Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1858/16.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2019
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores: DIREITO A INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ARQUIVO ABERTO
RESTRIÇÃO INFRACONSTITUCIONAL A DIREITO FUNDAMENTAL,
BANCO DE PORTUGAL
Sumário:I – No caso presente, pressuposto necessário e lógico-jurídico da decisão contida na sentença (diremos, exequenda: artigo 108º, nº 2, do CPTA) é que era e é possível ao BP, como entidade da Administração Pública que é, cumprir aqui o seu dever constitucional e infraconstitucional de informar os requerentes com inteligibilidade, no âmbito do princípio constitucional do arquivo aberto. Ou seja, aqui está definitivamente assente que é possível expurgar os documentos identificados no dispositivo da sentença exequenda daquilo que seja segredo atendível e, ainda assim, manter a - obviamente necessária - inteligibilidade da informação devida. Devida por força da CRP, da lei e da sentença. Caso contrário, (i) a sentença emitida ao abrigo dos artigos 104º ss do CPTA seria concretamente inútil e (ii) o princípio fundamental da tutela jurisdicional plena e efetiva seria aqui uma ficção.
II – No topo da pirâmide normativa, a lei fundamental portuguesa determina que os cidadãos têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
III - Abaixo do topo da pirâmide normativa, diz-nos a LARDA que: um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação; sem prejuízo das demais restrições legalmente previstas, os documentos administrativos ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses juridicamente relevantes, mediante decisão do órgão ou entidade competente, sempre que contenham informações cujo conhecimento seja suscetível de afetar a eficácia da fiscalização ou supervisão, incluindo os planos, metodologias e estratégias de supervisão ou de fiscalização, ou de colocar em causa a capacidade operacional ou a segurança das instalações ou do pessoal das Forças Armadas, dos serviços de informações da República Portuguesa, das forças e serviços de segurança e dos órgãos de polícia criminal, bem com a segurança das representações diplomáticas e consulares, ou de causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens ou interesses patrimoniais de terceiros que sejam superiores aos bens e interesses protegidos pelo direito de acesso à informação administrativa.
IV - Esta restrição (artigo 6º, nº 6 a 8, da LARDA) ao direito fundamental consagrado no artigo 268º, nº 2, da CRP tem natureza infraconstitucional, pelo que está especificamente limitada pelos artigos 2º, 18º, nº 2, e 17º da CRP. Quer dizer, nem os tribunais, nem a Administração Pública (aqui o Banco de Portugal), estão libertos de darem sempre um conteúdo materialmente útil e eficaz ao previsto no artigo 268º, nº 2, 1ª parte, da CRP.
V - Não basta, assim, à Administração Pública emitir uma qualquer explicação para poder aplicar, em concreto, as restrições infraconstitucionais a um direito fundamental previstas nos nº 6 a 8 do artigo 6º da LARDA.
VI - Os tribunais devem, por isso, aferir da verdade e correção material, e não meramente formal, dos motivos invocados, caso a caso, pela Administração Pública para esconder informações em exceção ao princípio constitucional português do arquivo aberto (cf. artigos 268º, nº 2, 18º, nº 2, e 17º da CRP).
VII – No caso em apreço, o TAC não respondeu à questão de fundo que tinha de julgar (a informação dada aos requerentes é, no essencial, inteligível no âmbito bancário e financeiro, de modo a aqueles perceberem e questionarem minimamente o que ocorreu?) e não estava em condições de o fazer no momento em que o fez. Há, assim, um défice no julgamento do TAC que redundou num erro de julgamento quanto ao objeto deste processo, objeto abordado pelo TAC de modo muito incompleto, porque apenas formal, sem conferir teor substantivo ou material ao artigo 268º, nº 2, da CRP.
VIII – Por isto, o tribunal “a quo” deve fazer pleno uso dos artigos 601º, 411º e 417º do CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

B………. FUNDS, B………… Managers Limited, B……….. A……. LLC, B……… I……. Management, LLC, J………. Series Trust, B……. F….. Management, I….., M……. S….. Fund, I…..., M….. I…. Series Trust, B…… F…. Management Company SA, B…….. A….. M…… I……. Limited, B…… S….. Funds, B…….. I….. Trust Company, N……… Association, I…….. V……. PLC, I…… PLC, B…… F…. Advisors, C…….. S…… T…… R……. System, P…… I…… Management Company LLC, CQS C….. M….. A… Fund (a sub- fund of CQS G…. F…..), B….. F…. Limited, CQS D…… O…… M…. F….. Limited, CQS A….. du Ch…….. MF S.C.A, SICAV – S…, G…….. O……. Fund Limited, CQS D….. M….. S…… Fund Limited, B..... B…. V…. A….., SA, B..... B….. P……, SA, B….. P……., SA, M…… SAU, S…..G….IIC, DNCA F…….., VR-B……. R….-S…. Eg, S……… A…. Management (L….) SA, N….. C…. LLP, P…… I…… Management Limited, T……. A…. Management, LLP, G….. V….., E…. C….., M….. C…., e L….. B…… intentaram

intimação para a passagem de certidão e consulta de processo administrativo, nos termos e para os efeitos dos artigos 104.º e seguintes do CPTA contra o

BANCO DE PORTUGAL.

A pretensão formulada ao T.A.C. foi a seguinte:

- que se intime o Banco de Portugal para que proceda à passagem das certidões e/ou as reproduções autenticadas de todo o procedimento administrativo tendente à emissão do relatório elaborado pela D….., datado de 04.07.2016, no qual se propõe uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do B……, num cenário de liquidação a 03.08.2014.

Após a discussão dessa causa, o T.A.C. decidiu:

- “Intimo o Banco de Portugal para, no prazo de 10 dias, facultar aos Requerentes (a) o Relatório Final da D….., (b) os pedidos de informação e esclarecimentos formulados pela D…... na execução do relatório e respetivas respostas do Banco de Portugal e (c) o relatório preliminar e pronúncia do Banco de Portugal, expurgados da informação relativa à matéria reservada;

- Mais condeno o Banco de Portugal a emitir certidão que declare a inexistência da E....... l…. e da deliberação do Banco de Portugal a homologar o relatório da D……. .”

Agora, em sede de cumprimento daquela sentença, os Requerentes pediram ao TAC:

- Deverá ser declarado que o Banco de Portugal se encontra em incumprimento da intimação que lhe foi dirigida, sem qualquer justificação, e, em consequência, deverá ser determinada a aplicação de sanção pecuniária compulsória, de montante não inferior a 10% do salario mínimo nacional mais elevado em vigor, por cada dia de atraso e até integral cumprimento da mesma. Mais se requer que todos os membros do Conselho de Administração (supra detalhadamente identificados) sejam, solidariamente, condenados no pagamento da referida sanção pecuniária compulsória.

O TAC, discutido incidente, decidiu assim:

- O acesso parcial aos documentos traduz o cumprimento da sentença judicial, pelo que se indefere a requerida aplicação de sanção pecuniária compulsória.

*

Inconformados com esta decisão, os requerentes interpõem o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes longas conclusões:

1. A decisão do Tribunal a quo que concluiu que o Recorrido deu cumprimento ao ordenado na decisão judicial transitada em julgado de 5 de dezembro de 2016, indeferindo a aplicação da sanção pecuniária compulsória requerida pelos Recorrentes, incorre em erro manifesto, impondo-se que tal decisão seja revogada e substituída por outra que reconheça o incumprimento do Recorrido.

2. Através da referida sentença de 5 de dezembro de 2016, a ação a que os presentes autos se reportam, proposta pelos Recorrentes, havia sido julgada parcialmente procedente e o Banco de Portugal intimado a facultar a informação requerida, ainda que eventualmente expurgada da informação relativa a matéria reservada.

3. Ou seja, nessa sentença, o Tribunal a quo decidiu que o Banco de Portugal teria que dar cumprimento ao disposto no artigo 6.º, n.º 7 da LADA, permitindo o acesso dos Recorrentes aos documentos administrativos peticionados na sua versão integral, ainda que expurgados da informação relativa à matéria reservada, considerando que a informação constante do Sumário Executivo do Relatório D…. não era suficiente para satisfazer os seus interesses.

4. Consequentemente, o Relatório deveria ser disponibilizado pelo Banco de Portugal, de forma inteligível, para que pudesse ser sindicado pelos ora recorrentes e, concomitante, deveriam ser indicadas, caso a caso, as razões de ocultação de qualquer concreto elemento, para que tais razões pudessem igualmente ser sindicadas.

5. Sucede que o Banco de Portugal se furtou ao cumprimento da sentença proferida pelo Tribunal recorrido, mediante um simulacro de cumprimento da decisão: o envio de muitas páginas, mas todas sem qualquer relevância ou, pelo menos, cujo conteúdo é ininteligível dada a ocultação de elementos mínimos necessários à sua compreensão.

6. Tal situação, configurando uma situação de incumprimento da intimação sem justificação aceitável, nos termos do artigo 108.º do CPTA, determina a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar, segundo o disposto no artigo 159.º do mesmo diploma.

7. Ora, para fundamentar a decisão recorrida de 18 de janeiro de 2019, o Tribunal limitou-se a fazer uma análise perfunctória dos argumentos convocados pelo Recorrido para fornecer os documentos nos termos em que o fez, subscrevendo-os integralmente e sem reservas, ao invés de sindicar tais argumentos.

8. O Tribunal recorrido fez ainda tábua rasa de toda a fundamentação oferecida pelos Recorrentes para demonstrar o evidente incumprimento da sentença por parte do Banco de Portugal.

9. Ora, desde logo, é facto público e notório que o procedimento de venda do N…….. há muito que foi concluído, não se percebendo como é que o Tribunal a quo fundamenta a decisão recorrida na circunstância de a divulgação da informação em causa poder prejudicar a venda do banco.

10. Ainda maior evidência da manifesta desproporcionalidade da abordagem do Banco de Portugal à seleção do conteúdo a rasurar no Relatório D…….. é a sua comparação com o tratamento dado pelo Conselho Único de Resolução a uma situação idêntica àquela em apreço – a divulgação de um relatório (preparado igualmente pela D…….) a aferir a estimativa de recuperação dos credores do B….. P…. E……., ao qual foi aplicada uma medida de resolução em 7 de junho de 2017, ao abrigo do mesmo quadro normativo fundamental que a Medida de Resolução aplicada ao B….. .

11. O referido relatório respeitante ao B….. P…. E…… foi publicado na íntegra, sem quaisquer omissões ou rasuras de substância, concluindo-se, assim, que o Conselho Único de Resolução entendeu, ao abrigo do quadro normativo aplicável a ambas as medidas de resolução em causa, que a divulgação do valor, descriminação e estimativa de recuperação referentes aos ativos e passivos do B…. P….. E…… (que, recorde-se, foi alienado no âmbito de uma medida de resolução ao B……., S.A.) não comprometeria o segredo comercial das instituições envolvidas.

12. Não podem, pois, os Recorrentes deixar de supor que as pretensas restrições de acesso ao conteúdo do Relatório por alegadas razões de segredo comercial e de negócio não são mais do que a “C....P….” que o Banco de Portugal encontrou para se furtar ao cumprimento das suas obrigações.

13. Conforme é sabido, o objetivo dos Recorrentes, ao pretenderem tomar conhecimento do Relatório D........., era e é o de aquilatar (sindicar) a bondade das conclusões alcançadas pela D......... quanto ao montante dos seus créditos que seria recuperado num cenário hipotético em que o B….. tivesse entrado em liquidação em 2 de agosto de 2014 (caso contrário qualquer sentença seria inócua).

14. Pelo que, incumbia ao Tribunal recorrido, no despacho em análise, averiguar se o Relatório D........., nos termos em que foi divulgado, permitia tal compreensão e, em caso negativo, concluir pelo incumprimento da sentença por parte do Recorrido.

15. O que foi disponibilizado aos aqui Recorrentes é uma versão quase integralmente truncada e, consequentemente, ininteligível, do Relatório D........., que não lhes permite avaliar, minimamente, o impacto da Medida de Resolução, nem tão pouco escrutinar a atuação do Banco de Portugal e as conclusões do Relatório.

16. Ou seja, a documentação que foi disponibilizada, verdadeiramente, nada acrescentou ao que já constava do Sumário Executivo e que o Tribunal – e bem – considerou ser insuficiente para tutelar os interesses dos Recorrentes, esvaziando de qualquer conteúdo útil a ação proposta pelos Recorrentes e a sentença que – estavam os mesmos convictos – lhes havia dado razão.

17. O que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo teria certamente concluído se tivesse feito uma análise cuidada do caso, ao invés de se dar por satisfeito com os argumentos convocados pelo Banco de Portugal, dedicando-se a resumi-los no despacho recorrido, mas sem os sindicar minimamente.

