Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1068/13.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IMPUGNAÇÃO
IMPOSTO SELO
VERBA 28.1 TGSI
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
Sumário:I - A verba 28 da TGIS não faz qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical, sendo que o valor patrimonial tributário (VPT) a ter em conta é o que consta da matriz, avaliado nos termos do Código de Imposto Municipal de Imóveis (CIMI).

II - O imposto de selo, no âmbito de aplicação da regra da verba n.º 28.1 da TGIS, incide em prédios urbanos ou determinadas partes autónomas desses prédios se estes, eventualmente, tiverem um VPT superior a € 1.000.000,00 e não em partes do prédio em propriedade vertical, cujos andares susceptíveis de utilização autónoma não tenham um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A I... - GESTÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, SA, em representação do B... - F..., do I...- F... e do I... - F..., por si geridos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações de Imposto do Selo (IS) que incidiram sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 que os fundos por si geridos foram objecto em março de 2013.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Atendendo ao facto de o valor patrimonial das fracções autónomas em causa ser inferior a € 1.000.000,00, afigura-se-nos não ser aplicável às mesmas o disposto na verba 28° da TGIS, pelo que douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei, tendo violado o disposto na verba n.° 28.1 da TGSI - vd. supra n.°s 1 a 8;

2.ª A douta sentença enferma de erros de julgamento, sendo manifesto que as liquidações cuja declaração de ilegalidade foi pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.° 28.1 da TGSI, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação ex vi dos arts. 99°/1/a) e 100.° do CPPT e artigo 135.° do CPA. - vd. supra n.°s 9 a 10;

3.ª Os actos de liquidação sub judice consubstanciados nos critérios associados à verba 28.1 da TGSI são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade previsto nos artigos 13.° e 104.°, n.° 3 da CRP (vd. art. 99.° do CCPT) - vd. supra n.°s 11 a 12.

NESTES TERMOS,

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.”

3. A recorrida, FAZENDA PÚBLICA, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por às fracções autónomas em causa, com valor patrimonial tributário (VPT) inferior a € 1.000.000,00 não ser aplicável a verba n.º 28 da TGIS e ­­­­se esta norma padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) Em 31-03-2013, foi emitido em nome de B... - F... o seguinte documento relativo à verba 28.1 da TGIS referente ao ano de 2012:


«Imagem no original»


2) Na mesma data foi emitida em nome de I... - F... os seguintes documentos relativos à verba

«Imagem no original»


3) Em 24-04-2013, as quantias referentes à 1a prestação, descritas em 1) e 2), foram pagas (cf. Docs. juntos à PI a fls. 1 a 35 do SITAF);

4) Em 20-06-2013, deram entrada os presentes autos (cf. registo do SITAF).


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Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.

*

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, assim como nos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA.

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2. DE DIREITO

A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida imputando-lhe erro de julgamento de direito, por as liquidações cuja declaração de ilegalidade foi pedida enfermam de vício de violação da verba n.° 28.1 da TGSI, por erro sobre os pressupostos de direito e de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.

Vejamos, então.

Relativamente à suscitada inconstitucionalidade a Recorrente limita-se a reproduzir os argumentos já aduzidos na petição inicial, de que os critérios da verba n.º 28.1 da TGSI viola o princípio da igualdade tributária, sem que tenha atacado os fundamentos da sentença na apreciação desta questão, que remeteu para a argumentação expendida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11/11/2015, que transcreveu.

Efectivamente, o Tribunal Constitucional, que é o órgão jurisdicional a quem está cometida a competência específica para apreciar das questões da constitucionalidade das normas, já se pronunciou sobre a invocada violação em termos negativos.

