Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2250/10.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/24/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PROGRAMAS DE SEGURANÇA AEROPORTUÁRIOS,
AVIAÇÃO CIVIL, DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA
Sumário:I- As disposições normativas aplicáveis na segurança aeroportuária não exigem que o cartão de acesso a zonas restritas do aeroporto só possa ser não atribuído a quem não tenha cometido crimes, como tal declarados por um juiz.
II - Exigem, sim, em geral, que se verifique os antecedentes das pessoas, com o objetivo de se fazer a avaliação da sua aptidão para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança.
III - Portanto, é atendível uma informação administrativa, de sentido negativo, trazida à A........ pelo parecer da PSP.
IV - Aquela avaliação cabe na discricionariedade administrativa em sentido amplo, na subespécie de margem de livre apreciação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I – RELATÓRIO

P……………………… interpôs no TAC de Lisboa a presente ação administrativa especial contra

A………. – A. P, SA, e

P………….. DE P………….., SA.

A pretensão formulada foi a seguinte:

a) Declaração de nulidade do ato administrativo de não renovação do cartão de acesso às áreas restritas do aeroporto ao A.; ou se assim se não entender, a sua anulação, bem como a condenação da Ré A........ à reparação dos danos resultantes da conduta ilegal;

b) Condenação da Ré A........ a adotar todos os atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado e ao cumprimento dos deveres que não cumpriu para a emissão do cartão;

c) Condenação da Ré A........ a proceder à emissão do cartão de acesso às áreas restritas do aeroporto de Lisboa, a favor do A., e à reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais;

d) Condenação da Ré A........ a pagar ao A. a quantia de 17.810,00 euros, a título de danos patrimoniais, e ainda a quantia de 1.370,00 euros mensais a título de remunerações vincendas, desde a propositura da ação até à emissão de novo cartão de acesso às áreas restritas do aeroporto de Lisboa, e ainda ser condenada a Ré A........ a pagar ao A. a quantia de 17.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, pedido alterado para o valor de 50.000,00 euros;

tudo acrescido de juros legais até efetiva liquidação das quantias peticionadas.

*

Após a discussão da causa, o TAC decidiu “absolver a ré dos pedidos”.

*

Inconformado com tal decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1) A decisão negativa do diretor do a. de L. está inquinada de erro de direito quanto ao valor do parecer da PSP gerador do vício da violação de lei.

2) Mesmo que se considere que o ato administrativo em causa é discricionário, o que não merece o apoio do recorrente, dada a natureza sancionatória do mesmo, incorreria o mesmo em erro manifesto de apreciação quanto ao valor probatório do parecer da PSP gerador do mesmo vício de violação de lei.

3) O ato administrativo em causa padece ainda de uma nulidade por ofensa ao direito fundamental ao bom nome do ora recorrente na medida em que se alicerça num parecer da PSP que descreve factos inatendíveis de um ponto de vista jurídico e que já não estavam na disponibilidade da PSP.

4) E também de outra nulidade por violação do princípio constitucional a que corresponde um direito subjetivo fundamental da presunção da inocência, como se refere na petição inicial e aqui se dá por reproduzido.

5) Bem como de uma anulabilidade por erro de direito gerador de violação de lei.

6) Devendo o Réu ser ainda condenado à prática de todos os atos necessários para a reconstituição da situação que existiria se o ato administrativo negativo não tivesse sido praticado bem como à emissão de cartão de acesso às áreas reservadas do aeroporto.

7) E ainda cumulativamente ao pagamento de uma indemnização por danos materiais e morais ao autor com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito no valor global de 67.000 euros.

*

A recorrida A........ contra-alegou, concluindo assim:

1) Atento o teor das conclusões do recurso interposto pelo Recorrente, parece que o mesmo não terá dado cumprimento ao disposto no artigo 639.º/2 do CPC, na medida em que não se indicaram aí normas jurídicas pretensamente violadas na Sentença recorrida (nem o sentido com que elas deviam ser interpretadas e aplicadas) - incumprimento que, se V. Exas. assim o entenderem, deve ser suprido pelo Recorrente, sob pena de não ser conhecido o recurso, nos termos do n.º 3 do citado artigo 639.º do CPC.

