Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1113/05.8 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IVA
REEMBOLSO
SOCIEDADE ESTABELECIDA EM PAÍS TERCEIRO (FORA DA EU)
Sumário:I. Uma das principais características do IVA é a sua neutralidade, conseguida pelo mecanismo do direito à dedução do IVA.
II. Nos termos do artigo 17, n.º 2 da Sexta Directiva, os sujeitos passivos podem beneficiar do direito à dedução nas despesas estritamente profissionais, por só estas se poderem considerar como referentes a bens ou serviços «utilizados para os fins das próprias operações tributáveis».

III. Desta maneira, o legislador comunitário estabelece uma distinção fundamental entre as despesas que têm carácter estritamente profissional e aquelas que não têm ligação com a actividade profissional do sujeito passivo, excluindo expressamente as despesas sumptuárias, com diversões ou de representação do direito à dedução do IVA.

IV. Tendo presente que a adesão à CEE teve efeitos a partir de 01/01/1986, que o Código de IVA não se encontrava em vigor em 31/12/1985 e que não existia na ordem jurídica nacional qualquer disposição que excluísse o direito à dedução do IVA nessa data, uma vez que o Código do Imposto de Transações (CIT) revogado pelo CIVA, não previa as exclusões à dedução do IVA previstas no artigo 21.º do CIVA, não poderia o legislador nacional introduzir as exclusões do direito à dedução com base na cláusula de “stand-still”, por incompatibilidade com a Sexta Directiva.

V. Mas ainda que a cláusula “stand-still” fosse aplicável, que não é, o TJUE tem entendido que tal cláusula não é aplicável de per si de forma absoluta e ilimitada, isto porque «(…) o direito à dedução, previsto no artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, constitui, enquanto parte integrante do mecanismo do IVA, um princípio fundamental inerente ao sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.» (Acórdão Oasis East, de 30/09/2010, proc. n.º C-395/09).

VI. É pelo critério do destino das despesas realizadas pelo sujeito passivo que se pode distinguir as despesas que podem ser incluídas das que devem ser excluídas da dedução. As primeiras são efectuadas para fins estritamente profissionais, devendo ser deduzidas, enquanto as despesas que constituem consumo final são excluídas da dedução.

VII. Tendo presente as exclusões do direito à dedução que o legislador nacional fez constar do artigo 21.º do CIVA, na redacção em vigor em 2002, e analisada que foi a margem estreita que na matéria era concedida pela Sexta Diretiva, em vigor no momento da adesão de Portugal à então CEE, mantida pela atual Directiva IVA, e considerando ainda a coerência do sistema do IVA, nomeadamente o princípio da neutralidade, as diversas alíneas do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA devem ser interpretadas, como presunções ilidíveis, face à inadmissibilidade de presunções inilidíveis em direito fiscal, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, caso contrário incorreriam em incompatibilidade com o artigo 17.º da Sexta Directiva e violação do principio da proporcionalidade.

VIII. Desta forma, sendo as normas ínsitas no artigo 21.º do CIVA subsumíveis a presunções legais de não afectação a operações tributáveis, devem admitir prova em contrário (artigo 73.º da LGT), pelo que desde que confirmada no caso concreto a afectação das despesas à actividade tributária do sujeito passivo é legitima a dedução do IVA incorrido.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação, deduzida por G. M. E. AG, do acto de indeferimento tácito que se formou em sede de recurso hierárquico, o qual foi interposto do acto de indeferimento, igualmente, tácito que se formou em sede de reclamação graciosa que teve por objecto o despacho que indeferiu o pedido de reembolso de IVA n.º 030336620.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da impugnação, deduzida do indeferimento tácito que se formou em sede de recursos hierárquico, o qual foi interposto do acto de indeferimento, igualmente, tácito da reclamação graciosa, apresentada contra o despacho de 11-11-2003, do Sr. Director de Serviços de Reembolsos do Imposto sobre o Valor Acrescentado, que indeferiu o pedido de reembolso de IVA, anulando as referidas decisões de indeferimento e, consequentemente, condenou a AT no pagamento do reembolso de IVA em causa e no pagamento de juros indemnizatórios desde 15/02 / 2004.

II - Visa ainda o segmento da decisão ora em crise, relativo a custas, que não dispensou o remanescente da quantia de € 275.000,00, invocando a complexidade da acção nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP).


* *

III - O douto Tribunal "a quo" considerou, na sentença ora em crise, que os actos impugnados violam o princípio da neutralidade ínsito no direito à dedução do IVA, uma vez que por força dos artigos 2.º e 7° da Décima Terceira Directiva - a Directiva 86/ 560 / CEE do Conselho, de 17 de Novembro de 1986 - o nº 4 do artigo 17º da Directiva 77/ 388/ CEE e o artigo 8º da directiva 79/ 1072/ CEE cessaram de produzir efeitos em cada um dos Estados-Membros, pelo que à data em que o pedido foi indeferido já não era possível ao Estado Português manter o regime de restrição do direito ao reembolso do IVA nos moldes em que se encontrava consagrado no artigo 21.º do CIVA já que, a partir de 1/ 1/ 1988 nos pedidos de reembolso como o dos autos, prevêem a possibilidade do sujeito passivo efectuar a prova de que as operações se integram no âmbito da sua actividade.

IV - Cabe-nos discordar da referida fundamentação, constante da sentença, aqui em crise, pelas razões que se seguem:

Quanto à aplicabilidade das exclusões e limitações constantes do artigo 21.º do CIVA a pedidos de reembolso ao abrigo da 8.ª e 13.ª Directivas (actual Directiva 2008/ 9/CE)

V - Decorre do acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2000 (C-136/ 99, Monte Dei Paschi Di Siena, Colect., p. I-6109) que, aos pedidos de reembolso do IVA por sujeitos passivos não estabelecidos no território do país, são aplicáveis as exclusões ou limitações à dedução do IVA vigentes no Estado membro ao qual é solicitado o reembolso - no caso português, portanto, as que vêm previstas no artigo 21.º do CIVA.

Quanto aos objectivos prosseguidos pelo artigo 21.º do CIVA

VI - As exclusões e limitações ao direito a dedução do imposto, previstas no artigo 21.º do CIVA, dizem respeito a "aquisições de determinados bens ou serviços cujo carácter os toma nada essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares " e em que a respectiva "utilização em fins empresariais ou em fins particulares será dificilmente controlável” [cf. Direcção-Geral das Contribuições e Impostos - Núcleo do IVA, Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado: Notas Explicativas e Legislação Complementar, Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1985, p. 113. No mesmo sentido, Mário Alberto Alexandre, "Imposto sobre o Valor Acrescentado: Exclusões e Limitações do Direito a Dedução", Ciência e Técnica Fiscal, n.º 350, Lisboa: Boletim da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Abril-Junho de 1988, pp. 62-71; e F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias - Anotado e Comentado, 4.ª ed., Lisboa: Rei dos Livros, 1997, p. 468].

VII - Isto significa que, entre os seus objectivos, não está apenas cobrir o risco de desvio de determinados bens e serviços para fins privados ou, de um modo geral, não empresariais, mas também o objectivo de não dar qualquer azo a sistemáticas investigações, contraditórios e processos contenciosos, entre os sujeitos passivos e a Administração Fiscal, para apurar caso a caso se as despesas em referência foram ou não objecto de um uso empresarial e, em caso afirmativo, em que medida o teriam sido.

Quanto à sua conformidade com o sistema comum do IVA

VIII - De harmonia com o disposto no anterior n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Directiva e no actual artigo 176.º da Directiva do IVA, um Estado membro é livre de manter as exclusões e limitações do direito à dedução que já se encontrassem previstas na sua legislação à data do início da vigência da Sexta Directiva nesse Estado membro.

IX - No caso português, o CIVA entrou em vigor a O 1.01.1986, ao passo que o Estado português só ficou obrigado a dar cumprimento ao sistema comum do IVA a 01.01.1989 [cf. Acto Relativo às Condições de Adesão do Reino da Espanha e da República Portuguesa e as Adaptações dos Tratados, em anexo ao Tratado de Adesão destes dois países, assinado a 12 de Junho de 1985 e entrado em vigor a 1 de Janeiro de 1986 (JO 1985, L 302)], estando, assim, autorizado a manter as exclusões ou limitações do direito à dedução que estivessem em vigor a 31.12.1988.

Quanto à sua natureza objectiva

X - As exclusões ou limitações do direito à dedução, previstas no artigo 21.º do CIVA, aplicam-se mesmo se a realização de tais despesas tiver sido, comprovadamente, necessária para a realização a jusante de operações tributadas.

XI - Sobre a natureza objectiva de tais exclusões ou limitações jà se pronunciou o TJUE em várias circunstâncias, de que são exemplos imediatos os dispositivos dos seguintes acórdãos:

Acórdão de 18 de Junho de 1998 (C-43/ 96, Comissão/ França, Colect. p. 1-3903) Acórdão de 5 de Outubro de 1999 (C-305/ 97, Royscot Leasing e o., Colect. p.I-6671)

XII - Assim, o artigo 21.º do CIVA não constitui uma norma que estabeleça determinadas presunções de utilização de bens ou serviços em fins não empresariais, susceptiveis de estar submetidas ao regime previsto no artigo 73.º da LGT, mas, sim, efectivas exclusões e limitações à dedutibilidade do IVA, objectivamente definidas na lei interna portuguesa, em conformidade com o sistema comum do imposto, como resulta, quer dos propósitos que estão associados ao artigo 21.º, acima referenciados, quer da sua própria letra.

