Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:693/14.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/01/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:REVISÃO OFICIOSA
CASO JULGADO
EFEITO DE PRECLUSÃO
Sumário:I - A impugnante não está impedida de invocar novo fundamento de ilegalidade da liquidação no pedido de revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento daquela, uma vez que não se prevê qualquer obstáculo a que o interessado possa utilizar sucessivamente meios impugnatórios do acto de liquidação e meio procedimental de revisão do acto tributário.
II - A revisão do acto por iniciativa da administração tributária não é configurada como uma faculdade, mas como um poder-dever da administração, por esta estar sujeita ao principio da legalidade.
III - A figura do efeito preclusivo invocado na sentença decorrente do ónus de alegar todos os factos integradores da causa de pedir, sob pena de ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações futuras que corram entre as mesmas partes, não tem aplicação ao pedido de revisão, cujo indeferimento abre a impugnabilidade contenciosa, por a lei não fazer qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo de reclamação administrativa ou para além dele.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A....., Ldª, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida em 20/04/2021, que julgou procedente, por provada, a excepção dilatória de caso julgado e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública da instância, na impugnação por si apresentada, referente a atos de liquidação de IRC relativos ao exercício dos anos de 2003 e 2004.

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«Entendemos que não se verifica a exceção do caso julgado, porquanto:

i) A sentença transitada em julgado teve por base uma impugnação judicial, e foi deduzida com fundamentos diferentes;

ii) O pedido de revisão a que se refere o nº 1 do artigo 78º da LGT, que determina: A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

não podia sequer ter os mesmos fundamentos da impugnação judicial, e, em concreto, os tinha;

iii) Só a coincidência dos três elementos previstos no nº 1 do artigo 581º do CPC, permitem concluir pela exceção do caso julgado, que entendemos que não se verifica;

iv) O próprio nº 1 do art.º 78º d LGT, não o prevê;

v) Por outro lado, como se diz no Ac. do STA de 2018.05.30, proferido no processo nº 098/14: Existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade da decisão [art.º 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte, do CPC] se o tribunal, contrariando o disposto no art.º 660.º, n.º 2, do CPC, proferir uma decisão de fundabilidade ou infundabilidade de exceções e da pretensão [causa de pedir/pedido] sem apreciar os problemas/questões fundamentais objeto do litígio.

vi) Assim, não concordamos com a decisão proferida.

Do pedido: Pretende-se a anulação da sentença, por erro de julgamento e de falta de fundamentação, conforme alínea v) das conclusões que conduz à nulidade da decisão, consequentemente, que seja apreciado o pedido. Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser REVOGADA, por ser de: LEI, DIREITO, E JUSTIÇA.»

3. A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de (i) nulidade por omissão de pronuncia, e de (ii) erro de julgamento de direito por ter julgado procedente a excepção dilatória de caso julgado referente a actos de liquidação de IRC dos anos de 2003 e 2004.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«1) No dia 16 de dezembro de 2008, A....., Lda. (NIPC 50……), ora impugnante, deduziu impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que correu termos sob o processo n.º 1555/08.7BELRA, contra as liquidações adicionais de IRC n.ºs ……30 e ….50, relativas aos exercícios de 2003 e 2004, respetivamente, bem como as compensações e cálculos dos juros compensatórios, formulando, a final, o seguinte pedido:

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente impugnação ser recebida, julgada procedente por provada e, em consequência: 1) Declarar-se a caducidade das liquidações; 2) Se assim não se entender, o que mera hipótese académica aqui se invoca, serem ANULADAS totalmente as liquidações de IRC, e juros notificados nos ofícios juntos a esta impugnação, e que aqui se impugnam, com base na nulidade, injustiça e ilegalidade da decisão, nos termos dos artigos 99.º e seguintes do CPPT, “ex vi” artigo 95.º e seguintes da LGT, e demais legislação aplicável ao caso em concreto. 3) Custas a cargo da entidade impugnada

