Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2359/09.5 BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 03/02/2023 |
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Relator: | MARIA CARDOSO |
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Descritores: | IRC ALIENAÇÃO ACÇÕES PRÓPRIAS PARTES DE CAPITAL DAS SGPS ENCARGOS FINANCEIROS COM AQUISIÇÕES DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS |
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Sumário: | I - O benefício fiscal previsto no artigo 32.º do EBF tem que ser interpretado com referência ao objecto social das SGPS, tal como definido no artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro. II - «Partes de capital» não integra elementos constitutivos de capital próprio, não só o legislador distingue essas duas realidades, com também têm tratamento contabilístico diferenciado, sendo, pois, de concluir que a norma do artigo 32.º do EBF apenas abrange partes de capital detidas pelas SGPS em outras sociedades. III - O ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30/03, da Direcção de Serviços do IRC, estabelecendo um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros, para efeitos de cálculo do lucro tributável, afronta o princípio da legalidade tributária. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - RELATÓRIO
1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 10/03/2022, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por F......, S.A, contra as liquidações provenientes do IRC, com o n.º …..871 e …..060, e respetivos juros compensatórios, relativas aos exercícios dos anos de 2005 e 2006, num montante total de € 920.003,42. 2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «4.1. Visa o presente recurso reagir contra a Douta decisão que julgou procedente a Impugnação judicial, intentada pela ora recorrida contra as liquidações de IRC e de juros compensatórios n.º ……871 e …..060, respeitantes ao exercício de 2005 e 2006 respectivamente, no montante total de 920.003,42 €. 4.2. Como fundamentos da impugnação invocou a impugnante, em suma, a ilegalidade das liquidações em questão, decorrente, por um lado, da não aceitação da aplicação do disposto no artigo 31.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente à data dos factos, relativamente às mais-valias realizadas pela Impugnante com a alienação de acções próprias, relativamente ao ano de 2005 e, por outro lado, decorrente da desconsideração do método de afectação dos encargos financeiros suportados pela Impugnante e por esta adoptado, com a aquisição de participações sociais, em desconformidade com o vertido no ponto 7 da circular n.º 7/2004, de 30 de Março, relativamente aos exercícios de 2005 e 2006. 4.3. Conclui peticionando a procedência da impugnação, com a consequente anulação dos actos impugnados. 4.4. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, anulando as liquidações de IRC impugnadas, bem como as referentes aos juros compensatórios, mais condenando a Administração Tributária no pagamento das custas processuais da presente impugnação. Ora, 4.5. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice. Senão vejamos: 4.6. Quanto à questão relativa à (i)legalidade da liquidação de IRC referente ao exercício de 2005, decorrente da não aceitação da aplicação do disposto no artigo 31.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente à data dos factos, relativamente às mais-valias realizadas pela Impugnante com a alienação de acções próprias: 4.7. Entendeu o Ilustre Tribunal recorrido, socorrendo-se do considerado pelo Colendo STA no seu Acórdão de 05-09-2012, proferido no âmbito do processo n.º 0314/12, em suma, que “II – No nº 2 do art. 32º dos EBF, o legislador consagra a regra geral de que não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as meno valias realizadas pelas SGPS, mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que haja detenção de acções ou participações sociais pela SGPS, por mais de um ano, não estabelecendo qualquer restrição consoante as partes sociais tenham resultado de aquisição derivada ou originária (isto é, resultante da compra de acções das sociedades ou resultante de subscrição de novas acções), e que, 4.8. III – A razão de ser do benefício fiscal é o de promover os arranjos societários, qualquer que seja a forma como operem, com vista a reforçar a actividade económica em geral e, em particular, o tecido organizacional das empresas, pelo que a interpretação no sentido de limitar o benefício fiscal apenas aos casos em que as partes sociais tivessem sido adquiridas por negócio translativo não tem o mínimo cabimento nem na letra nem na razão de ser do nº 2 do art. 32º do EBF.” Ora, 4.9. no que a esta questão diz respeito, e concretamente no que às variações patrimoniais diz respeito, é entendimento da Administração Tributária, à semelhança do já oportunamente referido em sede de contestação e de alegações, que entende-se participações (partes de capital) que detém noutras sociedades, conforme Regime Jurídico das SGPS, podendo concluir-se que do seu objecto social não fazem parte as aquisições/detenção de acções próprias. A contabilização dessas aquisições/detenções de partes de capital de empresas participadas encontram-se registadas no Activos, em concreto, no Imobilizado Financeiro, conta “41 – Investimentos Financeiros”. 