2) Resulta do Regulamento 300/2008 e da Deliberação 680/2000 que (i) o acesso a determinadas áreas dos aeroportos deve ser restrito e controlado, só podendo ser concedido acesso a essa s áreas a quem satisfaça as condições de segurança exigidas, (ii) antes da emissão de cartões de acesso (a essas áreas reservadas), as pessoas devem ser aprovadas numa "verificação de antecedentes" , entendendo-se esta como a "verificação registada da identidade de um indivíduo, incluindo o eventual registo criminal, como parte da avaliação do suo aptidão para aceder sem escolto às zonas restritos de segurança", (iii) a decisão sobre a emissão ou renovação de um cartão de acesso deve ser sempre precedida da emissão de um parecer, por parte da Divisão de Segurança Aeroportuária da PSP.

3) O ato impugnado nestes autos não padece de "erro de Direito quanto ao valor do parecer da PSP" nem de "erro manifesto de apreciação quanto ao valor probatório do parecer da PSP”, nem a Sentença recorrida merece qualquer censura por esses motivos.

4) O parecer que a PSP profere - e, no mesmo sentido, a decisão de atribuição de um cartão de acesso (ou a sua renovação) que lhe segue - está exclusivamente relacionado com o (des)condicionamento administrativo associado ao acesso a áreas delicadas e sensíveis de um aeroporto e com a necessidade de cumprir as regras de proteção do transporte aéreo e da aviação civil e garantir a segurança aeroportuária, não estando apenas em causa saber se o Recorrente foi ou não condenado pela prática de qualquer crime (ou contraordenação) ou se o mesmo é arguido num processo de natureza penal.

5) O que é relevante, no contexto do procedimento para emissão ou renovação de um cartão de acesso, é saber se verificam, relativamente ao pretendente à emissão (ou renovação) de um cartão de acesso, vulnerabilidades que impedem essa emissão (ou renovação). Isto independentemente de os comportamentos assumirem relevância penal (ou terem sido sancionados criminalmente) - tudo nos termos da regulamentação aplicável.

6) No caso do Recorrente, a PSP, após consultar as suas bases de dados, nomeadamente o SEI, emitiu parecer negativo, e fê-lo porquanto o Recorrente tentou passar pelas caixas registadoras de um estabelecimento comercial sem efetuar o pagamento de quatro jogos para consola (cf. n.2 4 da factualidade dada como provada pelo TAC de Lisboa) - sendo certo que nunca o Recorrente colocou em causa a veracidade destes factos -, comportamento que foi entendido (pela PSP) como denunciando a existência de vulnerabilidades impeditivas da titularidade do cartão de acesso às zonas sensíveis e restritas do aeroporto ou, dito de outro modo, como revelando vulnerabilidades que tornavam o Recorrente inapto para merecer por parte das entidades competentes um juízo seguro e favorável para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança.

7) O ato administrativo impugnado nestes autos não ofende minimamente o direito ao bom nome do Recorrente nem ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, limitando-se o mesmo a negar a pretendida renovação do cartão de acesso a áreas restritas do A….. de L………...

8) O que resulta da regulamentação aplicável é que a PSP deve proceder a uma a uma "verificação de antecedentes" , ou seja, a uma "avaliação da aptidão [da pessoa em causa] paro aceder sem escolto às zonas restritas de segurança (cf. artigo 3.2/15 do Regulamento 300/2008), sendo que, nesse âmbito, os antecedentes comportamentais - no âmbito da já referida verificação de antecedentes -, mesmo que não se traduzam ou não sejam suscetíveis de se traduzir em condenações crime, não podem deixar de ser tidos em consideração para efeitos do acesso (ou negação desse acesso) às áreas restritas dos aeroportos .

