Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:349/08.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
FALTA DE PROVA
Sumário:
I - Não se descortina nos documentos juntos a cópia da notificação das referidas liquidações. Quanto aos prints, tem a jurisprudência entendido que a prova da remessa de carta registada ao contribuinte cabe à Administração Fiscal, não bastando para o efeito, um mero print interno, processado pelos respetivos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que coletivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o seu domicílio fiscal. Aqui chegados, forçoso é concluir que não existe prova nos autos da notificação das liquidações.

II - Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342º, nº.1, do CC; artº.74, nº.1, da LGT), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.
Pelo que os actos de liquidação em crise não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda.

Votação:MAIORIA - VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

I..... recorre para este Tribunal da sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls. 242 a 247, que julgou improcedente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal nº....., que lhe foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Leiria -1, para cobrança coerciva de dívidas de IRC, dos exercícios de 2002 e 2004.

Nas suas alegações de recurso formula as conclusões seguintes:

I. Os presentes autos estão feridos da nulidade da Oponente, executada, não ter sido citada, nem notificada, quer da acção inspectiva, quer do procedimento, quer da liquidação de IRC realizada oficiosamente, quer ainda do processo de execução.

II. A Oponente sendo uma sociedade estrangeira, sem estabelecimento e sem representante legal, deveria ter sido citada por citação edital, o que não ocorreu.

III. A Administração Fiscal foi totalmente incongruente ao sancionar a Oponente em contra ordenação por não ter representante fiscal nomeado e ao mesmo tempo ao tentar citar a Oponente num terceiro que presumia ser o representante fiscal da Oponente.

IV. Salvo o devido respeito, o art.43° do CPPT, não se aplica aos presentes autos como pretende o Tribunal a quo, uma vez que não se trata de uma alteração de morada não comunicada que tivesse impedido a notificação.

V. Quer porque até à citação a Oponente não interveniente em processos, pelo que não lhe era imputável a obrigação de comunicação de alteração de domicilio prevista em tal disposição.

VI. A falta de citação enferma os presentes autos de nulidade, sendo que a falta de citação implica sempre o prejuízo da defesa do interessado.

VII. A pretensa citação feita em terceiro sem legitimidade violava o disposto no art.36 n° 2 do CPPT, na medida em que não identifica o acto de liquidação do imposto em causa, não contem os fundamentos, nem a indicação da entidade que praticou o acto tributário.

VIII. Para além disso, a pretensa citação não foi acompanha de cópia do título executivo, não estando pois preenchida a obrigação legal que avoga o Douto Tribunal a quo.

IX. Pelo que, salvo o devido respeito, andou mal o Douto Tribunal a quo ao não declarar a nulidade em enferma os presentes autos, a qual desde já se reitera e invoca.

X. Por outro lado, a Douta Decisão a quo enferma do vicio da nulidade ao não se pronunciar sobre a ilegalidade da notificação de penhora automática suscitada pela Oponente em sede de oposição e que não logrou decisão por parte do Tribunal a quo, em violação do disposto no art. 660° do CPC aplicável subsidiariamente.

XI. Acresce, ainda, que, salvo o devido respeito, andou mal a Douta Decisão a quo ao mencionar que nenhum dos impostos liquidados caducou, pois o prazo para pagamento voluntário terminou em 30/12/2006.

XII. Na medida em que, por aplicação do disposto no artº45° da LGT, verifica-se quem em 31 de Dezembro de 2006, caducou o direito à liquidação do imposto referente a 2002,

XIII. Uma vez que a Oponente nunca foi citada em sede da acção inspectiva, nem em sede do processo de execução, tendo vindo a intervir no mesmo apenas e só em 17/03/2008, data em que teve conhecimento das liquidações oficiosas de IRC relativamente aos anos de 2002 e 2004.

XIV. Sendo clara, expressa e evidente a Lei Fiscal quando consagra, no art. 45° da LGT, que "o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos” sendo que "o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário".

