Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:948/09.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:RICARDO FERREIRA LEITE
Descritores:ART. 8.º DA LEI DA PROTECÇÃO DE DADOS PESSOAIS (LEI N.º 67/98, DE 26 DE OUTUBRO)
AUDIÊNCIA PRÉVIA - DISPENSA
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
ACESSO A ÁREA RESTRITA AEROPORTUÁRIA
Sumário:I. A constituição de alguém como arguido, em processo crime, constituirá um pressuposto que, pela sua natureza, contradiz a os pressupostos de elegibilidade que presidiram à atribuição inicial de um cartão de acesso a zonas restritas do aeroporto, conforme previsto no n.º 3.6 da Deliberação n.º 680/2000.

II. Inexistindo, à data, uma condenação em processo crime, o cancelamento do acesso de alguém às áreas restritas do Aeroporto de Lisboa, não viola a respetiva presunção de inocência, uma vez que tal ato não tem natureza sancionatória.

III. Tal ato, não acarretará uma violação do direito ao trabalho, porquanto, independentemente do facto de ficar comprometida aquela concreta prestação laboral que era objeto do contrato de trabalho celebrado, ainda assim, o núcleo essencial do direito mantém-se intocado.

IV. A fundamentação de um ato, enquanto de validade e perfeição do mesmo, é algo distinto da respetiva notificação, enquanto condição de eficácia.

V. A falta de fundamentação de um ato, porque aferível numa vertente de perfeição formal, não se confunde com a discordância dos seus fundamentos e respetivo conteúdo decisório, algo que deve ser apreciado numa vertente substantiva, aferindo, designadamente, da verificação de erro sobre os seus pressupostos.

VI. A constituição como arguido de alguém com possibilidade de acesso à área restrita do Aeroporto Humberto Delgado, consubstanciará uma “situação de urgência” que justifica, pela sua excecionalidade, a não audiência dos interessados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 103.° do Código de Procedimento Administrativo.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
M….., Recorrente/Autor nos presentes autos, em que são Réus/Recorridos ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA, e o DIRETOR DO AEROPORTO DE LISBOA, todos melhor identificados e com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da decisão do TAC de Lisboa, datada de 10.02.2020, que decidiu julgar improcedente a ação interposta, absolvendo os Réus/Recorridos dos pedidos de “impugnação do ato do Diretor do Aeroporto comunicada à entidade empregadora do autor, a sociedade SPdH — Serviços Portugueses de Handling, SA, pelo ofício n.º ….. 241, de 07.01.2009, de que o demandante tomou conhecimento a 19.01.2009, pelo qual, acolhendo parecer da Polícia de Segurança Pública, foi cancelado o acesso do autor às áreas restritas do Aeroporto de Lisboa e retido, sem renovação, o seu Cartão ANA n.º …..”.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. “O presente recurso vem interposto da mui douta sentença do tribunal a quo que julgou improcedente o pedido de anulação do ato administrativo praticado pela R., que determinou a cessação ou cassação do cartão do de acesso permanente a áreas restritas do Aeroporto de Lisboa, consubstanciado na missiva enviada pelo Director do Aeroporto de Lisboa ao Director de Unidade de Handling da SPdH – Serviços Portugueses de Handling, S.A. e, ainda, que a R. seja condenada no pagamento de uma indemnização por todos os danos advenientes da execução do ato cuja anulação se requer.
2. Contrariamente ao decidido pela mui douta sentença recorrida de fls..., o ato administrado impugnado é manifestamente ilegal e gravemente lesivo do direito subjetivo do A., por violação conjugada do disposto nos artigos 18º, nº1, 32º, nº2, 53º, 58º, 59º, 268º, nº3, da C.R.P., 100º a 103º, 124º, 133º, nº2, alínea d), do CPA e número 3.6 da Deliberação 680/2000, da ANAC(anterior INAC);
3. Assim, ao julgar como julgou, o mui douto tribunal recorrido incorreu, desde logo, na violação do disposto nos artigos 18º, nº1, 32º, nº2, 53º, 58º, 59º, todos da C.R.P. ., ignorando por completo que o ato administrativo impugnado ofende o conteúdo essencial do direito fundamental do Autor de presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória (artigo 32º, nº2, C.R.P.), bem como o direito do Autor ao trabalho (artigos 53º, 58º e 59 da Constituição da República Portuguesa).
4. O recorrente, enquanto funcionário do serviço de operações aeroportuárias do aeroporto tem direito a cartão de acesso permanente para todas as áreas (restritas ou não) do aeroporto (vide ponto 3.8.2.1.1. da Deliberação nº 680/2000, do Instituto Nacional de Aviação Civil, publicada no D.R., II Série, nº 134, de 9 de Junho de 2000) – cfr. documento nº 3 junto à p.i. de fls... . 27
5. Assim, extinguindo o direito do recorrente de utilização de um cartão que permite o acesso permanente a áreas restritas do aeroporto, a recorrida impediu o recorrente de trabalhar (cfr. o artigo 53.º da C.R.P.).
6. O facto de a recorrida ser a entidade responsável por cumprir e fazer cumprir a todos os operadores com quem trabalha nos diferentes aeroportos o extenso e rigorosíssimo acervo de normas de segurança aplicáveis, assegurando assim, na máxima medida possível, a segurança das aeronaves e dos passageiros (cfr. o artigo 5.º da mui douta contestação de fls...), jamais pode justificar um atropelo dos procedimentos legalmente exigidos para a prática de um ato administrativo e, concomitantemente, a violação de direitos subjetivos dos Administrados, como sucede com o direito do recorrente.
7. Ao não julgar verificada a ilegalidade do ato administrativo sub iudice, a mui douta sentença recorrida incorreu na violação do disposto no nº 3.6 da Deliberação 680/2000, da ANAC (anterior INAC), na medida por não se encontrar verificado nenhum dos seus pressupostos, na medida em que o recorrente:
-Continuou a ser trabalhador da SPdH, com as funções de Operador de Assistência em Escala (OAE);
- Não foi transferido;
- Nem praticou qualquer facto que contradissesse os pressupostos de ilegibilidade que presidiram à sua atribuição.
8. A constituição do recorrente como arguido em processo crime é insuscetível de se subsumir na previsão do artigo 3.º, n.º 15 do Regulamento (CE) n.º 300/2008, que faz depender o acesso às zonas restritas de segurança aeroportuárias de uma prévia verificação de “a nte ce de nt es ” (“antecedentes” não podem confundir-se com “indícios” ou “suspeitas” de determinado facto, sendo certo que a norma é muito clara ao fazer referência expressa ao registo criminal).

9. Assim, os artigos 3.º, n.º 15, do Regulamento (CE) n.º 300/2008) e o ponto 3.6 da Deliberação n.º 680/2000 seriam inconstitucionais, por violação dos artigos 18.º e 32.º, n.º2 da C.R.P., se interpretados no sentido de que a mera circunstância de o autor ter sido constituído arguido (que se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão), constitui um ato que contradiz os pressupostos de elegibilidade que determinaram a atribuição inicial de um cartão de acesso ao recorrente.
10. O ato administrativo é, ainda, inválido, porquanto foi proferido sem que tenha sido conferido ao recorrente o direito de audiência e de participação antes da tomada de decisão, conforme impõem os artigos 12.º e 121.º do atual C.P.A. e, ainda, o n.º 5 do artigo 267.º da C.R.P., nos termos do qual é imposto à Administração o dever de assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

11. O recorrente não foi notificado do procedimento administrativo sub iudice, não lhe tendo sido permitido participar na formação da vontade da Administração (cfr. o n.º 5 do artigo 267.º da C.R.P. - cfr. os factos 1.9 e 1.10 dados como provados pela mui douta sentença de fls... .

12. A recorrida não se dignou sequer a notificar o recorrente da tomada da decisão impugnada, conforme impunha o n.º 3 do artigo 268.º da C.R.P..
13. Contrariamente ao decidido pela mui douta sentença recorrida, é falso que o caso dos autos configure uma das situações em que é permitida a preterição da audiência dos interessados, designadamente por a decisão revestir caráter urgente, sendo certo que a recorrida não se dignou, nem a dar conhecimento ao recorrente, nem a apresentar qualquer justificação da alegada urgência.
14. Ora, ao julgar como julgou, o mui douto tribunal recorrido incorreu na violação dos artigos 12.º e 100.º, n.º1, alínea a) do Código de Procedimento Administrativo e 267.º, n.º1 da C.R.P..

