Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:914/07.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IMPUGNAÇÃO
SISA 1994
ERRO FORMA PROCESSO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NO PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I. Por força do disposto nos artigos 33.º e 120.º do CPT, entendia-se que a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, sendo requisito de validade do próprio acto de liquidação, traduzindo-se, por isso, numa ilegalidade que constituía fundamento de impugnação.
II. Por sua vez, o artigo 99.º do CPPT, com a epígrafe “Fundamentos da impugnação”, admite como fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, as quais respeitam a vícios que afectam a validade ou a existência do acto impugnado, prevendo-se alguns casos que podem ser objecto deste meio processual nas alíneas a) a d) da citada norma.
III. A ocorrência do erro na forma de processo deve aferir-se pelo pedido formulado na acção, pois é pela pretensão que o impugnante pretende fazer valer que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito
IV. A falta de notificação da liquidação dentro do respectivo prazo de caducidade, sendo fundamento de oposição à execução fiscal, pois, trata-se de um acto posterior e exterior à liquidação, determinante da inexigibilidade da dívida decorrente desse acto, é igualmente susceptível de apreciação em sede de impugnação, por constituir ilegalidade invalidante do acto de liquidação.
V. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo legal, e se estiver já esgotado o prazo de caducidade, é atribuído à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante da liquidação, constituindo um obstáculo definitivo à prática de um acto de liquidação, e sendo invocado na impugnação judicial deve ser conhecido tal fundamento, por não ter qualquer utilidade apreciar se é válido uma acto que não pode vir a ter eficácia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, proferida em 16/10/2018, que julgou procedente a impugnação deduzida por CONSTRUÇÕES I..., LDA contra o ato de liquidação de Imposto Municipal de Sisa, de Imposto de Selo e respectivos juros compensatórios, respeitantes ao ano de 1994, no valor de € 128.329,20.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

i) O Tribunal “a quo” ao delimitar como questão, a decidir, em sede de impugnação judicial, a de se saber se a liquidação foi validamente notificada, à ora Impugnante, fez uma incorrecta aplicação dos factos e do direito.

ii) Em causa, nos presentes autos, está a impugnação judicial contra a liquidação do imposto municipal de sisa, de Imposto de Selo, bem como dos juros compensatórios, respeitantes ao ano de 1994, efectuada pelo Serviço de Finanças de Palmela, no valor de € 128.329,20, peticionando, a final, a ora Impugnante, a anulação da referida liquidação, invocando nomeadamente a sua ilegalidade.

iii) Com efeito, como resulta da douta sentença, “(…), verificando-se que a mesma foi incorrectamente efectuada, não pode tal notificação considerar-se válida (…).

Nesta conformidade, com base neste fundamento, a presente acção terá de proceder, ficando, assim, prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pela Impugnante, como a seguir se julgará.” Sublinhado, nosso.

iv) Consequentemente, não pode, pois, a Autoridade Tributária (AT), conformar-se com esta decisão, da procedência da presente Impugnação, antes entendendo que a, aliás, douta Sentença, fez uma incorrecta aplicação dos factos e do direito.

v) Entende, pois, a recorrente, que não se decidiu, sem quebra do merecido respeito, de forma acertada.

vi) Na verdade, como vertido na douta Sentença, consistindo, como consiste, o motivo da procedência da impugnação, na falta de notificação válida do acto de liquidação no prazo de caducidade.

vii) Salvo o devido respeito, trata-se de um fundamento típico da oposição judicial, previsto na alínea e), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, não podendo, tal motivo, constituir fundamento em sede de impugnação, tal como se retira do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) processo n.º 0473/11, de 28 de Setembro, consultável em www.dgsi.pt.

viii) Com efeito, conforme à jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição, dado não colidir, designadamente, com a apreciação da legalidade da própria liquidação.

ix) E como se extrai do douto Acórdão do TCA-Sul, proc.º 05673/12, de 10-02-2012 – Falta de notificação da liquidação enquanto fundamento de oposição a execução fiscal – “… a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário;” Sublinhado e destacado, nosso.

x) E, ainda, do douto acórdão do STA, proc.º 0660/15, de 4-10-2017 - Caducidade do direito à liquidação/liquidação – “A falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade é por força da alínea e) do nº 1, do artigo 204.º, do CPPT, um fundamento mais de oposição à execução fiscal por tal facto determinar a inexigibilidade da dívida exequenda.” Sublinhado, nosso.

xi) Assim, não pode, esta Representação da Fazenda Pública, concordar com apreciação deste fundamento, em sede de impugnação judicial, bem como naturalmente com a decisão subsequente que declara a mesma procedente.

