Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01310/06
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/19/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPOSTO AUTOMÓVEL
Sumário:I.Como resulta do artigo 2º do Regulamento da Homologação CE (aprovado pelo DL n.º 72/2000, de 6 de Maio) a Direcção Geral de Viação (DGV) classifica os veículos em ligeiros de passageiros ou ligeiros de mercadorias, tendo em conta as performances técnicas dos mesmos.
Desde modo, a homologação levada a cabo por aquela entidade ao classificar um qualquer veículo automóvel numa determinada categoria prende-se apenas com a respectiva legitimação como tecnicamente apto a fazer parte do parque automóvel nacional, desde logo no que concerne à respectiva matriculação. E tal homologação, nos seus precisos termos, impõe-se, como nos parece evidente perante todos os outros sectores da administração, mas dentro dos estritos limites da competência daquela entidade (DGV).
II.Os veículos Nissan Terrano II , do modelo KVPR 20, estão sujeitos a imposto automóvel, uma vez que são de considerar automóveis ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros, não caindo, por isso, na previsão legal do art° 1°, n° 2 , alínea b), do Decreto-Lei n° 40/93, de 18 de Fevereiro, tendo em conta a alteração que lhe foi introduzida pela Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro de 2000.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada de 29 de Março de 2006, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por ............................................., Lda, contra o acto de liquidação de Imposto Automóvel (IA) relativo às DAV a que os autos se reportam.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1- A Douta Sentença ora recorrida, não decidiu em conformidade com a matéria de facto e de Direito constante nos presentes autos;
2-Não teve a Administração Aduaneira qualquer dúvida ao determinar que a classificação fiscal dos veículos objecto do presente processo é a de todo-o-terreno;
3-Não repugnaria à Administração Aduaneira classificar aqueles veículos como M 1, com tipo de carroçaria AB ou AC;
4-Decidiu o Douto Tribunal classificar os veículos (para efeitos fiscais) recorrendo directamente às características técnicas mencionadas nas correspondentes homologações técnicas da DGV;
5-Tendo partido deste pressuposto, esvaziou de conteúdo a aI. a) do n° 2 do artigo 1° do D.L. n° 40/93 de 18 de Fevereiro (com a redacção então dada pelo artigo 51° da Lei nº 39-8/94 de 27 de Dezembro);
6-Não considerou sequer a Douta Sentença, que as homologações técnicas da DGV, não contemplam nos seus normativos, veículos todo-o-terreno;
7-Ao proceder daquela forma, errou o Tribunal ad quo, ao não dar cumprimento à remissão contida na aI. c) do nº 2 do artigo 1° do D.L. nº 40/93 de 18 de Fevereiro (com a redacção dada pelo artigo 43° da Lei nº 30-C/2000 de 29 de Dezembro);
8-Igualmente errou ao concordar com a posição defendida pela Recorrida, que aqueles veículos têm o tipo de carroçaria AF, não considerando que esta é uma classificação residual, conforme preceituado no ponto 1, da parte C, do "anexo II";
9-Mais, ao atender que o tipo de carroçaria daqueles veículos era "AF - veículos para fins especiais", não respeitou o elenco daquele tipo de veículos expresso no ponto 2, da parte C, do "anexo II";
10-A Douta Sentença fundamentou-se na classificação técnica da DGV, quando deveria ter alicerçado as suas razões na classificação fiscal para efeitos de tributação da DGAIEC, a qual por sua vez socorre-se (por vezes) de normativos técnicos, quando a Lei assim o exige;
11-É entendimento do RFP que a Douta Sentença ora recorrida deve ser revogado por outra que determine a improcedência da impugnação deduzida, assim se fazendo a devida e pretendida


JUSTIÇA.»