15. Assim, os artigos 12.º e 100.º, n.º1, alínea a) do C.P.A., seriam inconstitucionais, por violação do artigo 267.º, n.º1, da C.R.P., se interpretados no sentido de que, num caso em que a entidade administrativa se limita a aderir, acriticamente e sem fundamentação, ao parecer emitido pela P.S.P., o ato administrativo poderia revestir automaticamente caráter urgente apenas em função da recomendação daquele órgão de polícia criminal e, em consequência, desobrigar a Administração de proporcionar a participação prévia dos interessados.
16. A decisão administrativa praticada pela recorrida obviou, por completo, o dever de fundamentação dos atos administrativo, pelo que, julgando como julgou, a muita douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 151.º, n.º 1, alínea d) e 152.º, alíneas a) e e) e 153.º, todos do C.P.A. e, ainda, o n.º 3 do artigo 268.º da C.R.P...

17. O parecer emitido pela P.S.P., nos termos do qual a R. fundamenta a tomada da decisão impugnada assume caráter obrigatório não vinculativo, pelo que, ao decidir como decidiu, a Administração atuou dentro da margem da livre discricionariedade, optando por aderir, de forma acrítica e infundamentada, ao parecer emitido por aquele órgão.

18. Nos termos em que foi praticado e dado a conhecer (ainda que não ao recorrente!) o ato administrativo impugnado impossibilitou a cabal compreensão e o conhecimento da concreta motivação que determinou a prática do mesmo.
19. Julgando como julgou, o mui douto tribunal recorrido incorreu, ainda, na violação do artigo 8.º da Lei da Protecção Dados Pessoais em vigor à data dos factos (lei n.º 67/98, de 26 de outubro), na medida em que considerou que o regime estabelecido pela lei determinava, nomeadamente, que as suspeitas relativas ao recorrente não pudessem ser divulgadas à sua entidade empregadora, o que não constitui fundamento da falta de fundamentação, porquanto, querendo, poderia sempre a recorrida ter solicitado ao recorrente o seu consentimento para a divulgação de tais dados à sua entidade empregadora (caberia ao recorrente, titular dos aludidos direitos, optar entre a supremacia do seu direito à reversa da vida privada e à intimidade e o seu direito à fundamentação do ato administrativo).
20. Tratando-se de uma decisão discricionária da Administração e, em consequência, sendo limitado o seu controlo judicial, mais exigente se apresentava o dever de fundamentação, ao qual a recorrida não deu cumprimento.
21. Assim, os artigos 151.º, n.º1, alínea d), 152.º, n.º1, alíneas a) e e) e 153.º, todos do C.P.A., seriam inconstitucionais, por violação do artigo 268.º, n.º3, da C.R.P., se interpretados no sentido de que, na fundamentação do ato administrativo, a Administração poderá limitar-se a fazer uma remissão para o conteúdo de parecer emitido pela P.S.P., para mais quando o interessado não tem conhecimento do mesmo.
22. Assim, e em suma, decidindo como decidiu, a mui douta sentença recorrida fez uma incorreta aplicação do direito, devendo, em consequência, ser o presente recurso julgado totalmente procedente, por provado, e revogada a mui douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra, que declare a anulabilidade do ato administrativo”

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O recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído nos seguintes termos:

“A. Tendo em conta os especiais valores de precaução e prevenção de ameaças nos espaços aeroportuários, vigora, na regulamentação aplicável, uma ideia de “tolerância zero” e de “máxima prevenção” face a comportamentos que indiciem atividades ou comportamentos que, de qualquer forma e por qualquer meio, possam conduzir a uma ideia de ameaça.

B. Decidiu bem o Tribunal a quo ao considerar não existir qualquer violação do disposto no n.º 3.6 Deliberação n.º 680/2000, no qual se estabelece que deverá haver lugar ao cancelamento de um cartão de acesso no caso de o respetivo titular ter cometido “qualquer ato que, pela sua natureza, contradiga os pressupostos de elegibilidade que presidiram à sua atribuição”.

C. Um dos pressupostos da atribuição (e manutenção) de um cartão de acesso prende-se, precisamente, com a emissão de parecer favorável por parte da PSP (cf. n.º 3.8.2.1.4 da Deliberação n.º 680/2000) – a quem compete avaliar a aptidão do Recorrente para ser titular desse cartão, com base numa verificação de antecedentes, através da consulta de bases de dados de natureza reservada, às quais só têm acesso autoridades policiais (e às quais entidades privadas, como a ANA, não têm acesso).

D. O facto de o Recorrente ter sido constituído arguido num processo criminal constituiu, para a PSP, uma circunstância que revela não poder o Recorrente continuar a aceder livremente a áreas restritas do aeroporto, pelo que aquela autoridade policial instou a ANA a “retirar com carácter de urgência o cartão de acesso” do Recorrente – o que a ANA fez, através do ato aqui impugnado.

E. No juízo da PSP – que, repete-se, é quem tem competência para formular esse juízo, com base nas informações que ela (e só ela) consulta –, foi apurada factualidade “que, pela sua natureza, contradi[z] os pressupostos de elegibilidade que presidiram à sua atribuição”, como previsto no n.º 3.6 da Deliberação n.º 680/2000.

F. Não podia ter sido tomada outra decisão que não a do cancelamento do referido cartão de acesso: no juízo da PSP, a circunstância de o Recorrente ser arguido num processo-crime determinava que, atentas as normas de segurança, este não pode continuar a ser titular de um cartão de acesso a áreas restritas do Aeroporto de Lisboa, nos termos do n.º 3.6 da Deliberação n.º 680/2000, tendo a ANA atuado em conformidade com o parecer da PSP e com o conteúdo da referida Deliberação.

G. Não há qualquer violação do direito à presunção de inocência nem do direito fundamental do Recorrente ao trabalho, como bem decidiu o Tribunal a quo.

H. O Recorrente não viu o seu cartão de acesso cancelado por ter sido penalmente condenado, nem esse cancelamento pressupõe a existência de uma sentença condenatória dessas.

I. O que está aqui em causa é somente a emissão de um ato administrativo que impede um cidadão de aceder livremente a bagagens, aeronaves e zonas muito sensíveis de um aeroporto e a negação da atribuição (ou renovação) ou o cancelamento do cartão de acesso, por não preenchimento dos requisitos exigidos – não se trata, pelo contrário, de um processo de natureza criminal, contraordenacional, nem mesmo sancionatório, pelo que o princípio da presunção da inocência não tem aqui aplicação.

J. É a garantia da aplicação das normas de segurança aeroportuária, como reflexo da regra de ouro da “tolerância zero” e “máxima precaução”, que impõe uma postura preventiva de eliminação de todo e qualquer fator que possa por em risco a safety e a security aeroportuárias.

K. Como decidiu o TCA Sul, num caso em tudo semelhante ao dos presentes autos, “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

Ora, é igualmente manifesto que o facto de a A........[a ANA] não autorizar o autor – um não arguido - a entrar livremente nas áreas restritas do aeroporto, devido à cit. natureza administrativa – não criminal - do ato administrativo impugnado, nada tem a ver com culpabilidade ou inocência criminal” (Acórdão de 24.05.2018, proc. 2250/10.2BELSB, destaque nosso).

L. Quanto à suposta violação do direito fundamental (do Recorrente) ao trabalho, diga-se que também decidiu bem o Tribunal a quo ao entender que a decisão tomada pela ANA nada determina relativamente à suspensão ou cessação do contrato de trabalho do Recorrente, limitando-se os seus efeitos jurídicos a consagrar a impossibilidade de acesso às áreas restritas e reservadas no Aeroporto de Lisboa, nada mais.

M. Em suma, o que pode limitar o direito do Recorrente ao trabalho – limitação, essa, que pode ser perfeitamente legítima e legal – não é o facto de lhe ter sido negado o acesso às áreas restritas e reservadas do Aeroporto de Lisboa, mas sim o facto de essa recusa ter levado a SPDH, a sua entidade empregadora, a suspender o contrato de trabalho. Questão (e relação) laborais a que a ANA é alheia.

N. O direito ao trabalho não é um direito absoluto, podendo, por isso, ser justificada, por razões ligadas ao direito à segurança (constante do artigo 27.º da CRP), a valoração de antecedentes comportamentais que não se traduzam ou não sejam suscetíveis de se traduzir em condenações crime, para efeitos de acesso às áreas restritas de um aeroporto.

