Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:539/19.4BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DE ATOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA; RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA;
ESTATUTO DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO; CRIMES DESONROSOS; INIDONEIDADE.
Sumário:I. O foco do incidente previsto nos n.os 3 a 6 do artigo 128.º do CPTA centra-se nos atos de execução indevida, sendo certo que o seu julgamento implica a apreciação incidental das razões em que se fundamenta a resolução fundamentada.
II. Por se tratar, antes do mais, de uma pronúncia sobre os atos de execução, o incidente apenas pode ser suscitado após a prática dos mesmos, que devem estar devidamente identificados, cabendo ao requerente demonstrar a sua verificação.
III. A prática comprovada de crimes desonrosos, que leva à consideração de inidoneidade, anteriormente prevista no artigo 78.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores e presentemente no artigo 106.º, n.º 3, al. a), do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, tanto pode respeitar a ilícitos criminais praticados no exercício das funções de solicitador, como fora delas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


A........ instaurou providência cautelar para suspensão de eficácia de ato administrativo contra a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, peticionando a suspensão de eficácia do acórdão do Conselho Superior da entidade demandada, no qual foi deliberado o cancelamento da inscrição da requerente em virtude da sua falta de idoneidade.

A entidade demandada apresentou resolução fundamentada, requerendo o reconhecimento de que o diferimento da execução do referido acórdão é gravemente prejudicial para o interesse público.

A requerente suscitou incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, peticionando se considere infundada a resolução fundamentada, se revogue o ato administrativo e se suspenda a execução da decisão contestada.

Citada, a entidade requerida pugnou pela improcedência do incidente.

Por decisão de 19/07/2019, o TAF de Sintra julgou procedente o incidente de ineficácia dos atos de execução indevida.

Inconformada, a entidade requerida interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A) O despacho de 19 de julho de 2019 veio decidir dar procedência ao incidente de ineficácia dos atos de execução indevida, mas o mesmo não procede por três razões essenciais: (i) a Condenação da Recorrida deu-se por factos que praticou no exercício da profissão, e inexiste prova no sentido contrário; (ii) o Estatuto da OSAE permite a punição e a não inscrição de profissionais por factos não diretamente relacionados com o exercício da profissão; (iii) a fundamentação da Resolução Fundamentada foi adequada e não se baseou em juízos genéricos e conclusivos.
B) Antes de mais, (i) a decisão de procedência do incidente de ineficácia dos atos de execução indevida assume, sem quaisquer hesitações, que os factos pelos quais a Recorrida foi condenada em processo-crime foram praticados fora do exercício das funções de solicitadora.
C) Ora, esse pressuposto de facto foi desde logo impugnado pela Recorrente na sua oposição, como se pode perceber através da leitura dos artigos 10 a 14 daquela peça processual, pelo que não é de todo um facto assente o arguido pela Recorrida.
D) No entanto, o tribunal a quo, sem fazer qualquer instrução, sem citar documentos, sem ouvir testemunhas, sem, no fundo, justificar a sua posição, dá como adquirida a alegação da Requerente, ora Recorrida, sem qualquer dado instrutório nesse sentido.
E) Mas, efetivamente, a Sentença que condenou a Recorrida reconheceu que os atos foram praticados no exercício da profissão – veja-se o processo administrativo junto com a oposição, designadamente a partir da página 3 da Sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca da Maia, ou a decisão final do processo disciplinar.
F) A decisão aqui em crise parece confundir atos próprios da profissão com atos praticados no exercício da profissão; o certo é que a Recorrida apenas pôde praticar os crimes pelos quais foi condenada porque estava na empresa lesada ao abrigo da sua profissão de solicitadora e só por causa das responsabilidades que lhe foram cometidas para esse exercício é que tinha livre acesso, por exemplo, aos cheques e outros documentos contabilísticos da empresa em causa.
G) Por outro lado, (ii) o Estatuto permite que a inscrição seja recusada a quem tenha sido condenado pela prática de crime desonroso para o exercício da profissão.
H) Ora, se se trata de impedimento à inscrição, é óbvio que se trata de crimes exercidos fora do exercício da profissão pois que o candidato em causa não é, manifestamente, solicitador!
I) Pelo que se se permite que vejam a sua inscrição recusada aqueles que, antes de serem solicitadores, praticaram crime desonroso para a profissão, por maioria de razão, aqueles que já são solicitadores e que praticaram crimes que são desonrosos para a profissão podem (ou devem) ver a sua inscrição cancelada – ainda que, neste caso, os crimes tenham sido cometidos por causa e durante o exercício da profissão.
J) Por fim, (iii) quanto à fundamentação da Resolução Fundamentada, a condenação transitada em julgado pela prática dos crimes de furto, falsificação de documento, burla simples e abuso de confiança é um sinal muito consistente de que alguém não possui idoneidade moral para o exercício da profissão.
K) E quando se fala de idoneidade, fala-se de um traço de caráter, ou de um conjunto de qualidades humanas que se verificam a todo o tempo – ou, como é o caso, que não se verificam a todo o tempo.
L) Mas a verdade é que quando se está perante uma situação de inidoneidade moral, que é algo que uma pessoa transporta (ou não) a todo o tempo, um dia de exercício da profissão é tão pernicioso como um mês ou um ano; a mera permanência no ativo de alguém cujas penas criminal e disciplinar transitaram em julgado por crimes cometidos no exercício da profissão e que são especialmente inaceitáveis atendendo à confiança que os solicitadores devem gerar na comunidade, é um grave prejuízo para o interesse público, hoje, amanhã ou dentro de 6 meses.
M) Termos em que a fundamentação da Resolução Fundamentada é mais do que suficiente e não se apoia em considerações genéricas e conclusivas, como se pode ver pela leitura, por exemplo, dos seus pontos 22, 23, 26, 30 ou 31.
N) Assim, a Recorrente explicou com o detalhe máximo possível porque não pode permitir que a Recorrida se mantenha no exercício da profissão, pelo risco, concreto e grave, que a sua atuação encerra, risco que é tão mais significativo quanto mais demorar o presente processo cautelar.”