XIII - Quanto ao aspecto acabado de focar, note-se que a «letra» da lei não só não indica tratar-se de uma presunção, como não acrescenta, por exemplo, que o IVA não é dedutível «a menos que as despesas em causa tenham fins empresariais» ou «desde que comprovadamente tenham fins empresariais», ou algo do género.

XIV - Acresce que, se impossibilidade de dedução do IVA fosse susceptível de ser ilidida pelos sujeitos passivos, não teria sentido o legislador, especialmente no n.º 2 do artigo 21.º, mencionar casos concretos em que prevê expressamente excepções às referidas exclusões e limitações. Em relação a tais excepções, o n.º 2 do artigo 21.º do CIVA também não acrescenta, por exemplo, que o IVA é dedutível «a menos que as despesas em causa não tenham fins empresariais» ou «desde que comprovadamente tenham fins empresariais», ou algo do género.

XV - Por conseguinte, só pode concluir-se que todo o artigo 21.º do CIVA, seja em matéria de exclusões e limitações à dedução, seja em matéria de excepções às mesmas, visa objectivamente as próprias categorias de despesas aí indicadas, não constituindo matéria regulada por esse artigo 21.º a questão de saber se tais despesas se relacionam ou não com as operações tributadas desenvolvidas pelos sujeitos passivos, já que este aspecto é exclusivamente regulado pelo artigo 20.º do CIVA, com base nos artigos 168.º e 169.º da Directiva do IVA.

XVI - Deste modo, o artigo 21.º do CIVA só pode ser entendido no sentido de que, mesmo que uma determinada despesa pudesse dar lugar a dedução do IVA em face do critério da sua utilização definido no artigo 20.º, tal despesa, em qualquer caso, não confere direito a dedução do respectivo IVA, total ou parcial, quando está submetida a uma exclusão ou limitação objectivamente descrita naquele artigo 21.º.

Quanto a despesas de viagens, alojamentos, refeições (e outras)

XVII - O TJUE já teve ocasião de confirmar expressamente a possibilidade de um Estado membro excluir ou limitar, com carácter geral, a dedução do IVA suportado em viagens, alojamentos, refeições (e outras), ainda que estritamente destinadas a fins empresariais, tendo veiculado o seguinte:

Acórdão de 15 de Abril de 2010 (C-538/ 08 e C-33/ 09, X Holding e Oracle, Colect. p. I-3129)

XVII - Ao invés, salvo melhor opinião, nada tem a ver com o assunto de que aqui se trata a referência, feita na sentença em crise, do afirmado pelo TJUE no n.º 62 do acórdão de 19 de Setembro de 2000 (C-177/ 99 e C-181/ 99, Ampafrance e Sanofi, Colect. p. I-7013), uma vez que, neste acórdão, o que esteve em apreço não foi interpretar quais as despesas cujo IVA o n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Directiva (actual artigo 176.º da Directiva do IVA) permitiria excluir do direito á dedução, mas uma questão bem diversa.

XVIII - O que estava ai em causa era se a meta temporal que vinha estabelecida no n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Directiva poderia ser derrogada através de uma medida legislativa tomada depois do início da vigência da Sexta Directiva em França, uma vez que este Estado membro, ao abrigo do então artigo 27.º da Sexta Directiva (actualmente a matéria consta do artigo 395.º da Directiva do IVA), obtivera posteriormente uma autorização do Conselho para criar novas exclusões do direito à dedução, as quais não se encontravam na legislação interna francesa na data ­ limite estabelecida no n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Directiva. [ cfr. n.ºs 35 a 40 do acórdão Ampafrance e Sanofi (C-177/99 e C-181/99)]

XIX - Por esse motivo, é que aquilo que o TJUE veio a declarar no dispositivo do acórdão Ampafrance e Sanofi (C-177/ 99 e C-181/99) foi no sentido de que "[a] Decisão 89/ 487/ CEE do Conselho, de 28 de Julho de 1989, que autoriza a República Francesa a aplicar uma medida derrogatória do n. º 6, segundo parágrafo, do artigo 17.º da Sexta Directiva 77/388/CEE, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, é inválida."

XX - Face ao exposto, o douto Tribunal a quo, ao ter decidido da forma como decidiu, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, violando o artigo 21.º do CIVA, conjugado com o anterior nº 6 do artigo 17.º da Sexta Directiva e no actual artigo 176.º da Directiva do IVA.


* *

XXI - Por último, o presente recurso visa ainda o segmento da decisão ora em crise, relativo a custas, que não dispensou o remanescente da quantia de € 275.000,00, invocando-se a complexidade da acção nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

XXII - É de referir que o douto Tribunal "a quo" se limitou a invocar, como fundamento da sua decisão de não dispensar o remanescente, nos termos do artigo 6.º, n.º7 do RCP, a complexidade da acção, não concretizando qualquer aspecto processual ou outro, justificativo que tal conclusão.

XXIII - Na verdade, atenta à situação em concreto, trata-se de uma acção pertencente à espécie de "impugnação" que, embora contestada por parte da impugnada, ora recorrente, não se verificou qualquer audiência, nomeadamente inquirição de testemunhas, nem qualquer outro incidente por mais simples que fosse, pelo que, com o devido respeito, não se vislumbramos onde possa residir a invocada complexidade.

XXIII - Acresce ao supra referido que a conduta processual das partes se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça, abstendo-se da prática de actos inúteis, fornecendo todos os elementos necessários à boa decisão da causa, evitando porventura a realização oficiosa de todo o tipo de diligências.

XXIV - Por outro lado, a complexidade da causa veio a revelar-se de diminuta, uma vez que a fundamentação da sentença limitou-se em dar resposta à questão sobre se o artigo 21º, do CIVA, nomeadamente as exclusões ou limitações do direito à dedução, estão em desconformidade com as normas do Direito Europeu.

XXV - Na verdade, considerando a tramitação aqui em causa, o valor de 4.998,00 € de taxa de justiça, imputada a cada uma das partes, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, ê manifestamente desproporcionado, olhando às características do serviço público concretamente prestado e atendendo ao custo de vida em Portugal.

XXVI - Este exagero resulta directamente do elevado valor da acção (€ 528. 147,61) e sem qualquer correspondência na complexidade do processo, sendo por isso de notar a desproporção entre o serviço público envolvido e o valor total a cobrar.

XXVII - Face ao exposto, in casu , a não dispensa do remanescente, obrigando as partes ao pagamento de um valor exorbitante, a título de taxa de justiça, configura uma clara sanção, senão mesmo um imposto ou confisco, pelo que viola, em absoluto, o princípio da proporcionalidade, do excesso, da justiça e do acesso ao direito. (cfr. artigos 2º, 18º, nº2, e 20º da Constituição da República Portuguesa)

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço,

- mantendo-se a decisão que indeferiu o pedido de reembolso de IVA, com todas as legais consequências, e

- ser dispensado o pagamento da taxa de justiça em relação ao valor remanescente superior ao limite de €275.000.00 previsto n.º 7 do artigo 6° do RCP

, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

3. A recorrida, C. E. G. anteriormente G. M. S., SA, sociedade que incorporou por processo de fusão a sociedade G. M. E., apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1.ª O presente recurso foi deduzido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença proferida no processo em epígrafe, por considerar em primeiro lugar que “De harmonia com o disposto no anterior n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Directiva e no actual artigo 176.º da Directiva do IVA, um Estado membro é livre de manter as exclusões e limitações do direito à dedução que já se encontrassem previstas na sua legislação à data do início da vigência da Sexta Directiva nesse Estado membro. No caso português, o CIVA entrou em vigor a 01.01.1986, ao passo que o Estado português só ficou obrigado a dar cumprimento ao sistema comum do IVA a 01.01.1989 (…) estando, assim, autorizado a manter as exclusões ou limitações do direito à dedução que estivessem em vigor a 31.12.1988” (cf. página 19 das alegações de recurso);

2.ª Para além disso, o Ilustre Representante da Fazenda Pública considera ainda que “(…) o artigo 21.º do CIVA não constitui uma norma que estabeleça determinadas presunções de utilização de bens ou serviços em fins não empresariais, suscetíveis de estar submetidas ao regime previsto no artigo 73.º da LGT, mas, sim, efectivas exclusões e limitações à dedutibilidade do IVA, objetivamente definidas na lei interna portuguesa, em conformidade com o sistema comum do imposto, como resulta, quer dos propósitos que estão associados ao artigo 21.º, acima referenciados, quer da sua própria letra” (cf. página 21 das alegações de recurso);

3.ª Resulta provado nos autos, não sendo contestado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, que, no caso sub judice, se encontram verificados, todos os requisitos de que depende o exercício do direito ao reembolso pela Recorrida, a saber: (1) constituir um sujeito passivo exigível para efeitos do Decreto-Lei n.º 408/87; (2) o IVA suportado e objeto do pedido de reembolso em questão respeita a despesas incorridas no exercício da atividade profissional da Recorrida e que, como tal, não podem deixar de ser consideradas elegíveis para efeitos do exercício do direito ao reembolso do IVA;

4.ª A única questão que a Ilustre Representante da Fazenda Pública pretende ver apreciada no âmbito do recurso, é a questão de aferir se o direito à dedução do IVA incorrido nas despesas suportadas pela Recorrida pode ser limitado, nos termos do artigo 21.º do CIVA, o qual determinava, na redação vigente à data dos factos em análise nos autos, que se encontravam excluídas do direito à dedução as “despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções”;