4.10. A aquisição de acções próprias não fazem parte do objecto social das SGPS’s, tal como postula o regime jurídico a que estas entidades se encontram sujeitas, atendendo a que não se tratam de partes de capital de empresas participadas e por isso não sujeitas ao regime do artigo 32.º do EBF. 4.11. a detenção de acções próprias, não é uma componente do imobilizado financeiro, na medida em que são componentes negativas do capital próprio de uma sociedade, e, não o sendo, não integram o conceito de mais ou menos valias susceptível de beneficiar do regime estatuído quer no artigo 32.º do EBF quer no do artigo 45.º do CIRC. 4.12. Ao assim não entender o Ilustre Tribunal recorrido, com o devido respeito e s.m.e., incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, violando o disposto nos então vigentes artigos 21.º, 24.º, 32.º e 45.º, todos do CIRC. Posto isto: 4.13. Da (i)legalidade das liquidações de IRC relativas aos exercícios de 2005 e 2006, decorrentes da desconsideração do método de afectação dos encargos financeiros suportados pela Impugnante e por esta adoptado, com a aquisição de participações sociais, em desconformidade com o vertido no ponto 7 da circular n.º 7/2004, de 30 de Março: 4.14. Entendeu o Ilustre Tribunal recorrido, na sentença ora em crise que, “Sobre a questão que ora nos ocupa, atinente à aplicação da circular n.º 7/2014, de 30 de Março, já se pronunciou também o STA, no acórdão de 11 de Dezembro de 2019, proferido no processo n.º 0333/18, disponível em www.dgsi.pt, no sentido de que “sofre de ilegalidade a correcção feita pela AT para efeitos de apuramento do lucro tributável em acatamento da directriz consagrada no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, se, antes de recorrer ao método indirecto aí previsto, a AT não logrou demonstrar a inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. arts. 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe competia (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT)”.”. 4.15. Conclui o Tribunal a quo que “Tal como no caso aí decidido, também no caso vertente a fundamentação vertida no relatório de inspecção tributária (cf. letra B do probatório) não contém qualquer referência à aplicação subsidiária do método de cálculo do montante dos encargos financeiros destinados à aquisição de participações sociais, fazendo uma aplicação imediata do mesmo sem invocação da inviabilidade da quantificação directa, em correspondência com a circular 7/2004, que não prevê qualquer aplicação subsidiária do método de cálculo que enuncia.”, considerando que “… sofre de ilegalidade a correcção efectuada pela Administração Tributária relativa a “encargos financeiros (artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais)” (cf. letra B do probatório).”. Ora, 4.16. a emissão de uma instrução administrativa, emitida pela DGCI, atual AT, reconduz-se tão-somente ao suprir de uma necessidade manifestada pelos Sujeitos Passivos (Contribuintes). E ao fazê-lo, mais não faz senão dar cumprimento a um desígnio constitucional adstrito a toda a Administração Pública, que é de colaborar com os cidadãos, de com eles prosseguir no sentido de encontrar a melhor solução para o problema que enferma determinada realidade fáctica. 4.17. A fórmula estabelecida recorre à materialização de uma percentagem de dedução (pro rata) para determinação de encargos financeiros associados à aquisição de participações (facto não impugnado), mas não faz do método, como também não o faz o próprio CIVA ao abrigo do art. 23º por exemplo, um método indireto. Estamos, ainda e sempre, no âmbito da avaliação direta. 4.18. E porque assim é não recaía sobre a AT qualquer ónus de provar o cumprimento dos pressupostos da aplicação de métodos indirectos. 4.19. Não tendo o SP desconsiderado os encargos financeiros, no âmbito do apuramento do resultado contabilístico, à luz do artigo 32.º n.º 2 do EBF, em vigor à data dos factos, encontra-se a AT legalmente autorizada a, com recurso à mencionada fórmula, concretizar a operação de desconsideração daqueles para efeitos fiscais, sem ter que por em causa a veracidade da contabilidade nem qualificar a própria avaliação como indireta, à luz do disposto nos arts. 87º a 90º da LGT. 4.20. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, compete ao contribuinte o ónus de provar a verificação dos factos tributários que alegou como fundamento do direito a ver tais montantes relevados negativamente, o que a impugnante não fez. 4.21. Ao assim não entender o Ilustre Tribunal a quo, no decisório ora em apreciação, incorreu, sempre com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, em erro de julgamento no que á aplicação do direito diz respeito, violando o disposto no artigo 74.º, n.º 1 e 3, da LGT. Pelo exposto, 4.22. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, na parte em que esta determinou a anulação das liquidações impugnadas, com as legais consequências daí decorrentes. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!» 