A Recorrida contra-alegou extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«1.A douta sentença merece inteira concordância da Recorrente, no que concerne à parte decisória.
2.Pelo contrário, merecem total discordância as doutas alegações da Alfândega de Setúbal.
3.Em primeiro lugar, porque veiculam uma inexactidão grave. É verdade que os Serviços Centrais da DGAIEC começaram por preconizar o entendimento expresso pela recorrente - a Alfândega de Setúbal - quanto à classificação do veículo a que se referem os autos. Mas, posteriormente, os Serviços Centrais alteraram a sua posição e passaram a considerar as viaturas em causa como veículos ligeiros de mercadorias (Ver doc-1).
4.O que levará a Alfândega de Setúbal a ignorar a alteração de entendimento da DGAIEC, se lhe está hierarquicamente subordinada? Pretenderá a Alfândega de Setúbal evitar uma prática antiga, com concordância da DGAIEC e da DGV, consistente na conversão de veículos de mercadorias em veículos de passageiros, sem pagamento do IA, em certas circunstâncias?
Se a motivação era essa, ela perdeu razão de ser porque hoje tal alteração implica o prévio pagamento do IA.
5.Contrariamente à opinião da Recorrente, não é indiferente que um veículo seja considerado para efeito de registo e de matrícula em categoria diferente daquela que é adaptada para efeitos fiscais.
6.Desde logo, porque há uma razão de peso para fazer coincidir os dois tipos de classificação. A homologação da DGV assenta numa análise rigorosa das características técnicas da viatura e no cumprimento das Directivas comunitárias sobre esta matéria vertidas na ordem interna (Decreto-Lei n° 72/2000 de 6 de Maio).
7.Este diploma publicitou o Regulamento Homologação CE, em que a Recorrente não atenta de todo, caso contrário veria que no art. 2° se definem os conceitos de «veículo de base», «veículo incompleto» e «modelo de veículo».
8.Os veículos ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros, incluindo os ligeiros de mercadorias, são fabricados a partir de um «veículo base», com as mesmas peças e componentes, na mesma linha de fabrico, apenas se diferenciando nas adaptações finais, como sejam a aposição de antepara inamovível e o estrado contínuo e outros elementos que os tomem funcionais para o transporte de mercadorias ou para trabalhos de campo (Trata-se de viatura que é vendida a entidades encarregadas de patrulha, de apoio à rede eléctrica, vigilância e trabalhos florestais, etc).
9.O que a DGV não pode nem faz é proceder à homologação (classificação técnica) em função de elementos estéticos, deste ou daquele pormenor que se encontra em todos os veículos que saem da linha de produção. Não é a primeira vez que as autoridades aduaneiras classificam viaturas, maximizando os elementos estéticos.
10.O que a Recorrente alega nos arts. 25° a 30° das suas alegações não corresponde às características do veículo em causa. Há de facto uma base comum a vários modelos de viatura. Mas nas «definições» do art. 2° do Regulamento Homologação CE, são consagrados os conceitos de «veículo de base», «veículo incompleto» e «modelo de veículo».
11.Contudo, não é esta a sede para debater estas questões factuais. Era na resposta à petição de impugnação e do requerimento dos meios de prova que essas questões deviam ter sido levantadas pela Alfândega de Setúbal, para poderem ser sujeitas a contraditório.