Entendemos, tal como o tribunal a quo, seguir a jurisprudência acolhida pela maioria dos acórdãos do Tribunal Constitucional (vide por todos Acs. do TC n.º 590/2015, n.º 568/2016 e 70/2017, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Relembramos a fundamentação expendida pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 590/2015, no segmento em que se pronunciou sobre a constitucionalidade da verba n.º 28 da TGIS, em face do principio da igualdade:

[...] Temos, então [...] o Tribunal a apreciar a conformidade constitucional da norma constante da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.0 da Lei n.0 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a (euro)1.000.000,00, no confronto com os princípios constitucionais da igualdade, capacidade contributiva e proporcionalidade. [...]

Princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva

12 - Passemos, então, a apreciar o parâmetro de constitucionalidade a que a recorrente dedicou a maior parte da sua argumentação, fundada nos princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva (artigos 130, 103.° e 104.° da Constituição).

O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.° da Constituição), encontra concretização "na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos [...]; por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos" (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.a edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: "Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)" (Direito Fiscal, 7.a edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva "de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto" (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157). 

Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.º 84/2003:

«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de "uniformidade" - o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério - preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos - dos "impostos fiscais" mais precisamente - se deverá fazer segundo a capacidade económica ou "capacidade de gastar" [...] de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). [...] Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a "capacidade contributiva" continua a ser um critério básico da nossa "Constituição fiscal" sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 1030 e 1040 da CRP [...]».

Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.0 711/2006, «é claro que o "princípio da capacidade contributiva" tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo [...] - como proibição do arbítrio».

Em suma, na síntese do Acórdão n0 695/2014, "o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional".

13 - A argumentação da recorrente coloca-se neste último plano, respondendo negativamente à interrogação sobre a razão de ser da tributação sindicada, fundamentalmente por assumir, na sua ótica, caráter assistemático e arbitrário, a partir da consideração de que a tributação do património imobiliário deveria ser feita em sede de IMT e IMI, e por discriminar sem fundamento racional contribuintes com a mesma capacidade contributiva. Sem razão, adiante-se.

14 - Desde logo, da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de fator de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cf., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos n.0 353/2010 e 324/2013).

Note-se, ainda assim, que a incidência do Imposto do Selo, marcado pela heterogeneidade, remete aqui, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, mormente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de "taxa adicional do IMI", dirigido a "discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes" (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que o reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional.

15 - Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido "princípio da equidade social na austeridade".

A recorrente afirma que a norma em apreço é "iníqua" e avança com dois casos hipotéticos que, na sua ótica, tornam patente a violação dos princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva.

15.1 - O primeiro caso compara dois contribuintes, em que um possui "um património no valor de cerca de um milhão e 250 mil euros" e suporta Imposto do Selo por via da norma de incidência da verba n.0 28, e outro que, por "possui[r] património no valor de 20 milhões de euros mas não tem, nesse acervo, qualquer imóvel com valor patrimonial tributário superior a 1 milhão" não suporta qualquer tributação. Daí decorre, sustenta, "desigualdade vertical" entre contribuintes sem razão justificativa.

Porém, a comparação proposta não encontra cabimento, pois afasta-se, no tertiumcomparationis eleito, da estrutura da norma em análise. A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba n.0 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

15.2 - Cabe referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104°, n.0 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar. Pode, como aponta CASALTA NABAIS, em prossecução de tal objetivo constitucional, "proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adotando taxas progressivas" (ob. cit., pág. 436). E, mesmo que se possa extrair do princípio da capacidade contributiva um modelo de imposto geral sobre o património com uma base tributável alargada a todas as manifestações de riqueza, os obstáculos de praticabilidade que se lhe opõem são suscetíveis de conduzir na realidade à criação de desigualdades entre os contribuintes. Como refere SÉRGIO VASQUES (Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, in Fiscalidade, 2005a, n.° 23, pág. 44):

«[A]í onde se instituíram impostos desta natureza - e não são muitos os casos - a sua aplicação tem sido viciada pela fraude mais grosseira, produzindo-se com isso uma desigualdade entre os contribuintes que se não pode tolerar. A igualdade de um imposto mede-se pelos resultados da sua aplicação e quando o legislador saiba de antemão que não pode tributar uma qualquer manifestação de riqueza com igualdade efetiva, deve então abster-se de a sujeitar a imposto.