5.ª Ora, surge demonstrado nos presentes autos que o ato impugnado, consubstanciado na decisão de indeferimento parcial do pedido de reembolso no IVA valor de € 528.147,61, padece de ilegalidade. Com efeito, e desde logo, porquanto a norma em que o mesmo se fundamenta – o artigo 21.º, n.º 1, alínea d), do Código do IVA, na redação à data aplicável, incorre em violação do disposto no artigo 17.º da Sexta Diretiva. Para além disso, e por força do efeito direto da Sexta Diretiva, o ato impugnado incorre, também, em violação do artigo 17.º da mesma e do respetivo direito à dedução;

6.ª Efetivamente, enquanto o artigo 17.º da Sexta Diretiva prevê, para efeitos do exercício do direito ao reembolso, uma distinção fundamental entre as despesas com carácter profissional e as que não assumem esse carácter, que se encontram, por conseguinte, excluídas daquele direito, o artigo 21.º, n.º 1, alínea d), do Código do IVA, na redação em vigor à data da decisão de indeferimento do pedido de reembolso do IVA, não fazia qualquer tipo de distinção entre despesas efetuadas para fins profissionais ou não profissionais, tratando de forma idêntica situações distintas, não permitindo, sequer, aos sujeitos passivos fazer prova de que tais despesas são efetuadas para fins estritamente profissionais. Como tal, a referida norma incorria em manifesta violação do disposto no artigo 17.º da Sexta Diretiva;

7.ª Acresce que nenhuma das duas hipóteses de derrogação do direito à dedução previstas nesta Diretiva, e que podiam sustentar a legalidade do disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea d), do Código do IVA, tem aplicação no caso sub judice;

8.ª Com efeito, no que concerne à primeira derrogação, que diz respeito à introdução de limitações mediante decisão prévia do Conselho, nos termos do disposto no artigo 27.º da Sexta Diretiva, a mesma nunca foi utilizada por Portugal (informação disponível no sítio www.europa.eu/european-union/index_pt.);

9.ª Já a segunda derrogação, consubstanciada numa cláusula de standstill que permite a manutenção em vigor, por parte dos Estados-Membros, de todas as exclusões previstas na legislação nacional respetiva no momento da entrada em vigor da Sexta Diretiva, a mesma aplica-se, apenas e tão só, às exclusões do direito à dedução de IVA vigentes nas ordens jurídicas dos Estados-Membros da então designada Comunidade Económica Europeia, à data da notificação da Sexta Diretiva a esses Estados;

10.ª Uma vez que, à data da entrada em vigor da Sexta Diretiva (1977), Portugal não fazia parte da Comunidade Económica Europeia, nem existia, na ordem jurídica nacional, qualquer disposição que excluísse o direito à dedução de IVA, tal possibilidade não lhe é aplicável;

11.ª Deste modo, uma vez que nenhuma das mencionadas hipóteses de derrogação do direito à dedução, previstas na Sexta Diretiva, é aplicável a Portugal, estava a República Portuguesa obrigada a adotar, a partir de 1 de Janeiro de 1989, nos termos do anexo XXXVI ao Acto de Adesão, as medidas necessárias ao cumprimento dessa diretiva, incluindo do artigo 17.º da mesma. Não o tendo feito, o Estado Português incorre, assim, em incumprimento;

12.ª Pelo que, em face do exposto, é evidente que o ato impugnado, fundamentando-se no referido artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA, disposição violadora do artigo 17.º da Sexta Diretiva por força do efeito direto desta, está, nessa medida, inquinado de ilegalidade, devendo, por conseguinte, ser anulado, mantendo-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente o presente recurso;

13.ª Também em resultado do mencionado efeito direto da Sexta Diretiva, o ato impugnado viola o artigo 17.º desta, ofendendo o direito à dedução do IVA, de que é titular a Recorrida. Assim sendo, está o ato impugnado, também por este motivo, ferido do vício de violação de lei, devendo ser anulado;

14.ª Ainda que se considere, por mero dever de patrocínio, que haveria lugar à aplicação da segunda derrogação do artigo 17.º da Sexta Diretiva supra mencionada, sempre haveria que concluir que o artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA viola o Direito Comunitário, em especial o princípio da neutralidade;

15.ª De facto, a limitação do direito do sujeito passivo à dedução do IVA, no tocante às despesas previstas no artigo 21.º, n.º 1, al. d) do Código do IVA, é apenas justificada pela AT pela dificuldade em controlar de forma precisa a repartição entre a parte profissional e a parte privada destas despesas e pelos riscos de fraude ou de abuso que daqui decorrem;

16.ª É sabido que, segundo jurisprudência constante, o direito à dedução, previsto nos artigos 168.º e seguintes da Diretiva IVA, faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante (vide o n.º 18 do Acórdão C-68/93 - BP Soupergaz e n.º 43 dos Acórdãos C-110/98 e C-147/98 Galbafrisa), nomeadamente porque toda e qualquer limitação do direito à dedução do IVA tem incidência no nível da carga fiscal, devendo aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são emitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela diretiva (Acórdão BP Soupergaz, já referido, n.º 18);

17.ª Ora, relembre-se que, à data dos factos, a redação do artigo 21.º do Código do IVA era distinta da atualmente vigente, prevendo-se apenas uma exclusão genérica do direito à dedução relativamente a determinadas despesas. Foi nesse contexto que a ora Recorrida alegou a violação do princípio da cooperação, previsto no artigo 4.º, n.º 3 do Tratado da União Europeia, a violação do princípio da interpretação conforme o Direito Comunitário e a violação do princípio da proporcionalidade, também de Direito Comunitário;

18.ª Todavia, independentemente da previsão de exclusão de dedução e da existência ou não de uma exceção à exclusão do direito à dedução, sempre era legítima a possibilidade de dedução integral de todas as despesas incorridas pela Recorrida, tal como continua a ser possível hoje em dia a dedução de despesas tais como as descritas, desde que confirmada a sua afetação à atividade tributada do sujeito passivo;

19.ª Na verdade, a única interpretação conforme o Direito Comunitário, que salva a norma do artigo 21.º do Código do IVA, na redação à data dos factos, de incompatibilidade com o artigo 17.º da Sexta Diretiva, é a interpretação que possibilite uma interpretação e aplicação casuísticas da norma antiabuso, admitindo a presunção de não afetação a operações tributadas prova em contrário;

20.ª Efetivamente, mesmo existindo a cláusula de standstill prevista no n.º 6 do artigo 17 da Sexta Diretiva, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido que as limitações do direito à dedução não podem ser aplicadas de forma absoluta e que por razoes de coerência de sistema deverá ter-se em consideração o que derivava da aplicação da Segunda Diretiva no que concerne às limitações do direito à dedução;

21.ª Ora, considerando que as normas da Segunda Diretiva e da Sexta Diretiva relativas às exclusões do direito à dedução são idênticas, ainda que se entenda, no que não se concede, que a norma aplicável seria o n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Diretiva e por conseguinte se deve analisar a Segunda Diretiva, a verdade é que a fundamentação expendida na sentença proferida pelo Tribunal a quo se aplica na mesma a tal normativo, pelo que a douta sentença não padece de qualquer ilegalidade;

22.ª Neste contexto, as regras referentes à exclusão do direito à dedução deverão ser interpretadas como presunções ilidíveis, e por conseguinte, cessam a sua aplicação caso se evidencie que os bens e serviços são utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, como ocorreu no caso sub judice e como bem decidiu o Tribunal a quo, pelo que deverá manter-se a sentença proferida;

23.ª Desta forma, se as despesas em causa não se consideram alheias à atividade exercida e, mais ainda, contribuem para a sua prossecução – ao serem subsumíveis a despesas de publicidade – não se vê por que razão haverá de ser questionado o direito à dedução do IVA contido nestas despesas, posto que se destinam à atividade tributável da Recorrida;

24.ª Tendo a AT fundamentado no artigo 21.º do CIVA o ato impugnado, este padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, uma vez que estamos perante despesas com fins estritamente ligados à atividade da Recorrida, pelo que a referida norma não tem aplicação. Em decorrência deste vício, o ato impugnado padece também de violação do disposto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, ao determinar uma exclusão ilegal e inadmissível do direito à dedução do imposto consagrado nestas normas;

25.ª Em face da prova produzida, não há dúvidas de que as despesas incorridas pela Recorrida em Portugal tiveram o fito de divulgação do novo modelo da marca O., subsumindo-se ao conceito de despesas de publicidade tal como definido pelo TJUE (cf., por exemplo, Acórdão proferido no processo n.º C-68/92, de 17.11.93, Comissão contra França), sendo evidente a relação direta e imediata entre as operações realizadas a jusante e a montante;

26.ª É inegável que os serviços em apreço que a Recorrida adquiriu em Portugal, estando direta e imediatamente conexionados com um evento promocional destinado a divulgar um novo veículo comercializado pela Recorrida, contribuem necessariamente para a realização de operações tributáveis pela Recorrida – i.e., venda de veículos automóveis;

27.ª Consequentemente, tendo presente a interpretação conforme ao Direito Comunitário das disposições legalmente aplicáveis e, bem assim, o princípio da proibição de proibições inilidíveis nas normas de incidência, conclui-se que o ato impugnado padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciada na errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, al. a) e 21.º, n.º 1, al. d) do Código do IVA e no artigo 73.º da LGT, o que importa a respetiva anulação, manutenção da sentença recorrida e consequente improcedência do presente recurso;

28.ª Entende a Recorrida que a jurisprudência do TJUE sobre a matéria dos presentes autos constitui ato claro, daí decorrendo a conclusão inequívoca pelo direito à dedução na situação vertente, conforme jurisprudência amplamente citada, designadamente os Acórdãos Ampafrance, Sanofi, Parat e Kretztechnik, acima referenciados;

29.ª Sem prejuízo do acima exposto e sem conceder, sempre se impõe, a título subsidiário, a anulação do ato tributário pela circunstância de uma parte substancial dos serviços adquiridos pela Recorrida em Portugal nem sequer serem reconduzíveis a despesas de alojamento e alimentação;

30.ª Não se provou que a integralidade das despesas relativas ao evento promocional/publicitário de lançamento do O. V. sejam todas elas “despesas respeitantes a alojamento, alimentação”, bem pelo contrário, pelo que errou a administração tributária em enquadrar sequer tais despesas na previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA;

31.ª Por tudo o exposto deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, que julgou procedente a impugnação judicial, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.

Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja a Recorrida dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi apresentado parecer no sentido procedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÃO A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito (i) por ter concluído que os actos impugnados são ilegais por violarem o principio da neutralidade ínsito no direito à dedução do IVA, por violação dos artigos 21.º do CIVA, conjugado com o n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Directiva e no actual artigo 176.º da Directiva IVA, (ii) e por não ter dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto, que não mereceu oposição das partes:

«A) A Impugnante é uma sociedade constituída segundo o direito Suíço não residente, sem sede, estabelecimento estável ou domicílio em Portugal, que não possui registo no território nacional, para efeitos de IVA – cf. fls. 648 dos autos;

B) Em 25 de Junho de 2003, a Impugnante requereu aos Serviços do IVA, nos termos do DL 408/87, de 31/12, o reembolso da quantia de € 528.147,61, relativo a IVA invocando que o mesmo fora suportado no âmbito de uma acção de promoção, realizada em Portugal, no ano 2002, relativamente ao lançamento de um novo modelo de automóvel da marca O., o O. V. – cf. documento de fls. 105 e documentos de fls. 106 a 525 dos autos e 525 do processo administrativo tributário (PAT) que se dão por integralmente reproduzidos;

C) Em 18/8/2003 a Impugnante requereu a junção de documentação emitido pela Autoridade Tributária suíça atestando a reciprocidade de tratamento a entidades portuguesas – cf. fls. 526 dos autos;

D) Por despacho do Director de Serviços de Reembolsos do Imposto sobre o Valor Acrescentado, datado de 11/11/2003 foi indeferido o seu pedido pelo facto de as despesas sobre as quais incidiu o imposto constituírem «despesas enumeradas no ARTº 21 do CIVA (n.º 2 do ART.º 3) – cf. documento de fls. 528;

E) Tal despacho foi comunicado à Impugnante através de ofício datado de 15/11/2003 – cf. fls. 528 dos autos;

F) A Impugnante requereu a notificação da fundamentação da decisão de indeferimento, ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, bem como a notificação dos meios de defesa – cf. fls. 529 dos autos;

G) Através de ofício datado de 30/1/2004 foi comunicado à Impugnante que os motivos do indeferimento: «despesas enumeradas no artº 21 do CIVA, na alínea d) nomeadamente despesas respeitantes a alojamento, alimentação» - cf. documento de fls. 534;

H) Em 30/04/2004 a Impugnante deduziu reclamação graciosa – cf. documento de fls. 535 que se dá por integralmente reproduzido;

I) Na ausência de resposta à reclamação em 29/11/2004 – cf. documento de fls. 57 do PAT;

J) Na ausência de resposta ao recurso hierárquico a Impugnante deduziu a presente acção em 22/05/2005 – cf. fls. 3 dos autos;

K) Por despacho de 20/7/2010 foi o referido pedido de reembolso indeferido com fundamento no n.º 1 do Art.º 5 do DL 408/87, de 31/12) – cf. fls.

L) Os eventos destinados ao lançamento de novos modelos de veículos automóveis comportam a apresentação do modelo junto dos jornalistas especializados que são convidado para o evento e a realização de testes de condução por representantes dos jornalistas especializados;

M) A Impugnante apresentou com o pedido de reembolso as facturas relativas aos serviços adquiridos à sociedade exploradora do T. M. em V. correspondentes à utilização das salas de conferência «meeting rooms» designadas salas L., A., G., V., F., L., H., D., T., M. do centro de congressos do referido Hotel entre o dias 15/02/2002 e 20/03/2002 - cfr. factura n.º 00158057 de 03/04/2002 e n.º 00158063, de 03/04/2002, a fls. 120, 121 129 a 160 dos autos:

N) A Impugnante apresentou ainda com o pedido de reembolso as facturas relativas aos serviços adquiridos à sociedade exploradora do T. M. em V. relativas a despesas com telecomunicações, com o descritivo do serviço - «Telephone», «equipment rental 1641 linhas 1+1» «linhas digitais» - cfr. facturas n.ºs 00158063, de 03/04/2002, a fls. 128 a 162, 165, 166 dos autos;

O) Juntou ainda facturas respeitantes a despesas designadas de «banquetes», «bar banquets», «room service» em várias salas, «room groups», «meeting rooms court ténis», «meeting rooms parq estac» - cf. facturas de fls. 129 a 180 dos autos;

P) As facturas referidas nas alínea anteriores encontarm-se emitidas com referência entre outras a «GME I. V.», «V. working gtoup Crew», «S. Central Office», «I. Central Office», «D. Central Office», «N. Central Office» - cf. fls. 168 a 270;

Q) Foram incluídas no pedido identificado em B) facturas relativas a «laundry», «minibar», «cry cleaning – cf. fls 176 a 184 dos autos;

R) Foram ainda juntas facturas respeitantes a «coffee breaks» e «tapas lunch» emitidas pela M. "P. V.", L.S.A. – G. H., Lda., H. R. - O. F., Lda, M. O. P. G. V., S. R. C. e S. G., Lda – cf. fls. 271 a 459 dos autos;

S) Foram ainda incluídas despesas relativas ao aluguer de veículos correspondem à prestação de serviços da

T) Foram também incluídas facturas relativas a despesas com gasóleo – cf. fls. 474 a 500 dos autos;

U) E ainda facturas relativas a serviços de tradução simultânea – cf. fls. 504 a 507;

V) Foram juntas facturas com timbre da sociedade «A. V. T. Q., Lda.», com a descrição «Apoio logístico ao lançamento do novo V.», referente a diversos serviços relacionados com «decoration and flowers – Dinner/Linch/Breackfast», «T-Shirts Mit V. Logo», «table clothes», «buffet tables», «olive trees incl. transportation/maintenance», «V. airport», «hostesses», «Dinner GHTS Club» «catering», recolha de lixo, equipamentos de jardinagem, condutores de veículos automóveis, papel, ténis, 2 garrafas de vinho do Porto, reparação de danos causados, serviços de «road-checks prior test drive», com os cartões de telecomunicações (mobile phone - cards and mobile phone rental), fotocopiadoras, serviços de estacionamento, casas de banho portáteis, segurança, entre outras – cf. fls. 461 a 473 e 501 a 503.


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Factos não provados

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»


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2. DE DIREITO

2.1. Na presente impugnação judicial a questão fulcral prende-se com a legalidade da decisão da Administração Tributária que indeferiu o pedido de reembolso do IVA apresentado pela Impugnante, relativo a despesas de evento promocional, realizado em Portugal no ano de 2002, referentes ao lançamento de um novo modelo de automóvel da marca O., por ter considerado que tais despesas integram as enumeradas no artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do CIVA, nomeadamente despesas respeitantes a alojamento e alimentação.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação, anulando o acto de indeferimento do pedido de reembolso impugnado, bem como os actos tácitos de segundo grau, no entendimento, em suma, os actos impugnados violam o princípio da neutralidade fiscal, pedra angular em que se encontra estruturado o sistema do IVA, por a norma constante da alínea d), do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA configurar uma presunção inilidível que impede qualquer prova em contrário, não permitindo que o sujeito passivo prove que tais operações foram efectuadas para os fins da sua actividade económica.

A Fazenda Pública insurge-se contra o assim decidido, sustentando o imputado erro de julgamento à sentença recorrida, no essencial porque, ao contrário do que foi entendido, o artigo 21.º do CIVA não constitui uma norma que estabeleça determinadas presunções de utilização de bens ou serviços em fins não empresariais, mas, sim, efectivas exclusões e limitações à dedutividade do IVA.

Vejamos.

Uma das principais características do IVA é a sua neutralidade, conseguida pelo mecanismo do direito à dedução do IVA. O direito à dedução pressupõe que se verifiquem as operações económicas correspondentes às do tipo enunciado na norma de incidência e que o imposto devido tenha sido facturado por outro sujeito passivo (artigo 19.º, n.ºs 1 e 2 do CIVA e artigo 17.º da Sexta Directiva do Conselho 77/388/CEE ).

O sujeito passivo de IVA para exercer o seu direito à dedução do imposto suportado pode, conforme as circunstâncias recorrer a três métodos: o método subtractivo indirecto, o método do reporte e o método do reembolso.

In casu, estamos perante um pedido de reembolso do imposto de sujeito passivo não residente em Portugal, nem em qualquer outro país da comunidade europeia.

O artigo 17.° da Sexta Directiva, que regula o direito dos sujeitos passivos à dedução do IVA pago a montante, preceitua no n.° 2, alínea a):

«Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo.».