XV. Por último, considerou o Douto Tribunal a quo que a declaração de nulidade da doação é ineficaz em relação ao adquirente, pelo que assim não tem qualquer relevância fiscal, mantendo-se a substancia económica dos factos tributários.

XVI. Acontece que, legalmente, qualquer negócio jurídico declarado nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, Pelo que, não pode a Oponente ser tributada em sede de IRC em 2002 e 2004 por alegada venda de imóveis que estavam na sua esfera por via de uma doação que veio a ser declarada nula.

XVII. Nos termos fiscais, a transmissão implica uma transferência real ou efectiva dos bens, sendo que a declaração de nulidade da doação e da compra e venda de 2004 colocou em causa e impediu essa transferência real e efectiva, não podendo pois os actos nulos gerarem tributação.

XVIII. Dispõe o art.39° da LGT, que "Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.", pelo que se impõe concluir que não pode a Oponente ser tributada em sede de IRC pela propriedade e alienação de imóveis, uma vez que tais bens não eram sua propriedade e apenas estiveram titulados em seu nome por um negócio simulado.

XIX. Por outro lado, a simulação em causa não visou reduzir a tributação, aliás, foi o negócio jurídico simulado que gerou a tributação,

XX. Acresce, ainda, que a nulidade dos negócios foi pedida por um terceiro.

XXI. Em suma, no caso sub iudice pretendeu a Administração Fiscal e agora o Douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, aplicar precisamente o contrario do que a norma legal prevê, pois pretendem manter a tributação de um acto simulado e que sabem não ser real, quando o acto simulado não visou a redução da tributação.

XXII. Por mera hipótese académica, diga-se que, sem conceder, mesmo na tese do Douto Tribunal a quo, não pode lograr a total ineficácia, uma vez que foi declarada nula uma compra de venda realizada pela Oponente em 11/11/2004, pela que, pelo menos, esta é eficaz quanto ao adquirente, não podendo alegar-se uma pretensa substancia económica de tal venda e impondo-se a revisão e retificação da liquidação de IRC do ano de 2004, pelo menos parcialmente.

XXIII.Em suma, urge reconhecer que a liquidação de IRC está consubstancia em acto nulo, pelo que, a mesma está ferida de nulidade e tem de ser dada sem efeito.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a Douta Decisão proferida pela Tribunal a quo, julgando-se procedente a oposição apresentada.


*


Não foram apresentadas contra-alegações.

*

O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (cfr.fls.291e 292 dos autos).


*


Colhidos os
vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1. A oponente foi submetida a fiscalização externa referente aos exercícios de 2003 a 2004 no âmbito da qual foi elaborado o relatório junto a fls. 26 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido.
a. Mediante o qual foram efectuadas correcções ao lucro tributável dos anos 2002, 2003 e 2004 (fls. 32 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).

2. A notificação do relatório procedeu-se através do envio da documentação para a Rua D....., em Leiria (fls. 84 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

3. Notificações que foram devolvidas (fls. 80 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. Para além disso, foi instaurado processo de contra ordenação por falta de entrega de declarações mod. 22 dos anos de 2002 a 2004, bem como falta de nomeação de representante fiscal (fls. 99 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
b. Todas as notificações respeitantes ao processo de contra ordenação foram remetidas para a morada supra referida e do mesmo modo devolvidas (fls. 101 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).

4. Foi instaurada execução fiscal para cobrança da quantia de € 98.294,83, bem como € 20.493,59 referente aos impostos liquidados (fls. 120 a 125 cujo conteú­do se dá por reproduzido).

5. Foi expedida carta registada com aviso de recepção para citação da oponente, para a morada supra referida, em nome do Sr. J..... (fls. 122 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

6. A oponente não designou representante fiscal em Portugal.

7. No dia 3/6/1993 foi outorgada a escritura de doação nos termos que constam de fls. 186 e segs. (também 38 e segs.) cujo conteúdo se dá por reproduzido.

8. Mediante tal escritura o Sr. J..... e esposa doaram a I....., representada pelo Dr. J....., os prédios e direitos constantes de relação anexa à escritura (fls. 193 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).