Xii) Na verdade, quanto à sua natureza, é pacífico que o processo de impugnação judicial:

a) Constitui uma acção declarativa de simples apreciação e não um mero recurso no âmbito do procedimento de liquidação de tributos - Joaquim Freitas da Rocha, ob. cit., p. 220;

b) E visa, primordialmente, conhecer da legalidade de actos de liquidação, cabendo aqui, também, actos de fixação da matéria tributável, quando não haja lugar a liquidação, actos de indeferimento de reclamação graciosa, actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, actos que decidam agravamento à colecta e actos de fixação de valores patrimoniais – Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, Volume II, 6ª Edição, Áreas Editora, p. 108;

xiii) Neste sentido, traz-se, ainda, à colação o douto Acórdão do TCA-Sul, processo n.º 7103/13, de 12 de Dezembro – Destrinça entre o processo de impugnação judicial e a oposição a execução fiscal – conforme excerto que ora se transcreve:

“Sem perder de vista que o legislador organizou meios processuais para que o contribuinte possa restabelecer a situação jurídica de direito material, tal como efectivamente resulta da lei, devemos, no entanto, ter igualmente presente a linha de separação entre as duas vias paralelas de reacção ao acto tributário e que são a impugnação e a oposição. Assim, enquanto o processo de impugnação visa a apreciação da correspondência do acto tributário com a lei no momento em que o mesmo foi praticado, o processo de oposição respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adoptam as providências executivas. Por outras palavras, o processo de impugnação judicial, tendo por função apreciar a ilegalidade do acto tributário, visa a declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado ou a sua anulação, com fundamento em qualquer vício que afecte a validade do mesmo acto (cfr.artº.99, do C.P.P.Tributário). Por sua vez, o processo de oposição, tendo por efeito paralisar a eficácia do acto tributário corporizado no título executivo, visa a extinção ou suspensão da respectiva execução, com base em fundamentos supervenientes ou de ordem formal ou processual (cfr.artº.204, do C.P.P.Tributário).” Sublinhado e destacado, nossos.

xiv) E, ainda, um excerto, também do douto Acórdão do TCA-Sul, processo n.º 10775/14, de 2 de Junho – Erro na forma do processo. (não) convolação – que igualmente se transcreve:

“Ocorrendo erro na forma de processo e não sendo a convolação possível porquanto da mesma resulta uma diminuição das garantais de defesa do réu (artigo 193º nº 2 do actual Código de Processo Civil), está-se perante uma situação de nulidade de todo o processo, que conduz à absolvição da instância.”

xv) Por conseguinte, como antedito, não podemos concordar com a apreciação deste fundamento – O Tribunal “a quo” (na presente acção) delimitou como questão, a decidir, a de se saber se a liquidação foi validamente notificada – em sede de impugnação judicial, nem, obviamente, com o decidido na douta Sentença, razão pela qual merece censura, não podendo a mesma manter-se na ordem jurídica.

xvi) Assim, ao decidir no sentido em que o fez, violou, a douta Sentença, designadamente os artigos 52.º, 98.º/4, 99.º e 204.º/e), do CPPT, e 193.º do NCPC, aplicável “ex-vi” alínea d) do artigo 2.º da LGT.


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Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se, a Vossas Excelências, se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença, ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.»

3. A recorrida devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÃO A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao apreciar a falta de notificação válida do acto de liquidação no prazo de caducidade, em violação dos artigos 52.º, 98.º, n.º 4, 99.º e 204.º, alínea e) do CPPT e 193.º do CPC.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 25 de março de 1994 realizou-se o leilão de bens da sociedade «T... - COMPONENTES ELECTRÓNICOS, S.A.», entre os quais se encontrava o prédio urbano de edificações destinadas a escritórios e fábrica, sito em Carrascas, Freguesia de Palmela, concelho de Palmela, a que correspondia a descrição predial n.º 046/27... - Freguesia de Palmela, da Conservatória do Registo Predial de Palmela, inscrito na matriz sob o artigo 7..., e diverso equipamento - cfr. fls. 88 a 92, 96 a 98 e 132 a 134 dos autos; coadjuvado com a missiva de fls. 67-68, da qual consta a data do leilão;

B) Em 4 de abril de 1994, a agência de leilões «R... - ESTABELECIMENTO DE LEILÕES, LDA.» remeteu uma missiva a F..., Administrador de Falência da sociedade «T... - COMPONENTES ELECTRÓNICOS, S.A.», com o seguinte teor: “(...)


«Imagem no original»

(...)” - cfr. fls. 67 e 68 dos autos;

C) Em 8 de abril de 1994, o Administrador de Falência da sociedade «T... - COMPONENTES ELECTRÓNICOS, S.A.», F..., remeteu ao Magistrado Sindico junto do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, missiva com o seguinte teor: “(...)


«Imagem no original»

(...)” - cfr. fls. 66 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

D) Em 29 de junho de 1994 foi emitido, pela escrivã adjunta do 1.º Juízo Cível do Tribunal de Círculo e de Comarca de Setúbal, o inscrito designado “CERTIDÃO”, relativo à liquidação do ativo em que é requerente o Administrador da Falência de «T... - COMPONENTES ELECTRÓNICOS, S.A.», com o seguinte teor: “(...)


«Imagem no original»


(...)” - cfr. fls. 96 a 98 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

E) Em 30 de junho de 1994, foi lavrada escritura de “COMPRA E VENDA” no Cartório Notarial de Odivelas, Lic. M..., entre M..., em representação da agência de leilões «R... - ESTABELECIMENTO DE LEILÕES, LDA.», primeiro outorgante, e L..., segundo outorgante, onde ficou a constar o seguinte: “(...)


«Imagem no original»

(...)” - cfr. fls. 88 a 92 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

F) Em 26 de junho de 1997, o Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Setúbal endereçou ao Chefe de Repartição de Finanças de Palmela o ofício n.º 20226, com o assunto: “Imposto Municipal de SISA e Falta de liquidação de SISA em adjudicação de imóvel (venda judicial)”, com o seguinte teor: “(...)