O. Não merece qualquer censura a Sentença recorrida, na qual se decidiu não padecer o ato impugnado de um qualquer vício de falta de fundamentação e de a omissão de notificação não ter força invalidade do ato impugnado.

P. Tendo presente que só se pode discordar daquilo que se compreende, basta ler os articulados apresentados pelo Recorrente nos presentes autos para se concluir que este conhece perfeitamente a motivação que conduziu ao cancelamento do seu cartão de acesso.

Q. Nos casos em que assim é, e como bem se decidiu no Acórdão do TCA Sul de 12.07.2012, já citado, obviamente que “[n]ão procede a falta de fundamentação do ato, enquanto vício de natureza formal, se for possível conhecer, ainda que de forma sucinta e abreviada, quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito, sendo essa fundamentação compreendida pelo destinatário direto do ato, que se dispõe a impugná-lo contenciosamente, organizando a sua defesa de forma racional”.

R. Se ANA tivesse comunicado à SPDH que o Recorrente era arguido num concreto processo criminal, poderia bem ter violado o artigo 8.º da LPDP (em vigor à data do ato aqui impugnado) bem como o direito do Recorrente à reserva da vida privada.

S. Como referem Mário Esteves de Oliveira et al., “a obrigatoriedade de fundamentação pode colidir com outros valores constitucionalmente protegidos (honra e bom nome, intimidade privada), pelo que, se, nalguns casos, esses valores podem condicionar o dever de fundamentação, noutros poderão mesmo excluí-lo”.

T. Em qualquer caso, basta ler o ofício remetido pela ANA à SPDH para se concluir que estão lá os fundamentos essenciais do ato de cancelamento – a decisão de cancelamento do cartão de acesso do Recorrente fundamenta-se no parecer da autoridade policial competente que, feita uma verificação dos antecedentes dos (então) titulares desses cartões, concluiu pela necessidade de restringir o acesso às áreas restritas do aeroporto, sob pena de, não o fazendo, ficarem em “perigo a segurança de pessoas e bens” – não se podendo confundir pouca fundamentação com a falta absoluta dela.

U. Acresce que a PSP tem acesso a dados e informações que a ANA não tem – encontrando-se assim essa autoridade policial em condições únicas para emitir um juízo assertivo e fundamentado sobre se determinado cidadão pode ou não ter acesso a áreas sensíveis de um aeroporto –, pelo que, na verdade, as decisões de cancelamento de cartões de acesso têm um carácter estritamente vinculado, na medida em que, repete-se, a ANA segue (tem que seguir) o parecer da PSP, proferido com base em elementos e dados de que só a PSP tem conhecimento.

V. O ato não foi notificado ao Recorrente (mas sim à SPDH, que se encarregou de transmitir ao Recorrente o teor dessa decisão) uma vez que os trabalhadores (das empresas de handling) não têm qualquer intervenção nos procedimentos de emissão, renovação ou cancelamento dos cartões de acesso às áreas restritas e reservadas dos aeroportos.

W. Sendo certo que, em todo o caso, a omissão da notificação do ato impugnado ao Recorrente nunca teria força invalidante, ou seja, nunca seria suscetível de determinar a sua anulação.

X. Decidiu bem o TAC de Lisboa ao entender que a omissão de audiência prévia se justificava por razões de urgência, nos termos do artigo 103.º, n.º 1, alínea a), do CPA.

Y. No caso sub iudice, impunha-se o cancelamento imediato do cartão de acesso do Recorrente, por razões de proteção e salvaguarda da segurança, tal como resulta do ofício da PSP, no qual se determina que os cartões de acesso sejam “retirados com carácter de urgência” e também do ofício dirigido pelo Diretor do aeroporto à SPDH – o ato impugnado –, no qual se pode ler que “atentas as suas especiais obrigações de proteção e salvaguarda da segurança dos passageiros, aeronaves, pessoal de terra e tripulantes […] solicito os bons ofícios de V. Exa. No sentido de, com a maior brevidade possível, me serem devolvidos os Cartões ANA n.os ….., […], concedidos aos vossos referidos colaboradores, respetivamente” (sublinhado nosso).

Z. Em todo o caso, a audiência prévia destina-se a ouvir os interessados participantes no procedimento administrativo – e todo o procedimento relativo ao cartão de acesso (a sua atribuição, eventual renovação e cancelamento) é tramitado pela entidade empregadora do Recorrente, de um lado, e a ANA, do outro.

AA. Acresce que, como se viu, perante o juízo da PSP, a decisão de cancelamento tomada pela ANA era a única concretamente possível, sob pena de desrespeito do bloco de legalidade aplicável – em particular, das normas de base comuns de proteção da aviação civil contra atos de interferência ilícita que ponham em causa a segurança da aviação civil aprovadas pelo Regulamento (CE) n.º 300/2008 supra citadas e da Deliberação n.º 680/2000 –, pelo que nunca poderia ser reconhecida eficácia invalidante a esse (pretenso) vício de falta de audiência prévia.

BB. Valendo, para o caso em apreço nestes autos, o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, corolário do princípio da economia dos atos públicos e refração do princípio geral de Direito que se exprime pela fórmula utile per inutile non vitiatur, através do qual, como refere a jurisprudência do STA, “se pretende precisamente obviar a que se retirem efeitos invalidantes da ocorrência de alguma ilegalidade – nomeadamente de natureza formal ou procedimental – quando a decisão constante do acto administrativo se mostre justificada materialmente à luz do quadro legal pertinente” (Acórdão de 14.05.02, processo n.º 047825).

CC. Resulta manifestamente de todo o exposto que a interpretação feita pelo Tribunal a quo das normas invocadas é perfeitamente conforme às normas legais aplicáveis e à Constituição, sendo manifestamente improcedentes as inconstitucionalidades alegadas pelo Recorrente.”