9. Por sentença de 7/3/2008 foi homologada a transacção nos termos da qual se reconheceu a nulidade da doação celebrada em 3/6/1993 (fls. 175 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

10. Mas dois dos prédios doados à oponente, com os n.°s .....e ....., foram comprados por JJ..... SA à oponente, tendo sido paga a respectiva Sisa em 6/6/2002 (relatório da inspecção, fls. 30 cujo conteúdo se dá por reproduzido, e conhecimento de Sisa a fls. 42 cujo conteúdo se dá por reprodu­zido).
a. Esta alienação gerou mais valias não declaradas e que foram corrigidas em sede de inspecção (fls. 32 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

11. A sede da sociedade I..... em Portugal, constante do sistema informático da AF é Rua .....- Leiria. Morada que também é de J..... (relatório da inspecção, fls. 31 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

12. O prazo para pagamento voluntário referente aos impostos liquidados expirou em 30/12/2006 (fls. 120 e 121 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.

E, em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se o seguinte:


A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram.


***

II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou improcedente a oposição.

Inconformada, a oponente I..... veio interpor recurso da referida decisão invocando erro de julgamento e nulidade por omissão de pronúncia.

- Da omissão de pronúncia

Vejamos, começando a apreciação do recurso pela invocada omissão de pronúncia.

Alega a recorrente [conclusão de recurso X.] que a Douta Decisão a quo enferma do vicio da nulidade ao não se pronunciar sobre a ilegalidade da notificação de penhora automática suscitada pela Oponente em sede de oposição e que não logrou decisão por parte do Tribunal a quo, em violação do disposto no art. 660° do CPC aplicável subsidiariamente.

Ora, conforme parecer do Ministério Público junto deste Tribunal, «A fls. 281 foi reparado o agravo quanto à nulidade invocada não tendo sido objecto de qualquer reparo posterior.»

E assim foi.

A fls. 281 dos autos, e após a interposição do recurso, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

«DESPACHO
Venerandos desembargadores.
Nas doutas alegações de recurso, invoca a recorrente, além do mais, nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a ilegalidade da notificação de penhora automática.
O Exmo. Representante da Fazenda Pública e a Exma. Procuradora da República defendem que a questão não podia ser conhecida em sede de oposição, e que o facto de não ser apreciada traduz a sua irrelevância.
Cumpre apreciar e decidir.
Efectivamente, a questão da nulidade da penhora não foi apreciada na sentença.
Nem o poderia ser substancialmente, pois é matéria subtraída ao processo de oposição, como resulta do disposto no art.º 277º/3 do CPPT.
Porém, nem isso foi referido na sentença.
E assim, há que concluir verificar-se nulidade da mesma por omissão de pronúncia.
Nos termos do art.º 670º/1 CPC, corrigindo, nesta parte a sentença, e apreciando a alegada ilegalidade da penhora automática, cabe referir que a mesma é fundamento de reclamação, nos termos do art.º 276 e 278º do CPPT pelo que alegada nestes autos ocorre erro na forma de processo (art.º 199 CPC).
Não se convola para a forma adequada (art.º 98/4 CPPT), porque o erro apenas se verifica em relação a este pedido mas não em relação aos restantes (assim, o ac. do STA n.º 0953/11 de 28-03-2012)
Not. e após trânsito remeta os autos ao venerando TCAS»
O referido despacho foi notificado às partes, cfr. fls. 284/285 dos autos, sendo que ninguém se pronunciou sobre o mesmo no prazo legal, pelo que os autos foram remetidos a este TCAS.

Ora, o art. 670º, do anterior CPC, previa no seu nº 1 que «Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 668.º e no artigo 669.º, deve o juiz indeferir o requerimento ou emitir despacho a corrigir o vício, a aclarar ou a reformar a sentença, considerando-se o referido despacho como complemento e parte integrante desta.»

Por sua vez, o nº 3 da mesma norma dispunha que «O recurso que tenha sido interposto fica a ter por objecto a nova decisão, podendo o recorrente, no prazo de 10 dias, dele desistir, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida, e o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.»

