a € 43.030,43 e entrada inicial a € 10.760,00 – cf. documento 2 junto com a p.i.

B) Ao abrigo da ordem de serviço n.º 201903561, o Recorrente foi alvo de ação inspetiva interna de âmbito parcial e referente ao ano de 2018 – cf. documento a fls. 127 dos autos.

C) No decurso da ação inspetiva mencionada na alínea que antecede, foi elaborada, pelo Inspetor Tributário, uma informação na qual vem proposto que fosse efetuado um pedido de autorização para aceder às informações e documentos bancários do Recorrente, extraindo-se do respetivo teor o seguinte:

“I. MOTIVO DE ABERTURA DA ORDEM DE SERVIÇO PARA O ANO DE 2018

No âmbito da OI201806102, realizada à sociedade S..L LDA., NIF …, inerente ao ano de 2015, verificaram-se incoerências a nível dos rendimentos declarados por parte da sócia-gerente, Sra. D. A.., com o NIF 2… e seu cônjuge Sr. P..., com o NIF …. (atualmente encontram-se divorciados), para o ano de 2018, pelo que, também se verificou necessário a análise dos rendimentos obtidos no ano de 2018, pelos referidos contribuintes singulares.

Assim, foi aberta a Ordem de Serviço n.º OI201903561, para o ano de 2018, aos sujeitos passivos singulares, A.., residente na E….. – Fazendas de Almeirim, 2080-144 Almeirim, área do Serviço de Finanças de Almeirim, e P..., residente na Rua ….s, 1685-104 Caneças, área do Serviço de Finanças de Odivelas.

(…)

II. FACTOS RELEVANTES NO ÂMBITO DA AÇÃO

II.1. ELEMENTOS RECOLHIDOS NO ÂMBITO DA AÇÃO INSPETIVA

1. De acordo com informação disponível, verifica-se que adquiriram, em 2018/09/21, um terreno para construção e um prédio em propriedade total em seu nome, sito na Rua …a - Caneças, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos matriciais …, na União das Freguesias de Ramada e Caneças, no concelho de Odivelas, pelo montante global de 550.000,00€.

2. Também, de acordo com informação disponível, verifica-se que adquiriram, os seguintes veículos automóveis:


«Imagem no original»

3. Sendo que os sujeitos passivos declararam, em conjunto, na Modelo 3 do IRS de 2018 os seguintes rendimentos brutos:

- Categoria A - € 6.960,00;

- Categoria G - € 430.000,00 (valor de realização)

II.2. NOTIFICAÇÕES EFETUADAS

Conforme já referido, à data dos factos os sujeitos passivos encontravam-se casados, sendo que atualmente se encontram divorciados, pelo que foram efetuadas as seguintes notificações.

II.2.1. NOTIFICAÇÃO AO SUJEITO PASSIVO P...

Em 2021/01/08, através do ofício n.º 00000631, foi o sujeito passivo P.. notificado para prestar esclarecimentos sobre as Manifestações de Fortuna evidenciadas, sendo igualmente enviada a Declaração a solicitar autorização para a derrogação do sigilo bancário (Anexo I).

Em 2021/01/20 (entrada GPS n.º 2021E000160731), no âmbito da resposta à referida notificação, o sujeito passivo P.. não autorizou a derrogação do sigilo bancário, e remete aos serviços de inspeção os seguintes esclarecimentos: (Anexo II),

“a) Venda de um imóvel urbano, em 13.09.2018, pelo preço de 430.000,00 (Doc.1);

b) A aquisição do veículo marca Tesla, matrícula .., pelo preço de 53.788,03€, foi feita através da entrega (permuta) de um outro veículo, marca Mercedes (E-250, cdi, amg, cabrio), matrícula.., com um valor atribuído de troca de 51.538,03€, pelo que houve apenas um pagamento, em numerário, de 2.250,00€;

c) A aquisição da viatura marca Mercedes, matrícula .. pelo preço de 10.967,61€ foi feita (parcialmente) com o produto de venda da viatura Ford S Max Titanium, matrícula .., pelo preço de 28.000,00€, cuja venda foi efetuada em finais de Junho de 2018 e o produto da mesma venda ainda sobrou +- 20.000,00€ para acudir ás outras compras;

d) Para além dos valores antes referidos provenientes daquelas transações já descritas, ainda foi utilizado na compra dos bens referidos no ofício supra identificado, o montante do adiantamento por conta de lucros que a cônjuge mulher auferiu, em dinheiro, no exercício económico de 2015, no montante de 68.039,07€ (Doc.2).

e) Sem prejuízo obviamente da posse de dinheiro, em numerário, para acudir a esses e outros pagamentos da via quotidiana dos contribuintes em causa.”

Em 2021/04/28, através do ofício n.º 00006629, foi novamente notificado para prestar esclarecimentos, na medida em que se verificou um lapso de preenchimento, relativamente ao valor das viaturas indicados na primeira notificação (Anexo III).

Em 2021/05/17 (entrada GPS n.º 2021E000985360), no âmbito da resposta à referida notificação, remeteu aos serviços de inspeção os seguintes esclarecimentos: (Anexo IV),

“a) A viatura marca Tesla, matrícula .. e se bem se recorda, foi adquirida pelo preço de + 94.000,00€, aquisição que o correu através de uma permuta com a entrega da viatura, marca Mercedes, matrícula .., propriedade do Respondente e ainda com o pagamento de + 42.000,00€;

b) Por sua vez, a viatura, marca Mercedes, matrícula .., a sua aquisição ocorreu em 30.08.2018, com o pagamento do valor de 10.967,61€ (entrada e encargos), sendo que o remanescente, foi e está a ser pago através de um crédito concedido e financiado pela M….Portugal, o qual está a ser amortizado em 48 prestações – Doc. 1.

Por fim não se envia a fatura de aquisição da viatura .. já que a sua aquisição resultou de uma permuta com uma outra viatura e por um particular.

Também não se junta qualquer documento de natureza bancária (extratos bancários, cheques, transferências bancárias, etc.) porque o Respondente não os tem e os bancos só os disponibilizam desde que os tenham uma data superior a dois anos.”

II.2.2. NOTIFICAÇÃO AO SUJEITO PASSIVO A..

Em 2021/01/08, através do ofício n.º 00000630, foi notificada para prestar esclarecimentos sobre as Manifestações de Fortuna evidenciadas, sendo igualmente enviada a declaração a solicitar, autorização para a derrogação do sigilo bancário (Anexo I).

Sendo que, até ao momento não remeteu qualquer esclarecimento, no âmbito da referida notificação.

Em 2021/04/28, através do ofício n.º 00006628, foi novamente notificada para prestar esclarecimentos, na medida em que se verificou um lapso de preenchimento, relativamente ao valor das viaturas indicados na primeira notificação (Anexo III).

Tendo a notificação sido devolvida em 2021/05/10, com a indicação de “objeto não reclamado”.

III – APRECIAÇÃO DOS FACTOS

(…)

Relativamente aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo P.., verifica-se que não foram apresentados elementos de prova concludentes, que comprovem a origem e a fonte de rendimentos que lhe permitiu efetuar a totalidade das aquisições, evidenciadas no ano de 2018.

Recorde-se que o montante global das aquisições no ano de 2018 ascende a € 659.867,61, sendo que, ao valor de aquisição dos imóveis acresce o valor de € 31.290,68 inerente ao IMT e € 4.400,00 inerente ao imposto de selo.


«imagem no original»

(*) Conforme já indicado, os imóveis (artigos matriciais .. e ...), foram adquiridos pelo valor global de 550.00,00 €.

Em relação à venda do imóvel, o sujeito passivo P.. limitou-se a enviar fotocópia da escritura, não enviando nenhum meio de prova que indicasse que a totalidade do valor realizado foi afeto à aquisição do novo imóvel.

Quanto à aquisição dos veículos automóveis, o sujeito passivo não apresentou igualmente, nenhum meio de prova das afirmações que tece, nomeadamente: prova da permuta efetuada e respetivo valor atribuído inerente à aquisição da Viatura Tesla; prova do valor de venda e do recebimento da viatura Ford matrícula ..; bem como, prova de que tal montante foi afeto a aquisição de outra viatura.

Em relação a aquisição da Viatura Mercedes .., apresentou elementos que evidenciam que a aquisição ocorreu através de um pagamento inicial de € 10.967,61, sendo o restante valor financiado através de um crédito.