E o n.º 6 do mesmo artigo, estatui uma limitação a esta regra geral, nos seguintes termos:

«O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados -Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva.»

Assim, de acordo com o n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Directiva do IVA, um Estado Membro é livre de manter as exclusões e limitações à dedução que já se encontrassem previstas na sua legislação à data da entrada em vigor da Sexta Directiva.

Porém, por falta de acordo no seio do Conselho sobre as despesas em relação às despesas que não conferem direito à dedução não foram adoptadas as regras referidas no n.º 6, do artigo 17.º da Sexta Directiva no referido prazo de 4 anos, nem até à presente data, não obstante a Comissão tenha apresentado duas propostas que, todavia, não foram aprovadas pelo Conselho (Propostas de Directivas de 1983 e de 1998).

A Sexta Directiva veio a ser alterada pela Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, que a republicou, conhecida como Directiva IVA, passando o artigo 17.º, n.º 6 da Sexta Directiva a corresponder ao artigo 176.º da Directiva IVA.

Ao caso dos autos aplica-se a Sexta Directiva atenta a data dos factos.

De acordo com o previsto na Sexta Directiva, o legislador nacional pode determinar algumas situações de exclusão do direito à dedução em função do tipo de despesas em causa.

Nos termos do artigo 17, n.º 2 da Sexta Directiva, os sujeitos passivos podem beneficiar do direito à dedução nas despesas estritamente profissionais, por só estas se poderem considerar como referentes a bens ou serviços «utilizados para os fins das próprias operações tributáveis».

Desta maneira, o legislador comunitário estabelece uma distinção fundamental entre as despesas que têm carácter estritamente profissional e aquelas que não têm ligação com a actividade profissional do sujeito passivo, excluindo expressamente as despesas sumptuárias, com diversões ou de representação do direito à dedução do IVA.

No entanto, como já se deixou expresso, o Conselho não determinou quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA.

Importa, antes de mais, saber se Portugal podia utilizar a faculdade prevista no n.º 6, do artigo 17.º da Sexta Directiva – cláusula de “stand-still” – de «…manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva.», como defende a Recorrente.

E a resposta, adianta-se, é negativa quanto à aplicação da cláusula de “stand-still”.

A Sexta Directiva do Conselho entrou em vigor em 17/05/1977.

No que respeita a Portugal, o CIVA entrou em vigor em 01/01/1986 (cfr. artigo 10.º do Dec.-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, na redacção dada pela Lei n.º 42/85, de 22/08), na mesma data em que entrou em vigor o Acto Relativo às Condições de Adesão do Reino da Espanha e da República Portuguesa e as Adaptações dos Tratados, em anexo ao Tratado de Adesão, assinado a 12/06/1985, tendo Portugal ficado obrigado a dar cumprimento ao sistema comum do IVA a partir de 01/01/1989.

O artigo 395.º do Acto de Adesão dispõe o seguinte:

Os novos Estados membros porão em vigor as medidas necessárias para darem cumprimento, a partir da adesão, ao disposto nas directivas e decisões, na acepção do artigo 189.º do Tratado CEE e do artigo 161.º do Tratado CEEA, bem como nas recomendações e decisões, na acepção do artigo 14.º do Tratado CECA, a menos que seja fixado um prazo na lista constante do anexo XXXVI ou noutras disposições do presente Acto.

Nos termos do artigo 395.º do Acto de Adesão e anexo XXXVI, estava a República Portuguesa obrigada a adoptar, a partir de 01/01/1989, as medidas necessárias ao cumprimento da Sexta Directiva.

Tendo presente que a adesão à CEE teve efeitos a partir de 01/01/1986, que o Código de IVA não se encontrava em vigor em 31/12/1985 e que não existia na ordem jurídica nacional qualquer disposição que excluísse o direito à dedução do IVA nessa data, uma vez que o Código do Imposto de Transações (CIT) revogado pelo CIVA, não previa as exclusões à dedução do IVA previstas no artigo 21.º do CIVA, não poderia o legislador nacional introduzir as exclusões do direito à dedução com base na cláusula de “stand-stil”, por incompatibilidade com a Sexta Directiva.

Assim sendo, não tem razão a Recorrida quando alega que Portugal estava autorizado a manter as exclusões ou limitações do direito à dedução que estivessem em vigor a 31/12/1988, visto que a Sexta Directiva entrou em vigor em Portugal, como diploma vinculativo, na data da adesão da República Portuguesa à CEE, ou seja, em 01/01/1986, ainda que Portugal tenha beneficiado do prazo previsto no artigo 395.º do Acto de Adesão e do Anexo XXXVI (01/01/1989), para pôr em vigor as medidas necessárias para darem cumprimento ao disposto na Sexta Directiva.

Pelas razões supra referidas, não acompanhamos a decisão da primeira instância no entendimento que as normas contidas no CIVA se integram na previsão do n.º 6, do artigo 17.º da Sexta Directiva, e que o Estado Português estava autorizado a manter a legislação existente em matéria de exclusão do direito à dedução, visto que à data da entrada em vigor em Portugal da Sexta Directiva não existia na ordem jurídica nacional qualquer disposição que excluísse o direito à dedução do IVA.

O TJUE no acórdão AES3C Maritza East 1EOOD, de 18/07/2013, deixou expresso no ponto 54 que «(…) o artigo 176º, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro introduza, na data da sua adesão à União, uma limitação ao direito à dedução (…) quando semelhante exclusão não estava prevista na lei em vigor até à data dessa adesão», e no ponto 43 afirma-se que aquela faculdade «(…) não permite a um novo Estado-Membro modificar a sua legislação interna, por ocasião da sua adesão à União, num sentido que afaste essa legislação dos objetivos dessa diretiva. Uma modificação desse tipo seria contrária ao próprio espírito dessa cláusula (…)» (disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/TXT/?uri=CELEX:62012CJ0124).

Mas ainda que a cláusula “stand-still” fosse aplicável, que não é, o TJUE tem entendido que tal cláusula não é aplicável de per si de forma absoluta e ilimitada, isto porque «(…) o direito à dedução, previsto no artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, constitui, enquanto parte integrante do mecanismo do IVA, um princípio fundamental inerente ao sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.» (Acórdão Oasis East, de 30/09/2010, proc. n.º C-395/09).

Assim, caso as exclusões ao direito à dedução estivessem em vigor em data anterior ao início de vigência da Sexta Directiva em Portugal, sempre havia lugar a aferir se as exclusões previstas no artigo 21.º, n.º 1 do CIVA respeitavam ou não as disposições da Segunda Directiva do Conselho, de 11/04/1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros, respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sore o valor acrescentado.

Com efeito, a Segunda Directiva dispunha no n.º 1, do artigo 11.º que «Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para as necessidades da própria empresa, o sujeito passivo é autorizado a deduzir o imposto de que é devedor (…)» e no n.º 4 do mesmo artigo que «Podem excluir-se do regime de deduções certos bens e serviços, designadamente os que sejam susceptíveis de utilização, exclusiva ou parcial, para as necessidades do sujeito passivo ou do seu pessoal.»

Desta forma, por força do estatuído na Segunda Directiva, caso de prove que os bens e serviços foram utilizados para as necessidades da própria empresa e não para as necessidades privadas do sujeito passivo ou do seu pessoal, a dedução não deverá ser excluída.

Concluindo, ao direito português, atenta a data de entrada em vigor da Sexta Directiva no ordenamento nacional, bem como a do CIVA, não é aplicável a possibilidade de derrogação do direito à dedução do IVA, prevista no artigo 17.º, n.º 6 da Sexta Directiva (clausula stand-still).

Nos presentes autos, a Recorrida, sociedade estabelecida em país terceiro (fora da EU) apresentou em 2003 pedido de reembolso de IVA que suportou em Portugal no âmbito de uma acção de promoção que teve por objecto o lançamento de um novo modelo de veículo automóvel.

A Administração Tributária indeferiu tal pedido, limitando-se a dizer que as despesas efectuadas se referem às que são mencionadas no artigo 21.º, alínea d), do Código do IVA, “nomeadamente despesas respeitantes a alojamento e alimentação”.

A Recorrente defende que o artigo 21.º do CIVA, seja em matéria de exclusões e limitações à dedução, seja em matéria de excepções às mesmas, visa objectivamente as próprias categorias de despesas aí indicadas, não constituindo matéria regulada no artigo 21.º a questão de saber se tais despesas se relacionam ou não com as operações tributárias desenvolvidas, pelo que tal norma só pode ser entendida no sentido de que, mesmo que uma determinada despesa pudesse dar lugar a dedução do IVA em face do critério da sua utilização definido no artigo 21.º, tal despesa, em qualquer caso, não confere direito a dedução do respectivo IVA, total ou parcial, quando está submetida a uma exclusão ou limitação objectivamente descrita naquele artigo 21.º. Mais alega que o artigo 21.º não constitui uma norma que estabeleça determinadas presunções de utilização de bens em fins não empresariais, susceptíveis de estar submetidas ao regime previsto no artigo 73.º da LGT.

Por sua vez, a Recorrida advoga, quanto a este aspecto e em suma, que o acto impugnado, fundamentando-se na alínea d), do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA, disposição violadora do artigo 17.º da Sexta Directiva, por força do efeito directo desta, e nessa medida está inquinado de ilegalidade, ofendendo o direito à dedução do IVA, por as despesas em causa não se considerarem alheias à actividade exercida, posto que se destinam à actividade tributável da Recorrida.