Podemos por isso concluir dizendo que o princípio da capacidade contributiva possui um conteúdo útil e preciso na conformação dos impostos sobre o património mas que o modelo para o qual aponta, o do imposto sobre o património líquido global, produz na prática quebras de igualdade maiores do que os ganhos que traz. Quando se afirma que não há espaço nos sistemas fiscais modernos para um imposto sobre o património global ao lado do IVA e do imposto sobre os rendimentos pessoais isso será bem verdade - não por força do princípio da capacidade contributiva, que o reivindica, mas por razões de praticabilidade que lhe são estranhas.»

15.3 - Assim sendo, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material carece de ser referida à unidade prédio afeto à habitação, o que importa a conclusão de que no primeiro caso não existe discriminação arbitrária entre contribuintes na operação uniforme do critério substantivo relevante, traduzido na atribuição a cada prédio com afetação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a (euro)1.000.000,00.

Como, ainda, persiste uma efetiva conexão entre a prestação tributaria e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, sem infringir o princípio da capacidade contributiva, cujo alcance, não sendo excluído, diminui no âmbito da tributação do património, face ao que acontece na tributação sobre o rendimento (assim, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2011, pág. 254). Com efeito, a recorrente não disputa que o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto é atingido apenas pelos prédios urbanos de vocação habitacional de mais alto significado económico, exteriorizando níveis de riqueza correspondentes aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa.

15.4 - O segundo caso, segundo a recorrente demonstrativo de desigualdade no plano horizontal, compara a tributação que lhe foi imposta, como proprietária de prédio cujo valor patrimonial tributário ultrapassa "por pouco" o montante de (euro)1.000.000,00, com a não tributação de um contribuinte hipotético que fosse proprietário de 10 imóveis, cujo valor patrimonial tributário se situasse em (euro)990.000,00.

Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite - positivo ou negativo - de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão.

Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador. (Ac. do Tribunal Constitucional n.° 590/2015, de 11-11-2015, publicado no Diário da República n.° 247/2015, Série II de 2015-12-18).

Como a Recorrente se limita a reproduzir o já alegado na petição inicial, não arguindo qualquer vício ou erro de julgamento à sentença recorrida nesta questão, sendo certo que o Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com aplicação ao caso dos autos, entendemos que é de manter a sentença recorrida nesta parte que decidiu em conformidade com o acórdão do Tribunal Constitucional (artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), pelo que improcede este fundamento de recurso.

A questão agora a apreciar consiste em saber se para efeitos de tributação em sede de Imposto de Selo, no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS, no caso de um prédio com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente (propriedade horizontal e propriedade vertical), que integram o património das representadas da Recorrente, se deve atender ao valor patrimonial tributário do conjunto das unidades do prédio ou apenas ao valor de cada unidade.

Atentemos no regime jurídico aplicável.

A Lei n.º 55.º-A/2012, de 29 de Outubro veio alterar o artigo 1.º do Código do Imposto de Selo (CIS) e aditou a verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), criando uma nova realidade sujeita a imposto de selo.

O artigo 6.º do referido diploma dispõe:

1 – Em 2012, dever ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto de selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código de Imposto de Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes: (…)

2) – Em 2013, a liquidação do imposto de selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano. (…)

Por sua vez, preceitua a verba n.º 28 do TGSIS:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI………. 1% (…).

Estabelece, ainda, o n.º 2, do artigo 67.º do CIS Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.

A questão a decidir nos presentes autos, com base nas normas jurídicas acabadas de citar, consiste em saber se os prédios com um único artigo matricial, mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes e a que foram atribuídos independentes Valores Patrimoniais Tributários, com valor, cada uma, inferior a € 1.000.000,00, estão abrangidos pelo âmbito da verba n.º 28.1 da TGIS.