– cfr. documento de fls. 171 a 220 da paginação eletrónica;

2) A impugnante sustentou a sua pretensão, na impugnação que correu termos sob o n.º 1555/08.7BELRA, com base nos seguintes fundamentos:

- A resposta apresentada pela impugnante não foi considerada na decisão final do procedimento tributário;

- A Administração Tributária não poderia alterar os valores constantes da escritura, sem propor ação de anulação dessas escrituras em tribunal;

- Os valores declarados pela impugnante são reais;

- Quando se fixa valores de liquidação não se podem fixar em simultâneo os valores de juros;

- Foram violados os princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e celeridade;

- As liquidações impugnadas padecem do vício de falta de fundamentação;

- As liquidações impugnadas estão feridas de caducidade.

– cfr. documento de fls. 171 a 221 da paginação eletrónica;

3) Por sentença proferida, no dia 25 de fevereiro de 2011, foi julgada improcedente a impugnação judicial referida em 1) – cfr. documento de fls. 232 a 242 da paginação eletrónica;

4) A impugnante interpôs recurso da sentença referida na alínea anterior – cfr. documento de fls. 243 a 296 da paginação eletrónica;

5) No dia 29 de maio de 2012, por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que transitou em julgado, foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pela impugnante e, por conseguinte, foi mantida a sentença referida em 3) – cfr. documento de fls. 243 a 296 da paginação eletrónica.

Factos não provados:

Com relevância para a decisão da exceção, inexistem factos não provados

Motivação e análise crítica da prova produzida

Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes dos presentes autos, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal. A documentação em questão não foi objeto de impugnação nem sequer de reparo por quaisquer das partes, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade, sendo, por isso, aqui aplicável o disposto o disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual “[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”.»


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2. DE DIREITO

2.1. Da nulidade por omissão de pronuncia

A Recorrente, invoca nas suas conclusões de recurso a nulidade da sentença, por omissão de pronuncia, como se colhe da alínea v) das conclusões da alegação de recurso supra transcritas, por não ter apreciado as questões objecto do litígio.

O Mmo. Juiz a quo pronunciou-se sobre a nulidade da decisão, declarando que o Tribunal conheceu e decidiu pela procedência da suscitada excepção dilatória de caso jugado, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.

Vejamos.

A questão que importa apreciar e decidir, em primeiro lugar, é a de saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia.

Nos termos do artigo 125.º, n.º 1, do CPPT constituem causas de nulidade da sentença (…), a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Por sua vez, o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT preceitua que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

O vício de nulidade por omissão de pronúncia a que aludem os artigos acabámos de citar, está directamente relacionado com a imposição decorrente do n.º 2, do artigo 608.º do CPC, que exige ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Se o não fizer, então a lei fere com nulidade a sentença proferida.

É entendimento pacífico e reiterado da nossa jurisprudência que só se verifica esta nulidade quando existe a violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deva apreciar (cfr. neste sentido por todos Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12, disponível em www.dgsi.pt/).

Efectivamente, a nulidade por omissão de pronuncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal (vide entre outros acórdãos do STA de 10/9/2008, proc. n.º 0812/07 e de 20/04/2020, proc. n.º 02145/12.5BEPRT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/)

E as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litigio (vide Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª edição, 2011, nota 10 ao artigo 125.º, pág. 364).

Não ocorre omissão de pronuncia quando da sentença resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.

Na situação dos autos, o Tribunal a quo não conheceu das questões suscitadas na petição inicial de impugnação judicial, porque ficaram prejudicas face à solução adoptada sobre outra questão, que comprometeu irremediavelmente o sucesso daquelas.

Com efeito, a sentença recorrida julgou procedente a excepção dilatória de caso julgado e, consequentemente, não tomou conhecimento das questões suscitadas pela Impugnante.

Tal julgamento pode como qualquer decisão de um tribunal, mostrar-se errado, erro de julgamento que será oportunamente apreciado visto que foi suscitado no âmbito do presente recurso, mas o que não pode é dizer-se que a sentença padece de omissão de pronúncia.