18. É essencial reiterar que o procedimento de venda do N…… está concluído, pelo que, se algum argumento poderia, hipoteticamente, ser convocado a esse respeito aquando da sentença de 5 de dezembro de 2016 ou até em junho de 2017 (data em que, pese embora o contrato já tivesse sido celebrado, ainda não se tinham verificado as demais condições para a efetivação da venda), o mesmo já não sucede hoje em dia.

19. O que faz cair por terra, a esta altura dos acontecimentos, qualquer argumentação do Banco de Portugal (secundado pelo Tribunal a quo) no sentido de que a divulgação da informação em causa pode prejudicar o interesse público subjacente à venda daquele banco.

20. E é o próprio Banco de Portugal que corrobora isto mesmo, quando refere que a ponderação dos interesses em presença a levar a cabo para efeitos da tomada de decisão de divulgar ou não determinada informação não é estática nem se cristalizou à data da sentença, devendo ter em conta as circunstâncias vigentes à data em que é feita.

21. O Banco de Portugal refere, à data, que o facto de o contrato ter sido celebrado em nada alterava a ponderação a levar a cabo dado que a venda ainda não se tinha efetivado, e que tais circunstâncias, não sendo a razão da existência de segredo, são a razão de esse segredo não ceder perante outros interesses em presença.

22. O que, interpretado a contrario, significa que, uma vez ultrapassadas tais circunstâncias (dada a conclusão do processo de alienação do N...........), (i) não só deve o facto da efetivação da venda alterar a ponderação a levar cabo, (ii) como devem os interesses convocados pelo Banco de Portugal ceder perante outros interesses em presença, no caso, o interesse demonstrado pelas Recorrentes.

23. Cumpre igualmente relembrar que o Relatório da D......... não avalia o N..........., seja à data da constituição deste banco (agosto de 2014), seja à data da divulgação do Sumário Executivo (julho de 2016) e, muito menos, à presente data, mas sim os ativos do B……. por referência a agosto de 2014 e para um fim muito específico: determinar a recuperação que caberia a cada classe de credores e aos acionistas do B...... caso o banco tivesse sido liquidado em 3 de agosto de 2014.

24. Ora, ainda que parte (e apenas parte) dos ativos e passivos possam eventualmente ser idênticos, a verdade é que a avaliação ínsita ao Relatório D......... se reporta ao valor de tais ativos e passivos há quase 5 anos - quando na esfera do B….. - e, sobretudo, assenta numa perspetiva de liquidação do B…. (aquela que releva para os efeitos legais), e não de continuação do negócio do N............

25. Pela natureza das coisas, tendo o balanço do N........... herdado ativos e passivos do B....., naturalmente que, hoje, dele constam ainda ativos e passivos que constavam do balanço do B..... em agosto de 2014, e que foram – espera-se - por isso considerados na avaliação realizada pela D..........

26. Mas tal não permite a confusão entre o que seria uma avaliação atual do N..........., por um lado, e a avaliação prescrita na lei do balanço do B..... reportado a agosto de 2014 para efeitos da sua entrada em liquidação, referindo-se o Relatório D......... apenas àquilo que representava o balanço do B..... a 2 de agosto de 2014 e, com base nisso, ao que seria a recuperação expectável para os seus credores.

27. Ademais, estando em confronto dois interesses, o Recorrido sempre teria que ter feito um juízo de ponderação entre ambos, não podendo, pura e simplesmente, obnubilar um dos interesses em ponderação.

28. Ou seja, o Banco de Portugal teria que ter demonstrado que ponderou os interesses em causa, de acordo com o princípio da proporcionalidade, o que manifestamente não foi feito, ao contrário do que o mesmo defende.

29. Nunca é ponderada ou proporcional uma decisão que obnubila por completo um dos interesses em ponderação, não bastando, como é evidente, dizer que essa ponderação foi feita, ou alegar que os documentos em causa contêm informação confidencial e que o interesse invocado não é suficiente para afastar essa confidencialidade.

30. Com vista a pretensamente fundamentar o expurgo efetuado, o Recorrido limita-se a oferecer uma justificação genérica para a necessidade de ocultação dos elementos expurgados do Relatório D......... e de todo o procedimento a ele inerente, mais não fazendo do que apresentar as mesmas justificações vagas e não concretizadas que havia invocado anteriormente e que, conforme havia sido decidido pelo Tribunal recorrido na sentença de 5 de dezembro de 2016, não constituem justificação suficiente para a ocultação de tais elementos, designadamente quando em confronto com o direito à informação dos Recorrentes.

31. Acresce que, conforme supra explanado, mesmo em abstrato, a fundamentação oferecida não é suscetível de ser considerada como adequada, porque o princípio geral é que toda a informação deve ser divulgada (corolário direto do princípio da administração aberta), apenas admitindo a lei as restrições que especificamente prevê.

32. Ora, como se viu, o Banco de Portugal não logrou demonstrar que tal informação constituiria segredo comercial ou um segredo sobre a vida interna do N........... (e muito menos, reitere-se, conseguiria fazê-lo hoje em dia depois de a venda do banco estar concretizada).

33. De resto, em 2 de agosto de 2014, o B..... era uma sociedade com as suas ações cotadas em mercado regulamentado, encontrando-se, por isso, sujeita ao dever de divulgação de informação privilegiada nos termos do artigo 248.º do Códigos dos Valores Mobiliários.

34. Ou seja, aquilo que o Banco de Portugal diz ser informação confidencial, mais não é que informação que foi ou devia ter sido tornada pública, nos termos legais, pelo que, mesmo que dissesse respeito à vida interna do N........... (e não diz), a mesma teria que ser facultada.

35. Em suma, o Tribunal, através da sentença proferida a 5 de dezembro de 2016, foi muito claro quando decidiu que a divulgação do Sumário Executivo do Relatório D......... não era suficiente para compreender as conclusões alcançadas pelo mesmo e que recaía sobre o Banco de Portugal a obrigação de apresentar, caso a caso, as motivações que levaram à ocultação de elementos em concreto do Relatório na sua versão integral, para que aquelas conclusões fossem suscetíveis de ser sindicadas.

36. Sucede que, mais de dois anos volvidos desde a prolação de uma sentença favorável aos Recorrentes, continua a não ser possível compreender as conclusões do Relatório D......... quanto aos níveis de recuperação dos créditos, para que essas conclusões possam ser sindicadas (o que era o objetivo da presente ação).

37. Da mesma forma, continuam os Recorrentes a não perceber a razão da necessidade de ocultação das partes do Relatório que foram expurgadas para que essa atuação também possa ser sindicada.

38. Em face de tudo o exposto, os Recorrentes não podem conformar-se com a decisão tomada no despacho recorrido, a qual não dá qualquer resposta a todas esta interrogações, limitando- se a considerar que há matérias confidenciais e que o Tribunal na sentença original teria considerado que tais elementos seriam confidenciais.

39. É verdade e não se discute a possível existência de elementos confidenciais, porém, tal circunstância não desonera de analisar se os elementos expurgados eram de facto confidenciais e se a ocultação de tais elementos teria sido de tal forma desproporcional que teria, na prática, impossibilitado os Recorrentes do núcleo essencial do seu direito à informação e à administração aberta.

40. Porque sejamos claros: qualquer interpretação da LADA (na redação aplicável), designadamente do seu artigo 6, n.º 7 que permita que os dados ocultados sejam de tal forma severos que inibam o conhecimento do núcleo essencial de documentos administrativos ou que comprometam a sua inteligibilidade será obviamente inconstitucional, por violação quer do Princípio do Estado de Direito, constante do artigo 2.º , mas também dos artigos 18.º n.º 2 e artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa.

41. Em todo o caso, porventura, não será preciso ir tão longe, na medida em que a correta interpretação da douta Sentença original será mais que suficiente para se compreender como o Tribunal a quo errou na sua avaliação.

42. Com efeito, o Tribunal a quo limitou-se a uma análise genérica e superficial sobre se o Recorrido havia apresentado uma qualquer explicação, mas de maneira nenhuma a sindicou, ou percebeu e analisou se era proporcional, e, muito menos, se se compaginava com aquilo em que havia sido condenado o Recorrido, que era precisamente o juízo que impendia sobre o Tribunal a quo e não foi efetuado.

43. Em face de tudo o exposto, não podem os Recorrentes conformar-se com a decisão tomada no despacho recorrido, o qual deverá, forçosamente, ser revogado e substituído por outro que, concluindo pelo incumprimento da sentença de 5 de dezembro de 2016, condene o Banco de Portugal na aplicação da sanção pecuniária compulsória requerida até ao integral cumprimento daquela.

*

O recorrido contra-alegou, concluindo assim:

1) Esta em causa no presente recurso a decisão do Tribunal a quo de 19.01.2019 que, julgando a Sentença de 5.12.2016 integralmente cumprida pelo Banco de Portugal, indeferiu o pedido dos Recorrentes no sentido de ser aplicada uma sanção pecuniária compuls6ria aos membros do Conselho de Administração do recorrido, nos termos do artigo 108º/2 do CPTA.

2) Ou seja, do que se trata aqui e exclusivamente de saber se o Tribunal a quo decidiu bem ou não ao considerar que o Banco de Portugal cumpriu integralmente a referida Sentença, há muito transitada em julgado.

3) Apesar disso, e patente a intenção dos Recorrentes em ver reexaminada a sua pretensão informativa - que, no contexto destes autos, já foi definitivamente apreciada por Sentença de 5.12.2016 transitada em julgado -, invocando factos ocorridos em momento muito posterior ao do cumprimento da Sentença pelo Banco de Portugal (em 28.04.2017) e procurando, além disso, trazer novamente a discussão matérias sobre a qual o Tribunal a quo já se pronunciou definitivamente.

4) Como se viu, embora os Recorrentes insistam em sublinhar que o Tribunal a quo não poderia ter aceitado como fundamento para o expurgo de determinadas informações do Relat6rio D........., uma vez que hoje ele já se encontra concluído, desde final de outubro de 201, esse facto é absolutamente irrelevante no contexto deste recurso, não podendo retirar-se do mesmo qualquer juízo de incumprimento do Banco de Portugal e qualquer efeito invalidante da decisão recorrida.

5) 0 juízo que é pedido a este Tribunal sobre os termos em que foi dado cumprimento a Sentença de 5.12.2016 só poderá, evidentemente, ter em conta os factos em vigor a data em que o mesmo teve lugar, sendo absolutamente ilógico defender o incumprimento da intimação com base em factos muito posteriores ao momento em que o Banco de Portugal enviou a documentação aqui em causa aos Recorrentes.

6) Não podendo os Recorrentes obter deste Tribunal, como pretendem, uma pronúncia sobre se, tendo em conta a factualidade hoje existente, o seu interesse em conhecerem o Relat6rio D......... deve ou não se considerar prevalecente em relação ao interesse subjacente a salvaguarda dos seus elementos confidenciais.

7) Nestes autos, esse juízo já foi feito pelo Tribunal a quo através da Sentença de 5.12.2016, que concluiu que o Banco de Portugal demonstrou que os documentos aqui em causa, nomeadamente, o Relatório D......... contém efetivamente matéria legalmente sujeita a segredo, tal como identificada na resposta apresentada ao pedido de intimação e, por outro lado, que os Recorrentes não demonstraram que o seu interesse era suficientemente relevante para sobrepor-se ao segredo.

8) Alias, que foi essa a decisão do TAC de Lisboa em 5.12.2016 confirma-o o recurso subordinado interposto pelos próprios Recorrentes em 31.01.2017, que não chegou a ser apreciado por ter caducado em virtude da desistência pelo Banco de Portugal do seu recurso, nos termos do artigo 633º/1/3 do CPC (cf. Despacho do TCA Sul de 30.03.2017).

9) Com efeito, esse recurso tinha como objeto, precisamente, o facto de, na referida Sentença de 5.12.2016, o TAC de Lisboa ter acolhido a fundamentação apresentada pelo Banco de Portugal sobre a verificação de restrições ao direito de acesso a documentos administrativos e o facto de, no juízo de ponderação a que se refere o artigo 6.2/6 da LADA aqui em vigor (a Lei nº 46/2007, de 24 de agosto), ter considerado que o interesse particular invocado não era suficientemente relevante para justificar que, apesar de os documentos conterem matéria sujeita a reserva, eles devessem ser divulgados na íntegra.

10) Essa sentença transitou inequivocamente em julgado e, como é sabido, se os Recorrentes queriam vê-la revogada tinham deter interposto recurso (independente) da mesma, o que não fizeram, conformando-se assim com o decidido, pelo que não podem vir agora servir-se do presente recurso - que, repete-se, s6 tern e s6 pode ter como objeto a posterior decisão judicial que apreciou o cumprimento dado a sentença - para questionarem a confidencialidade da informação expurgada pelo Banco de Portugal e a ponderação de interesses.