12.Mas, se por hipótese, a realidade factual coincidisse com a versão tardiamente apresentada pela Recorrente, resultaria reforçada a tese da Recorrida de que se está perante veículos ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros.
13.E o mais elementar apego à verdade impunha que a Recorrente referisse que se trata de veículos de caixa fechada, com apenas dois assentos, o que desde logo lhe retira as características de veículos de passageiros, pretendidas pela Recorrente.
14.Em toda a postura da Recorrente perpassa um erro acerca do poder discricionário. Não é irrelevante para efeitos fiscais a classificação atribuída pela DGV a um veículo.
15.A homologação técnica é um acto administrativo pelo qual a DG Viação (no uso de competências que a lei lhe atribui), define a classificação de um modelo de veículo em função do Regulamento de Homologação CE de Modelos de Automóveis e Reboques, Seus Sistemas, Componentes e Unidades Técnicas, anexo ao Decreto­ Lei nº 72/2000 de 6 de Maio.
16.A homologação técnica é vinculativa para todos os órgãos da Administração, tal como o é para os particulares. O Estado de Direito assenta em princípios jurídicos incontornáveis como sejam os princípios da legalidade, da certeza e da confiança jurídicas que não são compatíveis com interpretações duais das leis consoante o interesse do Fisco.
17.O intérprete da lei não pode ignorar que as normas regedoras da recepção/homologação/matrícula de veículos e as normas tributárias fazem parte do mesmo sistema jurídico. Ofende a unidade do sistema jurídico a interpretação que incongruentemente reclassifica um veículo homologado, à luz do Regulamento de Homologação CE (DL 72/2000), como ligeiro de mercadorias (Nl) em veículo ligeiro de passageiros (Ml) apenas para efeitos fiscais e deixa intacta a classificação para outros fins. (Código Civil art. 9°)
18.A DGV classificou correctamente o veículo em causa, em função da informação técnica fornecida pelo construtor.
19.À luz do Regulamento de Homologação de CE de Automóveis, anexo ao DL 72/2000, que verte na ordem interna uma directiva comunitária, o veículo em questão pertence à categoria Nl. E esta classificação, que não pode deixar de ser uniforme em toda a Comunidade, baseia-se na homologação oficial e no certificado de conformidade emitido pelo construtor.
20.Para que o modelo de veículo em análise, com esta classificação de Nl, homologado como veículo ligeiro de mercadorias com caixa fechada, se enquadrasse na Tabela III, anexa ao DL 40/93, como pretende a DGAIEC, era preciso que constasse dos tipos de viatura enunciados na dita tabela.
21.Só que nem na Tabela III nem em qualquer outra tabela ou nem no texto daquele diploma é feita referência a veículos ligeiros de mercadorias com caixa fechada. E, no entanto, o DL 40/93 faz referência expressa aos veículos ligeiros de mercadorias de caixa aberta. E a conclusão óbvia a extrair é a de que não houve intenção de tributar os veículos de mercadorias de caixa fechada, o que bem se compreende.
22.A interpretação da lei feita pela Recorrente olvida uma realidade incontornável: associado ao princípio da legalidade tributária anda associado o princípio da tipicidade.
23.Segundo este princípio, não podem as autoridades fiscais criar situações tributárias que não estejam tipificadas na lei, através de interpretações sinuosas.
24. A douta sentença não merece pois censura.