O artigo 21.º do CIVA, na sua redacção à data dos factos, no que aqui interessa, estabelecia o seguinte:

«1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas: (…)

d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;»

Como se vê, o artigo 21.º, n.º 1 do CIVA (na redacção à data dos factos) não fazia qualquer tipo de distinção entre despesas efectuadas para fins profissionais e aquelas que não têm esse caracter, tratando de forma idêntica situações distintas.

Contudo, o n.º 2, do artigo 21.º do CIVA determina que não se verifica a exclusão do direito à dedução, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c)

Dispunha a alínea c) do n.º 2, do artigo 21.º do CIVA:

«Despesas mencionadas nas alíneas a), c) e d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso.»

A Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2005, veio introduzir alterações na redacção das alíneas c) e d), do n.º 1 e aditou as alíneas d) e e) ao n.º 2, contemplando a possibilidade, de facto, do exercício do direito à dedução em despesas não anteriormente previstas e que comprovadamente contribuíssem para a realização de operações tributáveis.

Mas ao caso dos autos aplica-se o regime em vigor até 31 de Dezembro de 2004, que se pode sintetizar da seguinte forma:

«(i) Não punham em causa o facto das despesas em apreço, à excepção das de divertimento e de luxo, poderem ser consideradas estritamente profissionais, dado actualmente serem factores condicionantes do exercício das próprias operações tributáveis;

(ii) Todavia, o Código do IVA determinava que o IVA suportado em tais despesas não poderia ser deduzido pelo sujeito passivo, excepto em situações muito restritas. Com efeito, o n.º 1 do respectivo art.º 21.º, não fazia qualquer tipo de distinção entre despesas efectuadas para fins profissionais ou não, tratando de foram idêntica situações distintas;

(iii) A limitação do direito do sujeito passivo à dedução do IVA no tocante às despesas em causa, era apenas justificada pela Administração Fiscal nacional pela dificuldade em controlar de forma precisa a repartição entre a parte profissional e a parte privada das despesas relativas a este tipo de bens e pelos riscos de fraude ou de abuso que daqui decorrem;

(iv) De acordo com a legislação nacional, não era sequer permitido aos sujeitos passivos fazer prova de que tais despesas eram efectuadas para fins profissionais.» (Clotilde Celorico Palma, in Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 3.ª edição, págs. 195 e 196).

Daqui pode-se concluir que o artigo 21.º em sede de CIVA trata-se de um norma anti-abuso em IVA, a qual visa prevenir a dedução do IVA em despesas que não contribuem para a realização de operações tributáveis e que consagra uma presunção inilidível, contrária às regras da LGT (artigo 73.º), como melhor se verá mais à frente.

De salientar que, embora, o Conselho não tenha aprovado as despesas excluídas do direito à dedução, o certo é que o artigo 17.º, n.º 2, alínea a) da Sexta Directiva determina:

Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo.

Conforme se salienta no Acórdão Metropol, de 08/01/2002, proc. C-409/99: 59. As disposições que prevêem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação restrita.

O acórdão do TJUE BP Soupergaz, de 06/07/1995, proc. C-92/95, salienta nas conclusões:

A este respeito, o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e seguintes da Sexta Directiva, que faz parte integrante do mecanismo do imposto sobre o valor acrescentado, não pode, em princípio, ser limitado e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante, tem incidência no nível do encargo fiscal e deve aplicar-se similarmente em todos os Estados-Membros, de modo que só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela directiva.

As disposições do artigo 11.º, partes A), n. 1, e B), n.ºs 1 e 2, e do artigo 17.º, nºs 1 e 2, que indicam, com precisão, as modalidades de determinação da matéria colectável e, respectivamente, as condições de aquisição e o âmbito do direito à dedução, e não deixam aos Estados-Membros nenhuma margem de apreciação quanto à sua aplicação, conferem aos particulares direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional para se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com elas.

De acordo com a jurisprudência do TJUE só são permitidas derrogações à regra fundamental do direito à dedução integral do IVA nos casos expressamente previstos pela Sexta Directiva.

O TJUE, nos acórdãos de 19/09/2000, Ampafrance proc. C-177/99 e Sanofi, proc. C-181/99) deixou expresso no ponto 62:

(...) no estado actual do direito comunitário, uma legislação que exclui do direito à dedução do IVA as despesas de alojamento, de recepção, de restaurante e de espectáculos sem que seja possível ao sujeito passivo demonstrar a inexistência de fraude ou de evasão fiscais a fim de beneficiar do direito à dedução não constitui um meio proporcionado ao objectivo de luta contra a fraude e a evasão fiscais e afecta excessivamente os objectivos e princípios da Sexta Directiva.

É pelo critério do destino das despesas realizadas pelo sujeito passivo que se pode distinguir as despesas que podem ser incluídas das que devem ser excluídas da dedução. As primeiras são efectuadas para fins estritamente profissionais, devendo ser deduzidas, enquanto as despesas que constituem consumo final são excluídas da dedução. (vide neste sentido Patricia Noiret Cunha, in Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Anotações ao CIVA e ao RITI, Instituto Superior de Gestão, 2004, nota 2, ao artigo 21.º, pág. 324).

Nas palavras de Clotilde Celorico Palma «De acordo com o Tribunal, o conceito de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributáveis deverá abranger todas as operações que condicionam o exercício da actividade do sujeito passivo, tais como os actos preparatórios, o marketing, as acções promocionais, etc, que se reflectem nos custos e permitem que a empresa se mantenha em posição concorrencial no mercado. Neste contexto, vide o Acórdão de 8 de Março de 1988, Intiem, n. 14, que precisou que o mecanismo da dedução do IVA regulado pela Sexta Directiva «deve ser aplicado de tal forma que o seu âmbito de aplicação corresponda, na medida do possível, ao âmbito das actividades profissionais do sujeito passivo». (“IVA-Algumas Notas sobre os Limites das Exclusões do Direito à Dedução”, in Revista FISCO, n.º 115/116, de Setembro de 2004, Ano XV).

O Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou sobre o direito à dedução do IVA, cita-se a este propósito o acórdão de 03/07/2013, proferido no processo n.º 011148/11, do qual se transcreve a II conclusão:

«No que respeita ao direito de dedução a Jurisprudência do TJCE vem afirmando que «o direito à dedução previsto nos artigos 17.° e 20.º da Sexta Directiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.(…)
Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução.”
– cf. Acórdão Kretztechnik (2005) – C.465/03 e Ac do TJCE, 2º secção de 08.06.2000, processo C-98/98, in http://new.eur-lex.europa.eu.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade utilizado pelo TJUE nos acórdãos supra citados, realça Clotilde Celorico Palma em conclusão no artigo supra citado:

«e) O princípio da proporcionalidade deverá, necessariamente, ser tido em consideração para efeitos das exclusões do direito à dedução efectuadas pelos Estados membros ao abrigo do disposto no n° 6 do artigo 17.º da Sexta Directiva, sob pena de se esvaziar de conteúdo a concessão deste direito ao abrigo do respectivo n° 2 e, consequentemente, de desvirtuar completamente as características do IVA e ameaçar o sistema comum deste imposto;

f) Em conformidade com a jurisprudência que o Tribunal de Justiça consagrou às medidas fiscais relativas a prevenir e a lutar contra a fraude, o princípio da proporcionalidade exige que o sujeito passivo possa demonstrar a inexistência de fraude ou de abuso. Conforme se reconheceu, só dificilmente se pode sustentar que o princípio da proporcionalidade não oferece esta protecção ao contribuinte em relação a medidas destinadas, essencialmente, a facilitar a tarefa da administração;» (conclusões do artigo publicado na revista Fisco supra citado).

E o TJUE no acórdão AES3C Maritza East 1EOOD, de 18/07/2013 , já citado, salienta no ponto 52:

«Ora, como decorre do n.º 39 do presente acórdão, a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a referida na primeira questão, que tem por efeito privar um sujeito passivo do direito à dedução do IVA pago a montante, que incidiu sobre despesas que possam ser consideradas como tendo um nexo direto e imediato com as despesas gerais associadas ao conjunto das atividades económicas do referido sujeito passivo.»

O direito comunitário, no que aos presentes autos interessa – Sexta Directiva, apenas permitia limitar o direito à dedução em despesas sem carater profissional, quando existissem razões conjunturais que justificassem a limitação ou quando a mesma fosse aprovada como medida de simplificação da cobrança ou para evitar fraudes ou evasões fiscais.

Efectivamente, como se escreveu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 04/06/2015, proferido no processo n.º 06391/13, referindo-se ao artigo 21.º do CIVA, «Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de I.V.A., nos termos em que a doutrina as define (cfr. Gustavo Lopes Courinha, A Clásula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág. 91 e segs.;» (disponível em www.dgsi.pt/).

Ora, atento o teor das diversas alíneas do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA, a interpretação compaginável com o direito comunitário é a de que o legislador nacional estabeleceu uma presunção que as despesas aí referidas, atenta a natureza das mesmas, não se destinaram aos fins das próprias operações tributáveis do sujeito passivo. E apesar das exepções previstas no n.º 2 do artigo 21.º, a verdade é que o legislador nacional não consagrou a faculdade do sujeito passivo afastar tal presunção, para prova de que as despesas se destinam para os fins tributáveis (na acepção do artigo 17.º, n.º 2 da Sexta Directiva).