9) No caso concreto do Recorrente, a PSP "emitiu parecer negativo, propondo a (...) não emissão [do cartão de acesso],em virtude de ter sido apurado em dados que constam da base de dados da PSP, o SEI - Sistema Estratégico de Informações, de que P..............., foi surpreendido, em flagrante, ao tentar passar pelas caixas registadoras de um estabelecimento comercial "F. N., sem efetuar o pagamento de quatro jogos para consolas" (cf. n.o 4 da factualidade dada como provada na Sentença recorrida).

10) E esses factos revelavam, no juízo da PSP (que foi acolhido pelo Diretor do A. de L.) a existência de vulnerabilidades que impunham a não renovação do cartão de acesso do ora Recorrente, sendo certo - repete-se - que nunca o aqui Recorrente pôs em causa, junto da A........ ou no contexto dos presentes autos, a veracidade desses factos. Ora, é impossível haver ofensa ao direito do bom nome ou violação do princípio da presunção de inocência quando a PSP mais não fez do que emitir um juízo sobre a aptidão do Recorrente (a ser titular de um cartão de acesso a áreas de reservadas de um aeroporto) com base nos factos apurados através de consulta à sua base de dados.

11) Improcede igualmente o alegado "erro de Direito gerador do vício de violação de lei”, na medida em que a verificação de antecedentes que a regulamentação aplicável exige que seja realizada - para aferir da aptidão (ou falta dela) à titularidade de um cartão de acesso - não se confunde com qualquer processo de natureza criminal ou com a (in)existência de uma condenação pela prática de um crime ou de uma contraordenação, tudo como se viu.

12) Idêntico destino, o da improcedência, tem o pedido de condenação da A........ a praticar novo ato que renove o cartão de acesso: desde logo porque a improcedência do recurso quanto à anulação ou declaração de nulidade do ato impugnado determina também, necessariamente, a improcedência do pedido de condenação.

13) Mas também porque, pelo menos da perspetiva da A........, mesmo que assim não fosse, não poderia este Tribunal julgar procedente o pedido de condenação deduzido pelo ora Recorrente, pois a decisão de conceder ou negar um cartão de acesso a áreas restritas de um aeroporto (ou de uma sua renovação) pressupõe a valoração de juízos típicos da função administrativa : pressupõe a emissão, por parte da PSP, de um juízo natureza policial e depois, de um juízo da autoridade aeroportuária, sobre o facto de alguém preencher ou não os requisitos de elegibilidade de que depende o acesso às zonas restritas de um aeroporto - domínios em que, salvo erro manifesto ou grosseiro, a Administração é "senhora e rainha", não sendo dado aos tribunais o poder de substituírem o seu juízo ao juízo da Administração.

14) Deve ainda ser confirmada a decisão, adotada na Sentença recorrida, de improcedência do pedido de condenação da A........ no pagamento de uma indemnização ao Recorrente, desde logo porque não está verificado o pressuposto da ilicitude: o ato através do qual foi indeferido o pedido de renovação do cartão de acesso é válido, como bem concluiu o Tribunal o quo.

15) Além disso, o ato em causa não pode ser culposo: o Diretor do Aeroporto atuou segundo o que lhe seria normalmente exigível, nas circunstâncias do caso. Se a PSP, promovidas as diligências que entendeu necessárias e recolhidas as informações relevantes, entendeu não poder haver lugar à renovação do cartão de acesso, então o que é expectável e exigível é que a decisão do Diretor do Aeroporto siga o entendimento da PSP.

16) No que respeita ao quantum dos danos patrimoniais, a ser devida alguma quantia pela A........ (e não é), nunca poderia ela ser calculada com base num montante superior a € 889, remuneração mensal que o Tribunal a quo deu como prova da que o Recorrente auferia (cf. n.!? 14 da factualidade dada como provada na Sentença recorrida), para além de que, quanto às remunerações vincendas, tendo o cartão de acesso uma validade máxima de 3 anos (cf. ponto 3.4.3 da Deliberação 680/2000), então uma eventual indemnização teria sempre como limite temporal máximo aquele prazo - sob pena de, assim não sucedendo, se coloca r o Recorrente numa situação melhor do que aquela em que estaria se a atuação (alegadamente ilícita e culposa) não tivesse ocorrido.