11) Assim, sob pena de desrespeito do trânsito em julgado da Sentença de 5.12.2016 e de se subverter completamente a 16gica subjacente a fase execut6ria de um processo de intimação como o dos autos, essas matérias não podem voltar a ser discutidas nesta sede e nesta fase, cabendo a este Tribunal única e exclusivamente decidir se a referida Sentença foi ou não cumprida pelo Banco de Portugal.

12) Sendo certo que, como também se demonstrou nestas contra-alegações, a sentença de 5.12.2016 foi integralmente cumprida pelo Banco de Portugal, que, através do seu Ofício de 28.4.2017, remeteu aos recorrentes a documentação aqui em causa com expurgo da informação legalmente sujeita a sigilo, tendo fundamentado devidamente o motivo da confidencialidade em função dos varies tipos de informação ou dados em causa.

13) Desde logo, a interpretação que os Recorrentes fazem do âmbito e limites da condenação do Banco de Portugal constante da Sentença de 5.12.2016 é manifestamente enviesada e incompleta, não sendo verdade que o Tribunal a quo - que admitiu expressamente que as matérias confidenciais, tal como alegadas pelo Banco de Portugal nos autos, fossem objeto de expurgo - tenha exigido, por outro lado, que a inteligibilidade dos documentos fosse garantida.

14) 0 que o Tribunal a quo considerou, e é bem diferente, foi que não podia afirmar-se, sem mais, que a divulgação do sumário executivo do Relatório D......... fosse suficiente para dar-se como satisfeita a pretensão informativa e que os Recorrentes não tivessem, ainda assim, o direito a aceder ao Relatório propriamente e, por outro lado, que o Relatório não pudesse ter mais informação acessível para alem da constante do referido sumário.

15) E, por isso mesmo, entendeu o Tribunal a quo que não se justificava julgar a intimação improcedente apenas pelo facto deter sido publicamente disponibilizado o respetivo sumario executivo (como o Banco de Portugal então sustentou), impondo-se antes a divulgação do próprio Relatório, embora sempre sem prejuízo da salvaguarda dos elementos confidenciais, tal como também alegados pelo Banco de Portugal, através do respetivo expurgo.

16) Assim, contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, o Tribunal a quo não condenou o Banco de Portugal a fornecer os documentos, podendo expurgá-los apenas ate certo ponto, ou seja, até ao ponto que não comprometesse o interesse invocado pelos Recorrentes e a sua inteligibilidade, tendo antes declarado expressamente que o Banco de Portugal deveria expurgá-los de todas as partes que fossem subsumíveis no artigo 6º/6 da LADA.

17) Nem, aliás, como se demonstrou, a tarefa de expurgo de matérias confidenciais constantes de documentos administrativos pode ser limitada ou condicionada em função do interesse que o requerente da informação invoque, porque, se há elementos confidenciais e se o Tribunal decide que a sua confidencialidade não deve ceder perante o interesse particular invocado, então o expurgo não pode senão abranger tudo aquilo que estiver efetivamente sujeito a segredo, nos termos da lei.

18) Por outro lado - embora não fosse necessário rebater aqui a argumentação dos Recorrentes a respeito da suposta falta de confidencialidade dos elementos expurgados pelo Banco de Portugal, dado que essa questão já foi definitivamente decidida na Sentença de 5.12.2016, transitada em julgado -, demonstrou-se ainda nestas contra-alegações a improcedência do recurso dos Recorrentes nesta parte.

19) Em relação ao facto de o processo de venda do N........... estar já concluído, além de o mesmo não ter a virtualidade de por em causa a fundamentação que em momento anterior, em 28.04.2017, foi apresentada para os expurgos efetuados no Relat6rio D........., a verdade e que o Banco de Portugal nunca afirmou que as informações expurgadas eram confidenciais porque estava em curso a venda do N............

20) Diferentemente, a pendencia do processo de venda do N........... foi invocada pelo Banco de Portugal apenas para demonstrar a prevalência do segredo das informações em causa.

21) Sendo certo, por outro lado, que tal circunstância foi invocada pelo Banco de Portugal a par de várias outras, que os Recorrentes optam por ignorar, algumas delas ainda hoje aplicáveis, como é o caso do processo de reestruturação do N..........., em virtude de compromissos assumidos com a Comissão Europeia e dos termos contratualizados na operação de venda.

22) 0 segredo das informações expurgadas, esse, como se viu, existe em si mesmo e decorre do facto de se tratar de informação detalhada sabre a valorização e rentabilidade de ativos do N......... e sabre vários aspetos da sua atividade (nomeadamente, as linhas de financiamento de que dispõe e outras responsabilidades, incluindo responsabilidades contingentes), cuja divulgação pode causar danos ao N........... e representar uma vantagem competitiva para as empresas que com ele se relacionam (designadamente, os seus concorrentes e credores).

23) Ou seja, trata-se claramente de informações sobre a vida interna do N........... e de segredo comercial seu, nos termos e para os efeitos do artigo 6º/6 da LADA aqui em vigor, tal como o Tribunal a quo decidiu por sentença já transitada em julgado.

24) 0 facto de no Relat6rio D......... virem analisados ativos e passivos reportados a um momento em que ainda integravam a esfera jurídica do B..... e numa perspetiva de liquidação não afasta, como se demonstrou acima, essa conclusão, pelo facto de que grande parte dos mesmos terem sido transferidos para o N........... com a medida de resolução, integrando hoje a sua esfera jurídica.

25) Não sendo a informação em causa, por outro lado, manifestamente informação que devesse ser tornada pública nos termos do artigo 248º do Código dos Valores Mobiliários, que trata de um tipo de informação muito diferente da aqui em causa (informação suscetível de influenciar de maneira sensível o preço de valores mobiliários] e que, além do mais, consagra uma obrigação dos próprios emitentes sujeitos a esse Código, a qual o Banco de Portugal (e o objeto deste tipo de processo) é manifestamente alheio.

26) Quanto a alegada insuficiência da fundamentação apresentada pelo Banco de Portugal no Oficio de 28.4.2017 para os expurgos efetuados, os Recorrentes também não têm razão, tendo sido concretizados os vários tipos de dados constantes dos documentos e as razoes que, em relação a cada um deles, levam a sua confidencialidade.

27) Sendo que, qualquer concretização ou detalhe adicional, implicaria a divulgação do pr6prio segredo, o que seria naturalmente um contrassenso.

28) Finalmente, demonstrou-se ainda ser improcedente a (impropriamente) arguida inconstitucionalidade do artigo 6º/7 da Lei nº 46/2007, de 24 de agosto, aqui aplicável, por violação dos artigos 2º, 18º/2 e 268º da Constituição.

29) O direito a informação aqui em causa não e absoluto, tutelando a Constituição, a par dele, outros direitos, como o direito a reserva da intimidade da vida privada (artigo 26º/2), a iniciativa económica privada e a propriedade privada (artigos 61º e 62º), garantindo a lei a sua compatibilização, nomeadamente, através do artigo 6º/6 da LADA, que exige a sua ponderação casuística e que, por outro lado, mesmo quando o direito a informação não deva prevalecer, ele deve ser satisfeito na máxima extensão possível (cf. artigo 6º/7 da LADA).

30) O que sucede e que, no caso dos autos, o Tribunal a quo entendeu, já em 5.12.2016, que a ponderação dos direitos e interesses aqui em causa não pendia para o lado dos Recorrentes.

*

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

O tribunal recorrido decidiu estar provada a seguinte factualidade:

“Texto integral com imagem”

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O tribunal recorrido, NA SENTENÇA EXEQUENDA, decidiu estar provada a seguinte factualidade:

A

Em 13.07.2016, B….. G…. Funds, B….. F… Managers Limited, B….. A…… LLC, B….. I…… Management, LLC, J…. V….. S…. Trust, B….. F….. Management, I…..., M…… S….. Fund, I…..., M….. I… S…. Trust, B…… F…. Management Company SA, B…… A…. Management I…. Limited, B….. S…… Funds, B…… I….. Trust Company, N….. Association, I…… V… PLC, I….. PLC, B……. F…. Advisors, C……. S…. T….. R….. System, P…… I…… Management Company LLC, CQS C….. M….. A….. F….. (a sub-f… of CQS G…..l Funds), B…… F…. Limited, CQS D….l O…. Master Fund Limited, CQS A…… du C….. MF S.C.A, S…… – SIF, G…… O…… Fund Limited, CQS D….. M…. S….. Fund Limited, B..... B…. V…. A……, SA, B..... B…. P….., SA, B…. P….., SA, M….. SAU, S…GIIC, DNCA F……, VR- B……. R….-S…. Eg, S….. A….. Management (L…..) SA, N…. C……… LLP, P….. I…… Management Limited, T….. A…. Management, LLP…, G…… V….., E… C…., M…. C…., L…….. B……. requereram ao Governador do Banco de Portugal a passagem de certidões ou de reproduções autenticadas do procedimento administrativo que culminou na homologação do relatório elaborado pela D......... – Consultores, SA e datado de 04.07.2016 (cfr. documento n.ºs 1 e 3 juntos aos autos com a petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

B

O referido pedido continha o seguinte teor (cfr. documento n.ºs 1 e 3 juntos aos autos com a petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos):

«(…) doravante “Requerentes”), vêm nos termos dos artigos (…) requerer a V/Exa, a passagem de certidões ou de reproduções autenticadas

Do procedimento administrativo que culminou na homologação do relatório elaborado pela D......... - Consultores, S.A. (" D........."), datado de 4 de Julho de 2016, no qual se propõe uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do B……., S.A. ("B....."), num cenário de liquidação a 3 de agosto de 2014, relevante para efeitos da decisão adotada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, no dia 29 de Dezembro de 2015, que determinou a retransferência de determinados passivos relativos a obrigações não subordinadas ("Obrigações Sénior") originalmente emitidas pelo B..... e posteriormente transferidas para o N..........., S.A. ("N..........."), por força da medida de resolução do dia 3 de agosto de 2014 (doravante, a "Decisão de 29 de Dezembro de 2015").

O que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:

I - Da Legitimidade das Requerentes

No passado dia 6 de Julho de 2016, o Banco de Portugal tornou público ter recebido, no dia 4 de Julho, o relatório final elaborado pela D........., em cumprimento do disposto na segunda parte do n.º 4 do artigo 145°-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o qual apresenta uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do B..... no hipotético cenário de liquidação do B..... a 3 de agosto de 2013, caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução (doravante, o “Relatório”).

Nessa data, o Banco de Portugal disponibilizou apenas o sumário executivo de tal Relatório, assim impossibilitando uma análise completa e a verificação das conclusões anunciadas, não tendo também tornado públicos quaisquer outros elementos relacionados com o mandato conferido à D........., ou os pressupostos e a metodologia por esta empregues na elaboração do Relatório.

Conforme anunciado, o Relatório procede, tanto quanto às Requerentes foi possível apurar, a uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do B....., num cenário (alternativo) de liquidação à data de 3 de agosto de 2014.

Como é do conhecimento do Banco de Portugal, as Requerentes são titulares de 9.959 (nove mil novecentas e cinquenta e nove) Obrigações Sénior, perfazendo um montante de EUR 995.900.000,00 (novecentos e noventa e cinco milhões e novecentos mil euros), que por intermédio da Deliberação de 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal pretendeu retransferir para o B......

Como é também do conhecimento do Banco de Portugal, as Requerentes intentaram uma ação de impugnação de ato administrativo, na qual peticionam a declaração de nulidade ou a anulação da Deliberação de 29 de dezembro de 2015, que consideram ilegal e violadora (entre outros) do regime legal da resolução bancária, a qual corre os seus termos pelo Processo n.º 788/16.7BELSB - Unidade Orgânica 1 do TAC de Lisboa.

Ora, sem prejuízo de as Requerentes não se conformarem com tal Deliberação de 29 de Dezembro de 2015, e não aceitarem - em consequência - a sua qualidade de credoras do B....., a defesa plena dos seus interesses impõe o acompanhamento do processo tendente à homologação do Relatório, com vista a assegurar o cumprimento escrupuloso do princípio previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 145.º-D do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, segundo o qual "na aplicação de medidas de resolução, para prossecução das finalidades previstas no artigo anterior, nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação" (realce nosso).

Pelo que, a devida análise e ponderação do Relatório, dos seus pressupostos e da sua metodologia elaborado, é indispensável às Requerentes.

Como indispensável é o escrutínio do procedimento administrativo que esteve na base do mandato conferido à D......... para a elaboração do Relatório, e depois conducente à homologação pelo Banco de Portugal do mesmo.

O que fica dito é então suficiente para se reconhecer às Requerentes a qualidade de interessadas no procedimento administrativo respeitante à elaboração do Relatório e conducente à sua homologação pelo Banco de Portugal.