«Imagem no original»


(...)” - cfr. fls. 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

G) Consta do ofício n.º 5369, de 1 de julho de 1997, da Repartição de Finanças de Palmela, endereçado à sociedade «CONSTRUÇÕES I..., LDA.» o seguinte:

“(...)


«Imagem no original»

(...)” - cfr. fls. 69-70 dos autos;

H) Em 2 de julho de 1997, o ofício n.º 5369, datado de 1 de julho de 1997, melhor identificado na alínea antecedente, foi enviado por correio registado, com aviso de receção, para a sociedade «CONSTRUÇÕES I..., LDA.» para a morada “Q... OU C..., 6230, FUNDÃO» - cfr. fls. 70 a 73 dos autos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

I) Em 15 de julho de 1997, o referido ofício foi devolvido ao remetente com o aviso de receção por assinar e com a seguinte menção: “não reclamado” - cfr. envelope e aviso de receção de fls. 72 e 73 dos autos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

J) Em 17 de julho de 1997, o Serviço de Finanças de Palmela instaurou o processo de execução fiscal n.º 2208-97/1....6 contra a sociedade «CONSTRUÇÕES I..., LDA.», ora Impugnante, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de sisa e de imposto de selo e respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 1994, no montante de Esc. 25.727.694,00 - cfr. autuação e ofício citação de fls. 68 a 70 do PAT apenso;

K) Consta da «certidão de dívida», emitida pela Repartição de Finanças de Palmela, em 18 de julho de 1997, que está na origem do processo de execução fiscal identificado na alínea antecedente, designadamente, o seguinte: “(...) Mais certifico que o contribuinte foi notificado em 04/07/97 para efectuar o pagamento, não o tendo feito no prazo legal” e que “São devidos juros de mora (...) desde 14/07/97”- cfr. certidão de dívida a fls. 69 do PAT apenso e fls. 39 do processo de reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

L) Em 2 de dezembro de 1997 foi dado conhecimento à ora Impugnante de que contra si havia sido instaurada a execução fiscal identificada na alínea antecedente - facto invocado no artigo 10.º da p.i. que se extrai do ofício citação e do aviso de receção de fls. 75-75v dos autos, confirmado pela análise de fls. 73 e 74 do PAT apenso;

M) Em 23 de dezembro de 1997, a ora Impugnante apresentou «pedido de certidão» dirigido ao Chefe de Repartição de Finanças de Palmela, destinado a obter cópias dos seguintes elementos documentais:

- cfr. fls. 64 a 76 dos autos;

N) Em 2 de janeiro de 1998, a Repartição de Finanças de Palmela certificou que os documentos que constam de fls. 64 a 75v dos autos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos, são os existentes nessa Repartição quanto ao procedimento de liquidação em referência - cfr. fls. 64 a 75v e certidão de fls. 76 dos autos;

O) Em 18 de fevereiro de 1998, a ora Impugnante apresentou requerimento dirigido ao Chefe da 1.ª Repartição de Finanças de Palmela, nos termos do qual solicitou que “nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do Código de Processo Tributário (...) lhe seja efetuada notificação da liquidação do Imposto Municipal de Sisa (...) do Imposto do Selo (...) e dos juros compensatórios (...) como consta do proc.º de Ex. Fiscal n.º 2208-97/1....6” - cfr. fls. 75 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

P) Em 29 de fevereiro de 1998, o Chefe de Repartição de Finanças proferiu o seguinte despacho, para que o ora releva, exarado no requerimento identificado na alínea antecedente: “O contribuinte foi notificado nos termos do n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil por força da al. f) do artigo 2.º do Código do Processo Tributário, pelo que indefiro o pedido. (...)”- cfr. despacho a fls. 75 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Q) Em 19 de março de 1998, foi dado conhecimento à ora Impugnante do teor do despacho identificado na alínea antecedente - ofício citação e do aviso de receção de fls. 76 e 77 do PAT apenso;

R) Em 5 de janeiro de 1999, a ora Impugnante apresentou RECLAMAÇÃO GRACIOSA dirigida ao Diretor Distrital de Finanças de Setúbal do ato de liquidação identificado na alínea G) da factualidade assente, no qual alegou, entre o mais, a inexistência de facto tributário - cfr. fls. 2 a 36 e fls. 42 do PAT apenso - reclamação graciosa, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

S) Em 15 de maio de 1999, o Técnico Tributário da Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Setúbal elaborou “Informação sobre a Reclamação Graciosa, Projeto de decisão e sua fundamentação”, donde consta designadamente o seguinte:

“(...) Acerca da petição, cumpre-me informar V. Exa. do seguinte:

1 - De tal acto tributário foi expedida notificação datada de 97.07.01 (fls. 28 e 29), para a sede da sociedade aqui reclamante (fls. 30 a 32);

2- O prazo para pagamento voluntário terminou no dia 13.Julho.1997, como se alcança dos elementos contidos na certidão de dívida extraída pelos Serviços e fotocopiada a fls. 39;

3 - Atendendo ao disposto nos artigos 97.º e 123.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Tributário e quanto à tempestividade do pedido, afigura-se que ao ser apresentado em 05.janeiro.1999 deverá ser considerado extemporâneo.

Nestes termos, parece não poder ser apreciada a reclamação graciosa por ter sido apresentada para além do prazo legal para esse efeito, sendo assim de INDEFERIR a petição por ser intempestiva. (...)”