Refira-se que as justificações apresentadas pelo sujeito passivo P.. em 2021/01/20 (entrada GPS n.º 2021E000160731), indicam que o preço de aquisição do veículo Tesla, matrícula .. foi de € 53.788,03, cujo pagamento foi realizado com a entrega do veículo Mercedes, matrícula.., com o valor de troca de € 51.538,03, e o montante de € 2.250,00 em numerário;

Porém, nas justificações apresentadas pelo mesmo sujeito passivo em 2021/05/17 (entrada GPS nº 2021E000985360), de modo bem diverso, é indicado que o preço de aquisição do mesmo veículo Tesla, matrícula .. foi de ± € 94.000,00, e o pagamento efetuado com a entrega do veículo Mercedes, matrícula.. e o montante de ± € 42.000,00.

Do exposto, é possível elencar um conjunto de factos, constantes do sistema informático da AT e do teor dos esclarecimentos remetidos pelo mandatário do s.p. P.., discriminados pelos montantes das aquisições e vendas efetuadas, tendo também em consideração os rendimentos declarados, factos esses, demonstrativos de que, mesmo com as justificações apresentadas, e retroagindo aos rendimentos declarados no período de 2015 a 2018, não se afigura possível, que o agregado familiar em causa, tenha reunido os meios financeiros empregues em 2018, tal a diferença substancial verificada entre os referidos meios financeiros e os valores declarados/justificados.

- 14/06/2017 - Compra prédio rústico em Almeirim, artigo matricial…., pelo montante de € 60.000,00, por P..;

- 12/2017 - Rendimentos declarados IRS - Cat. A (Ano de 2017), no montante de € 6.684,00 (Agregado familiar: A…, cônjuge, 1 ascendente/colateral sem rendimentos);

- Saldo do Ano de 2017: € -53.316,00 (€ 6.684,00 - € 60.000,00)

- 06/06/2018 - Compra veiculo Tesla .., pelo montante de € 98.900,00, por Al….;

- 06/06/2018 – Entrega/Venda veiculo Mercedes 250E, matrícula .., por A.. , pelo montante de € 51.538,03, conforme valor indicado pelo SP;

- 06/06/2018 - Venda Ford S-Max .., pelo montante de € 28.000,00, por A.. ;

- 27/07/2018 - Sinal pela venda fração urbana no Areeiro, conforme artigo matricial .., pelo montante de € 86.000,00, por P..;

- 10/09/2018 - Compra veiculo Mercedes X-Class .., pelo montante de € 10.967,61, conforme comprovado pelo SP, A.. ;

- 13/09/2018 - Venda fração urbana no Areeiro, conforme artigo matricial .., pelo montante de € 344.000,00, por P.., conforme intenção de reinvestimento manifestada na Mod. 3 IRS do ano de 2018;

- 21/09/2018 - Compra prédio rústico e urbano em Caneças, conforme artigos matriciais .. e ..., pelo montante de € 550.000,00, por A.. ;

- 12/2018 - Rendimentos declarados IRS - Cat. A (Ano de 2018), no montante de € 6.960,00 (Agregado familiar: A.. , Cônjuge, 1 ascendente/colateral sem rendimentos);

- Saldo do Ano de 2018: € -143.369,58 (€ 51.538,03 + € 28.000,00 + € 86.000,00 + € 344.000,00 + € 6.960,00 - € 98.900,00 - € 10.967,61 - € 550.000,00).

Destaca-se que o sujeito passivo P.., no âmbito do referido agregado familiar, não declarou qualquer rendimento em sede de IRS nos períodos de tributação dos anos de 2015 a 2018 (com exceção do valor recebido pela venda do prédio urbano no Areeiro, mas que, conforme o próprio declara, destina-se a reinvestimento em habitação própria e permanente), confirmando desta forma, que este sujeito passivo, efetivamente, não contribuiu para a economia familiar.

Pelo exposto, conclui-se estarmos perante factos indiciadores da existência de rendimentos não declarados, e bem assim, de estarmos perante factos concretos reveladores que os rendimentos apurados até ao presente momento, no âmbito do procedimento inspetivo em curso, são inferiores à real capacidade aquisitiva evidenciada pelo agregado familiar em análise.

Acresce a estes factos, a falta de elementos de prova concludentes, nomeadamente os extratos bancários que comprovem que os rendimentos declarados correspondem à realidade. (…) – cf. documento a fls. 127-133 dos autos.

D) Por ofício datados de 08/01/2021, com o assunto “IRS 2018 – MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA”, o Recorrente e cônjuge foram notificados para prestar esclarecimentos sobre a aquisição do terreno, do prédio e dos veículos – cf. documento a fls. 136 dos autos.

E) Em resposta ao ofício mencionado na alínea que antecede, o Recorrente declarou, designadamente, o seguinte:

«(…) 2) A aquisição dos imóveis e veículos auto, identificados no citado oficio, foram adquiridos com o recurso aos seguintes meios financeiros:

a) Venda de um imóvel urbano, em 13.09.2018, pelo preço de 430.000,00e (Doc.1);

b) A aquisição do veículo marca Tesla, matricula .., pelo preço de 63.788,03 , foi feita através da entrega (pemuta) de um outro veículo, marca Mercedes (E-260, odi, amg, cabrio), matrícula.., com o valor atribuído de troca de 51.538,03€, pelo que houve apenas o pagamento, em numerário, de 2.250,00;

c) A aquisição da viatura marca Mercedes, matricula .. pelo preço de 10.967,61¬ foi feita (parcialmente) com o produto de venda da viatura Ford S Max Titanium, matricula .., pelo preço de 28.000,00¬; cuja venda foi efectuada em finais de Junho de 2018 e do produto da mesma venda ainda sobrou 20.000,00 € para acudir ás outras compras;

d) Para além dos valores antes referidos provenientes daquelas transacções já descritas, ainda foi utlizado na compra dos bens referidos no oficio supraidentificado, o montante do adiantamento por conta de lucros que a cônjuge mulher auferiu, em dinheiro, no exercicio económico de 2015, no montante de 68.039,07 € (Doc.2).

e) Sem prejuizo obviamente da posse de dinheiro, em numerário, para acudir a esses e outros pagamentos da vida quotidiana dos contribuintes em causa.

Espera-se assim ter satisfeito a curiosidade do Fisco e ter provado e documentado a proveniência dos fluxos financeiros utilizados na aquisição dos bens patrimoniais em causa, pois como diz o ditado "o dinheiro não cai do céu”» – cf. documento a fls. 108-121 dos autos.

F) Por ofício datado de 28/04/2021, com o assunto “IRS 2018 – MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA”, o Recorrente e cônjuge foram notificados para prestar esclarecimentos sobre a aquisição do terreno, do prédio e dos veículos – cf. documento a fls. 140 dos autos.

G) Em resposta ao ofício mencionado na alínea que antecede, o Recorrente declarou, designadamente, o seguinte:

“Sendo certo e quanto às viaturas auto, o Respondente, tendo em conta a alteração dos valores constantes da presente notificação, também se penitencia do lapso cometido na primeira Resposta, pelo que vai o mesmo ser rectificado, como se segue:

a) A viatura marca Tesla, matricula .. e se bem se recorda, foi adquirida pelo preço atribuído de +- 94.000,00 € , aquisição que ocorreu através de uma permuta com a entrega da viatura, marca Mercedes, matricula.., propriedade do Respondente e ainda com o pagamento de +- 42.000,00;

b) Por sua vez, a viatura, marca Mercedes, matrícula .., a sua aquisição ocorreu em 30.08.2018, com o pagamento do valor de 10.967,61€ (entrada e encargos), sendo que o remanescente, foi e está a ser pago através de um crédito concedido e financiado pela Me…., o qual está a ser amortizado em 48 prestações Doc.1

Por fim não se envia a factura da aquisição da viatura .. já que a sua aquisição resultou de uma permuta com outra viatura e por um particular.

Também não se junta qualquer documento de natureza bancária (extractos bancários, cheques, transferéncias bancárias, etc.) porque o Respondente não os tem e os bancos só os disponibilizam desde que os mesmos tenham uma data superior a dois anos.

De qualquer maneira está amplamente explicitado como o Respondente pagou as aquisições em causa, quer imóveis, quer viaturas, não só através da presente Resposta, mas também com a Resposta anteriormente enviada.” – cf. documento a fls. 144-157 dos autos.