3. A recorrida, F......, S.A., apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: «A) Estabelecia o nº 2 do art. 31º do E.B.F. que, “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”; B) Por esta razão, considerou a impugnante que a diferença entre o valor de aquisição das acções próprias e o valor de realização na sua venda, constitui uma mais-valia excluída de tributação por força do disposto no artigo 31º, nº 2, do E.B.F na redacção vigente à data, uma vez que estamos em face de acções que foram detidas por período superior a um ano; C) Este entendimento foi inteiramente subscrito pela Meritíssima Juiz a quo, considerando ser «insustentável o entendimento da Administração Tributária segundo o qual o ganho obtido na alienação de acções próprias, atendendo a que não se trata de partes de capital de empresas participadas, não é contemplado pelo regime de artigo 31º, nº 2, do EBF.» porquanto «(…) o benefício fiscal é um elemento essencial do imposto: é o resultado de uma opção (que cabe ao legislador) valorativa dos interesses fiscais e extra-fiscais contemplados em determina situação, pelo que a sua existência e aplicabilidade não pode ser resultado de uma opção contabilística, no sentido de que a capacidade contributiva (o rendimento tributável) resultante da obtenção de uma mais-valia existe quer num caso (alienação de acções de empresas participadas) quer no outro (alienação de acções próprias) e é a mesma.»; D) Com efeito, não é o facto de a aquisição de partes de capital próprio, sob o ponto de vista do tratamento contabilístico, conduzir a um registo em contas distintas da aquisição de partes de capital de outras sociedades que determina o afastamento da aplicação do artigo 31º, nº 2, do E.B.F na redacção vigente à data, porquanto essa interpretação conduz a uma subversão completa do sentido e alcance do preceito, sem o mínimo de acolhimento na sua letra ou na sua razão de ser; E) o artigo 11º da Lei Geral Tributária, a propósito da determinação do sentido das normas, remete para o artigo 9º do Código Civil, que dispõe o seguinte: «1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. 4. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».; F) No caso em apreço, o legislador considerou que em certas situações as mais-valias obtidas pelas SGPS não seriam tributadas – mediante transmissão onerosa e desde que detidas por período superior a um ano –, sem fazer qualquer distinção sobre a origem destas mais-valias, designadamente, sobre a forma de aquisição das participações sociais e se são próprias ou de sociedades participadas; G) Assim, ao contrário do que é sustentado pela Autoridade Tributária, nenhum impedimento existe na aplicação do regime previsto no nº 2 do artigo 32º (anterior 31º) do E.B.F. às mais-valias decorrentes da alienação de partes de capital próprio por parte das SGPS; H) Pelo que, não padece a sentença recorrida de qualquer vício, seja na apreciação de matéria de facto, seja na integração dos factos com o direito aplicável; I) Sem prescindir, é incoerente a correcção a este respeito levada a cabo pela Autoridade Tributária, porquanto, a par de defender a não aplicação do artigo 31º, nº 2, do E.B.F à alienação de acções próprias – na óptica de que conduz a uma variação patrimonial positiva – a Autoridade Tributária apurou esse ganho como se de uma mais-valia se tratasse; J) Na verdade, o acréscimo à matéria tributável introduzido a este respeito pela Autoridade Tributária corresponde à diferença entre o valor de aquisição das acções próprias e o seu valor de venda, e não ao valor de realização obtido, tal como se encontra expresso no relatório da inspecção e está vertido no ponto B da matéria de facto assente, a fls. 8 e 11 da sentença, o que revela um procedimento incoerente; K) Por outro lado, no que diz respeito à correcção dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, introduzida pela Autoridade Tributária aos exercícios de 2005 e 2006 de acordo com a Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direcção de Serviços do IRC, L) Consideramos que a dedução do presente recurso quanto a esta matéria configura litigância de má-fé, porquanto corresponde ao uso deste meio processual de forma manifestamente reprovável, com o fim de protelar o trânsito em julgado da decisão sub judice sem qualquer fundamento sério – cfr. artigo 542º, nº 2 alínea d) do C.P.C.; M) Com efeito, com plena consciência do entendimento Tribunais Superiores a respeito da correcção dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais nos termos da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direcção de Serviços do IRC e da decisão proferida no Processo nº 1311/08.2BELRS, com trânsito em julgado, a Representação da Fazenda Pública, deduz pretensão, através do presente recurso, que sabe estar votada ao insucesso, N) Com o único intuito de protelar o trânsito em julgado da decisão sub judice, o que revela falta de respeito pelo Tribunal, pelo processo e pela Justiça, fazendo, assim, um uso manifestamente reprovável deste meio processual; O) Não pode a Fazenda Pública ignorar quer a Jurisprudência existente sobre a matéria, quer a eficácia do caso julgado no processo acima referido, a cuja decisão ficou obrigada dentro e fora desse processo conforme determina o artigo 619º, nº 1 do C.P.C., pelo que deve ser condenada em multa e indemnização à recorrida, a fixar nos termos previstos no artigo 543º, nº 1 e 2 do C.P.C., P) Uma vez que é de modo consciente e de forma expressa que deduz recurso da decisão sub judice, sabendo que a mesma acolheu o entendimento unanime e reiterado dos Tribunais Superiores sobre a matéria em questão e que a mesma acolheu, também, a decisão proferida no Proc. nº 