Ou, pelo menos, para fundamentar e ilustrar o interesse legítimo das Requerentes em apresentar um pedido de informação, consultar o processo e obter certidões ou reproduções autenticadas do Relatório completo e do procedimento administrativo conducente à sua elaboração e homologação pelo Banco de Portugal, nos termos e para os efeitos dos artigos 82.º e 85.º do CPA.

II - Do Pedido

Demonstrada a legitimidade das Requerentes, e uma vez que estas pretendem conhecer os elementos constantes de um procedimento no qual são partes diretamente interessadas ou, pelo menos, no qual demonstram ter interesse legitimo, cumpre-lhes solicitar a passagem de certidões ou de reproduções autenticadas de todo o procedimento administrativo tendente à elaboração e homologação do Relatório.

Com vista a evitar qualquer dúvida, esclarece-se, desde já, que as Requerentes não pretendem, apenas, o relatório final elaborado pela D........., mas sim todo o procedimento administrativo tendente à elaboração e homologação do mesmo, do qual, necessariamente, constarão, entre outros, os seguintes documentos:

Procedimento de Contratação da D......... e respetiva E…… l……., onde constem os pressupostos da atuação da D.........;

Pedidos de informação e esclarecimentos formulados pela D......... na execução do relatório e respetivas respostas do Banco de Portugal;

Relatório preliminar e pronúncia do Banco de Portugal sobre o mesmo;

Relatório Final;

Deliberação do Banco de Portugal de homologação do relatório em causa.

Mais devem as ora Requerentes salientar que as referidas certidões e/ou reproduções autenticadas deverão ser passadas e/ou prestadas no prazo máximo de 10 dias a contar da receção do presente requerimento, com dispensa de despacho prévio, conforme decorre do artigo 84.º do CPA.

Acrescentam ainda as Requerentes que as certidões e/ou reproduções autenticadas ora requeridas se destinam a permitir o uso de meios administrativos e/ou contenciosos nos termos da lei processual administrativa.

A acrescer, solicitam as ora Requerentes Que os serviços de V. Exa. informem as quantias devidas a título de custas ou de emolumentos pela passagem das certidões elou reproduções autenticadas ora solicitadas, para que os mesmos sejam prontamente liquidados, caso alguns sejam devidos.

Nestes termos, requer-se a V. Exa. se digne admitir e deferir os pedidos formulados e, em consequência, ordene que sejam passadas as certidões elou as reproduções autenticadas solicitadas».

C

O Banco de Portugal endereçou a D………… ofício, datado de 27.07.2016, e contendo o seguinte teor (cfr. documento n.º 3 junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

«Reportamo-nos ao pedido formulado por V. Exas. em nome e representação de B…… G..... Funds (e outros), de passagem de certidão dos documentos referidos no respetivo n.º 12 ("Pedido") e relacionados com o Relatório elaborado pela D......... Consultores, S.A. ("D.........").

Cumpre referir que a D......... foi designada pelo Banco de Portugal, nos termos das disposições legais aplicáveis, em reunião do seu Conselho de Administração de 11 de Novembro de 2014, para proceder a uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do B………., S.A. ("B....."), de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação desse banco em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução de 3 de agosto de 2014. Tendo o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberado, na mesma reunião, que o Conselho de Administração do B..... procederia à contratação da D......... para efeitos de elaboração do referido Relatório, nos termos constantes de proposta de prestação de serviços a acordar entre o B..... e a D..........

Neste sentido - e sem prejuízo de outros motivos, de ordem formal e material, que poderiam justificar o indeferimento, total ou parcial, do Pedido formulado por V. Exas., desde logo a legitimidade, o âmbito do Pedido e a base legal ao abrigo da qual o mesmo vem formulado -, o Banco de Portugal decidiu deferir parcialmente o mesmo, nos termos a seguir enunciados.

O Banco de Portugal encontra-se de momento a analisar o Relatório D......... e respetivos anexos, bem como as comunicações que V. Exas. referem na alínea (ii) do n.º 12 e os elementos referidos na alínea (iii) do Pedido, nomeadamente a extensão de informações ou dados de carácter confidencial, como será o caso de informação sujeita a segredo comercial e a segredo sobre a vida interna do N..........., SA (U.... N...B"), matérias legalmente excecionadas do direito de acesso à informação.

Na verdade, a análise levada a cabo pela D......... tem como objeto estimar o nível de recuperação dos créditos dos credores do B..... num cenário em que o banco teria entrado em liquidação no momento imediatamente anterior ao da resolução, o que significa que a esmagadora maioria dos ativos e passivos analisados nesse contexto, nas suas diversas vertentes, são ativos e passivos transferidos para o N….., constando hoje do respetivo balanço. A circunstância de se tratar de um documento extenso e muito complexo, que carece de uma análise minuciosa, explica que, neste momento, não esteja o Banco de Portugal em condições de dar uma resposta integral ao Pedido.

De todo o modo, sublinha-se que o Sumário Executivo do Relatório divulgado pelo Banco de Portugal no seu site identifica, nas 16 páginas que o compõem, não só os pressupostos de facto da análise levada a cabo pela D........., como os respetivos resultados e conclusões, incluindo-se aí um relevante e amplo conjunto de informação.

Note-se ainda que, tal como referido no comunicado público do Banco de Portugal de 6 de julho de 2016, o Relatório da D........., além de não corresponder a entendimentos ou posições do Banco de Portugal, não contém uma estimativa do nível de recuperação de créditos reportado a cada concreto credor do B....., apuramento que não está ainda em curso.

No que respeita aos documentos relativos ao "procedimento de contratação do D........." [cf. alínea (i) do n.º 12 do Pedido) informa-se que, tal como acima referido, o Banco de Portugal se limitou a determinar, em conformidade com a legislação aplicável, que o B..... procedesse à contratação da D......... para efeitos de elaboração do mencionado Relatório, sendo, assim, essa contratação da responsabilidade do B......

A "E....... l…….” referida na alínea (i) do n.º 12 do Pedido não existe.

O documento referido na alínea (v) do n.º 12 do Pedido não existe, na medida em que o Banco de Portugal não praticou qualquer ato homologatório do Relatório elaborado pela D..........

Tendo em conta o que antecede, em anexo à presente comunicação segue certidão do extrato da ata da reunião do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 11 de novembro de 2014.

Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos com os melhores cumprimentos».

D

Em 27.07.2016, o Secretário-Geral do Banco de Portugal emitiu “certidão” com o seguinte teor (cfr. documento n.º 3 junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

«Certifico que o documento anexo, composto por 2 páginas por mim numeradas e rubricadas, constitui cópia fiel do extrato relativo ao ponto 8 da ata da reunião do Conselho de Administração do Banco de Portugal, realizada em 11 de novembro de 2014».

E

Consta do ponto 8 da ata da reunião n.º .../2014 do Conselho de Administração do Banco de Portugal, realizada na sua sede em 11.11.2014 o seguinte teor (cfr. documento n.º 3 junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

Contratação de serviços profissionais para avaliação da recuperação de créditos B..... por classe de credores (Doc. ..../DGI/2014/……..44)

Considerando que:

na sequência da aplicação ao B………, S.A. (B.....), da medida de resolução prevista nos artigos 145.º-G a 145.°-I do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que levou à constituição de um banco de transição (denominado N..........., S.A.), e nos termos do disposto na segunda parte do n.º 4 do artigo 145.º-H do RGICSF, o Banco de Portugal deve promover a realização, por parte de uma entidade independente, de uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação do B..... em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução;

atendendo à relevância daquela estimativa, nomeadamente com vista a assegurar que os acionistas e os credores cujos direitos perante o B..... não foram transferidos para o N..........., S.A. não sofrerão prejuízos em montante superior ao que assumiriam caso o B..... tivesse entrado em liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, e tendo em consideração também a envergadura da tarefa a desenvolver e a sua elevada complexidade, é imperioso garantir que esses serviços sejam assegurados por uma entidade com a necessária idoneidade e experiência, e que disponha dos meios humanos e técnicos necessários para efetuar a análise exigida;

a sociedade D......... Consultores, S.A. reúne a capacidade para dar resposta, em tempo oportuno, às exigências do presente serviço, oferecendo garantias de independência e credibilidade, e não se encontra prejudicada por fatores de incompatibilidade, que afastariam empresas de dimensão semelhante;

ainda nos termos do disposto no n.º 4 do artigo l45.º-H do RGICSP, a estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do B....., num cenário de liquidação do banco em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, deverá ser realizada a expensas do B....., o Conselho deliberou, nos termos do disposto na segunda parte do n.º 4 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras:

designar a sociedade D......... Consultores, S.A. para, em prazo a acordar, proceder a uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do B……., S.A, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação do B..... em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução;

que o Conselho de Administração do B……., S.A. proceda à contratação da sociedade D......... Consultores, S,A, para efeitos de apuramento da estimativa referida no ponto I, nos termos constantes de proposta de prestação de serviços a acordar entre a referida sociedade e o Banco de Portugal.

O Conselho deliberou ainda, nos termos do n .º 3 e para os efeitos do n.º 4 do artigo 27.° do Código do Procedimento Administrativo e para efeitos de execução imediata, aprovar em minuta a ata da presente deliberação».

F

O sumário executivo do Relatório da D......... foi publicitado no site do Banco de Portugal, contendo o seguinte teor (parcial) (admitido por acordo e cfr. documento n.º 1 junto aos autos com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

«2. Sumário Executivo

O Estudo pressupõe a revogação da autorização bancária a 3 de agosto de 2014, com início imediato do processo de liquidação do B..... e cessação da atividade. O valor de realização dos ativos foi estimado numa perspetiva de liquidação.

O Estudo teve como objetivo proceder à estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe do B....., num cenário de liquidação do Banco em momento imediatamente anterior ao da aplicação da Medida de Resolução. Os principias gerais mais relevantes seguidos na aplicação da metodologia definida para o Estudo foram os seguintes:

Revogação da autorização bancária do B.....:

O Estudo teve por base o pressuposto que a dissolução e liquidação do B..... ocorreria por força de uma decisão do Banco de Portugal de revogação da autorização para o exercício da respetiva atividade, com data e efeitos a 3 de agosto de 2014, entrando de imediato em processo de liquidação, nos termos do Regime Jurídico da Liquidação de Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RJLICSF”), constante do decreto-lei n 199/2006, de 25 de Outubro, e, em tudo o que nele não estiver previsto, nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ("CIRE"), ambos na redação em vigor a 3 de agosto de 2014.

Assim, o Estudo foi realizado no pressuposto de que a partir da Data de Referência, com a revogação da autorização para o exercício da atividade bancária, o B..... deixaria de poder realizar operações bancarias de qualquer tipo.

Foi considerado que o B..... e as suas sucursais formariam uma única entidade, produzindo-se os efeitos da liquidação e das decisões do liquidatário do Banco, em Portugal e nas restantes jurisdições em que o banco detinha sucursais. Incluindo no que se refere às regras de alocação do valor de realização dos ativos, quantificação e graduação de créditos.

Processo de liquidação e de realização dos ativos:

A avaliação dos ativos do B..... foi efetuada numa perspetiva de liquidação, por oposição a uma perspetiva de continuidade das operações. Pressupôs-se que existiria um processo organizado de gestão da liquidação e de venda/realização do valor dos ativos com tempo, e estabelecido para cada tipologia de ativos de forma a maximizar o respetivo valor e o nível de recuperação dos credores, tendo sido estimado um prazo até a integral realização do valor dos ativos de 8 anos.

Nos termos do CIRE, o valor disponível para pagamento aos credores corresponde aos fluxos de caixa gerados pela realização dos ativos no período de liquidação incluindo recebimentos a título de reembolsos, juros, o valor da venda/liquidação de ativos ou outros. Assim, foram estimados os fluxos de caixa (nominais) que se perspetivou que seriam gerados no período de liquidação estimado, os quais foram agregados e correspondem ao valor estimado de realização dos ativos apresentados no presente relatório ("Relatório").

Para o período considerado necessário à realização do valor da totalidade de ativos, foram projetados os gastos a incorrer com o próprio processo de liquidação (custos de massa) cujo pagamento teria prioridade face aos créditos sobre a insolvência. O somatório do valor nominal dos gastos estimados neste período foi deduzido ao valor estimado de realização dos ativos, obtendo-se o valor estimado de realização ativos líquido dos custos da massa.

Foram incorporados os impactos diretos da liquidação do Banco na valorização dos ativos (quando aplicável), nomeadamente no que se refere a saldos cruzados (sob a forma de disponibilidades e aplicações em instituições de crédito, títulos de dívida, crédito concedido, entre outros) entre o Banco e as empresas participadas, na valorização de títulos emitidos por veículos de securitização ou títulos de dívida do próprio Banco em carteira, cuja valorização seria afetada pelo valor realizável dos ativos subjacentes/afetos. Não foi considerada, por não ser possível estimar, a totalidade dos impactos potenciais indiretos da liquidação do B..... pelo efeito sistémico que teria no sistema financeiro e na economia portuguesa, decorrente da disrupção nas relações comerciais múltiplas existentes com outras entidades fora da esfera do Grupo B..... e Grupo E………o (“G...E...S”) ou outros impactos potenciais que poderiam decorrer de um comportamento das contrapartes diverso do expectável num cenário de continuidades dessas relações comerciais.