H) Em 29/09/2021, a Direção de Finanças de Lisboa efetuou, perante Diretora de Serviços da DSPCIT, pedido de autorização para derrogação do sigilo bancário relativamente ao Recorrente, para o ano de 2018 – cf. documento a fls. 122 dos autos

I) Em 05/11/2021, os serviços de inspeção elaboraram a informação “DSPCIT N.º 174/2021”, na qual se propôs a derrogação de sigilo bancário do Recorrente e que mereceu a concordância do Chefe de Equipa e do Diretor de Serviços, de cujo teor se extrai o seguinte:

“I – INTRODUÇÃO

1 - Em referência à informação que suporta o pedido para aceder a informações e documentos bancários com data de 24/08/2021, remetida, após reformulação, através da comunicação GPS n.º 71112021C331408 de 29/09/2021 da Direção de Finanças de Lisboa – a informação original havia sido remetida através da comunicação GPS n.º 71112021C216656 de 25/06/2021 - elaborada no âmbito do procedimento inspetivo interno, credenciado pela OI201903561, de âmbito parcial (IRS) e relativo ao ano de 2018, somos a informar para os termos e efeitos de acesso a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, conforme o regime jurídico-tributário constante dos artigos 63.º e 63.º-B, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), relativamente ao contribuinte P..., nif 1…(doravante contribuinte visado), para efeitos do apuramento da sua real situação tributária no ano de 2018.

2 – Na predita informação elaborada pela DFLisboa, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, após descrito e analisado um determinado quadro factual, conclui-se pela verificação dos pressupostos constantes do art. 63.º-B da LGT, e, em consequência, propõe-se o acesso a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do respetivo titular.

II- INFORMAÇÃO

A – Factos

3 – Encontra-se a decorrer na DFLisboa o sobredito procedimento inspetivo, no âmbito do qual foi elaborada a predita informação que suporta o pedido para aceder a informações e documentos bancários, onde se encontra detalhadamente descrito o quadro factual que concorre para a fixação da situação sob análise, de onde podemos destacar, pela sua importância, os seguintes factos:

«(…) 1. De acordo com informação disponível, verifica-se que adquiriram, em 2018/09/21, um terreno para construção e um prédio em propriedade total em seu nome, sito na Rua .. em Vale de Moura - Caneças, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos matriciais .. e ..., na União das Freguesias de Ramada e Caneças, no concelho de Odivelas, pelo montante global de 550.000,00€.

2. Também, de acordo com informação disponível, verifica-se que adquiriram, os seguintes veículos automóveis:

Data Marca Matrícula Valor

06-06-2018 Tesla .. 98.900,00 € (*)

10-08-2018 Mercedes-Benz .. 53.788,03 €

(*) Valor declarado na Declaração Aduaneira de Veículo (DAV)

3. Sendo que os sujeitos passivos declararam, em conjunto, na Modelo 3 do IRS de 2018 os seguintes rendimentos brutos:

- Categoria A - € 6.960,00;

- Categoria G - € 430.000,00 (valor de realização) (…)

Em 2021/01/08, através do ofício n.º 00000631, foi o sujeito passivo P.. notificado para prestar esclarecimentos sobre as Manifestações de Fortuna evidenciadas, sendo igualmente enviada a Declaração a solicitar autorização para a derrogação do sigilo bancário.

Em 2021/01/20 (entrada GPS n.º 2021E000160731), no âmbito da resposta à referida notificação, o sujeito passivo P.. não autorizou a derrogação do sigilo bancário (…).

Em 2021/04/28, através do ofício n.º 00006629, foi novamente notificado para prestar esclarecimentos (…).

Relativamente aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo P.., verifica-se que não foram apresentados elementos de prova concludentes, que comprovem a origem e a fonte de rendimentos que lhe permitiu efetuar a totalidade das aquisições, evidenciadas no ano de 2018.

Recorde-se que o montante global das aquisições no ano de 2018 ascende a € 659.867,61, sendo que, ao valor de aquisição dos imóveis acresce o valor de € 31.290,68 inerente ao IMT e € 4.400,00 inerente ao imposto de selo.

Data Descrição Valor Euros

21-09-2018 Imóvel – .. (*)

21-09-2018 Imóvel – .. 550.000,00€

06-06-2018 Tesla – .. 98.900,00€

10-08-2018 Mercedes – .. 10.967,61€

- Total 659.867,61€

(*) Conforme já indicado, os imóveis (artigos matriciais .. e ...), foram adquiridos pelo

valor global de 550.000,00 €; (…)

Do exposto, é possível elencar um conjunto de factos, constantes do sistema informático da AT e do teor dos esclarecimentos remetidos pelo mandatário do s.p. P.., discriminados pelos montantes das aquisições e vendas efetuadas, tendo também em consideração os rendimentos declarados, factos esses, demonstrativos de que, mesmo com as justificações apresentadas, e retroagindo aos rendimentos declarados no período de 2015 a 2018, não se afigura possível, que o agregado familiar em causa, tenha reunido os meios financeiros empregues em 2018, tal a diferença substancial verificada entre os referidos meios financeiros e os valores declarados/justificados.

Assim:

- 2015 - Adiantamento por conta de lucros, no valor de € 68.039,07, realizado por A.. ;

- 12/2015 - Rendimentos declarados IRS - Cat. A (Ano 2015), no valor € 5.040,00 (Agregado familiar: A.. , cônjuge, 3 ascendentes/colaterais sem rendimentos);

* Saldo do Ano de 2015: € 73.079,07 (€ 68.039,07 + € 5.040,00);

- 20/04/2016 - Compra fração urbana Areeiro, artigo matricial .., pelo montante de € 225.000,00, por P..;

- 21/09/2016 - Compra veiculo Mercedes 250 E.., por A.. , pelo montante de € 51.538,03, preço de entrega indicado pelo SP;

- 12/2016 - Rendimentos declarados IRS -Cat. A (Ano 2016), no valor de € 5.040,00 (Agregado familiar: A.. , cônjuge, 3 ascendentes/colaterais sem rendimentos);

* Saldo do Ano de 2016: € - 271.498,03 (€ 5.040,00 - € 225.000,00 - € 51.538,03);

- 14/06/2017 - Compra prédio rústico em Almeirim, artigo matricial ... , pelo montante de € 60.000,00, por P..;

- 12/2017 - Rendimentos declarados IRS - Cat. A (Ano de 2017), no montante de € 6.684,00 (Agregado familiar: A.. , cônjuge, 1 ascendente/colateral sem rendimentos);

* Saldo do Ano de 2017: € -53.316,00 (€ 6.684,00 - € 60.000,00)

- 06/06/2018 - Compra veiculo Tesla .., pelo montante de € 98.900,00, por A.. ;

- 06/06/2018 – Entrega/Venda veiculo Mercedes 250E, matrícula .., por A.. , pelo montante de € 51.538,03, conforme valor indicado pelo SP;

- 06/06/2018 - Venda Ford S-Max .., pelo montante de € 28.000,00, por A.. ;

- 27/07/2018 - Sinal pela venda fração urbana no Areeiro, conforme artigo matricial .., pelo montante de € 86.000,00, por P..;

- 10/09/2018 - Compra veiculo Mercedes X-Class .., pelo montante de € 10.967,61, conforme comprovado pelo SP, A.. ;

- 13/09/2018 - Venda fração urbana no Areeiro, conforme artigo matricial .., pelo montante de € 344.000,00, por P.., conforme intenção de reinvestimento manifestada na Mod.3 IRS do ano de 2018;

- 21/09/2018 - Compra prédio rústico e urbano em Caneças, conforme artigos matriciais .. e ..., pelo montante de € 550.000,00, por A.. ;

- 12/2018 - Rendimentos declarados IRS - Cat. A (Ano de 2018), no montante de € 6.960,00 (Agregado familiar: A.. , Cônjuge, 1 ascendente/colateral sem rendimentos);

* Saldo do Ano de 2018: € -143.369,58 (€ 51.538,03 + € 28.000,00 + € 86.000,00 + €

344.000,00 + € 6.960,00 - € 98.900,00 - € 10.967,61 - € 550.000,00)

Destaca-se que o sujeito passivo P.., no âmbito do referido agregado familiar, não declarou qualquer rendimento em sede de IRS nos períodos de tributação dos anos de 2015 a 2018 (com exceção do valor recebido pela venda do prédio urbano no Areeiro, mas que, conforme o próprio declara, destina-se a reinvestimento em habitação própria e permanente), confirmando desta forma, que este sujeito passivo, efetivamente, não contribuiu para a economia familiar. (…) ».