1311/08.2BELRS, motivos que levam a que a Fazenda Pública saiba, sem margem para dúvida, que a sua pretensão não tem qualquer fundamento; Q) Pelas razões apontadas, a sentença recorrida não cometeu erro de julgamento nem violou qualquer disposição legal ao caso aplicável, devendo ser integralmente mantida. TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE CONFIRME A DECISÃO RECORRIDA E CONDENE A FAZENDA PÚBLICA EM MULTA E INDEMNIZAÇÃO Á PARTE CONTRÁRIA, NOS TERMOS PREVISTOS NO ARTIGO 543º, Nº 1 E 2, DO C.P.C. MAIS SE REQUER A V.EXªS A CONCESSÃO DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO Nº 7 DO ARTIGO 6º DO R.C.P.» * 4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso. 5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento. * II – QUESTÕES A DECIDIR: O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito ao ter concluindo que são ilegais as correcções efectuadas pela administração Tributária relativas (i) a “variação patrimonial positiva” (artigo 21.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coelctivas) no exercício de 2005, e, (ii) a “encargos financeiros (artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais)”nos exercícios de 2005 e 2006. * III - FUNDAMENTAÇÃO 1. DE FACTO A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto: «A. A Impugnante é uma sociedade gestora de participações sociais não financeiras, com o CAE n.º 64202 e encontra-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável por imposição legal (cf. doc. 3, junto com a p. i. a fls. 15 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido); B. Em cumprimento das ordens de serviço n.ºs OI …..50 e OI ….51, com despacho de 5 de Dezembro de 2007, a Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção tributária, que surgiu “no decorrer de anterior análise interna efectuada aos exercícios de 2003 e 2004, no sentido de verificar o «acréscimo, ou não, dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital na Modelo 22 nesse exercício, tendo em conta a nova redacção dada ao Artigo 31.º (actual artigo 32.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) pela Lei 32-B/2002 de 30 de Dezembro”, podendo, ademais e entre o mais, ler-se no relatório final de inspecção respectivo, elaborado em 17 de Junho de 2009 (Idem):
“(texto integral no original;imagem)”
(…) C. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos anexos ao relatório de inspecção tributária referido na letra anterior e, bem assim, do despacho e pareceres proferidos sobre o mesmo; D. Na sequência das correcções efectuadas, a Impugnante foi notificada das liquidações de IRC e inerentes juros compensatórios n.ºs ……871 e …..060, relativas aos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente (cf. docs. 1 e 2, juntos com a p. i. a fls. 11 e 12 e 13 e 14, respectivamente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e prints informáticos a fls. 79 e segs. do processo administrativo tributário apenso, cujo teor se dá igualmente por integralmente reproduzido); E. A p. i. da presente impugnação judicial deu entrada em juízo em 30 de Novembro de 2009 (cf. carimbo aposto na p. i., a fl. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); F. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 4, junto com a p. i. a fl. 65, que se consubstancia na circular n.º 7/2004, de 30 de Março; G. O método utilizado pela Impugnante para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais consistiu em calcular o valor médio mensal (não anual, conforme se refere na circular n.º 7/2007, de 30 de Março) das aplicações em participações, verificar a insuficiência de capital próprio para adquirir e manter essas participações, calcular a taxa média dos juros suportados e efectuar a correspondente operação de multiplicação para achar o valor dos respectivos encargos tendo por base as operações reais ao longo do exercício (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas; cf. ainda docs. 5 e 6, juntos com a p. i. a fls. 66 e 67, respectivamente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); H. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da sentença deste Tribunal e do acórdão do TCA Sul proferidos no processo de impugnação judicial n.º 1311/08.2BELRS (cf. fls. 170 e 202 do SITAF). Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados e, bem assim, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, que depuseram com isenção e credibilidade e revelando ter conhecimento directo dos factos. Com efeito, T...... era técnica oficial de contas à data e responsável pela contabilidade da Impugnante e J...... professor universitário especialista em questões fiscais, tendo explicitado ao tribunal o método utilizado pela Impugnante para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.» * 2. DE DIREITO Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida contra as liquidações adicionais relativas aos exercícios de 2005 e 2006, resultantes de acção de inspecção tributária, pela qual a Administração Tributária procedeu às seguintes correcções aritméticas: (i) “Variação Patrimonial Positiva (artigo 21.º do CIRC)”ao exercício de 2005, decorrente da não aceitação da aplicação do disposto no artigo 31.º, n.º 2 do EBF, na redacção vigente à data dos factos, relativamente às registadas mais-valias realizadas pela Impugnante com a alienação de acções própria; e, (ii) “Encargos Financeiros (artigo 31.