17) Entende também a A........ não existir nexo de causalidade entre o ato impugnado e os danos patrimoniais: a causa direta desses danos não é a recusa de renovação do cartão de acesso, mas sim a decisão da sua entidade empregadora, a P......, SA, de proceder à suspensão do contrato de trabalho do Recorrente (cf. n.!? 5 da factualidade dada como provada na Sentença recorrida).

18) No que respeita aos danos não patrimoniais, nada na Sentença recorrida permite concluir pela sua existência, pelo que, não tendo o Recorrente impugnado a decisão sobre a matéria de facto contida na decisão recorrida, não poderiam esses danos, processualmente inexistentes, ser relevantes neste momento.

*

A recorrida P………. contra-alegou, concluindo assim:

A. A presente ação administrativa de impugnação de ato administrativo foi proposta pelo Autor, aqui Recorrente, contra a Ré A........, aqui Recorrida, não sendo a P...... configurada como parte na relação material controvertida.

B. A P...... é, face à composição do presente litígio, parte terceira e mera intermediária na relação entre o Autor, aqui Recorrente, e a Ré, ora Recorrida, sendo alheia a grande parte da factualidade em discussão nos presentes autos.

*

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, artigos 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.

Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

Remete-se para a factualidade constante da sentença recorrida, nos termos do artigo 663º/6 do CPC (“Quando não tenha sido impugnada, nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto, o acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria.”).

*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Não olvidando que o Direito Administrativo regula a atividade de administração pública, isto é, uma atividade estatal orientada para os interesses públicos e o bem comum (como definido pela lei fundamental e pela legislação infraconstitucional); e, tendo presente que a atividade de administração pública tem como características (i) ser uma atividade de conformação social ativa, (ii) através de medidas concretas que, (iii) orientadas pelo interesse geral e (iv) suportadas por dinheiros públicos, (v) se destinam à regulação de casos individuais e à materialização de determinados projetos de interesse geral nos termos da lei (cf. H. MAURER, Derecho Administrativo, Parte General, trad. da 17ª ed. de 2009, Marcial Pons, Madrid, 2011, § 1.-marg. 6 a 12, e § 8.-marg. 8; e MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.M., D. Adm. Geral, I, § 2 – margem 8; PAULO OTERO, Manual de D. Adm., I, pp. 64 ss; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., Primeira Parte, pp. 17 e 41; J. C. VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, na Introdução, nº 3.4; A Justiça Adm., Lições, 15ª ed., capítulo III, nº 1 e nº 2); concluímos que o princípio (fundamental) democrático e o princípio geral da prossecução do interesse geral ou bem comum são as principais diretrizes na utilização do método jurídico que se retira, i.a., das regras constantes dos artigos 9º a 11º do CC, de modo a se atribuir significado jurídico aos enunciados linguísticos das fontes de Direito administrativo. Dessa forma metodologicamente correta poderá o tribunal fazer valer o princípio fundamental da juridicidade administrativa (primazia da lei sobre todos os atos de administração pública; a lei como o pressuposto, o fundamento e o limite de toda a atividade de administração pública; vinculação particularmente intensa da atividade administrativa à legislação oriunda da reserva de lei parlamentar; princípio geral da discricionariedade administrativa limitada; ausência de presunção de legalidade da atividade administrativa; princípio fundamental da tutela jurisdicional plena e efetiva).

Passemos agora à análise do recurso.

São as seguintes AS QUESTÕES A RESOLVER contra a decisão recorrida:

- Erro de direito quanto ao valor probatório do parecer negativo da PSP (o ato impugnado tem ainda natureza sancionatória);

- Erro de direito quanto à atendibilidade dos factos referidos no parecer da PSP e adotados pela A........, estando em causa o bom nome do A. (artigo 26º da CRP);

- Erro de direito, por violação da presunção de inocência consagrada no artigo 32º/2 da CRP.