4 – Não obstante todas as diligências promovidas pela DFLisboa os esclarecimentos prestados pelo contribuinte visado são manifestamente insuficientes para poderem justificar as situações detetadas.

B – Análise

5 – Face ao circunstancialismo constante do teor da predita informação, parece-nos manifesto que a efetiva capacidade tributária do contribuinte visado seja suscetível de ser esclarecida apenas com recurso ao mecanismo legal de acesso direto, sem dependência do respetivo consentimento, por parte da AT e através da DFLisboa, às informações e documentos bancários relativos à conta bancária, ou contas, de que este seja titular ou co-titular.

6 – A DFLisboa subsume o quadro factual sob análise na previsão das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT. Este enquadramento legal merece a nossa concordância.

7 – Assim, e quanto à primeira destas normas legais, os factos expostos na predita informação são conclusivos no sentido de indiciarem omissão de declaração de rendimentos auferidos, pois não é possível, à luz de qualquer critério, aceitar como válida uma situação tributária como aquela que o contribuinte visado declara em sede de IRS no período de tributação de 2018, com rendimentos de trabalho dependente auferidos pelo agregado familiar de €6.960 e um valor de realização respeitante a um bem imóvel de €430.000 cuja intenção de reinvestimento foi manifestada, quando o montante total dos meios financeiros mobilizados para aquisição de bens imóveis e móveis ascendeu aos €659.867,61, sendo possível, consequentemente, considerar como não verdadeiros os valores inscritos na mod. 3 do IRS relativa ao período de tributação de 2018 apresentada pelo contribuinte visado, daqui resultando a verificação do pressuposto de facto previsto no segmento inicial da al. b) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT.

8 – No atinente à alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B, na medida em que expressamente remete para a al. f) do n.º 1 do art. 87.º, ambos da LGT, torna-se necessário avaliar se os dois pressupostos de facto constantes desta última disposição se encontram plenamente verificados.

9 – Assim, e começando pelo primeiro pressuposto do acréscimo patrimonial ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, ascender a mais de €100.000, a mera constatação de que o contribuinte visado mobilizou, em 2018, o montante total de €659.867,61 para aquisição de bens imóveis e móveis, e cuja proveniência os esclarecimentos apresentados não conseguiram justificar, constitui valor bastante superior aos €100.000 prescritos na al. f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, tanto bastando para considerar verificado o primeiro dos pressupostos previstos neste preceito.

10 – Quanto ao segundo e último dos pressupostos de facto previsto no segundo segmento da al. f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, consubstanciado na existência, no ano de 2018, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, o contribuinte visado, no âmbito do seu agregado familiar, declarou rendimentos em sede de IRS respeitantes a trabalho dependente no montante de €6.960 e um valor de realização respeitante a um bem imóvel de €430.000 cuja intenção de reinvestimento foi manifestada.

11 – A magnitude da diferença entre o rendimento declarado pelo contribuinte visado em 2018 e o montante total do capital mobilizado para a aquisição de bens imóveis e móveis ascende a €-222.907,61 [ ( €430.000 + €6.960 ) - €659.867,61 ], sem que este tenha justificado tamanha divergência.

12 – Na medida em que o contribuinte visado, nos esclarecimentos apresentados invoca circunstâncias ocorridas em períodos de tributação anteriores ao de 2018, importa relembrar que o saldo acumulado entre os rendimentos declarados e as mobilizações financeiras para aquisições de bens imóveis e móveis realizadas pelo agregado familiar entre os anos de 2015 e 2017 ascende aos €-251.734,96, e se a este período juntarmos o ano de 2018, o saldo aumenta para os €-395.103,54, como se encontra discriminado na predita informação.

13 – Perante a magnitude da desproporção entre os montantes mencionados é óbvia a impossibilidade de justificar as divergências assinaladas. Aliás, prova desta impossibilidade reside na contradição cometida pelo contribuinte visado na indicação do preço de aquisição do veiculo Tesla com a matricula n.º .., indicando o montante de €53.788,03 nos esclarecimentos apresentados em 20/01/2021, indicando depois, nos esclarecimentos remetidos em 17/05/2021, o montante de ¬±€94.000,00.

14 – Assim, pode-se considerar integralmente verificado este último pressuposto de facto, e, portanto, encontram-se plenamente verificados os pressupostos consagrados na al. f) do n.º 1 do art. 87.º, e, consequentemente, o condicionalismo legal imposto pela al. c) do n.º 1 do art. 63.º-B, ambos da LGT.

15 – Quanto aos requisitos de natureza procedimental e começando por aquele que se encontra previsto na parte inicial do n.º 4 do art. 63.º-B da LGT, consideramos que a exigência à qualidade da fundamentação aduzida na predita informação se encontra plenamente cumprida, sendo suficiente, clara e congruente, nela se encontrando bem expressas as razões justificativas do recurso à aplicação da derrogação do sigilo bancário configurar o meio necessário, adequado e proporcionado para obter os elementos necessários à plena elucidação da situação contributiva do contribuinte visado, visto não haver outra forma de aceder à informação pretendida.

16 – Encontram-se, portanto, plenamente verificados os condicionalismos legais exigidos pelo art. 63.º-B da LGT para propor que seja solicitado à Exma. Sra. Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorização para aceder a todas as informações e documentos bancários – atento o disposto a este respeito no n.º 10 do mesmo artigo - relativos à conta bancária, ou contas, de que o contribuinte visado, P.., seja titular ou co-titular, sem dependência do respetivo consentimento e na prossecução do princípio norteador inspetivo da descoberta da verdade material consagrado nos artigos 58.º da LGT e 6.º do RCPITA, relativamente ao período compreendido entre 01/01/2018 e 31/12/2018.

Pelo que,

17 - Considerando os factos trazidos ao nosso conhecimento e cumprindo a fundamentação constante da informação que suporta o pedido para aceder a informações e documentos bancários com data de 24/08/2021 da DFLisboa os requisitos estabelecidos no n.º 4 do art.

63.º-B da LGT, parece-nos que se encontram integralmente verificados os pressupostos jurídico-tributários previstos nos arts. 63.º e 63.º-B, ambos da LGT, para aceder às informações e documentos bancários relativos à conta bancária, ou contas, de que o contribuinte P..., nif …, seja titular ou co-titular e sem dependência do respetivo consentimento, para efeitos do apuramento da sua efetiva situação tributária relativamente ao período compreendido entre 01/01/2018 e 31/12/2018, no cumprimento do imperativo legal da descoberta da verdade material consagrado nos artigos 58.º da LGT e 6.º do RCPITA.” – cf. documento a fls. 101-105 dos autos.

J) Em 11/11/2021, foi proferida decisão pela Diretora-Geral da Autoridade Tributária, com o seguinte teor:

“1. Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Direção de Finanças de Lisboa, prestada no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI201903561, bem como com os pareceres e despacho nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º 4 do mesmo preceito legal, autorizo que funcionários da Inspeção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder diretamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo P..., com o número de identificação fiscal 194233880, com referência ao período compreendido entre 01 de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2018.

2. Devolva-se o processo à Direção de Finanças de Lisboa para efeitos de prosseguir o procedimento de levantamento do segredo bancário.” – cf. documento a fls. 98 dos autos.

K) O Recorrente não foi notificado para se pronunciar, em audição prévia, sobre a decisão mencionada na alínea que antecede – facto não controvertido.

L) Em 06/04/2022, o Recorrente foi notificado da decisão mencionada na alínea que antecede – facto não controvertido.

M) A petição inicial da presente ação foi apresentada em 18/04/2022, via SITAF – cf. documento a fls. 1-3 dos autos.”


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.”


***

A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão dentro das várias soluções plausíveis das questões de direito [nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, este último preceito aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT].