(…)

A estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do B..... teve como ponto de partida o balanço individual (sede e sucursais) do Banco a 3 de agosto de 2014 e o respetivo balancete analítico disponibilizado pelo CA do N..... e pelo CA do N……. (“Balanço do B..... à Data de Referência”), incorporando os ajustamentos efetuados na sequência do A..... and l...... Review, os quais se encontram resumidos (…)

O valor estimado de realização dos ativos líquidos de custos da massa foi estimado em 38,4 milhões de euros, sendo 51% deste valor relativo a ativos dados em garantia.

A estimativa do valor de realização dos ativos foi efetuada numa perspetiva de liquidação, por oposição a uma perspetiva de continuidade das operações, tendo em consideração a estratégia de realização definida para cada tipologia de ativos, assumindo um processo organizado e com tempo, que permitisse maximizar o respetivo valor. Os ajustamentos de valorização resultam do diferencial entre o valor líquido contabilístico no Balanço do B..... à Data da Referência após reclassificação e o valor estimado de realização, para cada rúbrica do Balanço (…)

O valor estimado das responsabilidades (créditos sobre a insolvência, incluindo juros de mora) ascende a 60,0 mil milhões de euros, sendo 51% deste valor relativo a créditos privilegiados e garantidos (…)

Sendo o valor estimado dos créditos sobre a insolvência superior ao valor estimado de realização de ativos, o nível de recuperação dos créditos comuns seria de 31,7% e nulo no caso dos créditos subordinados».

G

Em 17.08.2016, deu entrada neste Tribunal petição inicial que originou os presentes autos (cfr. fls. dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).

*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Delimitação do objeto do recurso:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso - cf. artigos 144º-2 e 146º-4 do CPTA, artigos 5º, 608º-2, 635º-4-5 e 639º do CPC-2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA -, alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas; sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo - cf. artigos 73º-4, 141º-2-3, 143º e 146º-1-3 do CPTA[1].

Ora, tudo visto, as questões a resolver contra a decisão ora recorrida são as seguintes:

- Erro de julgamento quanto à questão de o BP ter incumprido o dever de cumprir a cit. sentença de 2016, no âmbito do art. 108º do CPTA e do art. 6º da LARDA.

*

Tenha-se presente (i) tudo o que já expusemos, (ii) bem como:

(1º) que a ordem jurídica ou Direito se refere a um conjunto estruturado e unitário de regras e de várias espécies de princípios jurídicos, ordenado em função de um ou mais pontos de vista [sistema], sendo o ordenamento jurídico um sistema da sociedade, funcionalmente diferenciado, autopoiético, coerente e racional, cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação (N. Luhmann) - um sistema que é aberto e alterável, nomeadamente em consequência de novos objetivos político-sociais (H. Kelsen) e do acoplamento estrutural entre sistemas sociais (N. Luhmann);

(2º) que, hoje, o Direito administrativo é mesmo Direito constitucional democrático concretizado;

(3º) que existe (i) um correto, objetivo e racional modo jurídico (“metodologia”) para conhecer e descrever o direito objetivo (cf. H. Kelsen e a “doutrina da construção do direito objetivo em níveis” ou teoria da “estrutura escalonada das normas jurídicas” encimada ou baseada na necessariamente pensada “norma-fundamento”) e ainda (ii) uma correta, objetiva e racional metodologia para decidir processos jurisdicionais (cf. os essenciais artigos 8º a 11º do CC português quanto à interpretação e aplicação dos enunciados normativos infraconstitucionais: o omnipresente elemento filológico ou gramatical, o essencial elemento lógico-sistemático, o auxiliar e secundário elemento pragmático-teleológico-objetivo e o inerente elemento genético-histórico da interpretação jurídica; cf. J. LAMEGO, Elementos…, 2016), no âmbito de um Estado Constitucional democrático e social (cf. os artigos 1º a 3º, 9º, 110º-1, 112º, 202º-1-2, 203º e 204º da CRP e os artigos 1º a 11º, 335º, 342º e 343º do CC);

(4º) que, para compreender objetivamente o direito objetivo a aplicar pela jurisprudência dos tribunais, é mister assumir (i) que o direito objetivo vigente não é (ii) igual à opção político-jurídica ou valorativa que está a montante das fontes (como Kelsen bem explicou), que (iii) a metódica da “jurisprudência teorética” ou dogmática jurídica ou “opinio iuris”, (iv) a metódica interpretativa jurisdicional e (v) a metódica filosófica são três realidades muito distintas[2], (vi) que o direito objetivo tem na sua natureza constitutiva o princípio estrutural da Segurança Jurídica, e (vii) que as máximas metódico-interpretativas - ou postulados aplicativos - da igualdade e da proporcionalidade jurídico-administrativas, fora das vinculações jurídicas estritas, implicam um específico dever de fundamentação expressa - cf. os artigos 1º e 2º da CRP e 7º do CPA-; (v) destaca-se ainda, na Jurisdição do contencioso de Direito administrativo, o princípio jurídico geral da prossecução do Interesse Coletivo e Bem Comum por parte de todas as atividades de administração pública - cf. artigos 266º e 268º-3-4 da CRP.

E como se sabe: (i) o dever de obediência à lei – por todos, incluindo o tribunal - não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo; (ii) nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito[3] – art. 8º-2-3 do CC.

Passemos, pois, à análise dos recursos de apelação, sem olvidar o já exposto atrás.

*

Sobre incumprimento da cit. sentença de 2016

A)

Na sentença exequenda o TAC entendeu o seguinte:

“Pretendem os Requerentes obter a passagem de certidões ou de reproduções autenticadas «do procedimento administrativo que culminou na homologação do relatório elaborado pela D......... - Consultores, S.A. ("D........."), datado de 4 de Julho de 2016, no qual se propõe uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do B……., S.A. ("B....."), num cenário de liquidação a 3 de agosto de 2014, relevante para efeitos da decisão adotada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, no dia 29 de Dezembro de 2015, que determinou a retransferência de determinados passivos relativos a obrigações não subordinadas ("Obrigações Sénior") originalmente emitidas pelo B..... e posteriormente transferidas para o N..........., S.A. ("N..........."), por força da medida de resolução do dia 3 de agosto de 2014 (doravante, a "Decisão de 29 de Dezembro de 2015")».

No pedido efetuado junto do Banco de Portugal, concretamente no seu ponto 12, os Requerentes esclareceram que não pretendiam apenas o Relatório final, elaborado pela D........., «mas sim todo o procedimento administrativo tendente à elaboração e homologação do mesmo, do qual, necessariamente, constarão, entre outros, os seguintes documentos:

Procedimento de Contratação da D......... e respetiva E....... l……., onde constem os pressupostos da atuação da D.........;

Pedidos de informação e esclarecimentos formulados pela D......... na execução do relatório e respetivas respostas do Banco de Portugal;

Relatório preliminar e pronúncia do Banco de Portugal sobre o mesmo;

Relatório Final;

Deliberação do Banco de Portugal de homologação do relatório em causa.

Através do ofício datado de 27.07.2016, o Banco de Portugal respondeu ao pedido formulado pelos Requerentes e do qual consta o seguinte:

«O Banco de Portugal decidiu deferir parcialmente o mesmo, nos termos a seguir enunciados».

Já quanto aos termos do deferimento parcial, o Banco de Portugal informou os Requerentes de que:

«encontra-se de momento a analisar o Relatório D......... e respetivos anexos, bem como as comunicações que V. Exas. referem na alínea (ii) do n.º 12 e os elementos referidos na alínea (iii) do Pedido, nomeadamente a extensão de informações ou dados de carácter confidencial, como será o caso de informação sujeita a segredo comercial e a segredo sobre a vida interna do N..........., SA (“N….”), matérias legalmente excecionadas do direito de acesso à informação.

(…) A circunstância de se tratar de um documento extenso e muito complexo, que carece de uma análise minuciosa, explica que, neste momento, não esteja o Banco de Portugal em condições de dar uma resposta integral ao Pedido. De todo o modo, sublinha-se que o Sumário Executivo do Relatório divulgado pelo Banco de Portugal no seu site identifica, nas 16 páginas que o compõem, não só os pressupostos de facto da análise levada a cabo pela D........., como os respetivos resultados e conclusões, incluindo-se aí um relevante e amplo conjunto de informação.

(…)

No que respeita aos documentos relativos ao "procedimento de contratação da D........." (cf. alínea (i) do n.º 12 do Pedido) informa-se que, tal como acima referido, o Banco de Portugal se limitou a determinar, em conformidade com a legislação aplicável, que o B..... procedesse à contratação da D......... para efeitos de elaboração do mencionado Relatório, sendo, assim, essa contratação da responsabilidade do B......

A "E....... l….” referida na alínea (i) do n.º 12 do Pedido não existe.

O documento referido na alínea (v) do n.º 12 do Pedido não existe, na medida em que o Banco de Portugal não praticou qualquer ato homologatório do Relatório elaborado pela D..........

Tendo em conta o que antecede, em anexo à presente comunicação segue certidão do extrato da ata da reunião do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 11 de novembro de 2014.»

Ou seja, o Banco de Portugal informou os Requerentes da inexistência da E....... l….. (peticionada no ponto 12, alínea i)) e da deliberação a homologar o relatório da D......... (peticionado no ponto 12, alínea v)).

Tendo ainda o Banco de Portugal informado os Requerentes de que, quanto ao procedimento de contratação da D........., este apenas se limitou a determinar que o B..... procedesse à contratação da D......... e, bem assim, emitido certidão com o ponto 8 da ata da reunião do Conselho de Administração do Banco de Portugal, referente à contratação de serviços profissionais para avaliação da recuperação de créditos do B......

Por fim, quanto ao pedido dos Requerentes, identificado nas alíneas ii), iii) e iv) do seu ponto 12 – atinentes aos “pedidos de informação e esclarecimentos formulados pela D......... na execução do relatório e respetivas respostas do Banco de Portugal”; “Relatório preliminar e pronúncia do Banco de Portugal sobre o mesmo” e “Relatório Final”, o Banco de Portugal invoca a existência de matérias de carácter confidencial e sujeitas a segredo comercial e segredo sobre a vida interna do N..........., SA, e remete para o sumário executivo do Relatório da D........., que havia sido publicado no site do Banco de Portugal.

Vejamos a quem assiste razão.

Como dispõe o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) «Os cidadãos têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas».

Impõe este preceito constitucional o direito de informação dos particulares face à atividade da Administração, de modo a que as suas decisões sejam públicas e possam ser objeto de consulta e informação e o princípio da administração aberta, o qual permite o acesso a documentos que se encontrem em arquivos ou registos e que sejam atinentes ao exercício da função administrativa.

Direito de acesso aos arquivos e registos administrativos que não pode deixar de ser entendido como um direito fundamental, de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, a que é aplicável o disposto no artigo 17.º e 18.º da CRP [cfr. a título de exemplo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 117/2015, de 12.02.2015], e que se encontra previsto no artigo 17.º do CPA de 2015, e regulado na Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, denominada de Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA).

Assim, estatui o artigo 1.º da LADA, sob a epígrafe «Administração Aberta» que:

«O acesso e a reutilização dos documentos administrativos são assegurados de acordo com os princípios da publicidade e da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade».

Prevendo ainda o artigo 5.º da LADA, «Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende o direito de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo».

O que significa que, com vista a acautelar a transparência da atividade administrativa, como regime regra, a LADA estabeleceu que qualquer interessado tem direito de acesso à documentação administrativa, não tendo que comprovar a existência de qualquer interesse individual e específico. Pelo que, aquele que requeira o acesso a documentos administrativos, não necessita de justificar ou fundamentar esse mesmo pedido.

Todavia, o aludido direito de acesso aos registos administrativos não é absoluto, uma vez que pode ser restringido ou condicionado quando a consulta dos documentos administrativos puder revelar segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa.

Existem assim algumas restrições a esse direito de livre acesso aos documentos administrativos e que se encontram previstas no artigo 6.º, n.º 6, da LADA, o qual estabelece que «Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse, direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade».

Por isso a entidade administrativa pode condicionar o direito de acesso aos registos administrativos, quando os documentos em causa contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa.

Nessa situação, prevê o n.º 7 do artigo 6.º da LADA que «Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada».

Isto posto, quanto ao caso dos autos, importa referir, em primeiro lugar, que a LADA é aplicável ao Banco de Portugal [A propósito ver Ac. do TCA Sul de 01.10.2009, proferido no Proc. n.º 05379/09, disponível em www.dgsi.p t].