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O D.º Magistrado do M.P. junto deste tribunal emitiu o douto parecer que antecede, concluindo, em síntese, no sentido da improcedência da pretensão recursiva do Recorrente.
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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA)
As questões suscitadas pelo Recorrente para sustentar um alegado erro no julgamento da decisão recorrida (improcedência do pedido de anulação do ato administrativo que determinou a cessação ou cassação do cartão do de acesso permanente a áreas restritas do Aeroporto de Lisboa, e a respetiva no pagamento de uma indemnização por todos os danos advenientes da execução do ato) são as seguintes:
- Ofensa da presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória, o seu direito do Autor ao trabalho e atenta contra o disposto no nº 3.6 da Deliberação 680/2000, da ANAC (anterior INAC), na medida por não se encontrar verificado nenhum dos seus pressupostos;
- Preterição do seu direito de audiência e de participação antes da tomada de decisão;
- Adesão da Administração, de forma acrítica e infundamentada, ao parecer (obrigatório e não vinculativo) emitido pela PSP [mais pretendendo que os artigos 151.º, n.º1, alínea d), 152.º, n.º1, alíneas a) e e) e 153.º, do C.P.A., seriam inconstitucionais, por violação do artigo 268.º, n.º3, da C.R.P., se interpretados no sentido de que a Administração pode remeter o conteúdo de parecer emitido pela P.S.P.];
- Violação do artigo 8.º da Lei da Proteção Dados Pessoais em vigor à data dos factos (lei n.º 67/98, de 26 de outubro).
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
1. O autor foi admitido ao serviço da TAP Air Portugal, SA, no dia 09.12.1995 (cf. doc. 1 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
2. Na sequência de uma cisão simples na TAP, SA, e da subsequente afetação de parte do património daquela para constituir uma nova empresa, a sociedade SPdH - Serviços Portugueses de Handling, SA, o autor e os demais trabalhadores da TAP que prestavam assistência em escala foram integrados nesta sociedade SPdH (facto não impugnado; cf. também doc. 2 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido; facto notório, por decorrer dos seguintes diplomas normativos: Decreto-Lei n.º 34/2000, de 14 de março; Decreto-Lei n.º 57/2003, de 28 de março; Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2003, de 3 de novembro).
3. O autor era, em janeiro de 2009, trabalhador da SPdH - Serviços Portugueses de Handling, SA, onde exercia as funções de operador de assistência em escala (cf. doc. 1 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
4. O autor, enquanto operador de assistência em escala ao serviço da SPdH, era portador do cartão de acesso permanente ao aeroporto de Lisboa com o n.º .....(cf. doc. 6 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
5. A sociedade SPdH é outorgante de um acordo de empresa com o Sindicato dos Técnicos de Handling de Aeroportos, no qual se consignou no respetivo Anexo V, além do mais, o seguinte quanto á categoria de operador de assistência em escala (OAE): "profissional que, com base em documentação técnica e tendo em conta as prescrições vigentes e os princípios, normas e procedimentos definidos pelas autoridades aeronáuticas, desempenha, nomeadamente, as seguintes tarefas: Procede ao carregamento e descarregamento das aeronaves; presta assistência nos terminais de bagagem, de carga e assistência na placa, controlando, encaminhando e acondicionando as bagagens, carga e correio; conduz e opera equipamentos de assistência ao avião; pode conduzir veículos dentro do perímetro do aeroporto, nomeadamente transporte de passageiros e procede ao reboque de aviões" (facto notório, por constar de publicação oficial - vide Boletim do trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 28, de 29.07.2007, pp. 2802 ss.).
6. A 30.12.2008 a Comandante de Segurança Aeroportuária do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública subscreveu instrumento escrito em papel timbrado daquela autoridade administrativa, endereçado ao Diretor do Aeroporto de Lisboa, com a referência - .....- Proc. N.° ....., subordinado ao assunto “Cartões de Acesso”, com o seguinte teor: "Sobre o assunto identificado em epígrafe, informa-se V. Ex.ª que os funcionários M..... […] da Groundforce são arguidos no processo da 2.ª EIC - NUIPC: 11/08.8SULSB. || Face ao exposto sugere-se que sejam retirados com carácter de urgência, os cartões de acesso ao Aeroporto de Lisboa […]" (cf. doc. 1 junto à contestação e processo administrativo a que aludem os artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado abreviadamente por processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
7. No dia 07.01.2009, pelo ofício n.º ....., o Diretor do Aeroporto de Lisboa enviou uma missiva ao Diretor de Unidade de Handling da SPdH - Serviços Portugueses de Handling, SA, com o seguinte teor: "Com base no constante do ofício n.º .....- Proc. n.º ....., de 30 de dezembro de 2008, do Comandante da Divisão de Segurança Aeroportuária do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, autoridade policial competente, o Diretor do Aeroporto de Lisboa, no exercício estrito das suas funções de autoridade de segurança aeroportuária e atentas as suas especiais obrigações de proteção e salvaguarda da segurança dos passageiros, aeronaves, pessoal de terra e tripulantes, não poderia deixar de considerar vinculativo o entendimento manifesto por aquela autoridade policial de cancelar o acesso, ás áreas restritas do aeroporto de Lisboa, aos funcionários da empresa Groundforce, M..... […].
" Face ao exposto solicito os bons ofícios de V. Exa. no sentido de, com a maior brevidade possível, me serem devolvidos os Cartões ANA n.os ....., […], concedidos aos vossos referidos colaboradores, respetivamente.
" Enquanto se mantiver, por parte da autoridade policial, o entendimento constante do ofício referido não poderá o Diretor do Aeroporto de Lisboa alterar a decisão de não permissão de acesso daqueles funcionários da empresa Groundforce às áreas restritas de segurança do Aeroporto de Lisboa, porquanto decisão contrária colocaria em perigo a segurança de pessoas e bens o que, por certo, integraria conduta passível de criminalização por omissão.
" Todos os quesitos de índole laboral, funcional e remuneratória deverão estar reportados na relação contratual exclusiva existente entre aqueles funcionários e a empresa de assistência em escala Groundforce, sendo que a empresa gestora dos aeroportos nacionais ANA - Aeroportos de Portugal e o Diretor do Aeroporto de Lisboa apenas detêm, neste âmbito, relacionamento contratual com a entidade empregadora daqueles - a empresa Groundforce" (cf. doc. 6 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

8. No dia 19.01.2009, a SPdH - Serviços Portugueses de Handling, SA, deu conhecimento ao autor da decisão do Diretor do Aeroporto de Lisboa referida em 1.7) (facto admitido por acordo; cf. também doc. 7 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
9. entidade demandada não notificou diretamente o ora autor da decisão referida em 1.7) (facto não impugnado).
10. A entidade demandada não auscultou o ora autor nem nenhum dos trabalhadores a que aludia a comunicação referida em 1.6) antes da decisão referida em 1.7) (facto não impugnado).
11. Na sequência da comunicação referida em 1.7), a sociedade SPdH suspendeu o contrato de trabalho existente com o autor (cf. doc. 7 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
12. A sociedade SPdH não processou nem pagou o vencimento do autor relativo ao mês de março de 2009 (facto não impugnado).
13. O autor auferia a remuneração mensal ilíquida global de € 2073,42 (cf. doc. 8 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
*
IV. Direito
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas alegações importa conhecer da pretensão recursiva formulada e que se prende com o facto de, alegadamente, o tribunal a quo ter incorrido em erro no julgamento, porquanto ato administrativo impugnado:
- Ofende a sua presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória, o seu direito ao trabalho e atenta contra o disposto no nº 3.6 da Deliberação 680/2000, da ANAC (anterior INAC), na medida por não se encontrar verificado nenhum dos seus pressupostos;
- Foi preterido o seu direito de audiência e de participação antes da tomada de decisão;
- A Administração aderiu, de forma acrítica e infundamentada, ao parecer (obrigatório e não vinculativo) emitido pela PSP [mais pretendendo que os artigos 151.º, n.º1, alínea d), 152.º, n.º1, alíneas a) e e) e 153.º, do C.P.A., seriam inconstitucionais, por violação do artigo 268.º, n.º3, da C.R.P., se interpretados no sentido de que a Administração pode remeter o conteúdo de parecer emitido pela P.S.P.];
- Incorreu na violação do artigo 8.º da Lei da Protecção Dados Pessoais em vigor à data dos factos (lei n.º 67/98, de 26 de outubro).

Vejamos, pois.
Para a análise que se perspetiva, teremos de convocar o quadro normativo ao abrigo do qual a decisão ora sob escrutínio analisou o circunstancialismo fáctico-jurídico do Recorrente/Autor.:
Em primeira linha, vejamos o vertido no Regulamento C.E. n.º 300/2008, que, no seu artigo 1.º, com a epígrafe “Objetivos”, nos diz o seguinte:
“1. O presente regulamento estabelece regras comuns para a proteção da aviação civil contra atos de interferência ilícita que ponham em causa a segurança da aviação civil. O presente regulamento estabelece igualmente a base para uma interpretação comum do anexo 17 da Convenção de Chicago sobre a Aviação Civil Internacional.
2. Os meios para a consecução dos objetivos estabelecidos no n.º 1 são os seguintes:
a) Estabelecimento de regras e normas de base comuns de segurança da aviação;
b) Mecanismos de controlo do cumprimento.”

No artº 2.º, precisa-se que “[o] presente regulamento aplica-se:
a) A todos os aeroportos ou partes de aeroportos situados no território dos Estados-Membros, que não sejam exclusivamente utilizados para fins militares;
b) A todos os operadores, incluindo transportadoras aéreas, que prestem serviços nos aeroportos referidos na alínea a);
c) A todas as entidades que apliquem normas de segurança da aviação, que operem a partir de instalações situadas no interior ou no exterior das instalações aeroportuárias e que forneçam bens e/ou prestem serviços aos aeroportos referidos na alínea a) ou através desses aeroportos.”

O artigo 3.º, com a epígrafe “Definições”, especifica que “[p]ara efeitos do presente regulamento, entende-se por: […]
2) «Segurança da aviação», a combinação de medidas e de recursos humanos e materiais destinada a proteger a aviação civil contra atos de interferência ilícita que ponham em causa a segurança da aviação civil;
[…]
15) «Verificação de antecedentes», a verificação registada da identidade de um indivíduo, incluindo o eventual registo criminal, como parte da avaliação da sua aptidão para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança.”