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C) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente o recurso da decisão da Diretora-Geral da ATA, proferida em 11 de novembro de 2021, que autorizou o acesso a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas do Recorrente.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

i. A decisão recorrida padece de nulidade por violação do princípio do contraditório na medida em que:

a. Fixou, autoritária e unilateralmente, o valor da causa sem a pronúncia prévia do Recorrente e das suas razões;

b. Desprezou e postergou a demais prova processual invocada e produzida pelo Recorrente.

ii. O Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia acarretando, por conseguinte, a nulidade da decisão recorrida;

iii. Improcedendo as aludidas nulidades, existe erro na fixação do valor da causa e ocorre violação do inquisitório e deficit instrutório, porquanto a prova requerida se revelava fundamental para a presente lide;

iv. Padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao ter sentenciado que:

a. Inexiste a apontada preterição de formalidade essencial atinente à notificação após o decurso do prazo de trinta dias;

b. Improcede o vício de falta de fundamentação formal assacado à decisão de derrogação do sigilo bancário;

c. Estão reunidos os pressupostos legais para a prolação da decisão de derrogação do sigilo bancário, particularmente a existência de indícios recolhidos, revelando-se conforme aos ditames da proporcionalidade e em cumprimento das exigências legais estabelecidas nos artigos 63.º B, nº1, alínea c), e 87.º, nº1, alínea f), da LGT.


***

Vejamos, então.

Comecemos, então, pela nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório.

De harmonia, com o disposto no artigo 125.º do CPPT, “constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Por seu turno, preceitua a lei processual civil subsidiariamente aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, concretamente o disposto no artigo 615.º, nº1, que:

“É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Ora, atentando no regime normativo supra expendido é por demais evidente que a eventual violação do princípio do contraditório não consubstancia uma nulidade da sentença, quando muito, verificando-se, pode ocorrer uma nulidade processual em ordem ao consignado no artigo 195.º, nº1 do CPC

Com efeito, são realidades não confundíveis, donde, perfeitamente autónomas e com cominações distintas, as nulidades processuais praticadas em razão da omissão de um ato que a lei prescreva, mormente, concatenada com um ato de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, e a própria nulidade da sentença, consubstanciada com um vício do conteúdo do ato.

É certo que o Recorrente embora concluindo pela nulidade da decisão descreve as realidades em contenda como desvios ao formalismo processual, porquanto entende que a falta de indicação do valor e bem assim a falta de pronúncia quanto à postergação da demais prova produzida, traduzem esse desvio, donde nulidade, mas a verdade é que também não lhe assiste razão.

Senão vejamos.

O princípio do contraditório, é um princípio estrutural do processo (1), com consagração no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e no n.º 1 do, artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e genericamente reconhecido no artigo 3.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, segundo o qual “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

O aludido princípio visa assegurar não só a igualdade das partes, como evitar as decisões-surpresa traduzindo-se “[f]undamentalmente, no direito de a parte, em qualquer fase do processo, «influenciar a decisão» [artigo 3º do CPC], e, no plano da prova, «exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos [principais e instrumentais] da causa […]» [José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 1996, páginas 98 e 99].

O direito à prova surge, assim, como uma «dimensão ineliminável do direito ao processo equitativo», que, por seu turno, constitui parte integrante do princípio material da igualdade. E densifica-se no «direito de oferecer e produzir provas, controlar as provas do adversário, e discretear sobre o valor de umas e outras, nos termos previstos na lei” (2).

Neste particular, e enquanto reflexo da consagração deste princípio basilar importa convocar o artigo 415.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, o qual sob a epígrafe de “princípio da audiência contraditória” dispõe que “[s]alvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas”. Assim, e centrando-nos apenas nas provas já constituídas, a apreciação dos elementos de prova constantes do processo deve ser precedida do contraditório”(3).

Resulta, assim, que tal princípio visa, desde logo, evitar a ocorrência de decisões surpresa, com as quais as partes não podiam legitimamente contar, mesmo quando se está perante questões de conhecimento oficioso, sendo que a sua inobservância constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa.

Com efeito, a omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo certo que a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, subsume-se normativamente no artigo 195.º do CPC, pelo que configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no artigo 199º CPC (4).

Sendo que quanto ao âmbito e extensão de “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”, e uma vez que a lei não fornece uma definição para esse efeito, diz-nos ALBERTO DOS REIS que: “[o]s atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela (5) “.

Ora, face aos considerandos supra expendidos e transpondo-os para o caso em apreço, é por demais evidente que não se verifica qualquer desvio processual que possa acarretar uma nulidade processual.

E isto, desde logo, porque o Recorrente foi oportunamente notificado da oposição apresentada pela Recorrida, na qual esta manifestou a sua discordância quanto ao valor da causa indicada na p.i., tendo, por conseguinte, sido assegurado o contraditório e, ulteriormente, fixado o valor da causa no saneamento da sentença, em conformidade com o preceituado na lei.

Com efeito, é preciso ter presente que quem fixa o valor à causa não são as partes, mas o Tribunal, resultando tal asserção, inequivocamente, do disposto no artigo 306.º do CPC, de cujo n.º 1 decorre que “[c]ompete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes”.

Significa isto que as partes têm um mero dever de indicação (cfr. artigo 297.º e ss. do CPC) ou de impugnação e indicação (cfr. artigo 305.º, n.º 1, do CPC), sendo que o valor da causa é fixado pelo juiz (sendo, em sede de contencioso tributário, de ter em conta ainda o disposto no artigo 97.º-A do CPPT).

Assim, pese embora o Recorrente tenha indicado na p.i. um valor distinto do fixado na sentença, tal em nada acarreta qualquer violação do princípio do contraditório, nem, tão-pouco, qualquer vinculação por parte do julgador, na medida em que o Tribunal é livre de fixar qualquer valor, sendo que a discordância do mesmo pode e deve ser objeto de recurso.

Com efeito, o valor da causa – a par das concretas questões suscitadas pelas partes ou de outras que sejam do conhecimento oficioso – constitui matéria sujeita ao julgamento do tribunal, donde a sua fixação é uma das vertentes do julgado, integrante da sentença.

Aliás, atentando nas suas alegações de recurso e ainda que de forma eminentemente conclusiva, constata-se que o Recorrente sindica, enquanto erro de julgamento, essa fixação, logo em nada ocorre uma nulidade processual, quando muito erro de julgamento que será apreciado em sede própria.

Mas, igual conclusão se terá de inferir para a arguida postergação da “[d]emais prova processual invocada e produzida pelo Recorrente”, não só porque, por um lado, tal alegação não se encontra minimamente substanciada, como, por outro lado, inferindo-se que a mesma está relacionada com a dispensa de produção de declarações de parte em nada pode acarretar qualquer desvio ou irregularidade processual, concretamente, do contraditório.

No âmbito do processo judicial tributário compete ao juiz avaliar, casuisticamente, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sempre tendo presente que a instrução tem por objeto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Com efeito, e quanto à concreta produção de prova testemunhal e demais prova, mormente, declarações de parte no processo judicial, compete ao juiz aferir se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que regulamentam a admissibilidade desse meio de prova, e, em caso afirmativo, aquilatar da pertinência e acuidade da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, sendo que só é possível a sua dispensa caso a mesma seja manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.

Aliás, tal é o que dimana do consignado no artigo 13.º, n.º 1, do CPPT segundo o qual “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”

Logo, está no arbítrio do julgador realizar ou não as provas requeridas pelas partes, não tendo, naturalmente, que existir um prévio convite de pronúncia, até porque, em bom rigor, a sindicância dessa falta valoração pode e deve ser escrutinada em sede de recurso, mormente, enquanto deficit instrutório.

Assim, face ao exposto inexiste a apontada violação do princípio do contraditório.

Uma última nota para referenciar que não logra provimento o aduzido em V), não só porque inexistem, como visto, as aludidas violações do ritualismo processual, como não se vislumbra qualquer violação das garantias da imparcialidade e independência, que possam materializar qualquer postergação ou ablação de direito de defesa.

Atentemos, ora, na nulidade da decisão por excesso de pronúncia.

De harmonia com o disposto no artigo 125.º, nº1, do CPPT, constitui causa de nulidade da sentença “a pronúncia sobre questões que não deva conhecer “.

Por seu turno, o artigo 615.º alínea d) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe que : “O juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Dir-se-á, portanto, que o vício de excesso de pronúncia ocorre sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, ou seja, ele ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (6).

Nessa medida, se o juiz conhece de questão, que o Autor e Réu não lhe submeteram, a sentença enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).

In casu, o Recorrente argui nulidade da decisão, mas não a substancia, não se aquilatando quais as razões porque entende que a mesma padece de tal nulidade.