- cfr. fls. 44 do PAT apenso - reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

T) Em 4 de novembro de 1999, o Chefe de Divisão Tributária, por delegação de competências do Diretor de Finanças, proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa identificada na alínea R) da factualidade assente - cfr. despacho de fls. 50 do PAT apenso - reclamação graciosa;

U) A ora Impugnante interpôs RECURSO HIERÁRQUICO, dirigido ao Diretor Distrital de Finanças de Setúbal, do ato de indeferimento da reclamação graciosa identificado na alínea antecedente, no qual alegou, entre o mais, a falta de notificação da liquidação - cfr. fls. 92 e ss. do PAT apenso e fls. 1 a 11 do PAT apenso - recurso hierárquico [fls. finais], cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

V) Em 24 de fevereiro de 2002, a Direção de Serviços de Justiça Tributária elaborou “INFORMAÇÃO” n.º 1149/03, sobre o referido Recurso Hierárquico, donde consta designadamente o seguinte:

“(...) São os seguintes os fundamentos para o indeferimento da reclamação graciosa (fls. 44 e 50):

- A reclamação graciosa deu entrada no SF em 05.01.99;

- Do acto tributário reclamado foi expedida notificação datada de 01.01.97 para a sede da reclamante, sendo que o prazo para pagamento voluntário terminou no dia 13.07.1997, como se alcança dos elementos contidos na certidão de dívida;

- Nos termos dos artigos 97.º e 123.º, n.º 1, alínea a) do CPT, a petição de reclamação é extemporânea por ser apresentada em 05 de Janeiro de 1999.



- cfr. fls. 28 a 83 dos autos;

W) Em 7 de março de 2003, o Subdiretor-geral dos Impostos proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico exarado na Informação que antecede, que foi notificado à ora Impugnante em 11.07.2007, por ofício n.º 10591, de 04.07.2007 - cfr. fls. 28 e 29 dos autos e informação oficial de fls. 47-48 do PAT apenso;

X) Em 8 de outubro de 2007, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada a presente impugnação judicial - cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.


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Não existem factos não provados com relevância para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.

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Motivação: A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na análise e exame crítico dos documentos, não impugnados, constantes dos autos e do PAT apenso, como é especificado em cada alínea do probatório.

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2. DE DIREITO

A Recorrente insurge-se contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada imputando-lhe erro de julgamento de direito, por ter conhecido da falta de notificação do acto de liquidação no prazo de caducidade por se tratar de fundamento típico da oposição judicial previsto na alínea e), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, não podendo constituir fundamento em sede de impugnação, ocorrendo, por isso erro na forma do processo na apreciação deste fundamento (conclusões vi), vii), xi) e xvii) da alegação de recurso).

Vejamos.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou procedente a impugnação apresentada contra as liquidações de Sisa, IS e respectivos juros compensatórios do ano de 1994, no entendimento, em síntese, de que no caso dos autos verifica-se a falta de notificação válida da liquidação no prazo de caducidade, e, que nestes casos, constitui também fundamento de impugnação judicial, por constituir ilegalidade invalidante do aco da liquidação, determinando a sua anulação.

Ora, à data da liquidação dos autos (1997) encontrava-se em vigor o Código de Processo Tributário (CPT). Por força do disposto nos artigos 33.º e 120.º do CPT entendia-se que a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, sendo requisito de validade do próprio acto de liquidação, traduzindo-se, por isso, numa ilegalidade que constituía fundamento de impugnação.

Porém, conforme decorre da alínea X) do probatório, a presente impugnação foi deduzida em 08/10/2007, na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto no ano de 1999 (onde também foi suscitada a falta de notificação da liquidação), apresentado contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações dos autos (alíneas R), T) e U) do probatório),

O Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) revogou o CPT, entrou em vigor em 01/01/2000, e passou a prever a falta de notificação da liquidação do tributo dentro do prazo de caducidade como fundamento de oposição à execução fiscal (artigo 204.º, n.º 1, alínea e) do CPPT), passando a entender-se que a falta de notificação (ou a existência de irregularidades que afectem a sua validade) afecta a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade.

Por sua vez, o artigo 99.º do CPPT, com a epígrafe “Fundamentos da impugnação”, admite como fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, as quais respeitam a vícios que afectam a validade ou a existência do acto impugnado, prevendo-se alguns casos que podem ser objecto deste meio processual nas alíneas a) a d) da citada norma.

Assim, o pedido principal de uma impugnação judicial é, pois, o de anulação do acto impugnado ou declaração da sua nulidade ou inexistência.

Por outro lado, a oposição à execução fiscal é o meio processual adequado para reagir contra uma execução fiscal, nos termos enunciados no artigo 204.º do CPPT, prevendo, como já se deixou expresso supra, na alínea e), como fundamento de oposição, a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade.

Alega a Recorrente erro na forma do processo quanto à falta de notificação da liquidação como fundamento de impugnação judicial.

Importa dizer, desde já, que se nos afigura não estarmos perante uma situação de erro na forma de processo (artigo 199.º do CPC à data da propositura da acção e previsto actualmente no artigo 193º do CPC).