Improcede, pois, este fundamento de recurso.


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2.2. Do erro de julgamento quanto à verificação da excepção de caso julgado

Insurge-se a Recorrente contra a decisão recorrida, em suma, por entender que não se verifica a excepção de caso julgado, porquanto a sentença transitada em julgado teve por base uma impugnação judicial que foi deduzida com fundamentos diversos da que deu origem aos presentes autos que foi apresentada na sequência de pedido de revisão, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, e, assim, não se verifica a coincidência dos três elementos previstos no n.º 1, do artigo 581.º do CPC.

Alega a Recorrente no ponto 5 da alegação de recurso que nos presentes autos está em causa pedidos relativos à ilegalidades de actos preparatórios que conduziram ao próprio acto de liquidação.

Vejamos, então, se se verificam ou não os pressupostos de que depende a verificação da excepção dilatória do caso julgado.

«De harmonia com o preceituado nos artigo 580.º n.º 1 e 581.º n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), o caso julgado – como a litispendência - tem como pressuposto a repetição de uma causa, repetindo-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

O caso julgado tem como objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior; visa obstar a que a mesma questão jurídica, materializada na formulação da mesma pretensão com base na mesma factualidade seja objecto de duas ou mais acções que tenham os mesmos pólos subjectivos (cfr. artigo 580.º n.º 2, do CPC e António Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, 3ª edição, p. 326 e segs.).

A noção de trânsito em julgado da sentença é dada pelo artigo 619.º do CPC, ao preceituar que transitada em julgado a sentença (…) que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.

De referir ainda o disposto na primeira parte do artigo 621.º do CPC, segundo o qual «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).»

Nos termos do artigo 577.º, alínea i) CPC a excepção dilatória de caso julgado é do conhecimento oficioso.

Julgada em termos definitivos certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, mesmo incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação depende decisivamente do objecto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção (cfr. acórdão do STJ de 24/04/2015, processo n.º 7770/07, disponível em www.dgsi.pt/).

Nas palavras de Manuel de Andrade, o caso julgado material «consiste em a definição dada à relação material controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.» (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 305).

A figura do caso julgado tem protecção constitucional alicerçada, quer no disposto no artigo 282.º, n.º 3, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 15/2013, de 17/06/2013, disponível no www.tribunalconstitucional.pt/).

Quanto ao que deva entender-se por identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, é o artigo 581.º n.ºs 2, 3 e 4, que fornece a resposta.

Assim, há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.» (acórdão deste TCAS de 04/05/2023, processo n.º 2043/11.0BELRS, relatado pela mesma Relatora no âmbito da mesma formação de julgamento)

Antes de avançarmos para a verificação das enunciadas identidades quanto aos sujeitos, causas de pedir e pedidos entre as duas acções, importa ter presente que a presente impugnação judicial foi apresentada na sequência de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT.

A revisão oficiosa das liquidações quando não exercida pelo sujeito passivo dentro dos prazos previstos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT, pode ainda ser exercida dentro dos prazos em que a administração tributária a pode efectuar, nos termos do n.º 1, do artigo 78.º da LGT, mas apenas com fundamento em erro imputável aos serviços e duplicação de colecta

A sentença recorrida identificou as seguintes questões a decidir:

a) Errónea quantificação dos rendimentos tributáveis;

b) Incompetência do autor que sancionou a decisão do procedimento tributário;

c) Falta de fundamentação das liquidações; e

d) Preterição do direito de audição.

Para julgar procedente a excepção dilatória de caso julgado, o Tribunal a quo depois de ter feito o enquadramento jurídico da questão ponderou o seguinte:

Volvendo ao caso dos autos, destes resulta provado que a impugnação judicial que correu termos sob o número 1555/08.7BELRA já foi decidida por sentença que já transitou em julgado (cfr. alíneas 3) e 5) do elenco dos factos provados).