Com efeito, limita-se a alegar que o Tribunal a quo incorre em excesso de pronúncia porquanto legitimou prova documental que extravasa o período tributário em causa, mas a verdade é que não se alcança qual a aludida prova documental, em que medida a mesma acarreta e exorbita os seus poderes de cognição e de que forma.

Ademais, a eventual consideração de prova documental que ultrapasse o âmbito objetivo da lide pode, quando muito, constituir erro de julgamento, mas não excesso de pronúncia na medida em que tal não pode ser entendido como uma questão a resolver.

Neste particular, importa convocar o doutrinado no Aresto do Supremo Tribunal de Justiça, prolatado no processo nº 7095/10, datado de 23 de março de 2017: “[o] não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. (…) O mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.”

E, por assim ser improcede, também, a arguida nulidade da decisão por excesso de pronúncia.

Atentemos, ora, no erro de julgamento atinente à fixação do valor do processo.

O Tribunal a quo fixou o valor do processo convocando a seguinte fundamentação jurídica “[à] causa deve ser atribuído um valor nos termos do artigo 31.º, n.º 4 do CPTA aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º do CPPT.

Fixa-se à causa o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) cf. aplicação conjugada do artigo 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, com o artigo 6.º, n.º 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.”

O Recorrente limita-se a genérica e conclusivamente aludir que o valor por si declarado corresponde aos critérios que constavam do revogado nº2 do artigo 97.º A, do CPPT, quando conjugado com o artigo 105.º da LGT e com o artigo 280.º, nº2 do CPPT.

No entanto, encontrando-nos perante um recurso da decisão que legitimou o acesso bancário nenhuma censura merece a decisão recorrida ao ter entendido que o valor da causa era indeterminável, fixando, assim, e em ordem ao consignado no artigo 34.º, nºs 1 e 2 do CPTA, que o valor da causa cifrar-se-ia em €30.001,00.

Neste particular, convoque-se o doutrinado no Acórdão deste Tribunal, prolatado no processo nº 3/20.9BELRA datado de 25 de junho de 2020, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“Nos processos sobre acesso a documentação bancária estão em causa interesses não quantificáveis, pelo que será aplicável, subsidiariamente, por força do preceituado no artigo 2º, alínea c), do CPPT, o artigo 34º, nº 2, do CPTA, que estabelece que, quando o valor da causa seja indeterminável, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, dispondo o nº1 do mesmo preceito, além do mais, que “consideram-se de valor indeterminável os processos respeitantes a bens imateriais …”. É o caso do recurso da decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação bancária, previsto no artigo 146º -B do CPPT. Note-se que o artigo 97º-A do CPPT respeitante aos valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, não prevê o caso dos processos em que estão em causa interesses não quantificáveis, de valor indeterminável, pelo que, por força do artigo 2º, alínea d) do CPPT, impõe-se a aplicação do CPTA.

Ora, de acordo com o nº 4 do artigo 6º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a alçada dos tribunais centrais administrativos corresponde à que se encontra estabelecida para os tribunais da Relação, a qual corresponde a € 30.000,00 nos termos do disposto no nº 1 do artigo 44º da Lei da organização do sistema judiciário.

Quer isto dizer que o valor dos processos em que estejam em causa interesses imateriais é de € 30.000,01 – neste sentido, também, J Lopes de Sousa, obra citada, págs. 563 e 564.”

Ora, face ao supra expendido, e tendo presente que foi nesse sentido que decidiu o Tribunal a quo, nenhum erro de julgamento existe relativamente à fixação do valor da ação.

No atinente ao erro de julgamento concatenado com a dispensa de prova requerida -e ainda que, como visto, as alegações neste concreto particular não sejam claras- se bem interpretamos a pretensão do Recorrente, o mesmo advoga que deve ser concedido a cada uma das partes a faculdade de aduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de uma e outras.

Relevando, adicionalmente, que o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de a norma do artigo 146.ºB, nº3, do CPPT dever ser julgada inconstitucional no segmento que veda em qualquer caso a possibilidade de o contribuinte poder produzir outro tipo de prova e não só a documental.

Mas a verdade é que, não logra provimento o entendimento propugnado pelo Recorrente não se vislumbrando qualquer erro de julgamento, desde logo, porque contrariamente ao propugnado pelo Recorrente o Tribunal não cerceou injustificadamente o recurso à prova requerida, concretamente, à prestação de declarações de parte.

Com efeito, o Tribunal a quo, fundamentadamente, ajuizou que a aludida prova era dispensável face à prova já carreada aos autos.

Para o efeito, atente-se na fundamentação em que se esteou o Tribunal a quo e que, ora, se transcreve:

“Decorre do disposto no artigo 13.º do CPPT, que apenas devem ser realizadas as diligências úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que cumpra conhecer.

No caso dos autos, compulsados os documentos juntos pelas partes e a posição assumida pelas mesmas nos seus articulados, verifica-se ser já possível apurar todos os factos relevantes para a decisão a proferir na presente instância, não se vislumbrando utilidade na requerida produção de prova.

Assim, dispensa-se a produção de prova por declarações de parte requerida pelo Recorrente.”

Ora, como é bom de ver, o Tribunal a quo, ajuizou, expressa e claramente, da necessidade da requerida produção de prova através de declarações de parte, concluindo que, perante a prova documental já constante dos autos, a mesma se revelava inútil, desde logo, porque o Recorrente se pronunciou no procedimento tributário sobre as mesmas questões ora em dissídio e, tendo sido chamado a juntar elementos necessários ao apuramento da sua real situação tributária não logrou fazê-lo com sucesso.

Ademais, importa ter presente que as declarações de parte se dirigem “[à]s situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidade de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes.” [Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães, processo nº 294/16, de 18.01.2018]

Sendo que, in casu, e conforme resulta da fundamentação constante na decisão recorrida –e cujo acerto será analisado em sede própria- verificou-se, nos presentes autos, uma total ausência de prova documental a corroborar ou a indiciar o que vem alegado pelo Recorrente, pelo que as declarações de parte não teriam sequer um objeto para firmar, considerando que o que se pretendia na presente ação era aferir se a Recorrida se encontrava legitimada para proferir decisão de levantamento do sigilo bancário. Donde, implicava provar, designadamente, que não existiam divergências entre os acréscimos de patrimónios/despesas efetuadas e os rendimentos declarados ou, existindo essa divergência, que o Recorrente tinha justificado a mesma, designadamente, através da prova da proveniência dos meios financeiros utilizados e das operações que alega terem tido lugar (designadamente, a permuta de veículos automóveis).

Pelo que, inexiste qualquer deficit instrutório, irregularidade processual, ou violação do inquisitório, até porque os artigos da p.i. a que são requeridas as declarações de parte carecem, naturalmente, de produção de prova documental. Ademais, importa sublinhar, in fine, que, como ajuizado por este TCAS, no processo nº 1002/17, datado de 10 de março de 2022, “[n]ão podemos perder de vista que ainda que as declarações sejam espontâneas, e prestadas sem hesitações, a verdade é que o Tribunal não pode descurar a circunstância de que o gerente é parte interessada nos presentes autos, ou seja, tem interesse no resultado da ação e, nessa medida, o seu depoimento tem de ser valorado com essa circunstância específica. Acresce, outrossim, que a declaração de parte se revela de superior interesse no que tange a factos de índole estritamente pessoal e demonstráveis por prova tendencialmente única, circunstancialismo que não sucede no caso vertente.”

Atentemos, ora, no erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

O Recorrente começa por advogar que o Tribunal a quo apreciou incorretamente a aduzida preterição de formalidade essencial concatenada com o prazo de notificação da decisão de derrogação do sigilo bancário.

Sustenta, para o efeito, que errou, de facto e de direito, ao não ter reconhecido a ocorrência de uma preterição de uma formalidade essencial caracterizada pela intempestividade assacada à decisão administrativa da derrogação do sigilo bancário, a qual teria, forçosamente, nos termos da lei, de ser notificada no prazo de 30 dias após a sua prolação, o que viola o artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT.

Mais aduz que, interpretou incorretamente a questão atinente ao vício formal da falta de fundamentação, porquanto ao não reconhecer que aquela mesma decisão administrativa carecia da menção expressa dos fundamentos, ou seja, de que a mesma deveria carrear as razões de facto e de direito que justificam a pretendida derrogação, como impõe a referida disposição legal, implica erro de julgamento.