º do EBF)” aos exercícios de 2005 e 2006, decorrentes da desconsideração do método de afectação dos encargos financeiros suportados pela Impugnante e por esta adoptado, com a aquisição de participações sociais em desconformidade com o vertido no ponto 7 da circular n.º 7/2004, de 30 de Março. As questões que se colocam prendem-se com o tratamento fiscal aplicável aos referidos ganhos e encargos. 2.1. Quanto à primeira questão, a sentença reconheceu razão à Impugnante, estribada em Jurisprudência que invoca relativa à alienação de participações sociais pelas SGPS, cujo entendimento considera transponível para o caso vertente, em que está em causa a alienação de acções próprias da SGPS, sendo que para assim concluir alinhou o seguinte discurso argumentativo que, no segmento que para aqui importa, se transcreve: (…) afigura-se-nos insustentável o entendimento da Administração Tributária segundo o qual o ganho obtido na alienação de acções próprias, atendendo a que não se tratam de parte de capital de empresas participadas, não é contemplado pelo regime do artigo 31.º, n.º 2, do EBF. Acresce que o benefício fiscal é um elemento essencial de um imposto: é o resultado de uma opção (que cabe ao legislador) valorativa dos interesses fiscais e extra-fiscais contemplados em determinada situação, pelo que a sua existência e aplicabilidade não pode ser resultado de uma opção contabilística, no sentido de que a capacidade contributiva (o rendimento tributável) resultante da obtenção de uma mais-valia existe quer num caso (alienação de acções em empresas participadas) quer no outro (alienação de acções próprias) e é a mesma. Pelo que, sofre de ilegalidade a correcção efectuada pela Administração Tributária relativa a “variação patrimonial positiva (artigo 21.º do Código do IRC)” (cf. letra B do probatório). A Recorrente defende nas suas alegações que o objecto social da Recorrida está condicionado às participações (partes de capital) que detém noutras sociedades, conforme Regime Jurídico das SGPS, e que a contabilização dessas aquisições/detenção de partes de capital de empresas participadas encontram-se registadas no Activo, em concreto, no Imobilizado Financeiro, conta “41 – Investimentos Financeiros”, e que a aquisição de acções próprias não fazem parte do objecto social das SGPS’s, não se tratam de partes sociais de empresas participadas e por isso não sujeitas ao regime do artigo 32.º do EBF. Mais invoca que não sendo a detenção de acções próprias uma componente do imobilizado financeiro, na medida em que são componentes negativas do capital próprio de uma sociedade, não integram o conceito de mais ou menos valias susceptíveis de beneficiar do regime estatuído pelos artigos 32.º do EBF e 45.º do CIRC (cfr. conclusões 4.9 a 4.12 da alegação de recurso). Vejamos. Como já se deixou expresso, a primeira questão que se coloca nos presentes autos prende-se com o tratamento fiscal aplicável aos ganhos decorrentes da alienação das acções próprias detidas pela Recorrida. A Recorrente sustenta, em síntese, a correcção no sentido que tais ganhos são tributados por se tratarem de uma variação patrimonial positiva no valor de € 3.257.018,92, sem que tenha existido reflexo no resultado liquido do exercício, nos termos do artigo 21.º, n.º 1 do CIRC. Por sua vez, a Recorrida advoga, em suma, que tal ganho tem a natureza fiscal de mais-valia e está isento de tributação nos termos do artigo 32.º, n.ºs 1 e 2 do EBF, não existindo qualquer impedimento à aplicação desse regime à alienação de partes de capital próprio por parte das SGPS. O Dec.-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, regula o regime jurídico das «Sociedades Gestoras de Participações Sociais«, abreviadamente SGPS, lendo-se no seu preâmbulo que «O regime fiscal que o presente diploma adopta para as SGPS, em sequência da Lei n.º 98/98, de 17 de Agosto, tem em vista a concessão de benefícios, sem os quais, de resto, tais sociedades teriam viabilidade duvidosa ou pouco interesse prático.» O artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 do citado diploma dispõem o seguinte: «1 - As sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas. 2 - Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.» Este diploma legal teve diversas alterações, que não relevam para a apreciação da questão que nos vem colocada. Impõe-se ter em consideração o que dispõe o artigo 32.º do EBF (à data dos factos), com a epigrafe «Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), sociedades de capital de risco (SCR) e investidores de capital de risco (ICR)». Estatuem os n.ºs 1 e 2 da citada norma o seguinte: «1 – Às SGPS, às SCR e aos ICR é aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 46.º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação. 2 – As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por períodos não inferiores a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.» Importa, pois, atentar no que se deve entender por «partes de capital», uma vez que o objecto social das SGPS está condicionado à gestão das participações (partes de capital) que detém noutras sociedades, como resulta da letra da lei. Acompanhamos a Recorrente, que sustenta a correcção levada a efeito pela Administração Tributária, quando evidência que «capital próprio» e «partes de capital» tratam-se de duas realidades distintas. A nosso ver, a letra da lei não deixa margens para dúvidas por distinguir «partes de capital» e «capital próprio». Na situação dos autos, o objecto social da recorrida encontra-se circunscrito à gestão de participações sociais de outras sociedades, conforme regime jurídico, pelo que não integra a aquisição/detenção de acções próprias. O benefício fiscal previsto no artigo 32.