Ora, os Requerentes pretendem ter acesso aos documentos que integrem o procedimento administrativo que culminou com o relatório da D......... que, por sua vez, procedeu a uma estimativa do nível de recuperação de créditos do B..... num cenário em que esse banco teria entrado em insolvência, e, portanto, num momento imediatamente anterior à adoção da Medida de Resolução pelo Banco de Portugal, pelo qual foram transferidos determinados ativos e passivos para o N............

Contudo, o Banco de Portugal não forneceu aos Requerentes tais documentos, tendo remetido apenas para o teor do sumário executivo do dito relatório e que já tinha sido, inclusive, publicitado no site do Banco de Portugal.

Os Requerentes alegam de grosso modo que o teor do sumário executivo do dito Relatório não é suficiente para sindicar o nível de recuperação dos créditos, que fora determinado em 31,7%, e para, dessa forma, poder defender os seus interesses enquanto credores do B...... Mais concretizam que tal se afigura necessário porquanto nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, poderiam ter direito a receber determinados valores, se se concluísse que suportaram um prejuízo superior ao que suportariam caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução, e o B..... tivesse entrado em liquidação no momento em que aquela medida foi aplicada.

Efetivamente, o Banco de Portugal recusou a divulgação do texto integral da informação solicitada pelos Requerentes fundamentando-a não só na existência de segredo comercial e segredo sobre a vida interna do N..........., SA, como também na extensão dos documentos em causa e na complexidade das matérias. Concretamente, aquela instituição referiu que:

«O Banco de Portugal encontra-se de momento a analisar o Relatório D......... e respetivos anexos, bem como as comunicações que V. Exas. referem na alínea (ii) do n.º 12 e os elementos referidos na alínea (iii) do Pedido, nomeadamente a extensão de informações ou dados de carácter confidencial, como será o caso de informação sujeita a segredo comercial e a segredo sobre a vida interna do N..........., SA (UNB"), matérias legalmente excecionadas do direito de acesso à informação.

E que: A circunstância de se tratar de um documento extenso e muito complexo, que carece de uma análise minuciosa, explica que, neste momento, não esteja o Banco de Portugal em condições de dar uma resposta integral ao Pedido».

Mas o Banco de Portugal também enuncia os concretos motivos para sustentar o entendimento de que a divulgação das ditas informações estava abrangida pelo segredo comercial e sobre a vida interna do N...........; dizendo, para tanto: «a análise levada a cabo pela D......... tem como objeto estimar o nível de recuperação dos créditos dos credores do B..... num cenário em que o banco teria entrado em liquidação no momento imediatamente anterior ao da resolução, o que significa que a esmagadora maioria dos ativos e passivos analisados nesse contexto, nas suas diversas vertentes, são ativos e passivos transferidos para o N……, constando hoje do respetivo balanço».

Em suma: da fundamentação utilizada pelo Banco de Portugal para não fornecer os ditos documentos resulta, não só, que as informações pretendidas pelos Requerentes contém aspetos abrangidos por segredo comercial e sobre a vida interna do N..........., mas também, que o Banco de Portugal ainda se encontra a depurar tais documentos, expurgando-os dos dados confidenciais.

Ocorre que o poder da Administração de recusar o acesso à documentação consubstancia um poder vinculado aos princípios e objetivos fixados na lei, e que apenas pode ser exercido de acordo com os princípios da transparência e da proporcionalidade.

Portanto, em primeiro lugar, para que a Administração possa recusar o acesso aos documentos, não basta a invocação da existência do dito segredo; esta tem também que fundamentar a sua decisão, explicitando os concretos motivos para entender que os documentos revelariam dados confidenciais. O que se afigura que foi efetivamente cumprido pelo Banco de Portugal, ao ter explicado que a «esmagadora maioria dos ativos e passivos analisados nesse contexto, nas suas diversas vertentes, são ativos e passivos transferidos para o N……».

Porém, incumbe também à Administração efetuar um juízo de proporcionalidade, como referido no artigo 6.º, n.º 6, da LADA, ponderando os interesses e valores jurídicos em confronto, no caso: o direito de acesso à informação e o direito ao segredo comercial e ao segredo sobre a vida interna de uma empresa.

Veja-se que, de acordo com o referido artigo 6.º, n.º 6, da LADA, aquele que pretenda aceder a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, só pode ver o respetivo direito reconhecido se demonstrar que o seu interesse na consulta dos documentos é suficientemente relevante de acordo com o princípio da proporcionalidade, o que exige que se verifique se o pretendido acesso é necessário, adequado e não excessivo e, portanto, se se verificam os pressupostos que autorizam a pretendida consulta.

Isto posto e da análise das circunstâncias do caso concreto, se impõe concluir, primeiramente, que o sumário executivo do Relatório da D......... não permite compreender cabalmente o nível de recuperação dos créditos que fora alcançado pela D.........; concluindo-se por isso que a informação que consta do dito sumário é insuficiente.

Por seu turno, não é possível concluir que não baste o conhecimento do texto integral dos documentos administrativos pretendidos, ainda que depurados dos dados confidenciais, para a compreensão dos níveis de recuperação de crédito e para que dessa forma os Requerentes os possam sindicar.

Acresce, que os Requerentes não demonstraram, como lhes competia, que o seu interesse é suficientemente relevante, para sobrelevar ao interesse em confronto – o direito ao segredo.

Daí que, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 6, da LADA e, bem assim, de acordo com o consignado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, prevaleça o interesse de proteção dos dados confidenciais relativos ao N............

Pelo que, compete ao Banco de Portugal dar cumprimento ao disposto no artigo 6.º, n.º 7, da LADA, permitindo o acesso dos Requerentes aos documentos administrativos peticionados, ainda que expurgados da informação relativa à matéria reservada.

Ou, dito de outro modo, os Requerentes terão direito a aceder aos textos integrais de tais documentos, apenas truncados nas partes relativas à matéria confidencial; incumbindo ainda sobre o Banco de Portugal o dever de apresentar, caso a caso, as razões para a necessidade de ocultação desses concretos elementos, para que os Requerentes possam também sindicar essa atuação.

Por seu turno, como suprarreferido, quanto às informações atinentes à E....... l….. (peticionada no ponto 12, alínea i)) e à deliberação do Banco de Portugal de homologar o relatório da D......... (peticionado no ponto 12, alínea v)), o Banco de Portugal informou os Requerentes da inexistência de tais documentos.

Sendo certo que o processo de intimação pressupõe a existência do documento administrativo, não podendo servir para impor à entidade administrativa o dever de produzir novos documentos.

Apesar disso, uma vez que os Requerentes peticionaram expressamente a emissão de certidão, e não apenas a prestação de informação, têm direito a que o Banco de Portugal emita a respetiva certidão negativa. “.

B)

Na sentença ora sindicada, o TAC entendeu o seguinte:

“Preceitua o artigo 108.º, n.º2, do CPTA que: «Se houver incumprimento da intimação sem justificação aceitável, deve o juiz determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias (…)».

Os Requerentes vieram invocar o incumprimento da sentença de 05.12.2016, que decidiu a presente intimação para a prestação de informação e passagem de certidões, e que já transitou em julgado.

Impondo-se agora apenas apreciar se o Banco de Portugal deu, ou não, cumprimento ao determinado na aludida sentença e, no caso de incumprimento, se a justificação para o mesmo é aceitável.

Ora, pela decisão judicial de 05.12.2016, intimou-se o Banco de Portugal a facultar aos Requerentes (a) o Relatório Final da D........., (b) os pedidos de informação e esclarecimentos formulados pela D......... na execução do relatório e respetivas respostas do Banco de Portugal e (c) o relatório preliminar e pronúncia do Banco de Portugal, expurgados da informação relativa à matéria reservada…

Nessa sequência, o Banco de Portugal remeteu aos Requerentes estes documentos: cópia do Relatório final da D........., de 04.06.2016; cópia do Relatório preliminar da D........., de 11.05.2016; cópia da carta enviada pelo Banco de Portugal à D......... em 7.06.2016, a qual sintetiza a posição do Banco de Portugal em relação à versão preliminar do Relatório; documento elaborado peia D......... contendo um resumo de uma reunião de ponto de situação de 28.09.2015; E-mail da D......... para o Banco de Portugal, de 5.10.2O1S, e respetivo anexo; E-mails trocados entre a D......... e o Banco de Portugal entre 7.10.2015 e 12.10.2015; E- mails trocados entre a D......... e o Banco de Portugal entre 16.10.2015 e 19,10.2015; E-mail da D......... para o Banco de Portugal, de 23.10.2015, e respetivo anexo; E-mail da D......... para o Banco de Portugal, de 10.11,2015, e respetivo anexo; E-mails trocados entre a D......... e o Banco de Portugal entre 17.12.2015 e 18.12.2015; E-mail da D......... para o Banco de Portugal, de 23.12.2015, e respetivo anexo; E-mail da D......... para o Banco de Portugal, de 04.01.2016, e respetivo anexo; E-mails trocados entre a D......... e o Banco de Portugal entre 11.01.2016 e 20.01.2016; E-mails trocados entre a D......... e o Banco de Portugal entre 03.02.2016 e 04.02.2016; E-mail da D......... para o Banco de Portugal, de 17.02.201S, e respetivo anexo; Documento elaborado pela D......... contendo um resumo de uma reunião de ponto de situação de 14.03.2016 e E-mail da D......... para o Banco de Portugal, de 07.04.2016.

Sendo que no ofício de remessa dos aludidos documentos, o Banco de Portugal explicita que os mesmos foram expurgados nas partes em contém matérias cobertas por segredo comercial e sobre a vida interna do N..........., bem como dados de terceiros, designadamente por corresponderem à identificação de ativos e passivos do N........... e a sua valorização, identificação dos clientes do N..........., áreas de risco do balanço do n..........., etc. Mais evidencia que os referidos dados eram, à data, especialmente sensíveis por se encontrar em curso a alienação do N............

No ofício de 28.04.2017, o Banco de Portugal concretiza ainda, as razões para a não divulgação de determinados elementos, inseridos em determinadas páginas do relatório final, relatório preliminar, pontos da carta de 07.06.2016 e nos diversos emails enviados.

Por seu turno, os Requerentes alegam, de grosso modo, que a documentação fornecida pelo Banco de Portugal foi truncada de tal modo que não lhes permite a compreensão dos níveis de recuperação dos créditos em causa, num cenário hipotético em que o B..... tivesse entrado em liquidação em 02.08.2014, para dessa forma apurar se a Medida de Recuperação foi (ou não) mais lesiva para os credores.

Sucede que, de acordo com a sentença proferida, apenas impendia sobre o Banco de Portugal facultar aos Requerentes todos documentos solicitados, expurgando-os nas partes relativas à matéria sob reserva, cuja existência é admitida efetivamente por aquela decisão judicial, bem como a preponderância de tais matérias relativamente aos interesses dos Requerentes; por isso mesmo, é possível ler na sentença: «Acresce, que os Requerentes não demonstraram, como lhes competia, que o seu interesse é suficientemente relevante, para sobrelevar ao interesse em confronto – o direito ao segredo».

Como tal, competia à Entidade Administrativa analisar a diversa informação constante dos documentos, verificar a que se encontrava abrangida pelo segredo, e expurgá-la dos documentos a fornecer aos Requerentes. Ainda lhe cabendo o dever de apresentar, caso a caso, as razões para a necessidade de ocultação desses concretos elementos.

Por isso mesmo, na missiva do Banco de Portugal, esclarece-se quais os elementos expurgados, relativamente a um conjunto de páginas e as razões para que tais informações não possam ser divulgadas.

Ou seja, o Requerido identifica os elementos que não estão a ser divulgados e os motivos para que tal se verifique.

Evidencie-se, assim, que alguns dos elementos expurgados correspondem a ajustamentos e correções dos valores dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais do N..........., invocando-se constituírem informação sensível do ponto de vista comercial, enquanto se mantiver o estatuto de banco de transição do N..........., sem estar afastado o risco de liquidação ou de resolução e que essa informação é suscetível de influenciar a perceção do mercado relativamente ao património do N..........., o que pode prejudicar a sua venda e o aumento da responsabilidade do Fundo de Resolução; para concluir que a divulgação de tal informação pode prejudicar gravemente o interesse público.

Outros elementos expurgados respeitam a informação financeira relativa a ativos do N..........., com caixa, depósitos, disponibilidades, aplicações em instituição de crédito, carteira de títulos, créditos a clientes, investimentos, carteira de imóveis e outros, contendo a respetiva descrição e atributos, e que constitui informação sobre a vida interna do N..........., sujeita a segredo comercial e de negócio; incluindo também referências a entidades terceiras, por respeitarem a operações bancárias de clientes do N........... e que também por isso estão sujeitas a segredo comercial e de negócio dessas entidades.