Como é sabido, a ocorrência do erro na forma de processo deve aferir-se pelo pedido formulado na acção, pois é pela pretensão que o impugnante pretende fazer valer que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito (cfr. entre outros, acórdãos do STA de 28/05/2014, proc. n.º 01086/13, de 05/11/2014, proc. n.º 01015/14, de 29/10/2014, processo 01022/14 e de 17/0172018, proc. n.º 088/14, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Ora, da leitura da petição inicial resulta que a Impugnante deduziu impugnação judicial, nos termos dos artigos 150.º do CIMSISSD, 155.º do RIS e 99.º do CPPT, visando a liquidação de Imposto Municipal de Sisa, de Imposto de Selo, bem como dos juros compensatórios, respeitantes ao ano de 1994, invocando, entre outos fundamentos, a falta de notificação da liquidação de Julho de 1997, e terminou, a final, pedindo a anulação das liquidações impugnadas.

Tal pedido é compatível com o meio processual deduzido (impugnação judicial).

Adianta-se, ainda, quanto à falta de notificação da liquidação dentro do respectivo prazo de caducidade, sendo fundamento de oposição à execução fiscal, pois, trata-se de um acto posterior e exterior à liquidação, determinante da inexigibilidade da dívida decorrente desse acto, é igualmente susceptível de apreciação em sede de impugnação, por constituir ilegalidade invalidante do acto de liquidação.

O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo legal, e se estiver já esgotado o prazo de caducidade, é atribuído à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante da liquidação, constituindo um obstáculo definitivo à prática de um acto de liquidação, e sendo invocado na impugnação judicial deve ser conhecido tal fundamento, por não ter qualquer utilidade apreciar se é válido uma acto que não pode vir a ter eficácia (cfr. neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, Vol. II, nota 4 ao artigo 99.º, págs. 108 a 109).

Sobre esta questão, no âmbito do CPPT, pronunciou-se este TCAS, no recente acórdão de 07/05/2020, prolatado no processo n.º 1737/13.0BELRS, a cujo discurso fundamentador aderimos, transcrevendo o que aí se escreveu, com relevo para a decisão dos presentes autos:

«Não se questiona o facto de serem distintos o acto da liquidação e o acto da sua notificação, mas com a vigência da LGT, mais concretamente do seu artigo 45º, a notificação do acto da liquidação foi definida como requisito da perfeição do acto pois só ele torna a dívida decorrente da liquidação certa e exigível.

Na LGT o termo liquidação é empregue com um duplo sentido: o de procedimento e o de acto administrativo que culmina o procedimento (cfr. Art. 54º LGT). Mas quer num sentido quer noutro a sua função consiste em fixar a dívida e a quantificação da obrigação tributária e exigi-la ao obrigado tributário.

Assim, a liquidação contém uma manifestação unilateral da Administração Tributária sobre o montante da prestação, que fixa de modo exato, indicando ao obrigado tributário o prazo e o órgão onde efetuar o pagamento bem como os meios de defesa que pode utilizar.

E só com a notificação válida do ato da liquidação é que se pode considerar totalmente encerrado o procedimento de liquidação.

Embora conceptualmente e materialmente distintos o acto administrativo da liquidação e o ato da sua notificação, esta não deixa de integrar o procedimento de liquidação. Não é um pressuposto da legalidade do acto da liquidação, pois a notificação é sempre um acto posterior, mas é pressuposto da sua eficácia. Daí o prazo de caducidade continuar a correr enquanto não se verificar a notificação válida do ato que o interrompa.

E dado que a notificação adquire a relevância de principio essencial no procedimento administrativo, como direito e garantia dos administrados (cfr. art.º 268º do CRP), o artigo 45º da LGT ao densificar essa relevância constitucional, integra a exigência de notificação da liquidação no prazo de caducidade do direito à liquidação e faz decorrer a interrupção desse prazo da caducidade do direito de liquidar pela AT a partir do momento da sua notificação ao sujeito passivo.

E não do momento em que pratica o ato de liquidação.

Assim sendo, decorrido o prazo de caducidade da liquidação sem que a sua notificação válida tenha ocorrido, tal ato ainda que praticado dentro do prazo, não deixa por força do artigo 45º da LGT de estar ferido de ilegalidade.

E não é pelo facto de o artigo 204º do CPPT ter consagrado a falta de notificação do tributo no prazo da caducidade como fundamento de oposição à execução fiscal que se pode considerar que a notificação deixa de ser requisito de validade do acto tributário e que por tal razão se manteria na ordem jurídica.

O que sucede é que por força da alínea e) do nº 1 do artigo 204º do CPPT a ilegalidade decorrente da falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade (4 anos contados nos termos do nº 4 do artigo 45 da LGT) constitui fundamento invalidante do acto de liquidação, e por isso fundamento de impugnação judicial, mas também fundamento de oposição determinante da inexigibilidade da dívida decorrente desse acto.

Como salienta Jorge Lopes de Sousa, “...o facto de o art. 204º, n.º 1, do CPPT admitir explicitamente a possibilidade de invocação da intempestividade da notificação como fundamento de oposição à execução fiscal impõe que se entenda que também se pode deduzir oposição com este fundamento. O que significa, assim, que haverá uma dupla possibilidade de invocação da intempestividade da notificação à face do art. 45º n.º 1 da LGT tanto como fundamento de impugnação judicial como fundamento de oposição, à semelhança do que sucede com a ilegalidade abstracta da liquidação e da duplicação de colecta.”

Donde, concluímos, o vício de caducidade do direito à liquidação pode ser objecto de impugnação judicial.» (vide ainda no mesmo sentido Ac. do STA de 30/10/2019, processo n.º 01528/08.0BELRS, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/).