º do EBF tem que ser interpretado com referência ao objecto social das SGPS, tal como definido no artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro. Não oferece dúvidas que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF consagra uma isenção (benefício fiscal), medida de carácter excepcional. Com efeito, o n.º 1, do artigo 2.º do EBF dispõe que «Consideram-se benefícios fiscais as medidas de caráter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem». Significa que, o legislador considerou que o interesse público ligado ao desenvolvimento das SGPS justificava a não tributação das mais-valias obtidas por estas sociedades com a alienação de partes de capital de outras sociedades, preenchidos que fossem determinados requisitos Por sua vez, o artigo 10.º do EBF estatui que «As normas que estabeleçam benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva». Com o devido respeito por entendimento diferente, a interpretação da aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF não permite ampliar o seu alcance de forma a englobar «capital próprio». Sufragamos o entendimento de que «partes de capital» não integra elementos constitutivos de capital próprio, não só o legislador distingue essas duas realidades, com também têm tratamento contabilístico diferenciado, sendo, pois, de concluir que a norma do artigo 32.º do EBF apenas abrange partes de capital detidas pelas SGPS em outras sociedades. Relevante para a situação dos autos é também o tratamento contabilístico dessas duas realidades. Contabilisticamente, a detenção de acções próprias (conta 52) não é uma componente do Imobilizado Financeiro (conta 41) onde as aquisições/detenções de partes de capital de empresas participadas são registadas, por aquelas tratarem-se de componentes negativas do Capital próprio de uma sociedade (cfr. Dec.-Lei n.º 410/89). A alienação de acções próprias não determina o apuramento de uma mais ou menos-valia (proveitos ou ganhos/custos ou perdas), com reflexo no Resultado Líquido da Empresa, mas um aumento do capital próprio do alienante, no montante do preço de venda praticado. Não acompanhamos o decidido pela primeira instância, pois, «partes de capital» de outras sociedades e «capital próprio» são realidades distintas, não equiparáveis e, por isso, a jurisprudência indicada na sentença recorrida não é transponível para o caso vertente. Estamos, pois, perante variações patrimoniais, em princípio tributáveis em IRC, dentro da filosofia que lhe está subjacente de tributação do chamado rendimento-acréscimo. Assim, a detenção/alienação de acções próprias pelas SGPS não pode beneficiar do regime estatuído pelo artigo 32.º do EBF. Os artigos 21.º e 24.º do CIRC indicam que «concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas e negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício (…)», com excepção das situações enumeradas nas diversas alíneas desses preceitos. O legislador vem, taxativamente, elencar as variações patrimoniais positivas que, ainda que não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, não devem concorrer para a formação do lucro tributável, isto é, que não originam quaisquer correcções a efectuar ao resultado contabilístico. Ora, as excepções tipificadas à regra, que ficam excluídas da tributação, à data dos factos (2005) não incluía o resultado decorrente da alienação de instrumentos de capital próprio da empresa, pelo que o valor a considerar concorria para a formação do lucro tributável. A alteração às excepções previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, que excluiu da tributação a variação patrimonial positiva relativa a resultados da alienação de instrumentos de capital próprio da empresa não tem aplicação ao caso dos autos por lhe ser aplicável a lei vigente à data dos factos. O CIRC, na sua versão originária e até à reforma de 2014, consagrava, sem exceções, o princípio da realização, ou seja, no que aqui releva, os proveitos (mais-valias) decorrentes da transmissão de um bem só eram fiscalmente considerados no momento da sua transmissão. No presente caso, o sujeito passivo alienou acções próprias, que à data não era tipificada como excepção à regra, que assim não fica excluída da tributação, e, considerando que em sede de IRC, o que se procura tributar é o rendimento real efectivo, não tem razão a Recorrida quando afirma que o procedimento da Autoridade Tributária é incoerente ao não considerar apenas o valor de realização obtido, por as regras contabilísticas e fiscais aplicáveis deverem ser as de considerar a diferença entre o preço que foi pago e o da venda das acções. Assim, improcedem os vícios invocados pela impugnante atinentes à errónea qualificação e quantificação do facto tributário. Resta, pois, concluir, que a sentença recorrida ao decidir, nesta parte, no sentido da procedência da impugnação judicial, pronunciando-se pela ilegalidade da correção relativa a “variações patrimoniais positivas” para o ano de 2005, enferma de erro de julgamento. Pelo exposto, procede neste segmento o recurso. 