Por último, foram ainda expurgados, elementos referentes a responsabilidades e passivos do N..........., consolidados e contingentes, bem como a linha de financiamento de que beneficia, o que também constitui informação sobre a vida interna do N..........., sujeita a segredo comercial e de negócio.

Donde, face aos factos provados, se impõe concluir que a Requerida deu cumprimento ao ordenado na decisão judicial transitada em julgado, porquanto forneceu os documentos, sem os elementos que reputou abrangidos pelo segredo, indicando ainda os concretos elementos que considerou não divulgáveis nos termos dos preceitos legais aplicáveis, dos quais emerge clara restrição legal de acesso, aditando que se tratam de matérias sensíveis, e passiveis de prejudicar gravemente o interesse público.”.

C)

Já vimos as alegações.

Está “apenas” em causa saber se o TAC errou ao concluir que o BP cumpriu correta e legalmente a cit. sentença de 2016.

Naturalmente não se pode discutir de novo o que já foi apreciado naquela sentença, independentemente de se concordar com tudo ou com parte da mesma, ou ainda de faltarem ou não argumentos jurídicos a considerar na mesma.

Ora, pressuposto necessário e lógico-jurídico da decisão contida na sentença (diremos, exequenda) é que era e é possível ao BP, como entidade da Administração Pública que é, cumprir aqui o seu dever constitucional e infraconstitucional de informar os requerentes com inteligibilidade, no âmbito do princípio constitucional do Arquivo Aberto.

Ou seja, aqui está definitivamente assente que é possível expurgar os documentos identificados no dispositivo da sentença exequenda daquilo que seja segredo atendível e, ainda assim, manter a - obviamente necessária - inteligibilidade da informação devida. Devida por força da CRP, da lei e da cit. sentença.

Caso contrário, (i) a sentença seria concretamente inútil e (ii) o princípio fundamental da Tutela Jurisdicional Plena e Efetiva seria aqui uma ficção.

Mas nem a sentença a cumprir pelo BP é inútil ou inutilizável, nem o princípio fundamental da Tutela Jurisdicional Plena e Efetiva é uma ficção.

Prossigamos, pois.

D)

Desde logo é notório que a sentença aqui recorrida não fez qualquer apreciação de fundo sobre a conduta do BP para cumprir a sentença de 2016.

O juízo ora feito pelo TAC é formal. Apenas.

Quer dizer: o TAC considera que a entidade administrativa BP cumpriu corretamente a sentença de 2016, porque a referida entidade administrativa exteriorizou uma fundamentação escrita, verdadeira ou não, suficiente ou não, para as muitas informações documentadas que escondeu dos Requerentes, por as considerar matéria legalmente sujeita a segredo.

Temos várias questões essenciais a dilucidar:

1ª- Estando em causa a cit. sentença de 2016, não deveria o TAC aferir da verdade e Correção Material dos motivos invocados, caso a caso, pelo BP para esconder informações em exceção ao princípio constitucional do Arquivo Aberto, ou basta à A.P. (aqui o BP) expor motivos para esconder algo aos interessados (e, sublinhe-se, ao próprio tribunal)?

2ª- Os recorrentes, i.a., dizem que, assim, a informação que lhes foi dada em concreto pelo BP – para cumprir a sentença de 2016 - é ininteligível. Logo, é informação inútil. Logo, seria violadora do cit. princípio do Arquivo Aberto e da sentença de 2016, bem como do princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva. Pode a sentença de 2016 considerar-se cumprida se a informação dada for incompreensível ou ininteligível?

3ª- A haver lugar, pela A.P. (aqui o BP) e pelo tribunal cuja sentença deve ser cumprida, à formulação e explicitação de juízos jurídicos e fundamentados de ponderação-comparação de Direitos/Interesses e prejuízos/afetações, em que medida podem esses juízos ser feitos em sede de cumprimento da sentença de 2016, a qual também já fizera juízos desse tipo com referência ao art. 6º/6/7 da LARDA?

E)

Diz-nos, no topo da pirâmide normativa, a lei fundamental portuguesa:

Art. 265º:

2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.

3. A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução.

Art. 266º:

1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

Art. 268º:

2. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas.

Art. 18º:

1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Abaixo do topo da pirâmide normativa, diz-nos a LARDA:

Artigo 5.º Direito de acesso

1 - Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.

2 - O direito de acesso realiza-se independentemente da integração dos documentos administrativos em arquivo corrente, intermédio ou definitivo.

Artigo 6.º Restrições ao direito de acesso

6 - Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.

7 - Sem prejuízo das demais restrições legalmente previstas, os documentos administrativos ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses juridicamente relevantes, mediante decisão do órgão ou entidade competente, sempre que contenham informações cujo conhecimento seja suscetível de:

a) Afetar a eficácia da fiscalização ou supervisão, incluindo os planos, metodologias e estratégias de supervisão ou de fiscalização;

b) Colocar em causa a capacidade operacional ou a segurança das instalações ou do pessoal das Forças Armadas, dos serviços de informações da República Portuguesa, das forças e serviços de segurança e dos órgãos de polícia criminal, bem com a segurança das representações diplomáticas e consulares; ou

c) Causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens ou interesses patrimoniais de terceiros que sejam superiores aos bens e interesses protegidos pelo direito de acesso à informação administrativa.

8 - Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.

Portanto, esta restrição (art. 6º/6/8 da LARDA) ao direito fundamental consagrado no art. 268º/2 da CRP tem óbvia natureza infraconstitucional, pelo que está especificamente limitada pelos arts. 2º, 18º/2 e 17º da CRP. Quer dizer, nem os tribunais, nem a A.P. (aqui o BP), estão libertos de darem sempre um conteúdo materialmente útil e eficaz ao previsto no art. 268º/2-1ª parte da CRP.

E não há dúvida de que a situação dos requerentes corresponde a ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio ou máxima metódica da Proporcionalidade Jurídica, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da Administração Aberta, que justifique o acesso à informação.

Diz-nos o CPTA:

Art. 104º

1 - Quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a correspondente intimação, nos termos e com os efeitos previstos na presente secção.

Art. 108º

1 - Se der provimento ao processo, o juiz determina o prazo em que a intimação deve ser cumprida e que não pode ultrapassar os 10 dias.

2 - Se houver incumprimento da intimação sem justificação aceitável, deve o juiz determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169.º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar, segundo o disposto no artigo 159.º

Aparentemente não aplicável ao caso presente de modo direto ou imediato, mas sendo importante ou útil lembrar, temos ainda o seguinte no CPTA:

Art. 164º

4 - Na petição, o exequente deve especificar os atos e operações em que entende que a execução deve consistir, podendo requerer, para além da indemnização moratória a que tenha direito:

d) Estando em causa a prestação de facto infungível, a fixação de um prazo limite, com imposição de uma sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença.

Art. 167º

1 - … o tribunal deve adotar as providências necessárias para efetivar a execução da sentença…

3 - Em ordem à execução das suas sentenças, os tribunais administrativos podem requerer a colaboração das autoridades e agentes da entidade administrativa obrigada bem como, quando necessário, de outras entidades administrativas.

4 - Todas as entidades públicas estão obrigadas a prestar a colaboração que, para o efeito do disposto no número anterior, lhes for requerida, sob pena de os responsáveis pela falta de colaboração poderem incorrer no crime de desobediência.

F)

Estando em causa a cit. sentença de 2016, não deveria o TAC aferir da verdade e Correção Material dos motivos invocados, caso a caso, pelo BP para esconder informações em exceção ao princípio do Arquivo Aberto (cf. art. 268º/2 da CRP), ou bastará à A.P. (aqui o BP) expor livremente motivos para esconder algo aos interessados (e, sublinhe-se, ao próprio tribunal)?

A resposta a esta questão parece óbvia.

As restrições a um direito fundamental necessitam, escusado será dizer, de justificação (i) juridicamente correta e (ii) factualmente verdadeira (cf. os arts. 2º, 18º/2 e 268º/4 da CRP e art. 6º/6/7/8 da LARDA), o que pode ser sindicado pelos interessados e deve ser efetivamente sindicado pelos tribunais. Ademais quando se trata do cumprimento de uma sentença.

Com efeito, não basta à Administração Pública emitir uma qualquer explicação para poder aplicar, em concreto, as restrições infraconstitucionais a um direito fundamental previstas nos cits. nº 6 a 8 do art. 6º da LARDA.

Esta conclusão resulta quer da CRP (arts. 2º e 18º/2), quer, em certa medida, da LARDA. Aliás, a restrição contida no nº 7 tem caráter provisório ou temporário.

Mas há mais. Aqui, no contexto da sentença de 2016, a cumprir, o essencial já está decidido e, por isso, ponderado pelo tribunal.

Portanto, os tribunais devem aferir da Verdade e Correção Material, e não meramente formal, dos motivos invocados, caso a caso, pela A.P. para esconder informações em exceção ao princípio constitucional do Arquivo Aberto (cf. art. 268º/2 da CRP).

O que o TAC, manifestamente, não fez.

G)

Os recorrentes, i.a., dizem que, assim, a informação que lhes foi aqui dada em concreto pelo BP – para cumprir a sentença de 2016 - é ininteligível. Logo, que é informação inútil para poderem sindicar a bondade das conclusões alcançadas pela D......... quanto ao montante dos seus créditos que seria recuperado num cenário hipotético em que o B..... tivesse entrado em liquidação em 2 de agosto de 2014. Logo, que seria violadora do cit. princípio do arquivo aberto e da sentença de 2016, bem como do princípio da tutela jurisdicional efetiva (cf. o art. 268º/4 da CRP).

Com efeito, pode a sentença de 2016 considerar-se cumprida se a informação dada for incompreensível, inútil ou ininteligível com base em restrições infraconstitucionais?

Claro que não. Sob pena de violação do cit. princípio constitucional do Arquivo Aberto - como concretizado na lei fundamental - e da sentença de 2016, bem como do princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Portanto, o TAC deve aferir se a informação prestada, para cumprir a sua sentença com utilidade, é ou não inteligível. Se não for inteligível, a sentença de 2016, que existe e é útil, estará logicamente incumprida.

Mas o TAC não fez tal aferição, limitando-se a constatar, em geral, formal e conclusivamente, que o BP justificou as decisões que tomou para esconder muita informação.

Note-se que a sentença a cumprir considerou que o Sumário Executivo antes dado aos requerentes era insuficiente.

Notamos nós agora algo que o TAC ignorou: a documentação dada aos requerentes, de modo a estes poderem defender os seus direitos fundamentais consagrados nos arts. 61º/1, 62º e 268º/2-1ª parte da CRP, pouco vai além daquele Sumário. Consiste num amontoado de papel cheio de omissões, formalmente justificadas assim no ofício do BP com a data de 28-04-2017 e enviado aos requerentes:

- “…expurgados nas partes em que contêm matérias cobertas por exceções legais (?) ao direito de acesso à informação administrativa, nomeadamente dados que constituem segredo…”;

- “…ao que acresce a circunstância de, presentemente, esses dados serem especialmente sensíveis por se encontrar em curso a alienação do B...........…”;

- Adicionalmente, concretiza-se o seguinte: (i) Os elementos objeto de expurgo nas páginas…respeitam a informação metodológica que, em concreto, se traduz em ajustamentos e correções fruto do entendimento de uma entidade independente…”

Como se vê, há ali muita vacuidade e até, no 3º caso, uma possível ou aparente ilegalidade, como se o BP não fosse Administração Pública nos termos dos arts. 266º a 268º da CRP.

E não se esqueça a restrição temporária prevista no nº 7 do art. 6º cit.

Além disso, a informação dada parece-nos, numa primeira apreciação, ser ininteligível. Parece, assim, inviabilizar o concreto direito à informação decorrente da CRP e dos nº 6 a 8 do art. 6º da LARDA. Assim se frustrariam os principios fundamentais (i) do Arquivo Aberto como densificado na CRP, (ii) da Transparência da A.P. e (iii) da Tutela Jurisdicional Efetiva, aliás em “fraude objetiva” à (iv) sentença a cumprir.

Mas era e é o aspeto central a apreciar neste incidente executivo.

Só que, sendo matéria de técnica não jurídica, os tribunais devem, previamente ao seu juízo de legalidade, procurar obter uma resposta segura da área técnica não jurídica (aqui, saberes e técnicas das áreas bancária e financeira), o mais objetiva possível. Dentro dos parâmetros e pressupostos da sentença a cumprir.

Para isso, a lei prevê que, sem prejuízo dos factos concretos cuja prova reclame prova pericial, os tribunais recorram a assessoria técnica externa (cf. os arts. 411º, 417º e 601º do CPC, ex vi art. 1º do CPTA).