(negrito, itálico e sublinhados são sempre de nossa autoria)

Por sua vez, analisando o Anexo I do Regulamento (CE) n.º 300/2008 - Normas de Base Comuns de Proteção da Aviação Civil contra Atos de Interferência Ilícita (n.º 4), aí se diz, no que para aqui releva:
“1.2. Controlo do acesso
1.O acesso ao lado ar deve ser restrito, para impedir a entrada de pessoas e veículos não autorizados nessas zonas.
2. O acesso às zonas restritas de segurança deve ser controlado, para garantir que nelas não entrem pessoas e veículos não autorizados.
3. Só pode ser concedido acesso ao lado ar e às zonas restritas de segurança às pessoas e aos veículos que satisfaçam as condições de segurança exigidas.
4. Antes da emissão dos respetivos cartões, quer de identificação de tripulante, quer de identificação aeroportuária, que permitem o acesso sem escolta às zonas restritas de segurança, as pessoas, incluindo os membros da tripulação de voo, devem ser aprovadas numa verificação de antecedentes.”

Agora analisando o Decreto-Lei n.º 322/98, de 28 de outubro, em particular o respetivo artigo 11.º, epigrafado de “Programas de segurança aeroportuários”:
“1 - Os programas de segurança aeroportuários a estabelecer em cada infraestrutura aeroportuária constituirão o instrumento de aplicação das normas, recomendações e procedimentos de segurança estabelecidos e esquematizarão, em planos de contingência, as diversas situações de segurança.
2 - A elaboração dos programas referidos no número anterior é da responsabilidade, consoante a localização de cada infraestrutura aeroportuária, respetivamente do comando metropolitano, regional ou de polícia da PSP, com a participação da comissão aeroportuária respetiva, quando existente.
3 - Cabe ainda ao comando metropolitano, regional ou de polícia da PSP da área da respetiva infraestrutura aeroportuária a responsabilidade da preparação, com a participação das respetivas entidades envolvidas, dos planos operacionais que lhes dizem respeito e da sua execução, na medida dos meios postos à disposição para o efeito, e designadamente:
a) Determinar e coordenar as missões a desenvolver em cada situação;
b) Estabelecer o comando e supervisão do conjunto das ações respeitantes às várias situações.
4 - Os programas referidos no n.º 1 deste artigo merecerão o parecer prévio de concordância do presidente do conselho de administração do INAC e do comandante-geral da Polícia de Segurança Pública, sem prejuízo da sua sujeição ao regime de elaboração e aprovação previsto nos artigos 8.º, n.º 2, alínea c), e 13.º da Lei 20/87, de 12 de Junho.”

Por outro lado, examinando a Deliberação n.º 680/2000 do INAC, vemos que da mesma consta o seguinte:
“2.2.3 — O acesso às áreas restritas e reservadas deverá ser concedido mediante a atribuição de um cartão do tipo permanente, temporário ou pontual, consoante as circunstâncias o determinem.
3.5 — Emissão:
3.5.1 — O INAC é o centro emissor dos cartões «Aeroportos Nacionais», competindo-lhe a guarda, conservação e atualização dos respetivos ficheiros.
3.5.2 — A PSP é o centro emissor dos cartões «Aeroporto», competindo-lhe a guarda, conservação e atualização dos respetivos ficheiros.
3.5.3 — Só serão emitidos cartões permanentes nas situações em que for demonstrada a existência de contrato efetivo de trabalho entre a empresa ou entidade empregadora do requerente e o empregado para o qual é requerido o direito de acesso, e fundamentada a necessidade de acesso solicitada
[…]
3.6 — Cessação
Os cartões de acesso são propriedade do respetivo centro emissor, pelo que a entidade que requerer a emissão do cartão fica obrigada a devolvê-los quando o seu titular deixar de usufruir dos direitos por ele conferidos, designadamente nos casos em que deixar o emprego, for transferido ou cometer qualquer ato que, pela sua natureza, contradiga os pressupostos de ilegibilidade que presidiram à sua atribuição.
[…]
3.8.2 — Cartões «Aeroporto»:
3.8.2.1 — Cartões de acesso permanente:
3.8.2.1.1 — Têm direito a cartões de acesso permanente, para todas as áreas:
a) Diretor do aeroporto;
b) Assessor de segurança do aeroporto ou equivalente;
c) Chefes de divisão e de serviço da administração do aeroporto;
d) Comandante da divisão/secção da PSP;
e) Membros da Comissão Aeroportuária FAL/SEC;
f) Funcionários da alfândega;
g) Elementos da PSP, da Brigada Fiscal e do SEF, prestando serviço no aeroporto;
h) Representantes e chefes de escala das companhias de aviação que operam no aeroporto;
i) Elementos do Serviço de Socorros e do Serviço de Salvamento e de Luta contra Incêndios, sediados no aeroporto;
j) Funcionários do Serviço de Operações Aeroportuárias do aeroporto.
3.8.2.1.2 — Podem ainda ser atribuídos cartões de acesso permanente, em cada aeroporto às pessoas que exerçam atividade reconhecida para o efeito em áreas reservadas e restritas, devidamente identificadas.
3.8.2.1.3 — Os pedidos de cartão de acesso permanente do tipo «Aeroporto» serão dirigidos ao diretor do aeroporto respetivo, devidamente instruídos com os elementos de identificação do destinatário e com as razões que determinam a sua necessidade.
3.8.2.1.4 — Os pedidos referidos no número anterior deverão ser assinados por responsável da entidade requerente, que responderá pela veracidade do que houver declarado e pela devolução do cartão solicitado quando expire a sua validade ou quando ocorram as situações previstas no n.º 3.6 (cessação) deste regulamento.
3.8.2.1.5 — A autorização do diretor do aeroporto será precedida de parecer da PSP e, quando estiverem em causa atividades a desenvolver nas áreas controladas pelo SEF, alfândegas ou GNR/BF, também destas entidades.”

O Recorrente, alega, em sede de recurso, entre outros argumentos que infra se escrutinarão, que o ato impugnado viola o disposto no n.º 3.6. da Deliberação 680/2000, do INAC, porque não se verificam nenhum dos pressupostos de que tal artigo faz depender a prática do ato de cessação ou cassação do cartão de acesso permanente a áreas restritas do aeroporto.
No entanto, não lhe assiste qualquer razão.
Recorde-se que, segundo este ponto da Deliberação, a entidade que requerer a emissão do cartão fica obrigada a devolvê-los quando o seu titular deixar de usufruir dos direitos por ele conferidos, designadamente nos casos em que (1) deixar o emprego, (2) for transferido ou (3) cometer qualquer ato que, pela sua natureza, contradiga os pressupostos de ilegibilidade que presidiram à sua atribuição.
Se bem que os primeiros 2 pressupostos se não verificassem, o certo é que se entendeu (e bem), quer na sentença recorrida, quer na decisão administrativa sobre que a mesma incidiu, que o cancelamento do cartão de acesso do autor a áreas restritas do aeroporto seguiu-se a uma informação recebida da PSP, que instou o Diretor do Aeroporto a retirar, com carácter de urgência, o cartão de acesso ao autor.
Tal deveu-se ao facto de Recorrente/Autor, à data da prática do ato impugnado, ser arguido num processo de natureza penal, conforme resulta do ponto 6 dos factos provados, acima.
Nessa sequência, a PSP, através da comunicação ali referida, instou a entidade demandada a retirar com carácter de urgência o cartão de acesso do autor e outros dois funcionários da SPdH.
Foi este o facto superveniente que, no juízo da PSP, constituiu um «[...] ato que, pela sua natureza, contradiga os pressupostos de elegibilidade que presidiram à sua atribuição [...]», como previsto no n.º 3.6 da Deliberação n.º 680/2000.
Conforme se transcreveu acima, um dos pressupostos da atribuição (e manutenção) de um cartão de acesso tem que ver, precisamente, com a emissão de parecer favorável por parte da PSP (cfr. n.º 3.8.2.1.4 da Deliberação n.º 680/2000). Daí que, perante o sobredito circunstancialismo, a PSP tenha enviado um ofício à entidade demandada, instando a que fosse, com urgência, cancelado o cartão de acesso do autor.
Não se divisa que a entidade demandada tivesse laborado em erro quando entendeu que os pressupostos de elegibilidade que presidiram à atribuição do referido cartão foram colocados em causa. A mera circunstância de o autor ter sido constituído arguido, constitui um ato que contradiz os pressupostos de elegibilidade que determinaram a atribuição inicial de um cartão de acesso a zonas restritas do aeroporto (num contexto em que incumbe à entidade demandada assegurar a segurança dos aeroportos nacionais, obtendo parecer favorável da PSP).
Sobre esta matéria já teve ocasião de se pronunciar este TCA - Sul, por acórdão datado de 25.05.2018, disponível para consulta online in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/EC70BDB6EBE62F05802582B400355338 e no qual se sumariou o seguinte:
«I — As disposições normativas aplicáveis na segurança aeroportuária não exigem que o cartão de acesso a zonas restritas do aeroporto só possa ser não atribuído a quem não tenha cometido crimes, como tal declarados por um juiz.
II — Exigem, sim, em geral, que se verifique os antecedentes das pessoas, com o objetivo de se fazer a avaliação da sua aptidão para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança.
III — Portanto, é atendível uma informação administrativa, de sentido negativo, trazida à A........ pelo parecer da PSP.»