A requerente apresentou contra-alegações, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. Bem decidiu o Tribunal a quo ao dar provimento ao incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida,
2. visto que o invocado na Resolução Fundamentada formulada pela Recorrente não preencheu o requisito legal, que seria demonstrar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público,
3. o que decorre de tudo o alegado supra, começando pela circunstância de o Tribunal não ter intencionalmente feito a notificação do teor da sentença condenatória, tal como estava obrigado,
4. como pelo facto de a Recorrente ter demorado seis anos para decidir pela inidoneidade, nada tendo diligenciado durante esse período de tempo no sentido de suspender a actividade da ora Recorrida, se fosse esse o caso – e não foi, não se compreendendo porque é que durante seis anos não houve o risco de prejuízo para o interesse público e agora considera haver.
5 como ainda pelo tempo entretanto decorrido desde os factos: doze anos, período durante o qual à Recorrida na pode ser apontado, quer disciplinar quer criminalmente.
6 Tudo por que deverá o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se válido o douto Despacho que considerou infundada a Resolução Fundamentada apresentada pela Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, ora Recorrente, com as inerentes consequências.”

A Exma. Sra. Procuradora-Geral-Adjunta em funções neste Tribunal entende que a resolução fundamentada não trouxe aos autos factos demonstrativos da verificação de grave dano para o interesse público, sendo de parecer que tem de ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, por esta não ter violado os artigos 120.º e 128.º do CPTA.
*

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, ao julgar procedente o incidente de ineficácia dos atos de execução indevida, por serem improcedentes as razões alegadas na Resolução Fundamentada.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*

Consta dos autos de providência cautelar com o n.º 539/19.4BELSB (SITAF), nos quais foi decidido o incidente aqui em causa, o seguinte:
1. No dia 05/11/2018, o Conselho Superior da recorrente proferiu acórdão, através do qual manteve a decisão de cancelamento da inscrição da recorrida por falta de idoneidade para o exercício da profissão.
2. No dia 25/03/2019, a recorrida instaurou no TAF de Lisboa providência cautelar para suspensão de eficácia de ato administrativo contra a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, peticionando a suspensão de eficácia do referido acórdão, dando origem ao processo n.º 539/19.4BELSB.
3. No dia 07/06/2019, a recorrente juntou resolução fundamentada a este processo, reconhecendo que o diferimento da execução do referido acórdão é gravemente prejudicial para o interesse público.
4. No dia 19/06/2019, a recorrida suscitou no referido processo incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, peticionando se considere infundada a resolução fundamentada, se revogue aquele ato administrativo e se suspenda a execução da decisão contestada.
5. No dia 01/07/2019, a recorrente pronunciou-se no sentido do indeferimento deste incidente.
6. No dia 05/07/2019, a recorrida requereu a notificação da recorrente para juntar aos autos cópia das notificações que enviou ao Citius, à entidade que gere o e-mail da Ordem, Registo Online de Atos de Solicitadores e aplicação Solipred no sentido de bloquear o acesso da Requerente; e caso o não faça no prazo que for concedido pelo Tribunal, requer sejam notificadas aquelas entidades, diretamente, no sentido de informarem quando, como e por quem foram notificados para bloquear o acesso da recorrida.