Sobre esta questão, relativa à incidência do IS no âmbito de aplicação da verba n.º 28 do RGIS, tem vindo o Supremo Tribunal Administrativo a pronunciar-se de forma unânime, de que são exemplo os Acs. do STA de 09/09/2015, proc. n.º 047/15, de 04/05/2016, proc. 0166/16, de 30/11/2016, proc. n.º 01097 e de 30/01/2019, proc n.º 02573/14, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Louvamo-nos por todos no acórdão do STA, de 30/11/2016, proferido no processo n.º 01097, que sufragamos na íntegra, cuja fundamentação transcrevemos de seguida:

«Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a dimensão constitucional desta norma à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, tendo concluído que, a norma constante da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não é inconstitucional, por todos o acórdão 247/2016, datado de 04.05.2016. (…)

O legislador ao redigir a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%; (…)”, não efectuou qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e prédios em regime de propriedade total, reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, pelo que não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência.
Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, constituídos por partes susceptíveis de utilização independente as quais têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, pois, para efeitos de liquidação e arrecadação de IMI tais partes com utilização independente são tidas como independentes e, a circunstância de estarem de facto reunidas no mesmo imóvel nenhuma diferença introduz na sua determinação, não havendo um IMI total, a liquidar por correspondência à soma dos diversos VPT a que respeite o mesmo artigo matricial, como decorre do art. 12.º do n.º 3 do Código do IMI.

Nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o Código do IMI» o que não nos conduz a diversa interpretação dado que analisando as normas do Código do IMI verificamos que os prédios em propriedade vertical dispõem de uma inscrição matricial idêntica àqueles que estão constituídos em propriedade horizontal com atribuição de um único artigo matricial que se desdobra nas diversas fracções autónomas que o compõem, como, neste caso se desdobra em cada uma das partes com utilização independente.

Face à matéria provada verifica-se que nenhuma das partes do imóvel com utilização independente e destinadas à habitação têm um VPT superior a € 1.000.000,00.
Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de selo, cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal anteriormente referido.»
(disponível em www.dgsi.pt/).

Prosseguindo.

Conforme decorre do exposto, a verba 28 da TGIS não faz qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical, sendo que o valor patrimonial tributário (VPT) a ter em conta é o que consta da matriz, avaliado nos termos do Código de Imposto Municipal de Imóveis (CIMI).

Portanto, o IS relativo a propriedade horizontal e total/vertical deve incidir sobre o VPT relativo a cada uma das partes com susceptibilidade de utilização independente, cujo valor patrimonial tributário determinado nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

O imposto de selo, no âmbito de aplicação da regra da verba n.º 28.1 da TGIS, incide em prédios urbanos ou determinadas partes autónomas desses prédios se estes tiverem um VPT superior a € 1.000.000,00 e não em partes do prédio em propriedade vertical, cujos andares susceptíveis de utilização autónoma não tenham um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.

Como resulta da matéria de facto dada como assente na sentença sob recurso, estão em causa 6 actos de liquidação.

Mais consta dos autos que a Recorrente representa nos presentes autos, “B... – F...”, proprietário do prédio inscrito na matriz predial urbana inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cascais, sob o artigo U…, com o VPT de € 1.220560,00. Relativamente a este prédio a Administração Tributária emitiu a liquidação de imposto de selo do ano de 2012, em 21/3/2013, ao abrigo da verba n.º 28.1 da TGIS, o imposto foi repartido em três vezes, cujo prazo de pagamento da 1.ª prestação terminou em Abril/2013 e foi paga em 24/04/2013 (ponto 1 e 3 do probatório).