Portanto, o TAC não respondeu à questão de fundo que tinha de julgar (a informação dada aos requerentes é, no essencial, inteligível no âmbito bancário e financeiro, de modo a aqueles perceberem e questionarem minimamente o que ocorreu?) e não estava em condições de o fazer no momento em que o fez.

Há, assim, um défice no julgamento do TAC, embora não seja propriamente um défice instrutório (quanto a factos concretos controvertidos). Há, sim, um erro de julgamento quanto ao objeto deste processo, objeto abordado pelo TAC de modo muito incompleto, porque apenas formal, sem conferir teor substantivo ou material ao art. 268º/2 da CRP.

É que o TAC, (1º) sem prejuízo de procurar suprir as vacuidades constantes das justificações já dadas pelo BP, (2º) deve recorrer a assessoria técnica não jurídica, ao abrigo dos arts. 411º, 417º e 601º do CPC, para, depois, guiado pelo art. 268º/2-1ª parte da CRP, poder responder à seguinte questão a resolver, “prévia”, técnica e não jurídica, mas essencial no caso presente:

- «a informação dada aos requerentes pelo BP, em execução da cit. sentença de 2016, é minimamente inteligível no âmbito das áreas bancária e financeira, de modo a aqueles perceberem e questionarem minimamente o que ocorreu em todas as matérias inseridas naquele “arquivo de administração pública”?»

H)

A haver lugar, pela A.P. (aqui o BP) e pelo tribunal cuja sentença deve ser cumprida, à formulação e explicitação de juízos jurídicos e fundamentados de ponderação-comparação de Direitos/Interesses e prejuízos-afetações, em que medida podem esses juízos ser feitos em sede de cumprimento da sentença de 2016, se esta também já fizera juízos desse tipo com referência ao art. 6º/6/7/8 da LARDA?

Ora, estando em causa uma sentença a ser cumprida pela A.P., esta deverá cumpri-la de modo a, materialmente, não questionar a sentença que pretende e deve cumprir.

O mesmo se exige do particular requerente da informação arquivada.

Assim, no caso em apreço, resultando da prestação de facto do BP para cumprir a sentença cit. que a informação arquivística dada pode não ser, de facto, mais do que aquilo que o TAC considerara antes insuficiente, além do agora novo, mas aparentemente inútil e ou ininteligível, teríamos de concluir que o BP, com a incorreta concordância posterior do TAC, retomara – e mal - um momento ponderativo ou sopesante já ultrapassado desde 2016.

Mas, o decisivo é que a prestação de facto resultante da sentença de 2016 para o BP, enquadrada pela CRP e, depois, pela LARDA nos termos já referidos, pode trazer ilegalmente explícitos e implícitos juízos sopesantes de direitos fundamentais que esvaziaram em concreto os princípios fundamentais do arquivo aberto, da transparência da A.P. e da tutela jurisdicional efetiva.

Perpassa, aliás, na conduta do BP e na decisão recorrida um não questionamento – in concreto - (ilegal) da proteção meramente infraconstitucional dos segredos mencionados nos nº 6 e nº 8 do art. 6º da LARDA.

Redundaria tudo isso aqui na incorreção material do modo de cumprir a sentença de 2016 que o BP decidiu adotar.

Mas este modo escolhido pela A.P. é, no caso concreto em análise, obviamente sindicável em toda a sua extensão possível nos seguintes termos:

a) o modo de cumprir a cit. Sentença de 2016 não pode ser uma mera formalidade; mas aqui foi;

b) não se podem refazer ou repetir juízos sopesantes que a sentença a cumprir já fizera: a sentença já concluiu que é possível cumprir o princípio do arquivo aberto, ou seja, dar informações utilizáveis pelos interessados, i.e., dar informações compreensíveis ou de um modo inteligível, sem prejuízo do respeito – temporário (art. 6º/7 cit.) ou pleno – das restrições legais a direitos fundamentais incluídas nos nº 6 a 8 do art. 6º da LARDA, restrições infraconstitucionais estas que só depois da sentença seriam concretizáveis pelo BP e verdadeiramente sindicáveis pelos tribunais (e daí o nº 2 do art. 108º do CPTA);

c) naquilo que reste para ponderar ou sopesar, deve-se ter presente que o “controlo da desproporcionalidade”, em concreto, não é simplesmente identificável com a chamada “metodologia da ponderação de bens jurídicos” (cf. assim Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional, AAFDL Edit., 2017, Parte III); sobre tal metodologia, adota-se habitualmente a doutrina de Grabitz, decorrente da jurisprudência dos tribunais germânicos dos anos 1950 a 1990 e, na prática, aceite há décadas entre nós como está sumariada a pp. 249-250, nota de rodapé nº 242, da cit. obra de Jorge Reis Novais; esta metodologia da ponderação de bens jurídicos utiliza sucessivamente os três exames próprios da metódica da proporcionalidade no primeiro momento da apreciação judicial dos bens em causa – poderia, assim, designar-se “ponderação de bens jurídicos com recurso à ideia de proporcionalidade”; mas “o controlo de proporcionalidade propriamente dito, o estrito”, coincide, em regra, com uma comparação sopesante ou ponderativa de medidas concretas alternativas, que atua após a ponderação dos bens jurídicos afetados; neste segundo momento, que pode ser designado como “proporcionalidade-controlo de medidas concretas”, há já uma grande efetividade do controlo feito sobre a admissibilidade constitucional das medidas concretas que afetem direitos subjetivos em sentido amplo (cf. ainda R. Alexy, “A construção dos direitos fundamentais”, in Direito § Política, nº 6, Loures, 2014, pp. 38 ss, e “Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade”, in O Direito, 146º, Lisboa, 2014, pp. 817 ss, e as ali abordadas duas “leis da ponderação” e duas “fórmulas do peso”);

d) a (i) “fiscalização jurisdicional da desproporcionalidade no exercício da função administrativa” é e deve ser de amplitude normal, ou seja, mais intensa do que a (ii) “fiscalização jurisdicional da desproporcionalidade no exercício da função legislativa”; trata-se de, quanto ao “dever de proporcionalidade na função administrativa”, os tribunais administrativos, com referência (i) ao artigo 7º do CPA e (ii) aos artigos 266º e 268º-4 da CRP, sinalizarem todas as decisões administrativas que sejam excessivas ou desproporcionadas, independentemente da sua natureza manifesta ou não manifesta (na verdade, seria impossível ocorrer que um juiz constatasse uma desproporcionalidade não manifesta ou manifesta, pois que desproporcionalidade é desproporcionalidade simplesmente); logicamente sem que o tribunal possa proceder a escolhas administrativas; cf. assim, por exemplo, Mário Aroso, Teoria Geral do Direito Administrativo, 5ª ed., pp. 87-88 e pp. 92-98 (de menor intensidade, por razões amplamente conhecidas, é a “fiscalização jurisdicional da desproporcionalidade constitucional das leis”, uma vez que a fiscalização da constitucionalidade à luz da máxima metódico-interpretativa da proporcionalidade se guia apenas pela Constituição e não, como se passa na “fiscalização da atividade de administração pública”, pelo central princípio de que a lei infraconstitucional é o pressuposto, o fundamento e o limite das atividades de administração pública. Com efeito, as normas constitucionais ou legalmente reforçadas que parametrizam a função legislativa são normalmente mais abertas e imprecisas do que as que parametrizam a função administrativa, o que faz surgir grandes e justificadas preocupações contra o decisionismo e intuicionismo judiciais; ao que acresce que o autor da decisão legislativa tem normalmente legitimidade democrática direta, mas o autor da decisão administrativa não a tem normalmente); o único limite à fiscalização jurisdicional regular da desproporcionalidade no exercício da função administrativa é, sublinhe-se, o princípio fundante da divisão das funções soberanas do Estado, vulgo separação de poderes administrativo e jurisdicional, sempre num contexto de “fiscalização ou controlo racional e interssubjetivamente comprovável”.

O fundamental é que a concretização da restrição infraconstitucional a direito fundamental prevista no art. 6º/6/7/8 da LARDA não esvazie o significado prático do direito fundamental previsto no nada vago art. 268º/2-1ª parte da CRP. Sob pena de violação dos princípios fundamentais resultantes dos arts. 2º, 18º/2 e 268º/4 da CRP, os quais, além da proteção dada pela boa hermenêutica jurídica geral, protegem a plena eficácia do art. 268º/2 da CRP.

Isso quer dizer que uma restrição, como a presente, porque não prevista expressamente na CRP, nunca poderá, em caso algum, redundar num não acesso a alguma informação compreensível, útil ou inteligível. Ora, pode ser isto o que ocorre no caso presente, mas que os tribunais não podem permitir.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, os juizes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar que o TAC, antes de julgar a matéria de direito, recorra a assessoria técnica não jurídica nos termos e para os efeitos acima referidos.

Custas a cargo do BP em ambas as instâncias.

Lisboa, 23-05-2019


Paulo H. Pereira Gouveia (Relator)

Pedro Marchão Marques

Alda Nunes


[1] Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC - deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e as condições legalmente exigidos para o efeito.
[2] Distinguindo-se assim o (i) chamado ou suposto “método jurídico” da “ciência” do Direito (“rectius”, Dogmática e Sistemática do Direito) (v.g., pensamento sistemático; cf. o eminente penalista do séc. XIX P. J. A. FEUERBACH, o civilista do séc. XIX A. F. J. THIBAUT, o civilista do séc. XX K. LARENZ desde a sua ativa colaboração com o regime nazi e, muito depois de 1945, o civilista CANARIS), utilizado pela maioria da “jurisprudência teorética ou doutrinária” (um saber “a posteriori”, empírico, de caráter descritivo, não prescritivo), da (ii) Metodologia Jurídica - em sentido próprio - como sendo a doutrina da aplicação prática do Direito, ou seja, a disciplina jurídica cujo objeto é a aplicação jurisdicional do Direito através da abordagem rigorosa das fontes de Direito, das regras de interpretação dessas fontes e da jurisprudência dos tribunais no âmbito do sistema jurídico estadual e sua unidade (um saber de caráter prescritivo); e distinguindo ainda (iii) a Teoria do Direito como a teoria sobre as normas jurídicas, o sistema jurídico e os conceitos jurídicos fundamentais (um saber “a priori”, formal), e (iv) a Filosofia do Direito como a disciplina não jurídica que aborda crítico-valorativamente o Direito posto na sociedade.
No âmbito da aplicação prática do Direito vigente (onde atua a verdadeira metodologia jurídica, com fins prescritivos) são omnipresentes e omnipotentes (1) a separação dos poderes estaduais e (2) a hierarquia formal das fontes de Direito. Na aplicação prática do Direito vigente constata-se (i) um modelo sobretudo lógico-dedutivo (cf. arts. 8º a 11º do CC, KELSEN, BOBBIO, ALCHOURRÓN, BULYGIN), (ii) um modelo sobretudo prático-argumentativo (analítico; tópico: cf. T. VIEHWEG, PERELMAN e SEARLE; discursivo: cf. HABERMAS e ALEXY), (iii) um modelo sobretudo axiológico e necessariamente subjetivo ou relativo de aplicação prática do Direito vigente (o dominante após a 2ª guerra mundial, com base em equívocos ou distorções sobre os jusnaturalismos e os juspositivismos no período nazi) e (iv) um modelo sobretudo realista ou fenomenológico de aplicação prática (mais próprio da “common law”).
Por outro lado, o conceito de sistema jurídico tem a ver com a igualdade de tratamento pelo Direito e com a proibição da denegação de justiça; e não apenas com a atividade de conhecer o Direito vigente de um modo “científico” (i.e., no sentido kantiano de modo de conhecer e descrever o objeto, reconduzindo a princípios fundamentais o material abordado). Pelo que a chamada “ciência do Direito” (jurisprudência teorética reconstrutiva e sistematizante) deve ser utilizada para obter soluções de acordo com aquilo que a lei fundamental e os arts. 9º e 10º do CC português preveem e não para obter soluções “contra legem” sob a capa de “ciência” teleológica. É que a lógica no Direito vigente e na atividade de o conhecer e descrever tem a ver com a regra da vinculação à lei, de modo a não se debilitar a segurança e certeza jurídicas através do juiz-legislador ou da dogmática jurídica legisladora.
Finalmente, cabe lembrar que as normas jurídicas - obtidas pelo juiz através da verdadeira metodologia jurídica - são um caso particular de uso prescritivo da linguagem.
[3] Esta regra de Direito substantivo, aliás integrável no escopo do art. 9º do CC de 1966, tem por objeto único o litígio a dirimir, dirigindo-se a cada juiz por causa da Segurança Jurídica e da máxima metódico-interpretativa da igualdade no caso concreto. Não significa o dever de seguimento de linhas jurisprudenciais mais ou menos repetidas ou de doutrinas habituais apenas com base nessa repetição ou habitualidade. E não se refere à jurisprudência uniformizante, nem se referia aos antigos assentos.