Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 253/12.1 BESNT-S1 |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/02/2023 |
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Relator: | MARIA CARDOSO |
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Descritores: | DECLARAÇÃO CADUCIDADE GARANTIA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO |
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Sumário: | O prazo de caducidade de quatro anos introduzido pela redacção dada ao artigo 183.º-A do CPPT, pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, tem aplicação aos processos de impugnação judicial pendentes de acordo com a regra do artigo 12.º, n.º 3 da LGT, mas só se conta a partir do dia 27/01/2021 (data da entrada em vigor daquela Lei). |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - RELATÓRIO
1. S......, S.A., impugnante nos presentes autos, veio interpor recurso jurisdicional do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datado de 15/07/2021, que indeferiu o requerimento por si apresentado visando a declaração de caducidade da garantia prestada em 09/04/2012, no âmbito do processo de execução fiscal n.º …….54, instaurado para cobrança do ato de liquidação adicional n.º …..008, relativo ao IRC do exercício de 2006. 2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra nos autos de impugnação identificados em epígrafe, no dia 15 de julho de 2021, que indeferiu a requerida declaração de caducidade da garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal instaurado com vista à cobrança coerciva da dívida resultante das liquidações impugnadas nos presentes autos. B. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra indeferiu este pedido com base no entendimento de que “o novo prazo de quatro anos de caducidade de garantia aplica-se aos processos de impugnação pendentes, mas, quanto a estes, esse prazo conta-se a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro (i.e., a partir de 27.02.2021, cf. n.º 1 do art.º 17.º da citada Lei)”, nos termos do disposto no artigo 297.º do Código Civil. C. As normas do Código Civil – como o artigo 297.º – apenas poderão ser chamadas à colação para regular relações jurídico-tributárias quando tal se afigure necessário em virtude da existência de um caso omisso e, mesmo nessa hipótese, apenas quando não sejam contrárias às normas e princípios específicos que regem aquelas relações. D. No presente caso, impõe-se concluir não só não existir necessidade de convocar a referida norma – por existir uma norma específica no plano da legislação tributária destinada à regulação da aplicação da lei no tempo (o artigo 12.º da LGT) – como não ser a sua aplicação compaginável com a natureza específica da relação jurídico-tributária e com os interesses que a norma cuja aplicação no tempo está em causa visa harmonizar. E. Acresce que aquela interpretação – ancorada no artigo 297.º do Código Civil –, segundo a qual o novo prazo de 4 anos previsto no artigo 183.º-A do CPPT deve contar-se a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, não poderá deixar de se considerar inconstitucional por manifesta violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. F. Assim, dever-se-á atentar exclusivamente no disposto no n.º 3 do artigo 12.º da LGT, que determina “as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”. G. Uma vez que a aplicação imediata da nova redação do artigo 183.º-A do CPPT não prejudica quaisquer garantias, direitos ou interesses legítimos dos contribuintes, impõe-se concluir que poderá ser reconhecida a caducidade das garantias associadas a processos que aguardem decisão de primeira instância há pelo menos 4 anos contados desde a data da sua instauração – como é o caso dos presentes autos. H. Pelo exposto entende a Recorrente que despacho recorrido é ilegal por violação e errónea interpretação do direito aplicável, razão pela qual deverá ser revogado e substituído por outro que reconheça a caducidade da referida garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal instaurado com vista à cobrança coerciva da dívida resultante das liquidações impugnadas nos presentes autos. TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXA. SE DIGNE ORDENAR A ANULAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO, PORQUE ILEGAL, DETERMINANDO A CADUCIDADE DA GARANTIA PRESTADA PARA SUSPENDER O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL INSTAURADO COM VISTA À COBRANÇA COERCIVA DA DÍVIDA RESULTANTE DAS LIQUIDAÇÕES EM CRISE NOS PRESENTES AUTOS.» 