No acórdão acima referido, inclusive, o trabalhador em causa nem sequer era arguido em qualquer processo crime. Apenas estava sinalizado na base de dados da PSP como tendo sido apanhado em flagrante tentativa de furto, tendo nessa sequência procedido à compra dos bens em causa.
Aí se disse, designadamente, no que para a presente exegese releva, «[...] o parecer da PSP tem aqui a natureza de parecer obrigatório não vinculativo. [...] É um antecedente na posse administrativa da PSP. Não é registo de crime.
Ora, as disposições normativas aplicáveis e aplicadas não exigem que este tipo de cartão de aeroporto só possa ser atribuído a quem não tenha cometido crimes, como tal declarados por um juiz. Exigem, sim, em geral, que se verifiquem os antecedentes, com o objetivo de se fazer a avaliação da sua aptidão para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança.
Portanto, é atendível a referida informação administrativa trazida à A........ pelo parecer da PSP.
E não vemos nenhuma violação clara de qualquer princípio geral de Direito Administrativo ou de qualquer princípio constitucional nessa atendibilidade para efeitos da avaliação da sua aptidão para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança [...]».

Aqui chegados cumpre concluir que a decisão proferida pelo tribunal a quo não viola a Deliberação nº 680/2000 (ou qualquer dos preceitos aplicáveis nesta matéria, acima transcritos no que para aqui releva), antes pelo contrário: é dela consequência.
*
Quanto à alegada violação de direitos fundamentais do Recorrente:
As mesmas considerações, acima tecidas, valerão para afastar a alegada violação dos seus direitos fundamentais ao trabalho e à sua presunção de inocência. Não vislumbramos na atuação dos Recorridos qualquer violação de qualquer princípio geral de Direito Administrativo ou de qualquer princípio constitucional na restrição para efeitos da avaliação da aptidão do Recorrente para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança.
Uma vez mais, neste ponto, chama-se à colação o decidido no acórdão deste TCA – Sul, datado de 25.05.2018, acima transcrito. No acórdão em causa, como se disse acima, o trabalhador em questão nem sequer era arguido em qualquer processo crime. Apenas estava sinalizando na base de dados da PSP como tendo sido apanhado em flagrante tentativa de furto, tendo nessa sequência procedido à compra dos bens em causa. Também aí se considerou inexistir qualquer violação de qualquer princípio geral de Direito Administrativo ou de qualquer princípio constitucional na restrição de acesso sem escolta às zonas restritas de segurança.
Aqui, tal como naquele acórdão, sublinhar-se-á que ato administrativo impugnado, da ANA, não tem natureza sancionatória, tratando-se simplesmente de uma autorização administrativa e, como tal, o cancelamento do cartão de acesso não depende de o autor ser, ter sido ou poder vir a ser condenado pela prática de um crime, mas apenas a circunstância de a PSP ter conhecimento de factos que, no seu juízo, enquanto autoridade policial, impediam que ao demandante fosse concedido um cartão de acesso.
Neste ponto, conforme bem sublinhou a decisão ora sob escrutínio, “(…) não está aqui em causa um processo penal, nem o cancelamento do cartão de acesso configura uma qualquer acusação ou sanção penal.
Diremos até que nem sequer está aqui patente qualquer vertente sancionatória no ato em apreço.
XL. Ora, no campo do direito administrativo, mais concretamente no que respeita à matéria do acesso (e suas condicionantes) a zonas restritas dos aeroportos nacionais, esse princípio simplesmente não tem aplicação. O que está aqui em causa é somente a emissão de um ato administrativo que impede um cidadão de aceder às áreas restritas de um aeroporto. E a negação da atribuição (ou renovação) ou o cancelamento do cartão de acesso, por não preenchimento dos requisitos exigidos, não consubstancia a aplicação de uma qualquer sanção ao titular (ou pretendente a titular) do cartão de acesso.
XLI. Acresce ainda, por importante, que o ora autor não viu o seu cartão de acesso cancelado por ter sido penalmente condenado, nem esse cancelamento pressupõe uma sentença condenatória dessas. Estamos perante dois domínios diversos e de âmbitos distintos: o cancelamento radica na circunstância de, no juízo policial da PSP, o facto de o autor ser arguido num processo penal revela que o mesmo não pode ser titular de um cartão que lhe permite o acesso a bagagens, aeronaves e zonas muito sensíveis de um aeroporto. E isso porque, como se consignou supra, em matéria de segurança aeroportuária a regra de ouro é a da ―tolerância zero‖, impondo-se uma postura preventiva de eliminação de todo e qualquer fator que possa por em risco a safety e a security aeroportuárias.
XLII. Em bom rigor, portanto, a decisão de cancelamento do cartão de acesso só indiretamente está relacionada com o processo penal em que o autor foi constituído arguido. De tal sorte que se pode mesmo asseverar que o cancelamento do cartão de acesso não depende de o autor ser, ter sido ou poder vir a ser condenado pela prática de um crime; o que motivou o cancelamento ordenado pela entidade demandada foi a circunstância de a PSP ter conhecimento de factos que, no seu juízo enquanto autoridade policial, impediam que ao demandante fosse concedido um cartão de acesso.”

Por sua vez, no que concerne à suposta violação do direito fundamental ao trabalho, importa referir que tal carece, manifestamente, de sentido. A decisão tomada pela ANA não implica qualquer suspensão ou cessação do contrato de trabalho do demandante, limitando-se, os efeitos jurídicos do ato em causa, a consagrar a impossibilidade de acesso às áreas restritas e reservadas no Aeroporto Humberto Delgado.
Eventuais limitações do direito do autor ao trabalho não decorrem do facto de lhe ter sido negado o acesso às áreas restritas e reservadas do Aeroporto Humberto Delgado, mas sim do facto de essa recusa ter levado a SPdH, a sua entidade empregadora, a suspender o respetivo contrato de trabalho. Ainda assim, o direito ao trabalho do Recorrente mantém-se, no seu núcleo essencial, intocado. Frustrando-se, de algum modo, a possibilidade de manutenção do emprego com a SPdH, sempre poderá procurar outro trabalho, noutra empresa e/ou noutra área qualquer. Note-se, neste ponto, que o artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa prevê, no âmbito do direito ao trabalho, quatro vetores: “i) a liberdade de procurar trabalho; ii) o direito de igualdade no acesso a quaisquer cargos, tipos de trabalho ou categorias profissionais; iii) o direito a exercer efetivamente a atividade correspondente ao posto de trabalho, no sentido de não ser permitida a manutenção arbitrária do trabalhador na inatividade; e iv) o direito à segurança no emprego (…)” (cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, CRP anotada e comentada 2007, P. 763 e 764).
Inexiste, pois, a aventada violação de direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados do Recorrente/Autor.
*
Quantos aos vícios formais invocados: (1) falta de fundamentação e (2) falta de audiência prévia:
(1) A fundamentação é um dever genérico da Administração, na sua atuação, sendo que o art. 124º do Código do Procedimento Administrativo (aplicável à data dos factos), na esteira do n.º 3 do art. 268º da Constituição da República Portuguesa, consagra um dever geral de fundamentação dos actos administrativos, dever que o art. 125º do Código do Procedimento Administrativo concretiza.
Preceitua o art. 125º do Código do Procedimento Administrativo — sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação” - nos n.º 1 e 2, o seguinte:

“1. A fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.

2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”

A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não)
o particular e permitir-lhe o controlo do ato. Traduz-se isto em dizer que o particular deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar-se-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do
“itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada de decisão. Só assim o particular pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão: só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso. Pretende-se, pois, que fique ciente do modo e das razões por que se decidiu num ou noutro sentido.