Vejamos, agora, se se mostra procedente a exceção de caso julgado, aferindo se, in casu, se verifica a tripla identidade quantos aos sujeitos, pedido e causa de pedir entre a presente ação e aquela que correu termos sob o n.º 1555/08.7BELRA.

No caso sub judice, a impugnante da presente ação é a mesma daquela que correu termos sob o n.º 1555/08.7BELRA, ou seja, a empresa A....., Lda. (NIPC 50…..), sendo que a Fazenda Pública é a entidade demandada em ambas as ações, pelo que, sem necessidade de outras considerações, conclui-se, assim, pela identidade dos sujeitos.

Por outro lado, verifica-se, ainda, a identidade do pedido nas duas ações ora em confronto, visto que em ambas as ações, a impugnante pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, a anulação das liquidações de IRC dos exercícios de 2003 e 2004.

Por fim, vejamos, agora, se se verifica a identidade na causa de pedir.

Na impugnação judicial que correu termos sob o n.º 1555/08.7BEBRG, a impugnante sustentava a anulação das liquidações adicionais de IRC, referente aos exercícios de 2003 e 2004, com base na violação do direito de audição prévia, na errónea quantificação do facto tributário, na errada fixação de juros, na falta de fundamentação das liquidações, na caducidade das mesmas e na violação de todo um conjunto de princípios (nomeadamente os princípios do inquisitório, da colaboração, da participação, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade).

Por seu turno, na presente ação, a impugnante sustenta o pedido anulatório das mesmas liquidações (IRC de 2003 e 2004) com fundamento na errónea quantificação dos rendimentos tributáveis, na incompetência do autor que sancionou a decisão do procedimento tributário, na falta de fundamentação das liquidações e na preterição do direito de audição.

Como ensina o Professor ALBERTO DOS REIS (in Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 176), no plano dos fundamentos de facto, preclude-se ao autor a possibilidade de, em nova ação, e dentro da mesma causa de pedir, vir carrear outros fundamentos, de facto ou de direito, não produzidos no processo anterior.

Com efeito, por insuficiência de matéria de facto alegada e provada na primeira ação, não pode vir a discutir-se na presente ação a factualidade que deveria ter sido alegada naquela primeira ação e que o não foi. De facto, a preclusão atua relativamente a todos os factos que a parte podia ter deduzido na ação anterior.

Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação Coimbra de 07.05.2013 (proferido no processo n.º 233/2000.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt) “a ser de outra forma, a mesma pretensão poderia ser reapreciada várias vezes perante os mesmos sujeitos, ainda que mediante elementos de facto diversos, de que, segundo a sua conveniência, o autor se iria socorrendo sucessivamente até obter ganho de causa. Se isso fosse consentido, não ficaria salvaguardado o prestígio do órgão-tribunal, pois ficaria aberta a porta a julgados efetivamente contraditórios, ou, no mínimo, incongruentes. O caso julgado cobre, por conseguinte, a causa de pedir concretamente aduzida na ação anterior e também aquela que virtualmente o poderia ter sido e por qualquer motivo o não foi” (sublinhado nosso). O mesmo entendimento foi também sufragado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18.03.2016 (proferido no processo n.º 00141/12.1BEPNF, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Revertendo ao caso dos autos, verificamos que a própria impugnante alega, no artigo 8.º da p.i., que “os fundamentos invocados no pedido de revisão oficiosa, bem como os que agora são invocados são diferentes dos invocados em anterior impugnação judicial”, mas isso não basta para afastar a exceção de caso julgado.