2.2. A segunda questão respeita à correcção efectuada pela Administração Tributária relativa a “Encargos Financeiros (artigo 31.º do EBF)” aos exercícios de 2005 e 2006, decorrentes da desconsideração do método de afectação dos encargos financeiros suportados pela Impugnante e por esta adoptado, com a aquisição de participações sociais em desconformidade com o vertido no ponto 7 da circular n.º 7/2004, de 30 de Março. Da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo estribou a sua fundamentação, para concluir pela ilegalidade da correcção, com base em jurisprudência que invoca, em síntese, no pressuposto de que a Administração Tributária procedeu ao cálculo dos encargos financeiros com a aquisição de participações sociais fazendo uma aplicação imediata do método de cálculo subsidiário em correspondência com a circular 7/2004, sem invocação da inviabilidade da quantificação directa. Vejamos Como resulta do competente relatório de inspecção, para cálculo do valor dos encargos financeiros a imputar às participações sociais para o ano de 2005 e 2006 a Administração Tributária seguiu a metodologia aí descrita(cfr. alínea B do probatório), alicerçada na Circular 7/2004, de 30 de Março da DSIRCS, onde concluiu que não se apuraram encargos financeiros a acrescer ao lucro tributável. Importa, assim, aferir se era legítimo tal entendimento na base da correcção efectuada pela Administração Tributária ao apuramento do lucro tributável, para desconsideração dos custos suportados com a aquisição de participações sociais pela Recorrida indevidamente considerados como custo fiscal nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, de acordo com a metodologia de cálculo sancionada na Circular nº 7/2004, de 30 de Março, com afastamento da afectação directa. Não ocorrendo justificação para que dessa jurisprudência nos afastemos, e visando uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8º, nº 3 do Código Civil), aqui nos permitimos reproduzir o identificado aresto, o qual, por seu lado, se sustenta no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/06/2017, proferido no Processo n.º 364/14, sobre a mesma temática, aderindo-se, in totum, ao seu discurso fundamentador, que se transcreve, na parte relevante: «Quanto a esta concreta questão atinente à aplicação da Circular n.º7/2004 de 30 de Março, como dá nota o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.06.2017, proferido no processo n.º 364/14. « (Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por várias vezes a questão da legalidade de autoliquidações de IRC, efectuadas em conformidade com a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, tendo concluído, nos Acórdãos de 08.2017 e de 31.05.2017, proferidos, respectivamente, nos recursos 227/16 e 1229/15, que o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal.)» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt). Escreveu-se, no Acórdão de 31.05.2017 (processo n.º 1229/15): Tanto na sentença recorrida, como nas alegações da recorrente, não há divergência sobre a natureza das regras contidas em tal Circular, trata-se de instruções genéricas que não são mais do que meras orientações administrativas que apenas vinculam a Administração, cfr. artigo 55º do CPPT e 68º-A da LGT. Ou seja, não têm uma dimensão erga omnes, tal como as leis editadas pelo Parlamento e pelo Governo e, consequentemente, não vinculam os contribuintes e, especialmente, os Tribunais, cfr. n.º 3 daquele artigo 55º, estando o seu campo de aplicação obrigatório confinado à actuação da administração tributária que procedeu à sua emissão. As instruções constantes de tal Circular foram editadas porque, “1. Tendo-se levantado dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e às sociedades de capital de risco (SCR), previsto no art.º 31º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2003), sanciona-se o seguinte entendimento: Regime previsto no nº 2 do art.º 31º do EBF Regime previsto no nº 3 do art.º 31º do EBF 3. O n.º 3 do mesmo artigo, tendo a natureza de uma norma antiabuso, afasta a aplicação do regime previsto no n.º 2 relativamente "às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do art.º 58º do Código do IRC, ou entidades com domicílio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objecto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão." Aplicação temporal do novo regime 4. O n.º 5 do art.º 38.º da Lei n.º 32-B/2002, por sua vez, prescreve que "a alteração introduzida no art.º 31.º do EBF aplica-se às mais-valias e às menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1 de Janeiro de 2003, sem prejuízo de se continuar a aplicar, relativamente à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 7º da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, ou, em alternativa, no n.º 8 do artigo 32.