Pugna, a final, pela incorreta apreciação dos pressupostos legais que legitimam a derrogação do sigilo bancário, na medida em que o Recorrente fez prova da proveniência dos seus rendimentos, inexistindo qualquer indício de manifestação de fortuna, indevidamente justificado.

Vejamos, então.

Para o efeito, importa, desde já, convocar o quadro normativo que para os autos releva.

Preceitua o artigo 63.º da LGT, sob a epígrafe de “Inspeção” que:

“1 - Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:

a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua atividade ou com a dos demais obrigados fiscais;

b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua situação tributária;

c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução;

d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas;

e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;

f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da ação inspetiva.

2 - O acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.

3 - Sem prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C.”

Regulando, por seu turno, o artigo 63.º B do mesmo diploma legal relativamente ao acesso a informações e documentos bancários, designadamente, que:

“1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 317/2009, de 30 de outubro, e 242/2012, de 7 de novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:

a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;

b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;

c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º;

d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada ou dos sujeitos passivos de IVA que tenham optado pelo regime de IVA de caixa;

e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua;

f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indireta.

g) Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança social.

h) Quando se trate de informações solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja vinculado.

i) Constitui também fundamento da derrogação do sigilo bancário, em sede de procedimento administrativo de inspeção tributária, a comunicação de operações suspeitas, remetidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e pela Unidade de Informação Financeira (UIF), no âmbito da legislação relativa à prevenção e repressão do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

2 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder diretamente aos documentos bancários e aos documentos emitidos por outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.

3 - (Revogado pela Lei n.º 94/2009, de 1/9).

4 - As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, salvo o disposto no número seguinte e no n.º 13, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ou dos seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.

5 - Os atos praticados ao abrigo da competência definida no n.º 1 são suscetíveis de recurso judicial com efeito meramente devolutivo e, sem prejuízo do disposto no n.º 13, os atos previstos no n.º 2 dependem da audição prévia do familiar ou terceiro e são suscetíveis de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes.

6 - Nos casos de deferimento do recurso previsto no número anterior, os elementos de prova entretanto obtidos não podem ser utilizados para qualquer efeito em desfavor do contribuinte.(…)”

Mais importando ter presente o consignado no citado artigo 87.º, nº1, alínea f), da LGT, o qual preceitua, no atinente ao acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, que a mesma consubstanciar-se-á “[e]m valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.”

Ora, da interpretação conjugada dos citados normativos resulta que a AT tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, sem depender do consentimento do titular dos elementos protegidos, quando, designadamente, “se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível” ou “se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º”.

Significa isto, então, que uma vez verificada a situação prevista no citado artigo 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT, cabe ao contribuinte comprovar corresponderem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo patrimonial ou da despesa efetuada.

Importando, outrossim, ressalvar que as decisões da AT de derrogação do sigilo bancário devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, em regra, notificadas aos interessados no prazo de trinta dias após a sua emissão.

Sendo, ainda, de ressalvar que a AT tem o poder de aceder diretamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, carecendo, no entanto, de audição prévia do familiar ou terceiro.

Visto o direito que releva para os autos, vejamos, então, se lhe assiste razão nos assacados vícios.

Comecemos pelo erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito atinentes à falta de notificação da decisão no prazo de 30 dias, em conformidade com o consignado no artigo 63.º -B, nº4, da LGT.

Neste particular, ajuizou a decisão recorrida mediante convocação de Jurisprudência reputada de relevante para o caso vertente que a notificação efetuada após o decurso dos aludidos 30 dias não tem efeitos invalidantes, configurando somente uma formalidade externa ao ato.

E, de facto, nenhuma censura merece o entendimento propugnado na decisão recorrida o qual se secunda. De resto, sempre se dirá que o Recorrente nada refuta quanto à argumentação e fundamentação expendida na sentença visada, limitando-se a reproduzir o já exposto em sede de articulado inicial.

Neste particular, chama-se à colação o Aresto prolatado pelo STA, no processo nº0128/18, datado de 18 de abril de 2018, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“[s]alvo norma expressa em sentido contrário, a notificação não constitui requisito de validade de um acto tributário ou de um acto administrativo em matéria tributária. E, por outro lado, a omissão de notificação do acto de derrogação do sigilo bancário no prazo de 30 dias não afecta sequer a sua eficácia, uma vez que a Administração Tributária pode, logo após a emissão deste, ter acesso à informação bancária, ainda que essa notificação se imponha com vista a abrir ao contribuinte a possibilidade de suscitar o controlo jurisdicional da legalidade do acto, mediante a apresentação do respectivo recurso judicial. (…) No caso em análise, apesar de a notificação da decisão de derrogação do sigilo bancário ter sido realizada para lá do prazo de 30 dias, os recorrentes exercerem o direito de recurso judicial no prazo legal de 10 dias contados da notificação do acto; caso o recurso obtivesse provimento, os elementos de prova entretanto obtidos pela Administração Tributária não poderiam ser utilizados para qualquer efeito em seu desfavor.”

Nessa medida, não se vislumbrando que a aludida preterição tenha coartado quaisquer direitos ao Recorrente -de resto realidade não alegada e substanciada- e tendo presente, como visto, que apenas com a notificação da decisão ao Recorrente, em ordem ao consignado no artigo 63.º-B, nº4, da LGT, poderão ser espoletados os meios contenciosos regulados na lei para efeitos de defesa da sua pretensão, mormente, interposição do recurso contemplado no artigo 146.º A do CPPT, expediente processual que, in casu, foi adotado pelo Recorrente, dimana inequívoco que inexiste qualquer preterição que permita validar o entendimento preconizado pelo Recorrente.

E por assim ser improcede, na íntegra, o assacado erro de julgamento.

Prosseguindo.

No concernente ao erro de julgamento atinente à falta de fundamentação formal o mesmo não logra, igualmente, provimento.

Senão vejamos.

Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Neste concreto particular, preceitua o artigo 63.º B, nº4 da LGT que “[a]s decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam.”

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (7).

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (8).

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (9)”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09) (10)” (destaques nossos).

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

In casu, compulsado o teor do ato impugnado verifica-se que, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, o mesmo encontra-se fundamentado, de facto e de direito, permitindo ao destinatário percecionar quais as razões que motivaram a manutenção do despacho que legitimou a derrogação do sigilo bancário.

Sendo que, como é consabido, e como dimana expresso do consignado no artigo 77.º, nº1 da LGT o nosso ordenamento permite a fundamentação por remissão, donde o Autor do ato pode, por essa via, fazer sua a fundamentação elaborada por outrem, desde que para ela remeta e sem que isso consubstancie qualquer irregularidade.

Como doutrinado pelo TCA Norte, no sumário do Acórdão proferido no processo nº 03102/18, de 02 de julho de 2020, “Pela natureza dos direitos e interesses envolvidos, a decisão que determina o acesso directo aos documentos bancários deve ser formalmente fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT e artigo 268.º, n.º 3, da CRP). Esta fundamentação pode, no entanto, por razões de praticabilidade, ser efectuada por remissão para os fundamentos constantes de um parecer ou informação, os quais passarão a fazer parte integrante da decisão (artigo 77.º, n.º 1, da LGT e artigo 153.º, n.º 1, do CPA).”

Ora, in casu, como decorre da factualidade assente e conforme evidenciado pelo Tribunal a quo, o ato impugnado corporiza uma fundamentação por remissão, legalmente admissível, dela constando expressa e clara menção e remissão para a informação da Direção de Finanças de Lisboa, prestada no âmbito da Ordem de Serviço nº OI201903561, a qual enuncia, fundada e justificadamente, os pressupostos de facto e de direito que alicerçaram a decisão de derrogação do sigilo bancário.

Com efeito, o ato impugnado começa por fazer uma resenha fática da questão, relevando, com a devida particularização, as visadas aquisições de bens imóveis e móveis sujeitos a registo, com todas as especificidades a elas inerentes, extrapolando depois as devidas consequências em termos de regime normativo e respetivas cominações, com o devido enfoque nos esclarecimentos prestados e insuficiência probatória.