Senão, vejamos

Na impugnação judicial que correu termos sob o n.º 1555/08.7BELRA, a impugnante teve a oportunidade de carrear para o processo todos os fundamentos de facto e de direito (nomeadamente quantos aos vícios assacados aos atos tributários impugnados e aos atos praticados (preparatórios), no âmbito do procedimento tributário, que os antecederam – factos estes que já eram do seu conhecimento aquando da propositura da referida impugnação) em que assentava o seu pedido anulatório, pretensão essa que foi julgada improcedente por sentença proferida no dia 25 de fevereiro de 2011 e confirmada pelo acórdão do TCA Sul, de 29 de maio de 2012 (cfr. alíneas 3) e 5) do elenco dos factos provados), pelo que, na esteira das considerações acima vertidas, não pode, agora, ver reapreciadas as mesmas liquidações adicionais de IRC (referentes aos exercícios de 2003 e 2004), com diferentes fundamentos e argumentos.

No mais, acompanhamos o parecer do Digno Magistrado do Ministério Público quando aí se diz, relativamente à alegada errónea quantificação dos rendimentos tributáveis (…).

Adiantamos desde já que este julgamento não pode manter-se na totalidade.

Concordamos com a verificação do caso julgado quanto às questões supra referidas em a), c) e d), mas já não quanto à que consta em b).

A ora Recorrente invocou na impugnação judicial que a decisão que sancionou as correcções que estão na origem das liquidações impugnadas é nula, por incompetência do órgão, o qual de acordo com o alegado nos pontos 11 a 15 da petição inicial terá sido o Director de Finanças.

Dos autos não consta o Relatório de Inspecção Tributária, nem o procedimento de revisão oficiosa.

A competência é definida por lei ou por regulamento, é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo de eventual delegação ou subdelegação de poderes ou substituição nos casos não expressamente proibidos por lei (artigo 29.º n.° 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na redacção anterior, atenta a data da prática dos factos, e artigo 62.º, n.° 1, da LGT)

Para além das referências que de forma especial se encontrem legalmente previstas para o acto concreto, deste devem constar sempre a indicação da autoridade que o praticou e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista, cabendo ao órgão competente para a prática do acto, em caso de incompetência, o poder de o ratificar, ratificação esta (tal como a reforma e a conversão) que retroagem os seus efeitos à data dos actos a que respeitam, salvo se tiver entretanto havido alteração ao regime legal pertinente (artigos 123.º e 137.º do CPA)

A incompetência do órgão que sancionou as correcções não foi invocada na impugnação n.º 1555/08.7.

A impugnante não está impedida de invocar novo fundamento de ilegalidade da liquidação no pedido de revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento daquela, uma vez que não se prevê qualquer obstáculo a que o interessado possa utilizar sucessivamente meios impugnatórios do acto de liquidação e meio procedimental de revisão do acto tributário.

Como resulta do exposto, a impugnante despoletou a revisão oficiosa no prazo consentido por iniciativa da administração tributária (vide, entre outros, Acs. do STA de 02/04/2003, proc. n.º 1771/02 e de 02/07/2003, proc. n.º 945/03, disponíveis em www.dgsi.pt/).

A revisão do acto por iniciativa da administração tributária não é configurada como uma faculdade, mas como um poder-dever da administração, por esta estar sujeita ao principio da legalidade.

«Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da LGT.» (Ac. do STA de 06/10/2005, processo n.º 653/05, disponível em www.dgsi.pt/).

Há no âmbito do direito tributário o reconhecimento do dever de revogar actos ilegais (cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotado e Comentada, 4.ª Edição, 2012, econtro de escrita editora, pág. 704).

A entender-se como entendeu a sentença recorrida que a Impugnante não pode ver reapreciadas as mesmas liquidações adicionais de IRC dos anos de 2003 e 2004 com diferentes fundamentos e argumentos, reduziria o artigo 78.º da LGT a uma situação de quase inutilidade.

A figura do efeito preclusivo do caso julgado invocado na sentença recorrida decorrente do ónus de alegar todos os factos integradores da causa de pedir, sob pena de ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações futuras que corram entre as mesmas partes, não tem aplicação ao pedido de revisão previsto no artigo 78.º da LGT, cujo indeferimento abre a impugnabilidade contenciosa, por a lei não fazer qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo de reclamação administrativa ou para além dele (cfr. artigos 78.º e 95.º, n.º 2, alínea d) da LGT e 268.º, n.º 4 da CRP; vide Ac. STA de 12/07/2006, proc. n.º 0402/06, disponível em www.dgsi.pt/).