No presente recurso jurisdicional vem impugnado o despacho proferido em 19/07/2019, que julgou procedente o incidente de ineficácia dos atos de execução indevida, por serem improcedentes as razões alegadas na Resolução Fundamentada.

Cumprindo apurar se incorreu, assim, em erro de julgamento.
Num primeiro passo, considerou-se na decisão recorrida que “o sujeito visado foi notificado do ato administrativo impugnando e suspendendo, não foi notificado da execução material desse ato, –não estamos a dizer que devesse ter sido--, e, por conseguinte não o pode identificar com precisão e rigor, em concreto, ao tribunal, no seu requerimento, mas não tem dúvidas da sua existência e dos efeitos externos na sua esfera jurídica”, para em seguida concluir que “[h]á, em suma, fundamento bastante para se entender pertinente a suscitação do incidente de ineficácia dos atos de execução indevida.”

E num segundo passo, concluiu-se que não resultava do teor da resolução fundamentada a demonstração de que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público. Por se entender que não cabe à entidade demandada “o poder de sancionar, em substituição do Estado, fora do estrito âmbito do exercício da respetiva atividade, [p]elo que, salvo o devido respeito, não se vislumbra onde é que se mostre gravemente prejudicado, em concreto, o interesse público, com o diferimento da execução de um ato, aliás questionado e a sindicar”.

A recorrente assenta a sua discordância relativamente ao decidido em três pontos:
- a condenação da recorrida deu-se por factos que praticou no exercício da profissão;
- o estatuto da entidade demandada permite a punição e a não inscrição de profissionais por factos não diretamente relacionados com o exercício da profissão;
- a fundamentação da Resolução Fundamentada foi adequada e não se baseou em juízos genéricos e conclusivos.

Com o que dissente a recorrida, por considerar que o invocado na Resolução Fundamentada não demonstra que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, pois o Tribunal da condenação criminal não notificou a Ordem do respetivo teor, a recorrente demorou seis anos a decidir pela inidoneidade da recorrida e decorreram doze anos desde a prática dos factos.

Conforme já enunciado, os presentes autos respeitam a um incidente de ineficácia de atos de execução indevida, que se encontra previsto no n.º 4 do artigo 128.º do CPTA.

Prevê este artigo, sob a epígrafe ´proibição de executar o ato administrativo’, o seguinte:
“1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve a entidade administrativa e os contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.”

Resulta claramente da lei que o foco do presente incidente, previsto nos n.os 3 a 6 do citado artigo, centra-se no(s) ato(s) de execução indevida e não numa (suposta) impugnação da resolução fundamentada. Sem que se olvide que, no âmbito do incidente, cabe ao Tribunal apreciar as razões em que se fundamenta a resolução e, julgando-as improcedentes, cumpre considerar indevida a execução.

Nas palavras de Mário Aroso de Almeida (Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 438), “o juiz procede, no âmbito do incidente, à apreciação incidental da resolução fundamentada emitida, em ordem a pronunciar-se sobre os atos de execução praticados (…) Mesmo que seja emitida uma resolução fundamentada manifestamente infundada, o interessado, tem, pois, de aguardar pacientemente que ela seja objeto de execução (…) para poder reagir”.

Por se tratar, antes do mais, de uma pronúncia sobre os atos de execução, o incidente apenas pode ser suscitado após a prática dos mesmos, que devem estar devidamente identificados, cabendo ao requerente demonstrar a sua verificação.