Termos em que deve improceder o recurso e ser confirmada a douta sentença.»

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O EXMº. PROCURADOR-GERAL ADJUNTO junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
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Foram colhidos os VISTOS dos EXMOS. JUÍZES ADJUNTOS, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que a tal nada obsta.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso trazido a exame, a questão a decidir consiste em determinar se a sentença recorrida foi proferida com errada interpretação e aplicação do direito mormente do DL n.º 40/93 de 18 de Fevereiro (na redacção dada pelo artigo 43º da Lei n.º 30-C/2000 de 29 de Dezembro) conjugado com o “Regulamento da Homologação CE de Modelo Automóveis e Reboques”, aprovado pelo DL n.º 72/2000, de 6 de Maio.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
A) O impugnante adquiriu para comercialização em Portugal 83 veículos da marca ............, modelo ............ II, tipo R20, dos quais 40 veículos foram objecto de homologação pela Direcção Geral de Viação sob o n.º .................................., e ..... com homologação n.º............................, como veiculo ligeiro de passageiros, com tipo de carroçaria AF e com peso bruto de 2580 Kgs e demais características técnicas constantes de fls 262 a 297, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais (Cfr. fls 85 e 86 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
B) Em 5/12/2001, no exercido da sua actividade de comercialização, o impugnante apresentou junto da Alfândega de Setúbal requerimento sobre a classificação dos veículos mencionados na alínea anterior onde refere que "...o veículo deve ser classificado ...tabela IV ...estando pendente processo de decisão quanto à correcta classificação e aplicação do Imposto Automóvel devido a este tipo de veículos (Tabela I ou Tabela IV) a requerente pretende proceder à liquidação do referido imposto pela tabela IV e garantir o IA restante" (Cfr. fls 8 e ss, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais).
C) Em 20/12/2001 por despacho do Sub-director geral foi autorizada a liquidação de IA referente aos veículos mencionados em A) pela Tabela IVA do IA devendo o diferencial de IA para a tabela I ficar garantido até decisão definitiva sobre a classificação fiscal dos veículos (Cfr. fls 241 e ss dos autos).
D) Em 15/10/2001 foi liquidado o imposto automóvel no montante de Esc. 1.354.346 (€ 6.755,45), por cada um dos 40 veículos com homologação n.º ..........................., e em 12/11/2001, igual montante para cada um dos 43 veículos com homologação n.º ..............................., todos homologados como veiculo ligeiro de passageiros, com tipo de carroçaria AF e com peso bruto de 2580 Kgs (Cfr. as 83 declarações aduaneiras de veículos melhor identificadas a fls 9 a 91 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).
E) Em 27/12/2001, e relativamente às viaturas identificadas em A) a impugnante pagou o IA correspondente à Tabela IV em 27/12/2001 e prestou garantia pela diferença para a tabela I, constantes do DL 40/93 de 18/02 (Cfr. fls 99 e 100).
F) A presente impugnação foi deduzida em 14/03/2002 (Cfr. fls 1).

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, e, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

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B.DE DIREITO

Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação de Imposto Automóvel (IA) deduzida por “......................................................, S.A.” contra a liquidação de imposto automóvel relativa às Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV) reportadas nos presentes autos.

Na fundamentação do assim decidido, consignou-se, a este respeito, na douta sentença o seguinte:

«Os veículos ora em causa são 40 veículos que foram objecto de homologação pela Direcção Geral de Viação sob o n.0 ............................., e .... com homologação n.º ..............................., todos como veiculo ligeiro de passageiros, com tipo de carroçaria "AF" e com peso bruto de 2580 Kgs.

Ora, não obstante a classificação fiscal para efeitos de tributação consta do DL 40/93, poder não estar dependente, pelo menos de forma expressa, da classificação técnica levada a cabo pela DGV, esta deve ser pelo menos o ponto de partida para a classificação do veículo, considerando que se trata de uma classificação técnica reconhecida pela DGV, e desde que outras características técnicas (na análise de cada veículo em caso concreto) não sejam apuradas de forma consistente e de forma a contrariar tal homologação técnica.

E, da classificação técnica da DGV, resulta que os veículos em causa de marca............., modelo ................... lI (tipo R 20), foram homologados enquanto veículo com o tipo de carroçaria "AF", com peso bruto de 2.580Kgs.

Assim, entendemos que, em face dos normativos supra citados, e das características do veículo constantes da homologação técnica, este se encontra excluído da alínea a) da tabela I, por força da excepção prevista na alínea b) da Tabela I, e enquadra-se na tabela IV considerando o tipos de carroçaria "AF" e peso de 2.580Kgs, para efeitos da sua tributação em sede de IA, e não pela Tabela I conforme entendimento da DGAIEC

No entanto, o entendimento sufragado pela DGAIEC não permite concluir que o veículo ora em causa possui características técnicas diversas das constantes da homologação técnica, aliás, se houvesse dúvidas quanto a tais características incumbia à Administração Tributária recolher os elementos necessários para eliminar tais dúvidas, ónus que lhe compete.

Por conseguinte, considerando as características do veículo, e a classificação técnica levada acabo pela DGV, entendo que automóveis de marca ................., modelo ............ lI (R 20), devem ser tributados pela Tabela IV, com todas as consequências legais.»

Na óptica da Recorrente, o Tribunal ad quo incorreu em errada aplicação do direito, já que, considerou para efeito das regras de aplicação de incidência do imposto automóvel (IA) a classificação técnica atribuída pela Direcção Geral de Viação (DGV) aos veículos em causa.

Refere a Recorrente, por outro lado, que, tendo-se assim entendido, então haveria dar-se cumprimento ao disposto no artigo 1º n.º 2, al.c) do DL n.º 40/93 de 18 de Fevereiro (na redacção dada pelo artigo 43º da Lei n.º 30-C/2000 de 29 de Dezembro), preceito estes, que determina que essa classificação deverá ser efectuada «(…) nos termos do disposto na parte C do anexo II do regulamento aprovado pelo Decreto – Lei n.º 72/2000 de 6 de Maio.».

A Recorrida discorda sustentado que « (…) A homologação da DGV assenta numa análise rigorosa das características técnicas da viatura e no cumprimento das Directivas comunitárias sobre esta matéria vertidas na ordem interna (Decreto-Lei n° 72/2000 de 6 de Maio).» [conclusão 6]

Vistas as posições das partes a primeira questão que cumpre apreciar é a de saber se a Direcção - Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) se encontra vinculada, ou não, à classificação atribuída aos veículos pela Direcção Geral de Viação (DGV) para efeitos de enquadramento nas regras de incidência fiscal, particularmente no que toca ao imposto automóvel (IA) aqui em causa.

A resposta à questão que ficou desenhada é negativa.

Vejamos porquê.

Como resulta do artigo 2º do Regulamento da Homologação CE (aprovado pelo DL n.º 72/2000, de 6 de Maio) a Direcção Geral de Viação (DGV) classifica os veículos em ligeiros de passageiros ou ligeiros de mercadorias, tendo em conta as performances técnicas dos mesmos.

Desde modo, a homologação levada a cabo por aquela entidade ao classificar um qualquer veículo automóvel numa determinada categoria prende-se apenas com a respectiva legitimação como tecnicamente apto a fazer parte do parque automóvel nacional, desde logo no que concerne à respectiva matriculação. E tal homologação, nos seus precisos termos, impõe-se, como nos parece evidente perante todos os outros sectores da administração, mas dentro dos estritos limites da competência daquela entidade (DGV).

Todavia, o que a Direcção Geral de Viação (DGV) não têm é competência para aferir ou condicionar a sujeição dessas mesmas viaturas a regras de incidência fiscal, sendo certo que estas se não encontram limitadas por aquela, ou seja, o legislador, observados que sejam os limites impostos pela Constituição e pelas Convenções e Tratados internacionais devidamente transpostos para a Ordem Jurídica Interna, é livre de estabelecer as categorias de veículos automóveis que muito bem entender, no sentido de as sujeitar a imposto, bem como dos termos em que o devam ser, por isso, essas mesmas categorias possam, ou não, ser coincidentes com aquelas a que se encontra adstrita a DGV na actividade da respectiva homologação. (Neste sentido vide Acórdão do TCA Sul de 17.04.2007, proferido no recurso nº 01309/06, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/ )

E, sendo assim, o facto da Direcção Geral de Viação (DGV) qualificar os veículos em questão como ligeiros de passageiros com o tipo de carroçaria AF e como o peso bruto de 2.580 Kgs, não o exclua, por si só, da tributação a coberto da tabela I do IA, na medida em que o legislador, que estava legitimado para o efeito desde logo a nível da ordem jurídica comunitária, estabeleceu, um “ tertium genus” classificativo dos ligeiros de passageiros sujeitos a tributação em sede de imposto automóvel, precisamente porque os veículos de todo - o - terreno, categoria que a homologação a levar a cabo pela DGV, como bem refere a Recorrente, não contempla.

Assim, apesar de para efeitos de IA existir uma classificação coincidente com aquela que foi utilizada pela DGV, no caso vertente- a al.a) da Tabela IV, do n.º5, do n.º1 do artigo 1º do DL n.º 40/93 de 18 de Fevereiro na redacção da Lei n.º 30-C/2000 de 29 de Dezembro: «Veículos automóveis de passageiros de categoria M1 com o tipo de carroçaria AF - veículo para fins especiais - a que se refere a parte C do anexo II, e que tenham um peso bruto igual ou superior a 2300 kg, desde que não se destinem a um uso profissional» ela apenas é susceptível de servir de base no respectivo enquadramento fiscal em sede de IA, se e na medida em que o referido diploma legal não preveja outra que melhor se ajuste ao veículo em causa.

Adicionalmente se dirá que, a qualificação atribuída pela Direcção Geral de Viação (DGV) à luz do n.º2 da al.c) do Anexo II ao DL n.º 72/2000, “veículos para fins especiais” (M1) seriam as autocaravanas, os veículos blindados, as ambulâncias e os carros funerários.

Ora, como sustenta a Recorrente, a aceitar-se o entendimento vertido na decisão recorrida, então, sempre deveria ter-se lançado mão do disposto no artigo 1º, n.º 2, al.c) do DL n.º 40/93 de 18 de Fevereiro (na redacção dada pelo artigo 43º da Lei n.º 30-C/2000 de 29 de Dezembro), preceito que determina, que essa classificação deverá ser efectuada « (…) nos termos do disposto na parte C do Anexo II do regulamento aprovado pelo DL n.º 72/2000, de 6 de Maio».

Assim, a Mma Juiz a quo ao não atender à remissão expressa efectuada pelo citado artigo 1º, n.º 2, al.c) do DL n.º 40/93 de 18 de Fevereiro (na redacção dada pelo artigo 43º da Lei n.º 30-C/2000 de 29 de Dezembro), bastando-se com a classificação técnica emitida pela Direcção Geral de Viação (DGV) incorreu em erro de julgamento por errada aplicação do direito.

Ø Do conhecimento em substituição

O conhecimento em substituição encontra legitimação no artigo 665 º do CPC, onde se estatui que os poderes de cognição do tribunal de recurso incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, cumprindo ao tribunal de recurso, assegurado que seja o contraditório e prevenindo o risco de decisões-surpresa, resolvê-las sempre que disponha dos elementos necessários.

Nos presentes autos foi dado prévio cumprimento ao dever de assegurar o contraditório a que alude o nº 3 do artigo 665º do CPC.

Face ao exposto, nada obsta à apreciação da questão suscitada pela Recorrente na petição inicial e não apreciada pelo Tribunal “a quo”.

Sustenta a Recorrente, que nem todos os todo-o-terreno estão incluídos na previsão da alínea a) da Tabela I, considerando ser de aplicável a taxa constante da Tabela IV. Perante tal entendimento, importa saber, se o veículo em causa nos autos, está, ou não, sujeito a imposto automóvel, a coberto do preceituado no artigo 1.º, n.ºs. 1, 2, al. a) e 5 , Tabela 1, a) , do Decreto - Lei n.º 40/93 de 18 de Fevereiro, tendo em conta a alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 30-C/2000 de 29 de Dezembro.

Ora, tal questão foi já colocada à apreciação deste Tribunal Central Administrativo no Acórdão de 17.04.2007, proferido no processo n.º 01309/06, sendo que a Recorrida é a mesma em ambos os processos, como é a mesma a matéria suscitada.

Assim, e tendo presente o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, vamos limitar-nos a reproduzir o que aí ficou dito.

« Ao que aqui nos importa , estatui , o mencionado preceito que;

«1 – O imposto automóvel (IA) é um imposto interno incidente sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros – incluindo os de uso misto , os de corrida e outros principalmente concebidos para o transporte de pessoas , com exclusão das autocaravanas e dos veículos exclusivamente eléctricos ou movidos a energias renováveis , admitidos ou importados no estado de novos ou usados , incluindo os montados ou fabricados em Portugal e que se destinem a ser matriculados.

2 – Estão abrangidos pelo disposto no número anterior:

a) Os veículos todo-o-terreno;

(...)

5 – As tabelas I , III, e IV aplicam-se aos veículos automóveis;

Tabela I

a) veículos automóveis ligeiros de passageiros , mistos e veículos todo-o-terreno;

(...)

Tabela IV

a) Veículos automóveis de passageiros de categoria M1 com o tipo de carroçaria AF – veículo para fins especiais – a que se refere a parte C do anexo II , e que tenham um peso bruto igual ou superior a 2300 kg , desde que não se destinem a um uso profissional;

(...)».

- Por seu turno, os veículos de todo-o-terreno ou de fora de estrada, encontram-se definidos no ponto 4 do Regulamento da Homologação CE de Modelo Automóveis e Reboques , Seus Sistemas , Componentes e Unidades Técnicas (aprovado pelo DL 72/2000MAI06) , aí designados pela categoria G1 , neles sendo de incluir , designadamente , os veículos da categoria M1 , ou sejam , os veículos a motor destinados a transportar passageiros , com um máximo de lotação sentada de oito lugares além do condutor e com pelo menos quatro rodas , desde que obedeçam aos requisitos plasmados no ponto 4.1 (tudo do mesmo Regulamento e anexo).

- Ou seja, não se vislumbra como possa ser sustentável que um qualquer veículo , se preencher os requisitos de viatura de fora de estrada , nos já aludidos termos e ao abrigo dos pontos 1 e 4.1 , da alínea A do anexo II ao DL 72/2000 referido , possa deixar de ser qualificado como veículo de todo-o-terreno , para efeitos do disposto no mencionado DL 40/93..» (disponível no endereço www.dgsi.pt)

Perante o doutamente decidido, que se aplica plenamente à questão suscitada pela Recorrente, haverá que concluir, que o veículo em questão revestia todas as características para ser qualificado como fora de estrada/todo-o-terreno, nos termos do ponto 4, da alínea A, do anexo II ao Decreto – Lei n.º 72/2000, de 26 de Maio a DEGAIEC não cometeu qualquer ofensa à ordem jurídica ao enquadrá-lo na Tabela I de IA, a coberto do que dispões, conjuntamente os artigo 1.º, n.ºs 1, 2.al.a) e 5, tabela I, a), do Decreto- Lei n.º 40/93 de 18 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei 30-C/2000 de 29 de Dezembro.

Diga-se, por fim, que a questão suscitada pela Recorrida com o requerimento de fls.322, (levado à Conclusão 3 das Doutas Contra-Alegações), como se dá conta o expediente junto pela FP de fls. 328/329 tem a ver com situação diversa e que se prende, com a qualificação da viatura referida no requerimento dirigido ao Director de Serviços de Impostos sobre Veículos Automóveis e Valor Acrescentado em 17 de Julho de 2002, (veículo ............., modelo ............ (R20) - peso bruto 2510Kg - Lotação 2 Lugares, incluindo o condutor) pretendida pela Recorrida, enquanto ligeiro de mercadorias de caixa do tipo M3, enquanto que, aqui, estão igualmente em causa veículos ..............., mas Modelo II, de sete lugares, como o atesta os documentos de fls. 9 a 91.

Resta, por conseguinte, revogar a sentença que assim não julgou e, decidindo em substituição, julgar a impugnação improcedente.

IV.DECISÃO
Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, assim se revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, julgar improcedente a presente impugnação judicial.


Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.



Lisboa, 19 de Fevereiro de 2015.



[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Lurdes Toscano]