No caso dos autos, tendo sido invocada a falta de notificação no prazo de caducidade, a impugnação judicial é o meio próprio para conhecer da falta de notificação da liquidação impugnada, nos termos em que se deixou expresso supra, quer no CPT, quer no CPPT (artigos 120.º do CPT, 45.º da LGT e 99.º do CPPT).

A decisão da primeira instância, julgou procedente a impugnação no entendimento que dos autos não resulta provado uma notificação válida da liquidação de Sisa do ano de 1994 no prazo de caducidade, tendo expressado fundamentação profícua na apreciação da questão, de que transcreve as partes relevantes:

A situação factual prende-se com a liquidação de sisa e imposto de selo efetuada pelo Serviço de Finanças de Palmela através do ofício n.º 5369, de 1 de julho de 1997.

Nessa data, no que concerne ao Imposto Municipal de Sisa, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de novembro, com redação atualizada por diversos diplomas e este regime só veio a ser revogado pelo n.º 3 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro que aprovou o Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), cuja entrada em vigor ocorreu em 01.01.2004.

Determinava o § 2 do art.º 111. º do CIMSISSD, que as notificações da liquidação adicional serão efetuadas ao contribuinte nos termos do artigo 86.º ou 114.º, conforme o caso.

E, em concreto, no que respeita à notificação dos atos tributários relativos à sisa preceituava o n.º 1 do artigo 86.° do CIMSISSD: “Feita ou reformada a liquidação, os contribuintes, seus representantes legais ou mandatários serão dela notificados, e sê-lo-ão pessoalmente [i.e. mediante carta registada com aviso de receção; ou contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando - cfr. art.º 233.º do CPC] ou pela forma prevista no artigo 114.° [i.e. por carta ou postal registado com aviso de recepção, considerando-se a notificação realizada no dia em que for assinado o aviso] se estiverem no continente ou nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira e for conhecido o lugar onda se encontrem. “ [destacado nosso].

Por seu lado, à data da dita notificação, estava ainda em vigor o Código do Processo Tributário [que, em 01.01.2000, veio a ser revogado pelo CPPT], que, nos termos do seu artigo 65.°, n.° 1 determinava que “As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterar a situação tributária dos contribuintes”.

E o artigo 66.°, n.° 3 do CPT dispunha que “Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado pelo destinatário ou por pessoa que o possa fazer nos termos do regulamento dos serviços postais”. (…)

Mais patenteia o probatório que o Serviço de Finanças de Palmela, em 02.07.1997, enviou o ofício n.º 5369, datado de 01.07.1997 [que continha a liquidação de imposto de sisa, imposto de selo e respetivos juros compensatórios, melhor identificado na alínea G) da factualidade assente], por correio registado, com aviso de receção, para a sociedade «CONSTRUÇÕES I..., LDA.» para a morada “Q... OU C..., 6230, FUNDÃO» [cfr. alínea H) do probatório].

E que, em 15.07.1997, o referido ofício foi devolvido ao remetente com o aviso de receção por assinar e com a seguinte menção: “não reclamado” [cfr. alínea I) do probatório].

Assim, a notificação da liquidação não se pode considerar efetuada nos termos do artigo 66.°, n.° 3 do CPT, tanto mais que dos autos não resulta que a Administração Fiscal tenha procedido a diligências de notificação daquela liquidação, designadamente o envio de novas cartas registadas com aviso de receção em nome do administrador ou gerente da sociedade, em cumprimento do disposto no artigo 68.°, n.° 1 do CPT, ou que tenha procedido a notificação com hora certa, nos termos do artigo 240.° do Código de Processo Civil (CPC), preceito de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.°, alínea f) do CPT. (…)

Aqui se acrescentando que a citação da ora impugnante da instauração do processo de execução fiscal, em 02.12.1997 não substitui, nem implica a sanação da falta de notificação da liquidação [cfr. alínea L) do probatório]. (…)

Assim, teremos de concluir que a notificação da liquidação de imposto de sisa, de imposto de selo e respetivos juros compensatórios, vertida no ofício n.º 5369, de 01.07.1997, foi incorretamente efetuada, não podendo considerar-se válida nos termos do disposto nos artigos 66.º e 68.º do CPT.

Aqui chegados, e já entrando mais no domínio das consequências que derivam da procedência do vício de preterição de notificação válida da liquidação, importa aferir se esta tal preterição contende ou não com a validade do ato tributário da liquidação [por constituir também fundamento de impugnação] ou o torna apenas ineficaz dado a notificação ser um ato externo a este [por constituir apenas fundamento de oposição à execução fiscal].

A doutrina e a jurisprudência não questionando o facto de serem distintos o ato tributário da liquidação e o ato da notificação, na vigência do CPT, entendia que “a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, que era um requisito de validade da própria liquidação, entendida não em sentido estrito, como o acto que fixa o tributo, mas em sentido lato, como processo de liquidação, integrado por um conjunto de actos conexionados com tal fixação e sua imposição ao destinatário. Nesse contexto, a notificação do acto de liquidação era um requisito necessário para não ocorrer a caducidade do direito de liquidar e, por isso, a sua falta afectava a legalidade do processo de liquidação globalmente considerado [1isto era assim na vigência do CPT, que, no n.º 1 do seu art. 33.º previa a obrigatoriedade de a notificação da liquidação se efectivar dentro do prazo aí previsto, para não correr a caducidade (...)]” - cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2006, p. 707 e nota 1.