*

1 - Sobre o erro de direito quanto ao valor probatório do parecer negativo da PSP (o ato impugnado teria ainda natureza sancionatória). E sobre o erro de direito quanto à atendibilidade dos factos referidos no parecer da PSP e adotados pela A........, estando em causa o bom nome do A. (artigo 26º da CRP)

1.1.

O quadro legal essencial, no caso presente, é o seguinte:

DL nº 322/98:

Artigo 11º - Programas de segurança aeroportuários

1 - Os programas de segurança aeroportuários a estabelecer em cada infraestrutura aeroportuária constituirão o instrumento de aplicação das normas, recomendações e procedimentos de segurança estabelecidos e esquematizarão, em planos de contingência, as diversas situações de segurança.

2 - A elaboração dos programas referidos no número anterior é da responsabilidade, consoante a localização de cada infraestrutura aeroportuária, respetivamente do comando metropolitano, regional ou de polícia da PSP, com a participação da comissão aeroportuária respetiva, quando existente.

3 - Cabe ainda ao comando metropolitano, regional ou de polícia da PSP da área da respetiva infraestrutura aeroportuária a responsabilidade da preparação, com a participação das respetivas entidades envolvidas, dos planos operacionais que lhes dizem respeito e da sua execução, na medida dos meios postos à disposição para o efeito, e designadamente:

a) Determinar e coordenar as missões a desenvolver em cada situação;

b) Estabelecer o comando e supervisão do conjunto das ações respeitantes às várias situações.

4 - Os programas referidos no n.º 1 deste artigo merecerão o parecer prévio de concordância do presidente do conselho de administração do INAC e do comandante-geral da Polícia de Segurança Pública, sem prejuízo da sua sujeição ao regime de elaboração e aprovação previsto nos artigos 8.º, n.º 2, alínea c), e 13.º da Lei 20/87, de 12 de Junho.

Deliberação nº 680/2000 do INAC (in DR, II, de 09-06-2000)

2.2.3 — O acesso às áreas restritas e reservadas deverá ser concedido mediante a atribuição de um cartão do tipo permanente, temporário ou pontual, consoante as circunstâncias o determinem.

3.5 — Emissão:

3.5.1 — O INAC é o centro emissor dos cartões «Aeroportos Nacionais», competindo-lhe a guarda, conservação e atualização dos respetivos ficheiros.

3.5.2 — A PSP é o centro emissor dos cartões «Aeroporto», competindo-lhe a guarda, conservação e atualização dos respetivos ficheiros.

3.5.3 — Só serão emitidos cartões permanentes nas situações em que for demonstrada a existência de contrato efetivo de trabalho entre a empresa ou entidade empregadora do requerente e o empregado para o qual é requerido o direito de acesso, e fundamentada a necessidade de acesso solicitada

3.8.2 — Cartões «Aeroporto»:

3.8.2.1 — Cartões de acesso permanente:

3.8.2.1.1 — Têm direito a cartões de acesso permanente, para todas as áreas:

a) Diretor do aeroporto;

b) Assessor de segurança do aeroporto ou equivalente;

c) Chefes de divisão e de serviço da administração do aeroporto;

d) Comandante da divisão/secção da PSP;

e) Membros da Comissão Aeroportuária FAL/SEC;

f) Funcionários da alfândega;

g) Elementos da PSP, da Brigada Fiscal e do SEF, prestando serviço no aeroporto;

h) Representantes e chefes de escala das companhias de aviação que operam no aeroporto;

i) Elementos do Serviço de Socorros e do Serviço de Salvamento e de Luta contra Incêndios, sediados no aeroporto;

j) Funcionários do Serviço de Operações Aeroportuárias do aeroporto.

3.8.2.1.2 — Podem ainda ser atribuídos cartões de acesso permanente, em cada aeroporto às pessoas que exerçam atividade reconhecida para o efeito em áreas reservadas e restritas, devidamente identificadas.

3.8.2.1.3 — Os pedidos de cartão de acesso permanente do tipo «Aeroporto» serão dirigidos ao diretor do aeroporto respetivo, devidamente instruídos com os elementos de identificação do destinatário e com as razões que determinam a sua necessidade.