Assim, tendo o Tribunal a quo conhecido da nulidade invocada, nos termos previstos no art. 670º, nº 1, do anterior CPC, terá de se considerar o referido despacho como complemento e parte integrante da sentença, pelo que forçoso é concluir pela improcedência da alegada omissão de pronúncia.

- Do erro de julgamento

Vem o recorrente invocar que o tribunal a quo andou mal ao não declarar a nulidade que enferma os presentes autos.

Alega o recorrente que os presentes autos estão feridos de nulidade da Oponente, executada, não ter sido citada, nem notificada, quer da acção inspectiva, quer do procedimento, quer da liquidação de IRC realizada oficiosamente, quer ainda do processo de execução. [conclusão de recurso I.]

Vejamos.

Vem a recorrente invocar a nulidade da citação [conclusões de recurso I. a IX.].

A nulidade da citação não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do disposto no art. 204.º do CPPT, não sendo subsumível, designadamente, na previsão da alínea i) do n.º 1 daquele artigo e, como nulidade, deverá ser invocada perante o órgão da execução fiscal, cfr. n.ºs 1 e 2 do art. 191.º do Código de Processo Civil (CPC), que corresponde ao art. 198.º na anterior versão do Código, com possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (art. 276.º do CPPT), pois que a oposição, que tem a natureza de uma contestação, visa, em regra, a extinção da execução fiscal, enquanto a nulidade da citação apenas pode determinar a repetição do acto com suprimento das irregularidades que determinaram a anulação e a repetição dos actos subsequentes que, porque dependentes da citação anulada, tenham sido também anulados. Assim, porque a nulidade da citação não tem como efeito a extinção da execução fiscal não pode ser erigida, em circunstância alguma, em fundamento de oposição à execução fiscal.

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STA de 22/03/2018, Proc. 0714/15, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler o seguinte excerto:

«(…) como vem sendo dito, de forma pacífica e reiterada pela jurisprudência desta secção (de que são exemplos Acórdãos de 22.02.2017, recurso 1528/14, 07.05.2014, recurso 283/14, de 24.02.2010, de 25 de Maio de 2011, proferido no recurso nº 187/11, de 10.03.2011, recurso 42/11 e do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.07.2011, recurso 873/11 e de 28.02.2007, recurso 803/04, todos in www.dgsi.pt.) a nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do acto com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão de execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.

Com efeito a oposição, que tem a natureza de uma contestação, visa, em regra, a extinção da execução fiscal, enquanto a nulidade da citação apenas pode determinar a repetição do acto com suprimento das irregularidades que determinaram a anulação e a repetição dos actos subsequentes que, porque dependentes da citação anulada, tenham sido também anulados. Assim, porque a nulidade da citação não tem como efeito a extinção da execução fiscal não pode ser erigida, em circunstância alguma, em fundamento de oposição à execução fiscal – cf. neste sentido, o supra citado Acórdão 283/14 de 07.05.

E, no caso concreto também não se justifica a convolação para a forma que seria adequada, que seria, como se deixou dito, o requerimento de arguição de nulidade dirigido ao órgão de execução fiscal - cfr. o nº 3 do art. 97º da LGT e o nº 4 do art. 98º do CPPT,

Na verdade, embora seja certo que, ocorrendo erro na forma de processo deve operar-se a convolação para a forma de processo legalmente adequada, a convolação justifica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efectuada quando tiver alguma utilidade.»

Retornando ao caso concreto, também aqui não se justifica a convolação para a forma de requerimento de arguição de nulidade dirigido ao órgão de execução fiscal, nos termos previstos no nº 3 do art. 97º da LGT e o nº 4 do art. 98º do CPPT, pois é de afastar a convolação no caso de haver erro na forma de processo quanto a algum dos fundamentos, mas não quanto a outros: ou seja, a correcção do erro na forma de processo só é possível quando todo o processo passe a seguir a tramitação adequada. Daí que, havendo, no caso, a oposição de prosseguir, por se ter considerado que era adequado à apreciação de outros pedidos e dos respectivos fundamentos, sempre estaria, por essa razão, afastada a possibilidade de convolação para a forma de oposição à execução (cfr. Jorge de Sousa, ob. cit. anotação 40 ao art. 204º, pag. 503).