A Recorrente representa ainda nos presentes autos “I… – F...”, proprietário do prédio inscrito na matriz predial urbana inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Estoril, sob o artigo U-…, composto por 5 unidades susceptíveis de utilização independente (Cave, R/C, !.º, Sótão e Anexo), com o VPT total de € 2.368.083,39, mas nenhuma delas ultrapassa o valor de € 808.513,38. A Administração Tributária emitiu no que respeita a este prédio 5 liquidações de Imposto de Selo, do ano de 2012, em 21/3/2013, incidindo sobre cada uma das unidades afectas a habitação, ao abrigo da verba n.º 28.1 da TGIS, o imposto foi repartido em três vezes, cujo prazo de pagamento da 1.ª prestação terminou em Abril/2013 e foram pagas em 24/04/2013 (ponto 2 e 3 do probatório).

Chegados aqui importa aplicar ao presente caso as normas jurídicas e a jurisprudência supra citada.

A Recorrente alega que o valor patrimonial das fracções é inferior a € 1.000.000,00.

Porém, dos autos resulta provado que o prédio inscrito na matriz sob o artigo U-… tem VPT de € 1.220.560,00, pelo que quanto à liquidação de IS que incide sobre este prédio a razão não está do seu lado, em consonância com o exposto supra, sem mais delongas, improcede neste segmento as conclusões do recurso.

No entanto, já se tem que lhe dar razão no que se refere ao prédio inscrito na matriz sob o artigo U-….

Com efeito, a tributação em IS do prédio inscrito na matriz sob o artigo U-… foi determinada pelo VPT resultante do somatório do VPT atribuído a cada uma das partes com utilização independente e afectação à habitação do identificado prédio, sendo que cada uma delas individualmente tem um VPT inferior a € 1.000.000,00.

Termos em que acompanhando o entendimento sufragado na jurisprudência do STA, na qual se considera que tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as unidades susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial) mas pelo VPT atribuído a cada uma desses andares ou divisões destinadas a habitação, procede parcialmente as conclusões de recurso.

Resta, pois, concluir pela ilegalidade das liquidações de IS no que respeita a cada uma das fracções do prédio inscrito na matriz sob o artigo U-0…, procedendo neste segmento o recurso, impondo a revogação da sentença nesta parte; e pela legalidade da liquidação de IS respeitante ao prédio inscrito na matriz sob o artigo U-… confirmando-se a sentença neste segmento, com a fundamentação supra.

A sentença recorrida, como consequência da improcedência total da impugnação, julgou também improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por falta de preenchimento dos requisitos a que alude o artigo61.º do CPPT.

Atendendo ao que acaba de ser exposto quanto às liquidações de IS, que se impõe anular, por erro imputável aos serviços, resulta claro que tal pedido deve proceder, impondo também a revogação parcial da sentença neste segmento (artigos 61.º do CPPT e 43.º, n.ºs 1 e 2 da LGT)


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Conclusões/Sumário:

I - A verba 28 da TGIS não faz qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical, sendo que o valor patrimonial tributário (VPT) a ter em conta é o que consta da matriz, avaliado nos termos do Código de Imposto Municipal de Imóveis (CIMI).

II - O imposto de selo, no âmbito de aplicação da regra da verba n.º 28.1 da TGIS, incide em prédios urbanos ou determinadas partes autónomas desses prédios se estes, eventualmente, tiverem um VPT superior a € 1.000.000,00 e não em partes do prédio em propriedade vertical, cujos andares susceptíveis de utilização autónoma não tenham um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, mantendo a sentença no que respeita à liquidação de IS do ano de 2012 relativa ao prédio U-…, revogar a sentença no demais sob recurso e julgar a impugnação parcialmente procedente, anulando as cinco liquidações de IS, referentes ao ano de 2012, relativas ao prédio U-0…, e quanto a elas condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante indevidamente pago, nos termos legais.

Custas a cargo da Recorrente e da Recorrida em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa em 25% para a Recorrente e 75% para a Recorrida, sendo que, nesta instância de recurso, as custas da Recorrida não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Notifique.

Lisboa, 4 de Junho de 2020.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta
(assinaturas digitais)