3.8.2.1.4 — Os pedidos referidos no número anterior deverão ser assinados por responsável da entidade requerente, que responderá pela veracidade do que houver declarado e pela devolução do cartão solicitado quando expire a sua validade ou quando ocorram as situações previstas no n.o 3.6 (cessação) deste regulamento.

3.8.2.1.5 — A autorização do diretor do aeroporto será precedida de parecer da PSP e, quando estiverem em causa atividades a desenvolver nas áreas controladas pelo SEF, alfândegas ou GNR/BF, também destas entidades.

Regulamento C.E. nº 300/2008:

Artigo 1º - Objetivos

1. O presente regulamento estabelece regras comuns para a proteção da aviação civil contra atos de interferência ilícita que ponham em causa a segurança da aviação civil. O presente regulamento estabelece igualmente a base para uma interpretação comum do anexo 17 da Convenção de Chicago sobre a Aviação Civil Internacional.

2. Os meios para a consecução dos objetivos estabelecidos no n.o 1 são os seguintes:

a) Estabelecimento de regras e normas de base comuns de segurança da aviação;

b) Mecanismos de controlo do cumprimento.

Artigo 2º/1

1. O presente regulamento aplica-se:

a) A todos os aeroportos ou partes de aeroportos situados no território dos Estados-Membros, que não sejam exclusivamente utilizados para fins militares;

b) A todos os operadores, incluindo transportadoras aéreas, que prestem serviços nos aeroportos referidos na alínea a);

c) A todas as entidades que apliquem normas de segurança da aviação, que operem a partir de instalações situadas no interior ou no exterior das instalações aeroportuárias e que forneçam bens e/ou prestem serviços aos aeroportos referidos na alínea a) ou através desses aeroportos.

Artigo 3º/2-15)

Definições para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

2) «Segurança da aviação», a combinação de medidas e de recursos humanos e materiais destinada a proteger a aviação civil contra atos de interferência ilícita que ponham em causa a segurança da aviação civil;

15) «Verificação de antecedentes», a verificação registada da identidade de um indivíduo, incluindo o eventual registo criminal, como parte da avaliação da sua aptidão para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança.

1.2.

Cremos que o recorrente, quando fala em valor probatório do parecer da PSP, se está a referir ao valor do documento em que baseou o parecer negativo da PSP.

Como é óbvio, o parecer da PSP tem aqui a natureza de parecer obrigatório não vinculativo.

Já o auto de notícia de factos praticados pelo autor numa loja comercial, utilizado no parecer da PSP, tem o valor dos autos de notícia policiais: fazem fé do seu teor factual.

No caso presente, consta do documento que o autor tentou cometer factos que integrariam um crime de furto, que foi “apanhado” em flagrante no local e que depois comprou os bens. Nada mais ocorreu, nomeadamente procedimento criminal.

O autor não o nega.

É um antecedente na posse administrativa da PSP. Não é registo de crime.

Ora, as disposições normativas aplicáveis e aplicadas não exigem que este tipo de cartão de aeroporto só possa ser não atribuído a quem não tenha cometido crimes, como tal declarados por um juiz. Exigem, sim, em geral, que se verifiquem os antecedentes, com o objetivo de se fazer a avaliação da sua aptidão para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança.

Portanto, é atendível a referida informação administrativa trazida à A........ pelo parecer da PSP.

E não vemos nenhuma violação clara de qualquer princípio geral de Direito Administrativo ou de qualquer princípio constitucional nessa atendibilidade para efeitos da avaliação da sua aptidão para aceder sem escolta às zonas restritas de segurança.

1.3.

Com efeito, esta avaliação cabe na discricionariedade administrativa em sentido amplo, na subespécie de margem de livre apreciação (cf. assim, i.a., MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.M., Direito Administrativo Geral, I, ed. Public. Dom Quixote, Lisboa, § 9; VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., 2011, p. 44).