º da Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro." Depreende-se, assim, que a razão de ser de tais “normas administrativas” encontra a sua justificação nas dúvidas e incertezas que a AT sentiu na aplicação das regras constantes do referido artigo 32º do EBF, no que às sociedades SGPS diz respeito, como a recorrente, criando um regime uniforme para obter, no seu entendimento, uma aplicação consentânea com a vontade legislador ao editar tal inciso legal.». No caso vertente, os Serviços de Inspecção Tributária no âmbito da análise interna aos exercícios de 2003 e 2005, verificaram que o método de apuramento dos encargos financeiros adoptado pela recorrida foi diferente ao previsto na Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Ora, acontece tal como entendeu, e bem, o Tribunal «a quo» que « (…)da leitura atenta das conclusões do Relatório Inspetivo, não resulta que o método utilizado pela impugnante no apuramento de tais encargos financeiros padeça de qualquer ilegalidade ou que os mesmos tenham sido apurados de forma incorreta sem refletir as operações reais que titulam.». É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.» Por conseguinte, o recurso deve nesta parte improceder. 2.3. Da dispensa do remanescente da taxa de justiça O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispõe: Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. Esta norma está relacionada com o que se prescreve na tabela I, ou seja, que para além de € 275.000 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fração 3 unidades de conta no caso da coluna A, 1,5 unidade de conta no caso da coluna B, e 4,5 unidade de conta no caso da coluna C. O remanescente da taxa de justiça, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa, deve ser considerado na conta final, se por acaso não for determinada a dispensa do seu pagamento. Como pondera Salvador da Costa: «A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, por um lado, a sua menor complexidade ou maior simplicidade, e, por outro, a atitude das partes na prática dos actos processuais necessários à adequada decisão da causa, isto é, margem de afirmações ou alegações de índole dilatória. A este propósito, é necessário ter em conta que a taxa de justiça é um dos elementos essenciais do financiamento dos tribunais e do acesso ao direito e aos tribunais. A atitude das partes com vista à dispensa ou não do remanescente da taxa de justiça deve ser apreciada à luz dos princípios da cooperação e da boa fé processual, a que se reportam os artigos 7.º, n.º 1, e 8.º da CPC.» (in As Custas Processuais, análise e comentário, 7.ª Edição, Almedina, nota 6.8. ao artigo 6.º, pág. 141). A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar que justifica-se dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, se não se suscitarem questões de grande complexidade e se também o respectivo montante se mostrar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe (vide por todos Ac. do STA de 01/02/2017, proc. n.º 0891/16 e de 08/03/2017, proc. n.º 0890/16, disponíveis em www.dgsi.pt/; e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07). Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de € 920.003,42 se existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes nos presentes autos. Analisando a conduta processual das partes, verificada a tramitação dos autos constata-se que as mesmas se limitam ao que lhes é exigível e legalmente devido. Quanto à complexidade da causa, o Regulamento das Custas Processuais não estabelece critérios específicos, pelo que, socorremo-nos do artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe considerarem-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meio de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas. Tendo presente os critérios indiciários supra elencados e o circunstancialismo em que foi lavrado o acórdão, constata-se que a especialidade da causa é de molde a afastar o excesso do pagamento sobre o valor de €275.000,00. Efectivamente, ponderando que as questões apreciadas não apresentam elevada complexidade, tendo inclusivamente um delas versado sobre matéria já amplamente tratada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa, e não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00. Assim, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, dispensa-se a o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00. * Conclusões/Sumário: I - O benefício fiscal previsto no artigo 32.º do EBF tem que ser interpretado com referência ao objecto social das SGPS, tal como definido no artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro. II - «Partes de capital» não integra elementos constitutivos de capital próprio, não só o legislador distingue essas duas realidades, com também têm tratamento contabilístico diferenciado, sendo, pois, de concluir que a norma do artigo 32.º do EBF apenas abrange partes de capital detidas pelas SGPS em outras sociedades. III - O ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30/03, da Direcção de Serviços do IRC, estabelecendo um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros, para efeitos de cálculo do lucro tributável, afronta o princípio da legalidade tributária. * IV – DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam, em conferência, as juízas da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença, julgando-se parcialmente improcedente a impugnação, nos termos supra referidos. Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 25% para a Recorrente e 75% para a Recorrida, em ambas as instâncias, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda € 275.000. Notifique. Lisboa, 2 de Março de 2023. Maria Cardoso - Relatora Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta Ana Cristina Carvalho – 2.ª Adjunta (assinaturas digitais) |