Neste caso, tal desiderato foi plenamente conseguido. A jurisprudência tem entendido que tal assim é, ainda que por remissão para informação que igualmente seja remetida destinatários do ato em crise (o Supremo Tribunal Administrativo tem considerado válida esta forma de fundamentação – cfr., por exemplo, o acórdão nº 064/03, de 15.01.2004). Tanto assim foi que o Recorrente logrou, quer na p.i. quer no articulado de recurso, aduzir argumentos (independentemente da sua validade) pretendendo rebater os fundamentos usados para sustentar a posição tomada na decisão em crise.

Mas precisemos melhor.

In casu, resulta dos autos (cfr. ponto 7 dos factos provados) que do ato impugnado constavam as seguintes menções: «Com base no constante do ofício n.º .....- Proc. nº ....., de 30 de dezembro de 2008, do Comandante da Divisão de Segurança Aeroportuária do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, autoridade policial competente, o Diretor do Aeroporto de Lisboa, no exercício estrito das suas funções de autoridade de segurança aeroportuária e atentas as suas especiais obrigações de proteção e salvaguarda da segurança dos passageiros, aeronaves, pessoal de terra e tripulantes, não poderia deixar de considerar vinculativo o entendimento manifesto por aquela autoridade policial de cancelar o acesso, às áreas restritas do aeroporto de Lisboa, aos funcionários da empresa Groundforce, M..... [...] Face ao exposto solicito os bons ofícios de V. Exa. no sentido de, com a maior brevidade possível, me serem devolvidos os Cartões ANA n.ºs ....., [...], concedidos aos vossos referidos colaboradores, respetivamente. Enquanto se mantiver, por parte da autoridade policial, o entendimento constante do ofício referido não poderá o Diretor do Aeroporto de Lisboa alterar a decisão de não permissão de acesso daqueles funcionários da empresa Groundforce às áreas restritas de segurança do Aeroporto de Lisboa, porquanto decisão contrária colocaria em perigo a segurança de pessoas e bens o que, por certo, integraria conduta passível de criminalização por omissão [...]»

É certo que do ato impugnado não consta a alusão à circunstância de o autor ser arguido num processo-crime. No entanto, neste ponto (tal como no resto, diga-se) secundar-se-á o que vem escrito na decisão ora escrutinada e segundo a qual: “(…) importa reter que o contexto em que o ato aqui impugnado foi praticado é muito peculiar, pelo que, constituindo a possível fundamentação matéria particularmente sensível, designadamente matéria criminal que poderia inclusive estar porventura em segredo de justiça, a entidade demandada optou por fazer referência ao ofício da PSP, em lugar de afirmar perante a SPdH que o autor era arguido num processo.
Pois bem, nos termos da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro (Lei da Proteção de Dados Pessoais — ―LPDP‖), em vigor à data da adoção do ato impugnado, os dados relativos a suspeitas referentes a atividades ilícitas, infrações penais, contraordenações e decisões que apliquem penas, beneficiavam de um regime especial de proteção. Esse regime determinava, nomeadamente, que tais dados não fossem tratados/divulgados (artigo 8.º da LPDP) exceto se «[...] autorizado pela CNPD, observadas as normas de proteção de dados e de segurança da informação, quando tal tratamento for necessário à execução de finalidades legítimas do seu responsável, desde que não prevaleçam os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados [...]».
LXVI. No caso sub judice, não só não consta dos autos que tivesse havido autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados para tratar/comunicar à SPdH os dados contidos no ofício da PSP, como também prevalecia um direito, liberdade e garantia do autor: o direito à reserva da vida privada.
LXVII. Neste conspecto, o que poderia, isso sim, ter graves implicações no direito à reserva da vida privada do autor seria comunicar à entidade empregadora a existência de um processo penal ou contraordenacional a correr contra este.
De todo o modo, sempre se refira que, conforme se retira da leitura deste ofício, a decisão de cancelamento do cartão de acesso do autor (assim como de outros funcionários da SPdH), fundamentou-se no parecer da autoridade policial competente que, feita uma verificação dos antecedentes dos (então) titulares desses cartões, concluiu pela necessidade de restringir o acesso às áreas restritas do aeroporto, sob pena de, não o fazendo, ficarem em ―perigo a segurança de pessoas e bens‖. O que, para a SPdH – que é efetivamente a entidade destinatária do ato administrativo em crise –foi suficiente.
LXX. Vale isto por dizer, ao cabo e ao resto, que a decisão impugnada foi objeto da devida fundamentação, de facto e de direito. Confrontado com estes fundamentos, que se sabia serem os que nortearam a decisão mesmo com referência ao autor, ficaria qualquer declaratário normal na posse de todos os elementos objetivos necessários ao cabal exercício do seu direito de defesa. Até porque, no caso, estão ali contidos todos os fundamentos.
LXXI. Ademais, valha a verdade, os autos também não denotam qualquer dificuldade sentida pelo autor em tal exercício, visto que, se num momento se reclama incapaz de exercer eficazmente o seu direito de defesa, no momento seguinte passa a exercer esse direito com manifesto esclarecimento sobre o exato teor de tais fundamentos, do seu alcance e das normas aplicáveis. Portanto, qualquer formalidade que se tivesse hipoteticamente preterido neste particular se teria por degradada em formalidade não essencial, sem eficácia invalidante. (…)”

Do acima vertido (e aderindo à fundamentação da sentença ora sob escrutínio), conclui-se inexistir a arguida falta de fundamentação. E, aproveitando o ensejo, dir-se-á, igualmente, inexistir qualquer violação do artigo 8.º da Lei da Protecção Dados Pessoais, em vigor à data dos factos (Lei n.º 67/98, de 26 de outubro), na medida em que o ato impugnado considerou que o regime estabelecido pela lei determinava que as suspeitas relativas ao recorrente não pudessem ser divulgadas à sua entidade empregadora. Neste ponto, como bem se salienta na decisão em crise, se a obrigação de fundamentar colidir com outros valores constitucionalmente protegidos (por exemplo a honra e bom nome ou a reserva e intimidade privadas), esses valores podem condicionar o dever de fundamentação, ou até mesmo determinar a sua exclusão.

Aqui chegados, para terminar esta exegese respeitante à fundamentação do ato impugnado, sua notificação e demais vicissitudes, dir-se-á que se nos afigura que o Recorrente confunde alguns conceitos: (1) a falta de fundamentação com a discordância dos fundamentos e respetivo conteúdo decisório (algo que deve ser apreciado em sede de erro sobre os pressupostos, nos termos a que acima se procedeu); (2) a fundamentação com a notificação da mesma.

Se em relação ao primeiro ponto, a questão se encontra sanada, nos termos supra, em relação a este segundo ponto, a questão de saber se o ato em crise foi notificado pela entidade demandada ao autor é vicissitude (ir)relevante para aferir de vício que afete a validade do ato impugnado, ainda que possa bulir com a sua regularidade, eficácia ou oponibilidade ao interessado. Aqui, teremos de concluir que a notificação do ato não é fonte autónoma de invalidade do ato administrativo, mas simples requisito de eficácia, podendo, sim, contender com a mesma para efeitos de contagem do prazo da respetiva impugnação contenciosa [cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo datados de 02.05.2002 (processo n.º0593/02), de 10.09.2003 (processo n.º 01381/03), a 19.02.2003 (processo n.º 087/03) e a 07.10.2004 (processo n.º01928/03), todos acessíveis para consulta em www.dgsi.pt].

Improcede, pois, também este vício.

*
(2) Quanto à (alegada) falta de audiência prévia:
Neste concreto ponto, veja-se o que, à data, se previa no artº 100º e ss. do CPA:

“ARTIGO 100.º (1)

(Audiência dos interessados)


1 – Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.°, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.

2 – O órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência dos interessados é escrita ou oral.

3 – A realização da audiência dos interessados suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.


ARTIGO 101.º

(Audiência escrita)


1 – Quando o órgão instrutor optar pela audiência escrita, notificará os interessados para, em prazo não inferior a 10 dias, dizerem o que se lhes oferecer.

2 – A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo poderá ser consultado. 3 – Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.”