Pelo que não se tomará conhecimento do fundamento da nulidade da citação.

Alega, ainda, a recorrente que não foi notificada quer da acção inspectiva, quer do procedimento, quer da liquidação de IRC realizada oficiosamente.

Na realidade, compulsados os autos, e apenso, não encontramos cópia da notificação das liquidações à oponente.

Também no probatório não é feita qualquer referência à notificação da liquidação.

Nos nºs 32ºe 33º da contestação, a recorrida escreveu que «nos termos do artigo 38º/3 do CPPT, tendo as liquidações em crise resultado de correcções à matéria tributável efectuadas em sede inspectiva, no âmbito da qual foi concedido direito de audição, sempre a sua notificação poderia ter ocorrido por mera carta registada» e «Contudo, nos termos do artigo 38º, nºs 5 e 6 do CPTT, em 2006.11.27, foram realizadas as notificações em causa, tal como comprovam os prints extraídos do sistema informático da DGCI “fluxos financeiros” e as cópias das notificações efectuadas, obtidas via fax e que integram o processo administrativo organizado.»

Ora, encontra-se apenso aos autos um ofício do Serviço de Finanças de Leiria 1 dirigido à RFP onde se encontra escrito que envia cópias dos registos efectuados à empresa I..... notificando-o das liquidações de IRC dos anos de 2002 e 2004, mais informando que os registos vieram ambos recusados.

No entanto, compulsadas as cópias juntas as mesmas mais não são que as cópias de sobrescritos com a menção de “Recusado” e os respectivos avisos de recepção sem estarem assinados.

Não se descortina nos documentos juntos a cópia da notificação das referidas liquidações.

Do mesmo modo, na certidão passada pelo Serviço de Finanças de Leiria 1, requerida e junta aos autos pela recorrente, constante de fls. 25 e sgs. dos autos, também não se vislumbra qualquer cópia da notificação das liquidações.

Quanto aos prints, tem a jurisprudência entendido que a prova da remessa de carta registada ao contribuinte cabe à Administração Fiscal, não bastando para o efeito, um mero print interno, processado pelos respetivos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que coletivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o seu domicílio fiscal (Cfr. acórdãos do TCAS n.ºs 03499/09 de 23.03.2010 e e 04631/11 de 17.05.2011).

Aqui chegados, forçoso é concluir que não existe prova nos autos da notificação das liquidações.

Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342º, nº.1, do CC; artº.74, nº.1, da LGT), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.
Pelo que os actos de liquidação em crise não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição enquadrável no citado artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva.

No mesmo sentido do ora decidido, veja-se o Acórdão deste TCAS de 14/02/2019, Proc. 1810/12.1BELRS, disponível em www.dgsi.pt, onde se escreveu:

«De acordo com o exame da factualidade provada/não provada constante da decisão recorrida e supra exarada, deve concluir-se que a A. Fiscal efectuou notificações ao sujeito passivo originário do imposto por meio de cartas registadas, não provando que o tenha feito com aviso de recepção, portanto, com observância da forma legalmente estabelecida. Para além disso, não prova a Fazenda Pública a remessa dessas notificações para a sede da empresa originária devedora (cfr.artº.41, do C.P.P.T.), pois que apenas junta meros “prints” informáticos visando a mesma prova.
No que respeita ao “print” do sistema informático da A. Fiscal, trata-se de um documento interno da Fazenda Pública, sem a necessária força probatória, quando desacompanhado de outros elementos probatórios. Por outro lado, nesse “print” não se encontra indicada a morada para a qual foi remetida a correspondência. Por sua vez, do “print” da base de dados dos CTT resulta que a entrega da correspondência foi devolvida, mas não vem indicado ou identificado o local de entrega da correspondência (cfr.nºs.2 e 3 do probatório). Logo, forçoso é concluir que a originária devedora não foi legalmente notificada, dentro do prazo de caducidade, das liquidações de IRC/2005/2006 que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº…..-2008/…. e apenso.