Ora, face a todo o exposto, entende-se que o ato impugnado não padece da arguida falta de fundamentação formal, conseguindo-se apreender as razões subjacentes à visada derrogação do sigilo bancário, sendo, por isso, possível o seu escrutínio. Aliás, tal resulta inequívoco do teor das alegações da p.i. e bem assim do presente recurso.

Note-se que, se essa fundamentação está correta ou não, ou seja, se permite alicerçar a derrogação do sigilo bancário, tal já redunda na fundamentação substancial, que não formal, donde no erro de julgamento e que será apreciada ulteriormente.

Improcede, assim, a arguida falta de fundamentação do despacho impugnado.

Ora, tendo presente que o Recorrente se conformou a improcedência da preterição de formalidade essencial atinente ao exercício de audição prévia, visto que das suas conclusões e bem assim do corpo das suas alegações nada é refutado, contraditado e/ou arguido nesse e para esse efeito-aliás do artigo 30.º das suas alegações retira-se essa anuência- importa analisar o vício atinente ao cumprimento do ónus probatório relativamente aos requisitos contemplados na lei.

No concernente ao aduzido erro de julgamento, sustenta o Recorrente que provou, justificou e fundamentou os meios financeiros com vista à obtenção dos bens imóveis e móveis sujeitos a registo.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo relevado, designadamente, o seguinte:

“Resulta da factualidade assente que o Recorrente apresentou a declaração de rendimentos de IRS, referente ao ano 2018.

Assim, o que cumpre aferir é i) se os acréscimos de património e/ou as despesas efetuadas pelo Recorrente nesse período são divergentes dos rendimentos declarados; e, em caso afirmativo, ii) se tal divergência se encontra justificada.

Ora, o Recorrente, em 2018, declarou rendimentos da categoria A no montante de € 6.960,00; e, declarou rendimentos da categoria G no montante de € 430.000,00 (correspondente ao valor de realização da transmissão de imóvel com intenção de reinvestimento em habitação permanente).

Por outro lado, também em 2018, o Recorrente efetuou aquisições no montante global de € 659.867,61, desdobrando-se este valor nas seguintes aquisições:

- aquisição de imóvel, no valor de € 550.000,00;

- aquisição de dois veículos, no valor de € 98.900,00 e € 53.788,03.

Do confronto entre os rendimentos declarados e a despesa efetuada em 2018, resulta claro que esta é superior a € 100.000,00 e que é manifestamente divergente da capacidade económica revelada nos rendimentos declarados pelo Recorrente.

Pelo que se verificam os dois pressupostos legais positivos.

Cumpre agora verificar se a divergência encontrada se encontra justificada pelo Recorrente [a quem incumbe essa prova, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT].

No âmbito da ação inspetiva em curso, foi solicitado ao Recorrente que prestasse esclarecimentos sobre os meios utilizados para a aquisição, efetuada no ao 2018, de um terreno e de um prédio, e ainda, de dois veículos.

No que respeita à aquisição dos dois veículos, o Recorrente não apresentou prova da permuta alegadamente efetuada (troca do veículo Tesla e o veículo Mercedes), nem tão pouco da alienação do veículo Ford, cujo produto de venda putativamente serviu para as aquisições posteriores.

Poderá mesmo dizer-se que o Recorrente apenas logra demonstrar, cabalmente, a contração de crédito para aquisição de um dos veículos.

De resto, limita-se a alegar genericamente a ocorrência de operações, sem sustentar o que alega em qualquer documentação e não cumprindo o ónus de esclarecer a causa e origem dos movimentos financeiros em apreço; acresce que, como bem analisaram os serviços da Autoridade Tributária, os rendimentos declarados, em sede de IRS, pelo Recorrente e cônjuge também não permitem desvelar a origem dos montantes utilizados para estas aquisições, pois são valores pouco representativos comprados ao capital investido em 2018.

Conclui-se, assim, não se encontrar justificada a divergência detetada.

Pelo que, soçobram os argumentos do Recorrente, encontrando-se a decisão impugnada legitimada pelos indícios recolhidos, revelando-se conforme aos ditames da proporcionalidade e em cumprimento das exigências legais estabelecidas nos artigos 63.º-B, n.º 1, alínea c) e 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT.”

Ora, face ao supra expendido e tendo presente que a matéria de facto não foi objeto de qualquer impugnação e que resulta inequívoco que a norma do artigo 63.º-B, n.º 1, alínea c) da LGT, confere à AT o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, sem depender do consentimento do titular dos elementos protegidos, quando “se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º”, e que uma vez verificada tal subsunção normativa compete ao contribuinte comprovar corresponderem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo patrimonial ou da despesa efetuada, ter-se-á de validar o ajuizado pelo Tribunal a quo.

E isto porque, em conformidade com o aduzido pela Entidade Impugnada e corroborado e validado pelo Tribunal a quo, face à matéria de facto contemplada no probatório os acréscimos de património são, efetivamente, divergentes dos rendimentos declarados no ano de 2018, sendo que essa divergência não foi justificada.

In casu, e como resulta do acervo fático, devidamente estabilizado, do confronto entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património e as despesas efetuadas, promana perentório um valor diferencial superior a €100.000,00, donde, divergente da capacidade económica manifestada e declarada. Destarte, inversamente ao advogado pelo Recorrente, a mesma não foi ilidida e cabalmente demonstrada, sendo certo que, foram envidados- ao abrigo, desde logo, do inquisitório- esclarecimentos sobre as origens dos meios financeiros de mobilização, limitando-se o Recorrente, tão-só, a provar a outorga de mútuo, logo manifestamente insuficiente para apartar as fundadas conclusões a que chegou a ATA.

Conclui-se, assim, que o Recorrente contrariamente ao por si expendido não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, na medida em que não procedeu à junção de prova documental que demonstrasse, inequivocamente, quais os meios financeiros que foram mobilizados para adquirir os bens contenda, no fundo, a respetiva fonte, corporizando o respetivo nexo.

Com efeito, e como doutrinado no Aresto do TCA Norte, prolatado no processo nº
00442/17.2BEAVR, de 11 de outubro de 2017,
“[o] que relevava para o cumprimento do ónus probatório que recai sobre o Recorrente nos termos do artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT não era que estes demonstrassem que tinham capacidade suficiente para a manifestação de fortuna revelada, mas que provassem que concretos meios financeiros foram mobilizados para manifestar a fortuna e qual a respectiva fonte, para então se poder aferir se correspondem ou não à realidade os rendimentos declarados e se aquela fonte é outra que não rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS.

Assim sendo, a sentença recorrida ao entender que os Recorrentes não lograram demonstrar o nexo de causalidade entre os suprimentos realizados em 2013 e o prévio aforro e que se encontravam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 63.º-B, n.º 1, alínea c) da LGT para o levantamento do sigilo bancário, não incorreu no erro de julgamento que lhe vem assacado pelos Recorrentes. Efectivamente, ficou por demonstrar que aqueles meios financeiros (depósitos a prazo) foram mobilizados para fazer face a tais empréstimos/suprimentos, ou seja, não lograram provar a correspondência entre o valor alegadamente aforrado e o valor aplicado.”

E por assim ser, secunda-se o bem ajuizado e fundamentado pelo Tribunal a quo, de que estão reunidos os pressupostos legais para a prolação da decisão de derrogação do sigilo bancário, particularmente a existência de indícios recolhidos, revelando-se conforme aos ditames da proporcionalidade e em cumprimento das exigências legais estabelecidas nos artigos 63.º B, nº1, alínea c), e 87.º, nº1, alínea f), da LGT, concluindo-se, por conseguinte, pela inexistência de qualquer erro de julgamento na apreciação da prova realizada e sua concreta valoração.

Destarte, mantém-se, integralmente, a decisão recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pelo Recorrente.
Registe. Notifique.


Lisboa, 15 de setembro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)



(1) cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/5/2011, proc.3514/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6900/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8167/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/3/2016, proc.8981/15; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368
(2) Acórdão do STA, proferido no processo nº 1249/16, datado de 20-06-2017.
(3) Cfr., a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 488.
(4)Vide neste sentido, designadamente, Acórdão do STJ 02 de julho de 2015, processo nº 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de abril de 2018, processo nº 533/04.0TMBRGK6.1.
(5) JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora., pag. 486
(6) José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; vide, designadamente, Ac. TCA Sul, proferido no processo nº proc.6505/13, de 2 de julho de 2013.
(7)cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
(8) neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
(9) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
(10) Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012