(todo negrito, itálico e sublinhado é de nossa autoria)

Convocando dois arestos deste TCA –Sul (o acima aludido acórdão de 24.05.2018 e o acórdão datado de 14.10.2010 no âmbito do processo nº 06676/10), na decisão recorrida afastou-se, de forma profícua, a argumentação da entidade recorrida no sentido de que não tinha de observar aquela formalidade. Segundo a Recorrida poder-se-ia prescindir da audiência prévia porque: (1) o autor não é parte da relação procedimental relativa à emissão/renovação e cessação dos cartões de acesso às áreas restritas e reservadas dos aeroportos, porquanto tal relação procedimental estabelece-se apenas entre as operadoras de handling – no caso a SPdH, entidade empregadora do autor – e a entidade demandada, não tendo o trabalhador qualquer intervenção nesse procedimento administrativo — sendo que a audiência prévia destina-se a ouvir os interessados que sejam parte do procedimento administrativo; (2) ainda que se tivesse verificado a preterição de tal formalidade, nunca poderia ser reconhecida eficácia invalidante a esse (pretenso) vício de falta de audiência prévia, já que, perante o juízo da PSP, a decisão de cancelamento tomada pela entidade demandada era a única concretamente possível, sob pena de desrespeito do bloco de legalidade aplicável – em particular, das normas de base comuns de proteção da aviação civil contra atos de interferência ilícita que ponham em causa a segurança da aviação civil aprovadas pelo Regulamento (CE) n.º 300/2008 supra citadas e da Deliberação n.º 680/2000.

No entanto, se bem que declinou a argumentação da Recorrida em relação aos dois argumentos acima, a decisão em crise assentiu à argumentação daquela na parte em que considerou que, ainda que o ato de cancelamento do cartão padecesse do vício de audiência prévia, sempre seria convocável a norma posta na alínea a) do n.º 1 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo (na versão aqui aplicável), nos termos da qual não há lugar a audiência dos interessados quando a decisão seja urgente.

Esta urgência não é passível de uma densificação ad hoc, de cariz discricionário e muito menos arbitrário. Esta urgência justificativa da preterição da formalidade da audiência prévia deve resultar objetivamente do ato administrativo e das suas circunstâncias, sendo irrelevante se afirmada posteriormente ao ato e que dele inequivocamente não resulte. A Administração não goza de um poder discricionário de livremente integrar o conceito de urgência, devendo a mesma, ainda que não afirmada formalmente na decisão administrativa, resultar objetivamente do seu conteúdo e das circunstâncias que a conformam.

A situação de urgência que justifica a não audiência dos interessados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 103.° do Código de Procedimento Administrativo aplicável à data, tem natureza excecional, só ocorrendo quando haja de prosseguir determinada finalidade pública em que o fator tempo se apresente como elemento determinante e constitutivo e seja impossível ou, pelo menos, muito difícil, cumpri-la através da observância do procedimento previsto no artigo 100.º do mesmo diploma.

Neste ponto, convocamos, por elucidativa e convincente, a alusão, feita pelo Mmº juiz a quo, ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 24.04.2007, proferido no processo que aí correu termos sob o n.º 069/07, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jsta, aresto segundo o qual: «[...] a urgência justificativa da preterição da formalidade da audiência prévia deve resultar objetivamente do ato administrativo e das suas circunstâncias, sendo irrelevante a urgência afirmada posteriormente ao ato e que dele inequivocamente não resulte [sendo que a] Administração não goza de um poder discricionário de livremente integrar o conceito de urgência, sendo pois evidente que a mesma, ainda que não afirmada formalmente na decisão administrativa, deve resultar objetivamente do seu conteúdo e das circunstâncias que a conformam. [...] O que quer dizer que, como se afirmou no Acórdão do Tribunal Pleno de 4/07/2006 (rec. 498/03), desde que se verifique uma situação objetiva de urgência, isto é, desde que se verifique uma situação em que o fator tempo na tomada e implementação da decisão se revele essencial para o seu êxito e desde que esta urgência seja contemporânea do ato a autoridade administrativa não só está dispensada do cumprimento do art. 100.º do CPA como também não está obrigada a justificar de forma expressa as razões que a levam a não cumprir o disposto nesse normativo. Ou, dito de forma diferente, a «urgência a que alude o art. 103.º/1/a) do CPA só justifica a inexistência da audiência prévia dos interessados nas situações em que o tempo seja determinante do sucesso ou insucesso da medida administrativa a adotar, em termos tais que se possa antever que, sem esse sacrifício, ficará definitivamente ou gravemente comprometida a satisfação de uma necessidade pública indeclinável, incompatível com a observância do prazo mínimo legalmente previsto para o exercício do direito do interessado a ser ouvido no procedimento [...]»

Aqui chegados, analisando o teor do ato impugnado, centremos a nossa atenção no ofício n.º .....-Proc. n.° ....., da Comandante de Segurança Aeroportuária do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública e reproduzido em 6 dos factos provados. Da respetiva leitura, vemos que do mesmo resulta que: «[s]obre o assunto identificado em epígrafe, informa-se V. Ex.a que os funcionários M..... [...] da Groundforce são arguidos no processo da 2.a EIC - NUIPC: 11/08.8SULSB. || Face ao exposto sugere-se que sejam retirados com carácter de urgência, os cartões de acesso ao Aeroporto de Lisboa [...]»

Ou seja, à data, a PSP fez questão de alertar para a circunstância de que os cartões de acesso dos funcionários da SPdH que tinham sido constituídos arguidos no processo da 2.a EIC - NUIPC: 11/08.8SULSB, incluindo o do autor, deveriam ser retirados com carácter de urgência. Existia, assim, uma urgência na adoção imediata do ato administrativo de cancelamento do cartão de acesso. Esta urgência não foi afirmada posteriormente ao ato, antes resultando do ato e das suas circunstâncias.

Mais a mais, dada a constituição como arguido do Recorrente/Autor e da possibilidade do respetivo acesso à área restrita do Aeroporto Humberto Delgado, a Recorrida/Ré, após ser alertada para tal por força policial, estribada em razões de perigo potencial para a segurança aeroportuária, atuou na forma que ora vem sindicada.

E bem o fez.

Secundando a decisão posta em crise, julgamos, também aqui, verificada a previsão do artigo 103.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo, pelo que improcede, também esta pretensão impugnatória do autor.

Pelo acima exposto, teremos de negar provimento ao recurso interposto e confirmar integralmente a decisão proferida, que absolveu os Recorridos dos pedidos formulados no sentido da impugnação do ato do Diretor do Aeroporto pelo qual foi cancelado o acesso do autor às áreas restritas do Aeroporto de Lisboa e retido, sem renovação, o seu Cartão.

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Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no artº 663º, nº 7 do CPC):
I. A constituição de alguém como arguido, em processo crime, constituirá um pressuposto que, pela sua natureza, contradiz a os pressupostos de elegibilidade que presidiram à atribuição inicial de um cartão de acesso a zonas restritas do aeroporto, conforme previsto no n.º 3.6 da Deliberação n.º 680/2000.
II. Inexistindo, à data, uma condenação em processo crime, o cancelamento do acesso de alguém às áreas restritas do Aeroporto de Lisboa, não viola a respetiva presunção de inocência, uma vez que tal ato não tem natureza sancionatória.
III. Tal ato, não acarretará uma violação do direito ao trabalho, porquanto, independentemente do facto de ficar comprometida aquela concreta prestação laboral que era objeto do contrato de trabalho celebrado, ainda assim, o núcleo essencial do direito mantém-se intocado.
IV. A fundamentação de um ato, enquanto de validade e perfeição do mesmo, é algo distinto da respetiva notificação, enquanto condição de eficácia.

V. A falta de fundamentação de um ato, porque aferível numa vertente de perfeição formal, não se confunde com a discordância dos seus fundamentos e respetivo conteúdo decisório, algo que deve ser apreciado numa vertente substantiva, aferindo, designadamente, da verificação de erro sobre os seus pressupostos.

VI. A constituição como arguido de alguém com possibilidade de acesso à área restrita do Aeroporto Humberto Delgado, consubstanciará uma “situação de urgência” que justifica, pela sua excecionalidade, a não audiência dos interessados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 103.° do Código de Procedimento Administrativo.


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V – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão em crise.
Custas pelo Recorrente – cfr. artº 527. nº 1 e 2 do CPC e artº 189º, nº 2 do CPTA.
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Lisboa, 15 de outubro de 2020


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Ricardo Ferreira Leite*



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Ana Celeste Carvalho



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Pedro Marchão Marques

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*O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

(1) A redacção actual foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro.

A redacção anterior era seguinte:
1 – Concluída a instrução, os interessados tem o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, salvo o disposto no artigo 103.°.
2 – O órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência dos interessados é escrita ou oral. )