Nestes termos, não se provando que foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2005, rec.500/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/9/2010, rec.437/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 384).
Com estes pressupostos, deve o Tribunal concluir que os actos de liquidação não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição enquadrável no citado artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T., dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.495).»



Assim, e nos termos expostos, uma vez que os actos de liquidação não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, que levam à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda, terá de proceder o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, e julgando-se procedente a presente oposição.

Face ao agora decidido, ficam prejudicadas quaisquer outras questões.

****


III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar a sentença recorrida, e julgar procedente a presente oposição, extinguindo a execução fiscal.

Custas pelo recorrido, com isenção de taxa de justiça nesta instância uma vez que não contra-alegou.

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Julho de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão a Desembargadora integrante da formação de julgamento, a Desembargadora Maria Cardoso, sendo que a Desembargadora Catarina Almeida e Sousa apresentou voto de vencida]


Voto de vencida


Discordo da solução que aqui obteve vencimento, não acompanhando o acórdão quando aí se concluiu que “os actos de liquidação não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, que levam à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda…”.

Vejamos.

Consta da matéria de facto, além do mais, que a oponente, I....., não designou representante fiscal em Portugal.

Tendo isto presente, escreveu-se na sentença, além do mais, o seguinte:

“A oponente não indicou representante fiscal em Portugal. Nos termos do Art.º 118/1 do CIRC, As entidades que, não tendo sede nem direcção efectiva em território português, não possuam estabelecimento estável aí situado mas nele obtenham rendimentos (…) são obrigadas a designar uma pessoa singular ou colectiva com residência, sede ou direcção efectiva naquele território para as representar perante a administração fiscal quanto às suas obrigações referentes a IRC.

Não tendo cumprido com o disposto nesta norma, não há lugar às notificações previstas no CIRC (Art.º 118/2 do CIRC).

Também o CPPT prevê que os interessados que intervenham, ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários comunicam, no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio ou sede (Art.º 43/1 do CPPT).

Se o interessado não receber qualquer comunicação devido ao incumprimento do dever de comunicação tal não é oponível à administração tributária (art.º 43/2 do CPPT).

Ora, não tendo a sociedade comunicado qualquer representante legal em Portugal, não pode a administração tributária comunicar com ele.

E não se pode dizer que não o tentou, porque foram enviadas várias notificações para o endereço constante do sistema informático da AF.

Porém, a oponente coloca-se na posição de não indicar representante fiscal em Portugal para retirar da omissão desse dever o argumento para a sua defesa.

Em primeiro lugar, com razão ou sem ela, a Recorrente invoca nas conclusões (para além da nulidade da citação), a falta de citação, questão que, do meu ponto de vista, deveria ter sido tratada e distinguida da nulidade da citação”.

Ora, se bem interpreto o teor do acórdão, esta questão não é tratada, ou seja, as consequências, no que toca às notificações, da falta de indicação de representante fiscal, quando devia ter sido prioritariamente, sabido que, à data dos factos, o artigo 118º, nº3 do CIRC, dispunha que “Na falta de cumprimento do disposto no n.º 1, e independentemente da penalidade que ao caso couber, não há lugar às notificações previstas neste Código, sem prejuízo de os sujeitos passivos poderem tomar conhecimento das matérias a que as mesmas respeitariam junto da Direcção-Geral dos Impostos”.

Assim, entendo, com a sentença, que o não cumprimento de apontada obrigação por parte da Executada não pode ter os efeitos retirados no acórdão quanto à inexigibilidade das dívidas.

Por outro lado, nas conclusões da alegação - com ou sem razão - a Recorrente invoca expressamente, a par da nulidade da citação, a falta de citação, o que, se bem interpreto o acórdão, não foi objecto de tratamento pelo Tribunal e devia ter sido, por ser questão diversa da apontada nulidade.

Lisboa, d.s

Catarina Almeida e Sousa