Ou seja, antes do CPPT, era claro que não estando prevista a falta de notificação da liquidação [ou a existência de irregularidades que afetem a sua validade, que se traduzem em falta de uma falta de notificação válida], como fundamento da oposição à execução fiscal, entendia-se que essas questões relacionadas com a notificação do ato de liquidação deviam ser apreciadas em sede de impugnação judicial, como questões atinentes à legalidade da liquidação, no seu sentido lato.

E embora o Tribunal não descure que, com a entrada em vigor do CPPT, a falta de notificação da liquidação passou a integrar os fundamentos de oposição a integrar nas alíneas i) ou e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, consoante o caso1, certo é que, atenta a dinâmica do procedimento de liquidação que apenas fica fechado com a sua notificação válida e regular, mesmo com a entrada em vigor do CPPT este entendimento que vinha a ser sufragado pela doutrina e a jurisprudência continua a encontrar eco na mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que constitui exemplo o Acórdão de 04.10.2017, proferido 0660/15, [disponível para consulta em www.dgsi.pt], que elegemos transcrever em parte, por facilidade de exposição:

“(...) A doutrina e a jurisprudência não questionando o facto de serem distintos o acto tributário da liquidação e o acto da notificação, já antes da vigência do CPT e do artigo 45 da LGT divergiam na consideração da notificação configurar requisito de perfeição desse acto tributário.

Alberto Xavier defendia que a notificação constituía requisito da validade do acto da liquidação in Conceito e Natureza do Acto Tributário a pag 240 na consideração de o acto tributário ser um acto receptício.

Já para o STA designadamente no acórdão do Pleno de 13 04 1983 in AD 262 p1205 a notificação era acto externo não sendo por isso requisito de validade do acto notificando.

Com a vigência do CPT e mais concreta do artigo 45 da LGT a notificação do acto da liquidação foi considerada como requisito da perfeição do acto já que só ele torna dívida decorrente da liquidação certa e exigível.

Como se sabe o termo liquidação na LGT é empregue com um duplo sentido: o de procedimento e o de acto administrativo que culmina o procedimento e quer num sentido quer noutro a sua função consiste em fixar o “an e o quantum” da obrigação tributária e exigi-la ao obrigado tributário

A liquidação contém, assim, uma manifestação unilateral, da Administração Tributária sobre o montante da prestação que fixa de modo exacto indicando para tanto ao obrigado tributário o prazo e o órgão onde efectuar o pagamento bem como os meios de defesa quer administrativos quer contenciosos que pode utilizar. E só com a notificação válida do acto da liquidação é que se pode considerar totalmente encerrado o procedimento de liquidação.

Neste sentido entre outros autores Juan Marin Queralt Carmelo lozano Serrano, Gabriel Casado Ollero e José m. Tejerizo López in Curso De Derecho Financiero y Tributário tecnos p377.

Neste entendimento há que convir que embora quer conceptualmente quer materialmente distintos o acto administrativo da liquidação e o acto que o notifica, a notificação não deixa de integrar o procedimento de liquidação e embora não seja pressuposto da legalidade do acto da liquidação na medida em que a notificação é sempre um acto posterior é contudo pressuposto da sua eficácia donde o prazo de caducidade continua a correr enquanto não ocorrer a notificação válida do acto que o interrompa.

E dado que neste caso e em todo o direito público a notificação adquire a relevância de principio essencial no procedimento administrativo, como direito e garantia dos administrados ex vi do disposto no artigo 268 do CRP, o artigo 45 da LGT explicitando essa relevância e exigência constitucional, integrando a exigência de notificação da liquidação no prazo de caducidade do direito à liquidação faz decorrer a interrupção do prazo da caducidade do direito de liquidar pela AT não do momento em que pratica o acto de liquidação mas do momento da sua notificação ao sujeito passivo desse acto.

E decorrido o prazo de caducidade da liquidação sem que a sua notificação válida tenha ocorrido tal acto ainda que praticado dentro do prazo não deixa por força do artigo 45 da LGT de estar ferido de ilegalidade.

E não é pelo facto de o legislador no CPPT, no artigo 204 do CPPT ter consagrado a falta de notificação do tributo no prazo da caducidade como fundamento de oposição à execução fiscal que, como refere o Mº juiz “a quo” se pode considerar que com tal facto a notificação deixa de ser requisito de validade do acto tributário e que por tal razão se manteria na ordem jurídica. Acompanhando o Mº P, escudado na doutrina de Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado vol. III 6ª edição pp 488 e segs consideramos também que preceituando o artigo 1º do CPPT que as normas do CPPT se aplicam “sem prejuízo do disposto no direito comunitário, noutras normas de direito internacional que vigorem directamente na ordem interna, na lei tributária ou legislação especial incluindo as normas que regulam a liquidação e cobrança dos tributos parafiscais podemos concluir que a LGT limitando o alcance de todas as disposições do CPPT não consente que o intérprete possa concluir que a alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT revogou o nº 1 do artigo 45 da LGT na parte em que atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante.

O que sucede é que com a redacção da alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT a ilegalidade da falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade (4 anos contados nos termos do nº 4 do artigo 45 da LGT) constitui ilegalidade não só invalidante do acto de liquidação mas também fundamento de oposição determinante da inexigibilidade da dívida decorrente desse acto.