No sentido propugnado se tem orientado reiteradamente a jurisprudência do STA, vejam-se os acórdãos de 28/10/1998, proc. n.º 44007, de 24/02/2000, proc. n.º 45366, de 24/09/2009, proc. n.º 0821/09, de 09/07/2014, proc. n.º 0561/14, de 25/09/2014, proc. n.º 0799/14, e de 06/11/2014, proc. n.º 0858/14; assim como este TCAS nos acórdãos de 25/11/2010, proc. n.º 6759/10, de 01/06/2011, proc. n.º 7302/11, de 02/02/2012, proc. n.º 8311/11, e de 16/02/2017, proc. n.º 283/16.4BELLE-A, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/. Como se assinala no citado aresto do STA de 24/09/2009, “[a] circunstância de a Administração emitir uma resolução fundamentada nos termos do art. 128º, n.º 1, do CPTA não possibilita, «ipso facto», a dedução do incidente que a acometa; e compreende-se que assim seja, pois o que fere os interesses do requerente da suspensão não é a mera presença dessa pronúncia administrativa, mas os actos de execução que porventura se lhe sigam. Aliás, é óbvio que importa distinguir o pedido incidental dos seus fundamentos: à luz do art. 128º, o único alvo a atacar pelo requerente da suspensão consiste em «actos de execução»; já os fundamentos desse ataque consistem numa «execução indevida» – e «indevida» porque os actos não foram precedidos de uma resolução qualquer ou, tendo-o embora sido, porque ela não foi capazmente fundamentada.”

No caso em apreciação, ao suscitar o presente incidente, a requerente limitou-se singelamente a invocar no último ponto (18.º) do seu articulado: “[f]inalmente, importa referir que, na prática, a execução do ato administrativo teve já início mesmo antes da apresentação da Resolução Fundamentada, com o bloqueio por parte da Requerida do acesso ao Citius e a outras plataformas, impedindo-a, na prática, de exercer a sua atividade enquanto Solicitadora.”

Facto que deixou por demonstrar, tendo a entidade demandada, nos pontos 6 a 10 da resposta que apresentou, invocado que esse bloqueio não se encontra provado, nem lhe pode ser diretamente imputável, desconhecer o que sejam as outras plataformas ali indicadas e que a requerente não especifica minimamente os pretensos atos de execução.

E tem razão. Como aí se observa, não são enunciadas as circunstâncias de tempo, modo e lugar que permitiriam ao Tribunal verificar se estamos perante um ato de execução e aferir da sua legalidade, designadamente em função da data da sua prática.

É verdade que a recorrida solicitou ao tribunal que se notificasse a recorrente para juntar aos autos cópia das notificações que enviou a determinadas entidades, e que estas fossem notificadas para informarem quando, como e por quem foram notificados para bloquear o acesso da recorrida.

Ao que se deu resposta na decisão objeto de recurso, observando que não era necessário proceder a tais diligências, por se tratarem de atos de execução concretos e claramente identificáveis.

Ora, como resulta do já exposto, a concretização e identificação destes atos ficou por demonstrar, sendo de notar que podia perfeitamente a recorrida concretizar o(s) momento(s) em que deixou de ter acesso à(s) referida(s) plataformas, o que não fez.

Incumprido este ónus, desde logo se encontra votada ao insucesso a pretensão da requerente.

Ademais, como salienta a recorrente, outros obstáculos impedem a sua procedência, como de seguida se enunciará.

Não se mostra assente que os factos pelos quais a recorrida foi condenada em processo-crime tenham sido praticados fora do exercício das funções de solicitadora, mas o discurso fundamentador da decisão objeto de recurso estriba-se nessa premissa.

Ainda que assim não fosse, a prática comprovada de crimes desonrosos leva à consideração de inidoneidade, anteriormente prevista no artigo 78.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril), e presentemente no artigo 106.º, n.º 3, al. a), do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro), que agora elenca tais crimes no respetivo n.º 4. O que tanto pode levar à recusa como ao cancelamento da inscrição do associado considerado inidóneo para o exercício da atividade profissional (78.º, n.os 1 e 2, do ECS, e 106.º, n.º 2, do EOSAE).

Ou seja, à evidência, se a prática de crime pode servir para vedar o acesso à profissão, para a consideração de inidoneidade podem estar em causa ilícitos criminais praticados fora do exercício das funções de solicitador.

Finalmente, não se afiguram de julgar improcedentes as razões em que se fundamenta a resolução em causa, posto que assentam nos factos que levaram à condenação da recorrida, transitada em julgado, pela prática dos crimes de furto, burla, abuso de confiança e falsificação de documento, que constam do referido elenco de crimes desonrosos.

O que sempre levaria ao insucesso da pretensão da recorrida.

Em suma, o presente recurso procede, sendo de revogar a decisão recorrida e julgar improcedente o incidente de ineficácia dos atos de execução indevida.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente o incidente de ineficácia dos atos de execução indevida.

Custas a cargo dos recorridos, sem prejuízo da dispensa de pagamento da taxa de justiça – artigo 7.º, n.º 2, do RCP.
Lisboa, 10 de dezembro de 2019.

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Cristina dos Santos)


(Sofia David)