Assim sendo, os novos fundamentos de ilegalidade, desde que não resultantes de uma actuação do sujeito passivo, não estão cobertos pelo caso julgado, por a administração tributária estar genericamente obrigada a actual em conformidade com a lei (cfr. artigos 95.º, n.º 1, alínea d) do CIRC, 55.º da LGT e 266.º, n.º 1 da CRP).

O regime do artigo 78.º da LGT é um reforço garantístico que encontra explicação na natureza fortemente agressiva dos actos de liquidação na esfera jurídica dos particulares.

O conceito de “erro imputável aos serviços” compreende o lapso, o erro material, o erro de facto e o erro de direito e, essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt.)».

Resulta do exposto que a alegada incompetência do órgão decisório não se encontra abrangido pelo caso julgado.

Sob este conspecto não se acompanha a decisão recorrida.

Termos em que, procede parcialmente o recurso no que respeita à alegada incompetência do órgão que sancionou as correcções por quanto a ela não se verificar a excepção dilatória de caso julgado, nem o efeito de preclusão, e, quanto ao mais concordamos com a decisão recorrida, e, portanto, aqui nos abstemos de repisar.

O n.° 2, do artigo 665.° do CPC, prevê a hipótese de o TCA, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação da questão que julgou prejudicada pela solução dada ao litígio, dela possa conhecer, em substituição, no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha de elementos necessários (cfr. Ac. do TCAS de 12/08/2011, processo n.º 04880/11, disponível em www.dgsi.pt/).
No caso sub judice, o tribunal a quo, na sentença recorrida, limitou-se a julgar a matéria de facto somente direcionada para a verificação da excepção do caso julgado, sendo completamente omissa quanto à demais factualidade alegada como sustentáculo do vício de incompetência.
Acresce que não foram juntos aos autos o RIT, nem a decisão proferida no procedimento de revisão oficiosa.
Nesta conformidade, este tribunal não dispõe dos elementos necessários para decidir em substituição, pelo que se impõe a devolução do processo ao Tribunal recorrido, para prolação de nova decisão, com prévia ampliação da matéria de facto.

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Conclusões/Sumário:

I. A impugnante não está impedida de invocar novo fundamento de ilegalidade da liquidação no pedido de revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento daquela, uma vez que não se prevê qualquer obstáculo a que o interessado possa utilizar sucessivamente meios impugnatórios do acto de liquidação e meio procedimental de revisão do acto tributário.

II. A revisão do acto por iniciativa da administração tributária não é configurada como uma faculdade, mas como um poder-dever da administração, por esta estar sujeita ao principio da legalidade.

III. A figura do efeito preclusivo invocado na sentença decorrente do ónus de alegar todos os factos integradores da causa de pedir, sob pena de ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações futuras que corram entre as mesmas partes, não tem aplicação ao pedido de revisão, cujo indeferimento abre a impugnabilidade contenciosa, por a lei não fazer qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo de reclamação administrativa ou para além dele.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar a apelação interposta parcialmente procedente por provada e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida na parte em que considerou que a Impugnante, ora Recorrente, não podia ver reapreciadas as mesma liquidações adicionais de IRC com diferentes fundamentos e argumentos dos apreciados no processo n.º 1555/08.7BELRA, ordenando-se a devolução dos autos ao Tribunal recorrido para aí a impugnação prosseguir para apreciação da causa de pedir supra referida em b), proferindo-se nova decisão, se a tal nada mais obstar.

No mais mantém-se o decidido.
Custas pela Recorrente e Recorrida, na proporção do decaimento, que fixo em 50% respectivamente, sendo que a Recorrida está dispensada de taxa de justiça nesta instância por não ter apresentado contra-alegações.

Notifique.

Lisboa, 1 de Junho de 2023.


Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)