Como se refere no acórdão deste STA de 28 09 2011 in processo 0473/11 onde expressamente se assume ser o acto de notificação distinto do acto de liquidação e ser por tal razão requisito da sua eficácia o certo é que esta ilegalidade pode também ser apreciada no processo de execução fiscal, como sucede com outros caso de ilegalidade de que padeça a dívida exequenda desde que enquadrado nas alíneas a) g) e h) do nº 1 do artigo 204 do CPPT.

Mas o facto da intempestividade da notificação da liquidação em qualquer caso, incluindo a falta da sua notificação ao contribuinte no prazo da caducidade poder ser fundamento de oposição não significa nem implica que por tal razão que quando essa falta for determinante da caducidade do direito de liquidação não possa ex. vi do preceituado no artigo 45/1 da LGT ser ilegalidade invalidante desse acto e como tal fundamento de impugnação judicial” [destaques e sublinhados nossos].

E esta jurisprudência não pode deixar de ser transportada para o caso dos autos, particularmente quando, in casu, mais do que estar em causa a intempestividade da notificação da liquidação [que integra o fundamento da al. e) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT], o que está verdadeiramente em causa é a falta absoluta de uma notificação válida do ato de liquidação [que integra o fundamento da al. i) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT].

É que considerando, na senda do citado aresto, que a liquidação contém uma manifestação unilateral da AT sobre o montante da prestação que fixa de modo exato, no qual indica ao obrigado tributário o prazo e o órgão onde efetuar o pagamento, bem como os meios de defesa, quer administrativos quer contenciosos, que pode utilizar, só com a notificação válida do ato da liquidação é que se pode considerar totalmente encerrado o procedimento de liquidação.

O que, como vimos, não aconteceu no caso vertente. Ou seja, o procedimento de liquidação, que culminou com o ofício n.º 5369, de 01.07.1997, em rigor, não chegou a ser encerrado, no sentido referido.

Por conseguinte, tal como se concluiu no citado aresto do STA, também neste caso, o facto da falta de notificação válida do ato de liquidação poder ser fundamento de oposição não significa nem implica que, por tal razão, a notificação deixe de ser requisito de validade do ato tributário e que, (apenas) perante essa circunstância (de cariz marcadamente formal), tal ato (inválido) se manteria na ordem jurídica. (…)

Ou seja, tudo visto e ponderado, concluindo-se que a falta de notificação válida do ato de liquidação, nestes termos, constitui também fundamento de impugnação judicial, e, in casu, verificando-se que a mesma foi incorretamente efetuada, não pode tal notificação considerar-se válida, o que deverá determinar a sua anulação, nos termos do disposto no artigo 135.º do CPA.

Por fim, a título de obiter dictum, para que não restem dúvidas sobre a possibilidade de apreciação deste fundamento em sede de impugnação judicial - e tal como sugere Jorge Lopes de Sousa, in obra cit. p. 708 nota 1 que remete para a anotação 37 do art.º 204.º - constituindo tal vício de falta de notificação um obstáculo definitivo à prática do um ato de liquidação válido, sempre se poderia aventar a possibilidade de conhecer dessa falta de notificação como fundamento de inutilidade superveniente da lide “por não ter qualquer utilidade apreciar se é válido um ato que não pode vir a ter eficácia”.

Nesta conformidade, com base neste fundamento, a presente ação terá de proceder, ficando, assim, prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pela Impugnante, como a seguir se julgará.

Pelo exposto bem andou a Mma. Juiz a quo em conhecer da falta de notificação da liquidação impugnada no prazo de caducidade. Esta questão aliada ao erro na forma do processo foram as únicas questões suscitadas no presente recurso jurisdicional e que cumpria apreciar.

Termos em que, na improcedência das conclusões do recurso interposto, impõe-se julgar o mesmo improcedente, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida, sentido em que decidirá seguidamente.


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Conclusões/Sumário:

I. Por força do disposto nos artigos 33.º e 120.º do CPT, entendia-se que a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, sendo requisito de validade do próprio acto de liquidação, traduzindo-se, por isso, numa ilegalidade que constituía fundamento de impugnação.

II. Por sua vez, o artigo 99.º do CPPT, com a epígrafe “Fundamentos da impugnação”, admite como fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, as quais respeitam a vícios que afectam a validade ou a existência do acto impugnado, prevendo-se alguns casos que podem ser objecto deste meio processual nas alíneas a) a d) da citada norma.

III. A ocorrência do erro na forma de processo deve aferir-se pelo pedido formulado na acção, pois é pela pretensão que o impugnante pretende fazer valer que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito

IV. A falta de notificação da liquidação dentro do respectivo prazo de caducidade, sendo fundamento de oposição à execução fiscal, pois, trata-se de um acto posterior e exterior à liquidação, determinante da inexigibilidade da dívida decorrente desse acto, é igualmente susceptível de apreciação em sede de impugnação, por constituir ilegalidade invalidante do acto de liquidação.

V. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo legal, e se estiver já esgotado o prazo de caducidade, é atribuído à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante da liquidação, constituindo um obstáculo definitivo à prática de um acto de liquidação, e sendo invocado na impugnação judicial deve ser conhecido tal fundamento, por não ter qualquer utilidade apreciar se é válido uma acto que não pode vir a ter eficácia.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2020.



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta
(assinaturas digitais)