Como se escreveu na decisão proferido pelo Tribunal Arbitral, proferida no processo n.º 40/2016-T, de 29/09/2016, onde estava em crise a dedutividade de despesas com eventos de promoção da actividade da Requerente, no ano de 2010, que sufragamos:

«(…) O direito à dedução não pode, em princípio, ser limitado, ressalvadas as exceções consignadas na Diretiva IVA (Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006) – designadamente nos artigos 176.º e 177.º, com correspondência parcial no artigo 21.º do Código do IVA – e é exercido imediatamente relativamente à totalidade do imposto que incidiu sobre as operações efetuadas a montante, abrangendo atividades preparatórias. (…)

Como bem se afirma no acórdão arbitral proferido no processo n.º 238/2013-T do CAAD6, “[a]s normas relativas ao direito à dedução de IVA têm como efeito o afastamento da incidência do imposto, pelo que se reconduzem a normas de delimitação negativa de incidência” e, por isso, deve aplicar-se o regime do “artigo 73.º da LGT às presunções nelas contidas”.

Ainda segundo a mesma decisão arbitral, “subjacentes às situações de afastamento do direito à dedução estarão presunções de que as despesas indicadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a atividade produtiva das empresas sujeita a IVA, pois essa é a única justificação aceitável para o afastamento da dedutibilidade deste imposto, que, como imposto sobre o consumo, se pretende que seja neutro para os intermediários no circuito económico.”

No caso do artigo 21.º do Código do IVA estamos, pois, inequivocamente, perante uma norma antiabuso em sede de IVA, a qual visa prevenir a dedução do IVA em despesas que seriam facilmente desviáveis para consumos não empresariais, motivo pelo qual o legislador optou, com algumas exceções, por excluir o direito à dedução do IVA incorrido nas mesmas.

O artigo 73.º da LGT estabelece que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.

Nesta parametria, desde já podemos adiantar que não tem a Requerida qualquer razão quando diz que o artigo 21.º do Código do IVA não contém qualquer presunção legal, procedendo apenas «ao enquadramento jurídico-tributário de factos conhecidos», e, uma vez que «nada presume a partir de factos conhecidos, não se pode ilidir a presunção de factos desconhecidos como a Requerente pretende, não havendo lugar ao disposto no art. 73.º da LGT».

A aplicação da citada alínea d) do n.º 2 deste artigo 21.º depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) que sejam despesas previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1, com exceção dos tabacos, (ii) incorridas para as necessidades diretas dos participantes, (iii) relativas a congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, (iv) quando resultem de contratos celebrados diretamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente equiparadas para o efeito.» (disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=21&id=2129).

Assim, ali como aqui, não tem razão a Recorrente quanto afirma que o «o artigo 21.º só pode ser entendido no sentido de que, mesmo que uma determinada despesa pudesse dar lugar a dedução do IVA em face do critério da sua utilização definido no artigo 20.º, tal despesa, em qualquer caso, não confere direito a dedução do respectivo IVA, total ou parcial, quando está submetida a uma exclusão ou limitação objectivamente descrita naquele artigo 21.º.»

Tendo presente as exclusões do direito à dedução que o legislador nacional fez constar do artigo 21.º do CIVA, na redacção em vigor em 2002, e analisada que foi a margem estreita que na matéria era concedida pela Sexta Diretiva, em vigor no momento da adesão de Portugal à então CEE, mantida pela atual Directiva IVA, e considerando ainda a coerência do sistema do IVA, nomeadamente o princípio da neutralidade, as diversas alíneas do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA devem ser interpretadas, como presunções ilidíveis, face à inadmissibilidade de presunções inilidíveis em direito fiscal, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, caso contrário incorreriam em incompatibilidade com o artigo 17.º da Sexta Directiva e violação do principio da proporcionalidade.

Desta forma, sendo as normas ínsitas no artigo 21.º do CIVA subsumíveis a presunções legais de não afectação a operações tributáveis, devem admitir prova em contrário (artigo 73.º da LGT), pelo que desde que confirmada no caso concreto a afectação das despesas à actividade tributária do sujeito passivo é legitima a dedução do IVA incorrido.

Acompanhamos, assim, a posição defendida pela Recorrida nas suas profícuas contra-alegações, e abundante jurisprudência citada, nomeadamente quando refere que as regras referentes à exclusão do direito à dedução deverão ser interpretadas como presunções ilidíveis, e por conseguinte cessam a sua aplicação caso se evidencie que os bens e serviços são utilizados para os fins das próprias operações tributáveis (…).

No caso em apreço, constitui facto notório que a realização das despesas incorridas pela Recorrida em Portugal no evento promocional de divulgação do novo modelo da marca O. V., comercializado pela Recorrida, contribuem de forma objectiva para a realização de operações tributárias (venda de automóveis), pelo que deve considerar-se ilidida a presunção que justifica o afastamento da dedutividade do IVA (vide neste sentido acórdão doTJUE proferido no processo n.º C-68/92, de 17/11/1993; alíneas M) a V) do probatório).

In casu, está em causa a interpretação de normas comunitárias, em que existe margem de discricionariedade e uma cláusula stand-still ou de congelamento, pelo que a persistir dúvidas fundamentadas quanto à sua interpretação e aplicação haveria lugar a colocar a questão ao TJUE, através de reenvio prejudicial, na linha do requerido pela Recorrida.

Sobre a obrigação do reenvio prejudicial, o TJUE, no Acórdão de 09/09/2015, proferido no processo n.º C-160/14, expendeu o seguinte: «(…) a verdade é que, quando não exista recurso judicial de direito interno da decisão de um órgão jurisdicional nacional, este é, em princípio, obrigado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE, quando uma questão relativa à interpretação do direito da União seja suscitada perante esse órgão jurisdicional.

Quanto ao alcance da referida obrigação, decorre de jurisprudência consolidada desde a prolação do acórdão Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335) que um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial de direito interno é obrigado, sempre que uma questão de direito da União seja suscitada perante si, a cumprir a sua obrigação de reenvio, a menos que conclua que a questão suscitada não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa foi já objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta aplicação do direito da União se impõe com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável.

O Tribunal de Justiça precisou ainda que a existência de tal eventualidade deve ser avaliada em função das características próprias do direito da União, das dificuldades particulares de que a sua interpretação se reveste e do risco de surgirem divergências jurisprudenciais no interior da União (acórdão Intermodal Transports, C-495/03, EU:C:2005:552, n.º 33)». (cfr. pontos 37, 38 e 39 do acórdão; disponível em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=167205&doclang=PT).

Ora, tal obrigação não tem aplicação ao caso em exame, dado que o TCAS não é órgão jurisdicional de última instância e não existem dúvidas sobre a interpretação de normas de direito europeu com relevância para a decisão do litígio, atenta a abundante jurisprudência do TJUE já citada e todo o supra exposto.

Nestes termos, entendemos não se mostrar necessário o reenvio prejudicial, acompanhando-se o decidido pela 1.ª instância.

A sentença recorrida para julgar procedente a impugnação alinhou o seguinte discurso fundamentar:

(…) Não vem questionada a realização da mencionada acção promocional, nem a prova da reciprocidade de tratamento a sujeitos passivos portugueses, questionando-se apenas o direito ao reembolso de IVA incorrido relativamente a despesas de alojamento e alimentação, nos termos do artigo 21.º n.º 1 d) do CIVA. (…)

Os actos impugnados foram praticados com fundamento no Decreto-Lei n.° 408/87, de 31 de Dezembro, que veio estender o direito ao reembolso do IVA conferido aos sujeitos passivos nacionais, aos operadores estrangeiros, suportado na aquisição de bens e serviços àqueles, com a finalidade de acabar com a solução discriminatório que impedia o direito ao reembolso por parte dos operadores estrangeiros. Tal regime legal decorreu da necessidade de transposição 8.ª Directiva do Conselho (79/1072/CEE), já que a partir de 1989, Portugal seria obrigado a proceder ao reembolso do imposto aos sujeitos passivos do IVA comunitário e aos estabelecidos fora da CEE, por força da 13.ª Directiva, de 17 de Novembro de 1986, como se pode ler do seu preâmbulo, introduzindo assim, o princípio da reciprocidade.

(…) a possibilidade do sujeito passivo efectuar a prova de que as operações se integram no âmbito da sua actividade, o que não sucede com a norma que se apreciou, sendo de salientar que só com a alteração legislativa operada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro que entrou em vigor em 1/1/2005 com a seguinte redacção:

«d) Despesas respeitantes a bebidas, tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas ao arrendamento de imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a reuniões ou recepções, assim como as despesas de alojamento, alimentação e restauração, salvo se as mesmas, com excepção das referentes a bebidas e tabacos, respeitarem à organização de congressos, feiras e exposições, forem contratualizadas com empresas de hotelaria e restauração, tiverem um limite mínimo de (euro) 5000 por factura e que comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis.

Assim se conclui que a norma constate da alínea d) do artigo 21.º não respeita o princípio da neutralidade do imposto, por não permitir que o sujeito passivo prove que tais operações foram efectuadas para os fins da sua actividade económica, configurando-se como uma presunção inilidível que impede qualquer prova em contrário sendo desproporcional.

Neste sentido decidiu o TJUE no seu Acórdão de 19 de Setembro de 2000 proferido nos processos apensos C-177/99 e C-181/99, que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelos tribunaux administratifs de Nantes (C-177/99) e de Melun (C-181/99) (França), destinados a obter ima proncunciado Tribunal, nos litígios pendentes neste órgãos jurisdicionais entre Ampafrance SA e Directeur des services fiscaux de Maine-et-Loire (C- 177/99) e entre Sanofi Synthelabo, anteriormente Sanofi Winthrop SA.