É [1] um espaço jurídico de avaliação ou de decisão próprio da função administrativa, [2] decorrente de uma indeterminação conceitual ou estrutural da lei, [3] sujeito a uma fiscalização mais ou menos atenuada pelo juiz administrativo sem reexame, [4] que engloba apenas (i) as faculdades de ação concedidas pela lei, (ii) a apreciação na aplicação de “conceitos imprecisos de tipo” da lei ou de conceitos tipológicos (segundo W. SCHMIDT; exemplos: jurista de reconhecido mérito, filme de qualidade, adequada integração na paisagem, estética da povoação) e ainda (iii) os deveres de avaliação ou ponderação previstos na lei (correspondem às “valorações próprias do exercício da função administrativa”, a que se referem os artigos 71º/2 e 95º/5 do CPTA). (1) Nada tem a ver com o arbítrio ou com o princípio da liberdade (dos particulares), pois a função administrativa tem o seu guia na prossecução do interesse público.

É um espaço de liberdade, substantiva e funcionalmente jurídico, entrincheirado entre os princípios (i) da legalidade de administração, (ii) da separação das funções estatais e (iii) da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares.

Por isso, a fiscalização jurisdicional da validade de qualquer atividade de administração pública, incluindo o caso da discricionariedade administrativa em sentido estrito e o caso margem de livre apreciação administrativa (nos “atos administrativos predominantemente discricionários” e ou nos “atos administrativos de apreciação ou ponderação”), é feita [sob a égide (i) do princípio constitucional da legalidade de administração e, ainda, sob a égide dos princípios constitucionais (ii) da separação de poderes e (iii) da tutela jurisdicional efetiva], através da aplicação pelo juiz de vários filtros, limites internos da margem de livre decisão administrativa, ou (cf. VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., 2011, p. 50) “testes de juridicidade” como, por exemplo:

- o desacerto ou erro nos pressupostos de facto da concreta atividade administrativa, tendo o juiz a possibilidade de prova pericial nos termos gerais previstos na lei processual civil e na lei processual administrativa (quer seja atividade administrativa predominantemente vinculada à lei, quer seja atividade administrativa predominantemente não vinculada);

- o erro manifesto na concretização de alguns conceitos indeterminados, designadamente subjetivos, e nos juízos de valor sobre aptidões pessoais, nos juízos de prognose, nos juízos estratégicos, nos juízos com consequências políticas ou nos juízos estruturais de caráter organizativo (envolvem conceitos não classificatórios, pois os classificatórios são determináveis); é o controlo de razoabilidade do erro manifesto na motivação-explicação ou na “explicitação das considerações discricionárias” (na chamada discricionariedade cognitiva – cf. assim HARTMUT MAURER, Derecho Administrativo - Parte General, 2011, p. 272 e pp. 165-188), devendo recorrer-se a prova pericial, quando tal se justifique, isto é, nos termos gerais previstos na lei processual.

1.4.

Finalmente, cumpre sublinhar que é manifesto que o ato administrativo impugnado, da A........, não tem natureza sancionatória.

Trata-se simplesmente de uma autorização administrativa.

2 – Sobre o erro de direito, por violação da presunção de inocência consagrada no artigo 32º/2 da CRP

Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

Ora, é igualmente manifesto que o facto de a A........ não autorizar o autor – um não arguido - a entrar livremente nas áreas restritas do aeroporto, devido à cit. natureza administrativa – não criminal - do ato administrativo impugnado, nada tem a ver com culpabilidade ou inocência criminal.

Trata-se apenas do que referimos em 1.2.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas do recurso a cargo do recorrente.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 24-05-2018



Paulo Pereira Gouveia - Relator

Catarina Jarmela

Maria da Conceição Silvestre




1) A oportunidade da decisão administrativa refere-se à utilidade da concreta atuação administrativa para a melhor prossecução do interesse público legalmente definido. A conveniência da decisão refere-se à utilidade da concreta atuação administrativa para a prossecução do interesse público legalmente definido, à luz dos demais interesses públicos envolvidos. É isso o mérito da atividade administrativa, que o juiz não pode julgar, por oposição à legalidade dessa atividade que o juiz tem o dever de fiscalizar.