3. A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações. 4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso. 5. Com dispensa dos vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento. * II – QUESTÕES A DECIDIR: O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se (i) o despacho recorrido é ilegal por enfermar de erro de direito ao indeferir o pedido de declaração de caducidade de garantia apresentado pela impugnante, ao abrigo do disposto no artigo 183º-A do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no entendimento que o novo prazo de 4 anos de caducidade da garantia aplica-se aos processos pendentes, mas a contar a partir da entrada em vigor da referida lei, (ii) e se esta interpretação viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. * III - FUNDAMENTAÇÃO 1. DE FACTO O despacho recorrido proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto: «1) A Impugnante apresentou, em 01.03.2012, a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos, que tem por objeto a apreciação da legalidade do ato de liquidação adicional n.º …..08, relativo ao IRC do exercício de 2006, consubstanciado na demonstração de acerto de contas n.º ……83, com saldo a pagar de € 6.432.468,52, e dos correspondentes juros compensatórios, consubstanciados na demonstração de liquidação de juros com o n.º ……33 e no valor de € 979.998,94 – cf. fls. 1 SITAF n.º 005185871. 2) Para cobrança coerciva das liquidações referidas em A) foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …….54, no âmbito do qual a impugnante foi notificada, para efeitos da respetiva suspensão, para prestar garantia no valor de € 8.603.207,93 – cf. fls. 1056 SITAF n.º 006364313. 3) Na sequência da notificação referida em 2), em 09.04.2012 a impugnante apresentou garantia bancária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira – Direção de Finanças de Santarém – Serviço de Finanças de Almeirim, no montante de € 8.603.207,93 – cf. fls. 1059 SITAF n.º 006364314. 4) Posteriormente, a Autoridade Tributária informou a impugnante de que o montante a garantir para assegurar a suspensão do referido processo de execução fiscal seria de € 8.743.181,61, tendo a impugnante constituído uma garantia bancária adicional no montante em falta, ou seja, € 139.973,68 – cf. fls. 1063 e 1066 SITAF n.º 006364315 e 006364316. * 2. DE DIREITO Constitui objecto do presente recurso o despacho proferido pelo TAF de Sintra que indeferiu a requerida declaração de caducidade da garantia prestada pela Impugnante, aqui Recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da liquidação adicional de IRC do exercício de 2006 e respectivos juros compensatórios. Para concluir pelo indeferimento da declaração de caducidade da garantia a decisão recorrida estruturou a argumentação seguinte: «Está em causa a aplicação do regime de caducidade de garantia constante do art.º 183.º-A do CPPT, na redação conferida pelo art.º 4.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro (e não a Lei n.º 7-A/2016, de 28/2, como refere a impugnante no ponto 5 do requerimento ora em apreciação, sendo certo que a Lei n.º 7-A/2016 corresponde ao Orçamento do Estado para 2016 e data de 30.03.2016, resultando do contexto da exposição da impugnante que está em causa um mero lapso de escrita – cf. art.º 249.º do Código Civil), de acordo com o qual, no que agora releva para o caso dos autos, a garantia prestada para suspender a execução caduca se, na impugnação judicial, não tiver sido proferida decisão em 1.a instância no prazo de quatro anos a contar da data da sua apresentação, e o interessado apresente requerimento no processo [alínea b) do seu n.º 1], redação que entrou em vigor em 27.02.2021. Sucede que, a Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, não contém qualquer disposição transitória a respeito da aplicação da citada norma legal, impondo-se, para o efeito, recorrer às regras gerais de aplicação da lei no tempo. Em especial, no que às normas fiscais respeita, decorre do n.º 3 do art.º 12.º da LGT que «[a]s normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes». Ou seja, «[e]m matéria de aplicação da lei processual tributária no tempo, vale a regra consagrada na teoria geral do direito civil, designadamente no artigo 12º do Código Civil, de que a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva» (cfr. José Maria Fernandes Pires, em «Lei Geral Tributária Comentada e Anotada», 2015, Almedina, p. 107). No entanto, como bem refere a Fazenda Pública, a situação ora em apreço, resultante do art.º 183.º-A do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, que fixa em quatro anos o prazo para efeitos de caducidade da garantia prestada no processo de execução fiscal, configura uma situação equiparável a redução de prazo, passado o prazo de caducidade da garantia a ser de quatro anos a contar da apresentação da impugnação judicial ao invés de se manter até ao trânsito em julgado da decisão final (termo incerto), importando, por isso, atender ao disposto no n.º 1 do art.º 297.º do Código Civil, onde se prevê que se «[a] lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar». É também este o entendimento de JORGE LOPES DE SOUSA, ainda que a propósito da contagem do prazo de caducidade reintroduzido pela Lei n.º 40/2008, de 11 de agosto, de acordo com o qual a introdução de um prazo para a caducidade da garantia, «para pôr termo a uma situação que anteriormente se mantinha até ao trânsito em julgado da decisão final, independentemente do tempo que demorasse a prolação da decisão (cfr. artigo 183.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário)», é equiparável a uma situação de redução de prazo (em «Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado», 6.a edição, Áreas Editora, Vol. III, p. 344). Além disso, o entendimento exposto é aquele que que melhor acautela as legítimas expectativas das partes e o equilíbrio das respetivas posições processuais porquanto: primeiro, à impugnante é sempre acautelado, em caso de procedência da impugnação, o ressarcimento das despesas incorridas com a prestação da garantia e, além disso, a sua situação fica protegida com a definição de um “termo final” para efeitos de manutenção da garantia, findo o qual, fica desobrigada de manter a garantia para efeitos da suspensão da execução fiscal; acautela as legítimas espectativas da Fazenda Pública que, até à entrada em vigor da nova lei tinha a satisfação do seu crédito protegida pela garantia até ao trânsito em julgado da decisão, contando agora com o referido prazo de quatro anos, durante o qual ainda se mantém a garantia, ao invés de ficar privada da mesma por mero efeito de requerimento do contribuinte apresentado na sequência da entrada em vigor da nova lei. Assim, e em conclusão, o novo prazo de quatro anos de caducidade de garantia aplica-se aos processos de impugnação pendentes, mas, quanto a estes, esse prazo conta-se a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro (i.e., a partir de 27.02.2021, cf. n.º 1 do art.º 17.º da citada Lei). Pelo exposto, indefere-se a requerida declaração de caducidade da garantia.» A recorrente insurge-se contra o decidido, imputando-lhe erro de julgamento por violação e errónea interpretação do direito aplicável. Alega, para tanto, e em síntese (i) que o prazo de 4 anos previsto no artigo 183.º-A do CPPT na redacção dada pela Lei n.º 7/2021, deve ser contado desde a data da instauração, nos termos do n.º 3, do artigo 12.º da LGT, (ii) e que a interpretação ancorada no artigo 297.º do Código Civil, segundo o qual o novo prazo de 4 anos deve contar-se a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, não poderá deixar de se considerar inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado do artigo 13.º da Constituição Portuguesa. Vejamos. Sobre a questão colocada no presente recurso, já este Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciou, em acórdão de 07/04/2022, no âmbito do processo n.º 401/12.1BESNT-S1 (disponível em www.dgsi.pt/), estando em causa as mesmas partes, sendo que as decisões recorridas também são idênticas, bem como as alegações de recurso. Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), por as questões aqui em análise não deferirem, transcrevemos as passagens relevantes do identificado arresto, cujo entendimento perfilhamos: «In casu importa decidir se à Recorrente deve ser reconhecida a caducidade das garantias apresentadas em 18/05/2012 no âmbito da impugnação judicial apresentada em 10/04/2012 com referência ao IRC de 2007, para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, com base no disposto no art. 183º-A do CPPT, na redacção dada pela Lei nº 7/2021 de 26 de Fevereiro, diploma que iniciou a sua vigência a 27/02/2021 como decorre do seu artigo 17.º, n.º 1. O artigo 183.º-A na redacção dada por aquela Lei, sob a epígrafe “Caducidade de garantia” consagra o seguinte: “1 - A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou oposição caduca: a) Automaticamente se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição; b) Se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de quatro anos a contar da data da sua apresentação e o interessado apresente requerimento no processo. 2 – (…). 3 - O requerimento mencionado na alínea b) do n.º 1 é submetido à apreciação do tribunal competente, devendo ser determinada em decisão fundamentada, após audição da administração tributária, a caducidade da garantia ou a sua manutenção por um período máximo adicional não renovável até dois anos, caso dos elementos do processo seja possível perceber o risco de prejuízo sério para o Estado. 4 – (…). 5 - O regime dos números anteriores não se aplica se o atraso na decisão resultar de motivo imputável ao reclamante, impugnante, recorrente ou executado. A Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, não consagrou qualquer disposição transitória a respeito da aplicação da citada norma legal, pelo que, para efeitos da sua aplicação, importa atender às regras gerais de aplicação da lei no tempo, em especial, ao disposto no art.º 12.º da LGT, onde se prevê, no seu n.º 3, que “as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”. Ou seja, “em matéria de aplicação da lei processual tributária no tempo, vale a regra consagrada na teoria geral do direito civil, designadamente, no artigo 12º do Código Civil, de que a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva” (cfr. José Maria Fernandes Pires, em «Lei Geral Tributária Comentada e Anotada», 2015, Almedina, p. 107). Ora na tese da Recorrente a aplicação da nova redacção do art. 183º-A do CPPT teria efeitos retroactivos. Mas atento ao disposto quer no artigo 12.º, nº 1, quer no nº 2, primeira parte, do Código Civil, a lei nova não pode aplicar-se às situações constituídas na vigência da lei antiga, sem que assuma eficácia retroactiva, solução que o ordenamento jurídico, em particular, os princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade não permitem. Nesse sentido, como se afirma no Acórdão do TCA Norte de 13/01/2022 – proc. 01225/17.5BEPRT- S1 “A propósito de situação distinta, mas com contornos semelhantes de sucessão de leis no tempo do regime de caducidade de garantia prestada, e que aqui avocamos, a jurisprudência foi firmando posição, assente em que: «A garantia prestada em execução fiscal nos termos do artº 183º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário - não caducada à data de 1 de Janeiro de 2007, início de vigência da Lei nº 53-A/2006 de 29 de Dezembro, revogatória daquele artigo 183.º-A, só poderá ser levantada oficiosamente ou a requerimento de quem a haja prestado, logo que no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida, nos termos do n.º 2 do artigo 183.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» [acórdão do STA, de 09.06.2010, no âmbito do processo n.º 0345/10 e de 22.04.2009, no processo n.º 0138/09]. A propósito da então revogação do artigo 183º-A pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, «deixaram de caducar as garantias prestadas em que não tivesse sido completado o prazo necessário para ocorrer a caducidade. Com efeito, está-se perante uma situação jurídica em curso de constituição, pelo que, se no momento da entrada em vigor da lei nova não ocorreu ainda a caducidade, os requisitos para a sua ocorrência não são regulados pela lei nova. No entanto, relativamente às situações em que os requisitos para ocorrer a caducidade se preencherem antes da revogação deste artigo, continua a ser possível declarar a caducidade, uma vez que se trata de uma situação constituída à sombra da lei antiga. (…) A caducidade é um efeito automático do decurso dos períodos nele referidos, sem que seja proferida decisão no processo administrativo ou judicial, limitando-se o tribunal a verificar a caducidade.» (acórdão do STA, de 22.04.2009, no processo n.º 0138/09) «O pedido de declaração de caducidade de garantia afere-se pela lei vigente ao tempo da prática do acto, ou seja, estamos perante o domínio da aplicação do princípio tempus regit actum, por força do qual o art.º 183.º-A do CPPT não se aplica à situação da presente acção uma vez que, no caso vertente, não era norma em vigor à data da reclamação graciosa apresentada pela A. (…) A apresentação do requerimento de prestação de garantia - em 31/08/2007 - e que retroage os seus efeitos à data da entrada da Reclamação Graciosa - em 08/08/2007- determinou o regime aplicável ao caso dos autos, o qual era o regulado pela lei antiga ou seja, o regime constante do artº 183º nº 2 do CPPT, atenta a revogação, pelo artº 94º da Lei nº 53-A/2006, do artº 183º -A do CPPT» (vide acórdão do TCA Sul de 22.10.2020, proferido no processo 1187/10.0BEALM e, neste sentido, ainda o acórdão de 19.11.2020, proferido no processo n.º 1387/11.5BELRS). Tendo concluído o mesmo Aresto que o novo prazo de caducidade (4 anos) aplica-se aos processos de impugnação pendentes a 27/02/2021 (data da entrada em vigor da nova redacção do artigo 183º-A do CPPT), de harmonia com a regra do artigo 12º, n.º 3 da LGT, mas só se conta a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, a saber dia 27/02/2021. Consideramos que importa atender ao regime substantivo civil, que, ao abrigo dos princípios da irretroatividade e “tempus regit actum”, prevê que, regra geral, a lei processual só dispõe para futuro (cf. artigo 12.º do Código Civil) e, bem assim, quanto ao tempo e à sua repercussão nas relações jurídicas, que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar” (cf. artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil). Na verdade com a Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro, o legislador veio reforçar as garantias dos contribuintes e a simplificação processual, alterando, entre o mais, a alínea b), do n.º 1 e n.º 3, do artigo 183.º-A, do CPPT acima transcritas. Ora, inicialmente o artigo 183.º-A do CPPT foi objecto de aditamento através da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, fixando a caducidade da garantia caso o processo de impugnação não obtivesse decisão em 1.ª instância no prazo de dois anos. Tal prazo foi ampliado para três anos pela Lei n.º 32.º-B/2002, de 30 de Dezembro. Posteriormente, a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, revogou o artigo 183.º-A do CPPT, tendo a Lei n.º 40/2008, de 11 de Agosto, aditado novamente este artigo mas reportado apenas à reclamação graciosa. Assim, a redação anterior à Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, não continha qualquer disposição de caducidade relativamente à impugnação judicial, pelo que, à data de prestação das garantias em causa (18 de maio de 2012) e à data de apresentação da impugnação judicial (10 de abril de 2012) o regime jurídico aplicável não previa qualquer prazo de caducidade para as garantias prestadas na pendência de impugnação judicial. A Lei n.º 7/2021 fixou um prazo de caducidade de 4 anos, isto é, um prazo “novo” de caducidade e consequentemente “mais curto” que o prazo constante do regime anterior, que não previa qualquer limite ou prazo de caducidade. Contrariamente ao que alega a Recorrente, consideramos ser aplicável o regime que decorre do n.º 1 do artigo 297º do Código Civil, porquanto a consagração de um prazo de 4 anos para efeitos de caducidade da garantia em caso de impugnação judicial revela-se mais favorável ao impugnante por consagrar um prazo mais curto em relação ao que anteriormente estava estabelecido. Recorde-se que anteriormente, as garantias só seriam levantadas de acordo com o art. 183º, nº 2 do CPPT, quando fosse proferida decisão favorável da impugnação judicial transitada em julgado, independentemente do tempo decorrido para a prolação de sentença, pelo que o actual regime claramente se revela mais favorável ao impugnante e como tal equiparável a uma situação de redução do prazo. No mesmo sentido Jorge Lopes de Sousa in CPPT Anotado, 2011, vol. III, afirma “É este o regime que decorre do n.º 1 do art. 297º do CC, pois a introdução de um prazo para a caducidade da garantia, para pôr termo a uma situação que anteriormente se mantinha até à decisão final, (art. 183º, n.º 2, do CPPT), independentemente do tempo que demorasse a prolação da decisão, é equiparável a uma situação de redução de um prazo”. Conclui-se assim que o disposto na alínea b) do nº 1 do art. 183º-A do CPPT ao consagrar o prazo de 4 anos para a caducidade da garantia será aplicável in casu ao processo de impugnação judicial pendente, de acordo com a regra do artigo 12º, n.º 3 da LGT, mas só se conta a partir do dia 27/01/2021, data da entrada em vigor da Lei que alterou a sua redacção. Também o STA considera no Acórdão datado de 16/02/2022 – proc. 0602/15.0BELRA-S1 que “Um contribuinte/sujeito passivo está em condições de requerer e obter declaração de caducidade, de garantia prestada para suspender a execução fiscal, com o apoio do disposto no art. 183.º-A n.º 1 al. b) do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 7/2021 de 26 de fevereiro, se, em processo de impugnação judicial ou oposição, mesmo que pendente desde 1 de janeiro de 2007, não for, em 1.ª instância, emitida decisão no prazo de quatro anos, contados desde 27 de fevereiro de 2021.”. (sublinhado nosso) Quanto à alegada inconstitucionalidade invocada pela Recorrente de que a interpretação, no sentido de o novo prazo de 4 anos estabelecido no art. 183-A do CPPT ser contado a partir da entrada em vigor da Lei nº 7/2021, viola o princípio da igualdade, desde já afirmamos que não lhe assiste razão. Entendemos que não ocorre qualquer violação do princípio da igualdade, em qualquer das suas acepções: na sua vertente negativa, da proibição do estabelecimento de distinções assentes em qualquer das categorias enunciadas no n.º 2 do art.º 13º da CRP ou da sua vertente positiva, obrigando a tratar por igual o que materialmente é igual e a tratar desigualmente o que é desigual ou seja, obrigando a não estabelecer distinções que não sejam materialmente fundadas. Na verdade, como se afirma no Acórdão do STA de 16/10/2002 – proc. 01123/02 “Estando-se perante a atribuição subjectiva de um bem jurídico cuja disposição apenas se tornou possível normativamente em certo momento, é materialmente razoável que essa atribuição se faça colocando ao mesmo nível as expectativas jurídicas que todos os sujeitos só então passaram a ter. Não se poderá falar numa expectativa de aplicação para o passado de algo que nele não existia. Por outro lado, é mais do que razoável, e como tal materialmente fundado, que o legislador não tenha querido computar nos prazos de caducidade da garantia que passou inovatoriamente a prever no art.º 183º-A do CPPT o tempo já decorrido em relação aos processos pendentes. É que, estando o seu juízo de criação de tal bem jurídico assente no pressuposto da exigência aos serviços de uma maior celeridade na decisão das questões relacionadas com a legalidade das dívidas garantidas, só a será de exigir a tais serviços daí para o futuro. Por outro lado, a sua opção legislativa de não retroactividade encontra ainda explicação material no respeito pela avaliação do risco de não cobrança das dívidas então feito pelo legislador, em termos de só ser possível assumir esse risco para o futuro, mas já não para o passado. Desta forma conclui-se serem improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso mantendo-se assim o despacho recorrido.» Nesta conformidade, a decisão recorrida não errou no julgamento que fez, pelo que, o recurso não merece provimento. * Conclusões/Sumário: I. O prazo de caducidade de quatro anos introduzido pela redacção dada ao artigo 183.º-A do CPPT, pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, tem aplicação aos processos de impugnação judicial pendentes de acordo com a regra do artigo 12.º, n.º 3 da LGT, mas só se conta a partir do dia 27/01/2021 (data da entrada em vigor daquela Lei). * IV – DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam as juízas da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente Notifique. Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023 Maria Cardoso Lurdes Toscano Ana Cristina Carvalho (assinaturas digitais) |