Cita-se o parágrafo 62 «Sem que caiba ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a adequação de outros meios para lutar contra a fraude e a evasão fiscais que poderiam ser encarados, entre os quais a limitação prefixada do montante das deduções autorizadas ou um controlo decalcado do operado no âmbito do imposto sobre o rendimento ou do imposto sobre as sociedades, há que precisar que, no estado actual do direito comunitário, uma legislação nacional que exclui do direito à dedução do IVA as despesas de alojamento, de recepção, de restaurante e de espectáculos sem que seja possível ao sujeito passivo demonstrar a inexistência de fraude ou de evasão fiscais a fim de beneficiar do direito à dedução não constitui um meio proporcionado ao objectivo de luta contra a fraude e a evasão fiscais e afecta excessivamente os objectivos e princípios da Sexta Directiva.»

De resto, esta solução resultava já da aplicação do artigo 73.º da LGT que entrou em vigor em 1/1/1999 (cf. artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17/12) por força do qual as presunções consagradas as normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

As presunções contidas nas normas relativas ao direito à dedução de IVA, constantes do artigo 21.º do CIVA, seriam sempre ilidíveis donde resulta a possibilidade da Impugnante provar que reúne os requisitos necessários ao afastamento da incidência do imposto.

Subjacente aos casos em que não se permite o exercício do direito à dedução, estão razões relacionadas com o combate à fraude e à evasão fiscal, por constituírem operações facilmente apropriáveis pelo uso privado, já que as despesas elencadas no n.º 1 do artigo 21.º podem não ter ainda que parcialmente relação com as operações efectuadas para os fins da sua actividade económica, configurando-.se como uma cláusula desproporcionada, na medida em que excede os fins referidos impedindo a concretização do princípio da neutralidade fiscal pedra angular em que se encontra estruturado o sistema do IVA. Não podendo, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante como refere a Impugnante citando o n.º 18 do Acórdão C-68/93 – BP, Soupergaz e n.º 43 dos Acórdãos C-110/98 e C-147/98 Galbafrisa.

(…)

Os serviços que a Impugnante adquiriu em Portugal, estão relacionados directamente com um evento promocional destinado a divulgar um novo veículo que pretendeu comercializar pelo que contribuem necessariamente para a realização de operações tributáveis pela Impugnante consubstanciada na venda de veículos automóveis.

Deste modo, os actos impugnados violam o princípio da neutralidade ínsito no direito à dedução, concluindo-se que o acto impugnado é ilegal por vício de violação de lei, o que importa a sua anulação.

Sufragamos o entendimento da primeira instância acabado de transcrever.

Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso neste segmento e confirmar a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação.


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2.2. Insurge-se ainda a Recorrente contra o segmento da decisão da 1.ª instância relativo a custas, que não dispensou o remanescente da quantia de € 275.000,00 (conclusões XXI a XXVII da alegação de recurso).

Alega que o Tribunal a quo se limitou a invocar como fundamento da sua decisão de não dispensar o remanescente da taxa de justiça, a complexidade da acção, não concretizando qualquer aspecto processual ou outro justificativo para tal conclusão, e que não vislumbra onde pode residir a invocada complexidade.

Argui ainda a Recorrente a desproporção entre o serviço público envolvido e o valor a cobrar.

Apreciemos.

O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispõe: Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Esta norma está relacionada com o que se prescreve na tabela I, ou seja, que para além de € 275.000 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fração 3 unidades de conta no caso da coluna A, 1,5 unidade de conta no caso da coluna B, e 4,5 unidade de conta no caso da coluna C.

O remanescente da taxa de justiça, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa, deve ser considerado na conta final, se por acaso não for determinada a dispensa do seu pagamento.

Como pondera Salvador da Costa: «A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, por um lado, a sua menor complexidade ou maior simplicidade, e, por outro, a atitude das partes na prática dos actos processuais necessários à adequada decisão da causa, isto é, margem de afirmações ou alegações de índole dilatória.

A este propósito, é necessário ter em conta que a taxa de justiça é um dos elementos essenciais do financiamento dos tribunais e do acesso ao direito e aos tribunais.

A atitude das partes com vista à dispensa ou não do remanescente da taxa de justiça deve ser apreciada à luz dos princípios da cooperação e da boa fé processual, a que se reportam os artigos 7.º, n.º 1, e 8.º da CPC.» (in As Custas Processuais, análise e comentário, 7.ª Edição, Almedina, nota 6.8. ao artigo 6.º, pág. 141).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar que justifica-se dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, se não se suscitarem questões de grande complexidade e se também o respectivo montante se mostrar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe (vide por todos Ac. do STA de 01/02/2017, proc. n.º 0891/16 e de 08/03/2017, proc. n.º 0890/16, disponíveis em www.dgsi.pt/; e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07).

Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de € 528 147,61, se existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes nos presentes autos.

Analisando a conduta processual das partes, verificada a tramitação dos autos constata-se que a mesma se limita ao que lhes é exigível e legalmente devido, não se destacando qualquer especial cooperação dos litigantes com o tribunal.

Quanto à complexidade da causa, o Regulamento das Custas Processuais não estabelece critérios específicos, pelo que, socorremo-nos do artigo 530.º do CPC, que dispõe considerarem-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meio de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

Não foi produzida prova testemunhal, nem se verificou a análise de meios de prova complexos, como decorre do teor do julgamento da matéria de facto constante da sentença recorrida.

Relativamente às questões apreciadas, comportam especificidade própria, com aplicação do direito comunitário, pelo que não se vislumbram aqui razões para considerar a causa simples (cfr. Ac. do STA de 06/05/2020, proc. n.º 02358/04.3BELSB, disponível em www.dgsi.pt/).

Assim, tudo ponderado perante a possibilidade de gradução casuística do montante da taxa de justiça devida a final, tendo a questão apreciada significava complexidade, o comportamento processual das partes, o valor da causa, e não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, obtemos razões válidas e ponderosas para dispensar o pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.

Assim, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, dispensa-se o pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.


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Conclusões/Sumário:

I. Uma das principais características do IVA é a sua neutralidade, conseguida pelo mecanismo do direito à dedução do IVA.

II. Nos termos do artigo 17, n.º 2 da Sexta Directiva, os sujeitos passivos podem beneficiar do direito à dedução nas despesas estritamente profissionais, por só estas se poderem considerar como referentes a bens ou serviços «utilizados para os fins das próprias operações tributáveis».

III. Desta maneira, o legislador comunitário estabelece uma distinção fundamental entre as despesas que têm carácter estritamente profissional e aquelas que não têm ligação com a actividade profissional do sujeito passivo, excluindo expressamente as despesas sumptuárias, com diversões ou de representação do direito à dedução do IVA.

IV. Tendo presente que a adesão à CEE teve efeitos a partir de 01/01/1986, que o Código de IVA não se encontrava em vigor em 31/12/1985 e que não existia na ordem jurídica nacional qualquer disposição que excluísse o direito à dedução do IVA nessa data, uma vez que o Código do Imposto de Transações (CIT) revogado pelo CIVA, não previa as exclusões à dedução do IVA previstas no artigo 21.º do CIVA, não poderia o legislador nacional introduzir as exclusões do direito à dedução com base na cláusula de “stand-still”, por incompatibilidade com a Sexta Directiva.

V. Mas ainda que a cláusula “stand-still” fosse aplicável, que não é, o TJUE tem entendido que tal cláusula não é aplicável de per si de forma absoluta e ilimitada, isto porque «(…) o direito à dedução, previsto no artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, constitui, enquanto parte integrante do mecanismo do IVA, um princípio fundamental inerente ao sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.» (Acórdão Oasis East, de 30/09/2010, proc. n.º C-395/09).

VI. É pelo critério do destino das despesas realizadas pelo sujeito passivo que se pode distinguir as despesas que podem ser incluídas das que devem ser excluídas da dedução. As primeiras são efectuadas para fins estritamente profissionais, devendo ser deduzidas, enquanto as despesas que constituem consumo final são excluídas da dedução.

VII. Tendo presente as exclusões do direito à dedução que o legislador nacional fez constar do artigo 21.º do CIVA, na redacção em vigor em 2002, e analisada que foi a margem estreita que na matéria era concedida pela Sexta Diretiva, em vigor no momento da adesão de Portugal à então CEE, mantida pela atual Directiva IVA, e considerando ainda a coerência do sistema do IVA, nomeadamente o princípio da neutralidade, as diversas alíneas do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA devem ser interpretadas, como presunções ilidíveis, face à inadmissibilidade de presunções inilidíveis em direito fiscal, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, caso contrário incorreriam em incompatibilidade com o artigo 17.º da Sexta Directiva e violação do principio da proporcionalidade.

VIII. Desta forma, sendo as normas ínsitas no artigo 21.º do CIVA subsumíveis a presunções legais de não afectação a operações tributáveis, devem admitir prova em contrário (artigo 73.º da LGT), pelo que desde que confirmada no caso concreto a afectação das despesas à actividade tributária do sujeito passivo é legitima a dedução do IVA incorrido.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso:

a) confirmar a sentença na parte em que julgou procedente a impugnação, embora com a fundamentação supra;

b) revogar a decisão recorrida quanto ao segmento relativo a custas e determinar a desconsideração na conta final de 50% do remanescente da taxa de justiça.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias, com dispensa do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda € 275.000.

Notifique.

Lisboa, 27 de Outubro de 2021.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta