Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:716/04.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:INFRAÇÃO DISCIPLINAR
LEI DA AMNISTIA
Sumário:I- Estando em causa: (i) a aplicação de sanções disciplinares não superiores a suspensão; (ii) não constituindo a infração disciplinar simultaneamente ilícito penal não amnistiado pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto; (iii) e tendo sido, como foi praticada em data anterior a 2022-06-19, tal infração disciplinar encontra-se amnistiada, de acordo com o determinado no art. 2.º, n.º 1 e no art. 6.º do supra identificado diploma.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:

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I. RELATÓRIO:
J…………, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - TACL, contra o INSTITUTO DE HIGIENE E MEDICINA TROPICAL - UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA - UNL, ação administrativa em que pediu a anulação do ato do Magnifico Reitor daquela Universidade que decidiu aplicar-lhe a pena disciplinar de 30 (trinta) dias de suspensão, sem vencimento.
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O TACL, por Acórdão de 2009-03-13, julgou a presente ação improcedente: cfr. fls. 247 a 293 (numeração manuscrita, aposta no canto superior direito) de fls. 315 a 366 SITAF.

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Inconformado o A., ora recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCAS, no qual peticionou a revogação do Acórdão recorrido, para tanto, apresentando as respetivas alegações e conclusões: cfr. fls. 308 a 328 (numeração manuscrita, aposta no canto superior direito) de fls. 367 a 432 SITAF.

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Por seu turno a entidade demandada, ora entidade recorrida, apresentou as contra-alegações com as respetivas conclusões, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido com as devidas consequências legais: cfr. fls. 335 a 349 (numeração manuscrita, aposta no canto superior direito) de fls. 367 a 432 SITAF.

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O recurso foi admitido em 2009-07-17: cfr. fls. 351 (numeração manuscrita, aposta no canto superior direito) de fls. 367 a 432 SITAF.

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O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, ao abrigo do disposto no art. 146° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA, emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, concluindo em negar provimento ao recurso jurisdicional.
Notificadas as partes deste parecer nada disseram: cfr. fls. 361 a 365 (numeração manuscrita, aposta no canto superior direito) de fls. 37 a 50 SITAF.

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Notificadas as partes e o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ainda com a expressa menção de que nada dizendo, se entenderia por verificada a então mencionada impossibilidade superveniente da lide, ao caso concreto, apenas o EMMP e o recorrente se pronunciaram, declarando nada terem a opor à aplicação da Lei da Amnistia: cfr. fls. 444; 448; 451.

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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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II. OBJETO DO RECURSO:
Antes da apreciação e decisão das questões colocadas pelo recorrente, delimitadas pelo teor das alegações de recurso e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1, nº. 2 e nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), importa, aferir agora da aplicação, ao caso concreto, da invocada Lei da Amnistia: neste sentido vide v.g. Acórdão deste TCAS, de 2023-11-23, processo n.º 80/23.0BCLSB; art. 7º-A do CPTA e art. 130º do CPC ex vi art. 1º do CPTA; fls. 444.

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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
Remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto: cfr. art. 663º n.º 6 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA.

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B – DE DIREITO:
Aqui chegados e como sobredito, o A., ora recorrente, intentou no TACL ação administrativa visando a anulação do ato do Magnifico Reitor da UNL que decidiu aplicar-lhe a pena disciplinar de 30 (trinta) dias de suspensão, sem vencimento. Sendo que, por Acórdão de 2009-03-13, o TACL julgou a ação improcedente.


Sucede que, em 2023-09-01, entrou em vigor a supramencionada Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, cujo art. 6º tem o seguinte teor: “…São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar…”.


No caso dos autos, no processo disciplinar em que foi arguido o ora recorrente, foi-lhe aplicada, repete-se, a sanção disciplinar de 30 (trinta) dias de suspensão, sem vencimento, pelo que estando também em causa, como estão, factos anteriores a 2023-06-19; não sendo a sanção aplicada superior à suspensão disciplinar e os referidos factos não constituindo, simultaneamente, ilícito criminal não amnistiado, a infração disciplinar em causa encontra-se, pois, amnistiada: cfr. art. 1º, art. 2.º, n.º 2, al. b); art. 6.º, art. 7º e art. 14º todos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 7º-A e art. 8º ambos do CPTA e fls. 444.


Ademais, notificadas as partes e o EMMP da eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ao caso concreto, também o recorrente com tal possibilidade se conformou, posto que, pronunciando-se, expressamente, não recusou a aplicação referida amnistia: cfr. art. 11.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 7º-A do CPTA e fls. 451.


Acresce que, com inteira aplicação ao caso concreto: “… a amnistia da infração disciplinar em sentido próprio, é aquela que ocorre antes da condenação do trabalhador, refere-se à própria infração e faz extinguir o procedimento disciplinar.
Por sua vez, a amnistia em sentido impróprio, ou seja, a que ocorre depois da condenação, apenas impede ou limita o cumprimento da sanção disciplinar aplicada, fazendo cessar ou restringir a execução dessa sanção, bem como das sanções acessórias.
13. No caso presente, como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia aí prevista constitui uma providência que “apaga” a infração disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroativa da infração disciplinar, porquanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, que cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado e, consequentemente, eliminado do registo disciplinar do trabalhador…”: cfr. Acórdão do deste TCAS de 2023-10-12, processo 400/22.5BEBJA, disponível em www.dgsi.pt.


Dito de outro modo, não distinguindo entre amnistia própria e imprópria, objetivamente, o art. 6° da Lei n° 38-A/2023, de 2 agosto “apaga" a infração disciplinar, abolindo retroativamente a infração disciplinar aplicada, opera assim “ex tunc", incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, o qual cai em “esquecimento", tudo se passando como se não tivesse sido praticado, podendo, consequentemente, vir a ser apagado do registo disciplinar do trabalhador: cfr. Acórdão do STA, de 2023-12-20, processo n.º 0699/23.0BELSB; Acórdão do STA, de 2023-11-16, processo n.º 0262/12.0BELSB; Acórdão deste TCAS, de 2023-10-12, processo n.º 699/23.0BELSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt.; vide Direito Disciplinar Público – Comentário ao Regime Jurídico - Disciplinar da LTFP, Abel Antunes – David Casquinha, Rei dos Livros, 1.ª EDIÇÃO, setembro 2018, fls. 442 a 444.


Destarte, constituindo o objeto do presente recurso a decisão que julgou a ação improcedente e que manteve a sanção disciplinar de 30 (trinta) dias de suspensão, sem vencimento, tal reclama declarar agora amnistiada a referida infração disciplinar por força do art. 2º n.º 1 e art. 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.


Consequente e logicamente, com o “desaparecimento” da referida infração disciplinar de suspensão cairá o ato punitivo que sancionou o recorrente, tornando, pois, impossível o prosseguimento da presente lide recursiva, por aquele ato punitivo ter deixado, entretanto, de ter existência jurídica: cfr. art. 2.º, n.º 2, al. b); art. 6.º, art. 11º e art. 14 º todos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 277º al. e) do CPC ex vi art. 1º CPTA; art. 7º-A do CPTA.


Donde, em linha ainda com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo - por com a mesma se concordar e por ter inteira aplicação ao caso concreto - igualmente se conclui aqui, que a: “… amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, tem eficácia ex tunc, e faz desaparecer o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a pena disciplinar…”: cfr. Acórdão do STA, de 2023-11-16, processo n.º 0262/12.0BELSB e Acórdão do STA, de 2023-12-20, processo n.º 0699/23.0BELSB disponível em www.dgsi.pt..

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DAS CUSTAS:
Verificando-se uma situação de amnistia, como aquela que ocorre nos presentes autos, aplica-se quanto a custas processuais, o disposto no art. 536.º n.º 2 al. c), do CPC ex vi art. 1º do CPTA.

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III. DECISÃO:
Nestes termos, e pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em declarar amnistiada a infração disciplinar pela qual o aqui recorrente foi condenado e julgar extinta a presente instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide.
Custas a cargo do recorrente e da entidade recorrida em partes iguais.

24 de abril de 2024
(Teresa Caiado – relatora)
(Luis Borges Freitas –1º adjunto)
(Maria Julieta França – 2º adjunta)