Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2299/13.3BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/16/2023 |
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Relator: | MARIA CARDOSO |
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Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL OMISSÃO NOTIFICAÇÃO ALEGAÇÕES ESCRITAS - ARTIGO 120.º CPPT |
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Sumário: | I - O processo administrativo contém informações oficiais (artigos 111.º n.º2, alíneas a) e b) e 208.º, n.º 1, ambos do CPPT), que serão, pois, um meio de prova (artigo 115.º do CPPT) para integrarem a factualidade que o tribunal venha a julgar provada. II - Após junção aos autos do processo administrativo, em regra, não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do principio do contraditório (artigos 3.º, n.º 3, do CPC). III - A preterição da notificação para alegações escritas constitui nulidade processual, por ser um desvio ao formalismo processual prescrito na lei, que na situação dos autos tem potencialidade para influir na apreciação e decisão (artigo 201.º do velho CPC). |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as Juízas que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - RELATÓRIO
1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida em 04/10/2022, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por A......, na qualidade de revertido no processo de execução fiscal (PEF) n.º 3085200501106130 e apensos, de que é devedora originária a sociedade A...... - S......, S.A., atualmente com a designação T...... - S......, S.A., no valor de € 12.601,53. 2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «a) Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida nos presentes autos que julga procedente a oposição deduzida por A......, com o NIF ….60, na qualidade de devedor subsidiário, da execução fiscal nº….130 e apensos instaurada originariamente contra a sociedade devedora originária A...... - S......, S.A, actualmente com a designação T...... - S......S.A., com o NIF ……11, por dívidas referentes a coimas no valor de € 12.601,53. b) É entendimento da Fazenda Pública encontrar-se a sentença enfermada de vícios de nulidade patentes no excesso de pronúncia do Tribunal a quo e na omissão de acto determinado por lei nos termos do artigo 120° do CPPT. c) Ora, citado o Oponente aqui recorrido, enquanto revertido, para a execução fiscal n°…..30 e apensos veio o mesmo deduzir oposição à execução invocando como fundamento exclusivo da sua defesa a inconstitucionalidade material da previsão normativa constante do artigo 8° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT): no artigo 7° afirma expressamente deduzir a oposição com fundamento na inconstitucionalidade referida, e dos artigos 8° ao 24° debruça-se sobre tal questão alegada e levada ao conhecimento do tribunal, finalizando a petição com o pedido de extinção da execução fiscal com base em tal causa de pedir. d) Não se vislumbra qualquer outra questão capaz de se reconduzir a causa de pedir diversa da apontada, e, vejamos concluir o Oponente a sua petição inicial afirmando não poderem os gerentes ser "responsabilizados pelo pagamento das coimas, dado que, como visto, ter-se-á de dar cumprimento ao princípio da intransmissibilidade das penas, sob pena se incorrer, como in casu, em inconstitucionalidade material", deduzindo a final o pedido de julgamento procedente da oposição com extinção do processo executivo. e) Perante a oposição deduzida o Tribunal a quo, não obstante afirmar no Relatório da sentença que o Oponente "Alega, em suma, a inconstitucionalidade material da previsão normativa constante do artigo 8° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por violação dos princípios da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência", vem a julgar a oposição procedente com base em argumentação que convoca questões que não as colocadas a apreciação pelo Oponente - a falta de fundamentação do despacho de reversão. f) Efectivamente, conclui o Tribunal a quo dever a questão "ser decidida favoravelmente ao gerente que deduziu oposição com fundamento na falta de culpa", quando o gerente não deduziu oposição com base na falta de culpa, nem sequer a tendo invocado, e mais concluiu pelo vencimento dos argumentos do Oponente quando o Oponente apenas alegou a inconstitucionalidade material do artigo 8° do RGIT, questão não apreciada pela douta sentença. g) Mais decide o Tribunal a quo pela absolvição da instância executiva, indicando a possibilidade de renovação do despacho de reversão devidamente fundamentado, quando efectivamente a causa de pedir do Oponente se reconduz a uma impossibilidade definitiva e original da reversão da execução por não verificação dos requisitos necessários face à alegada inconstitucionalidade, determinante do pedido de extinção da execução. h) Assim, o Oponente deduziu oposição à execução fiscal invocando como causa de pedir a inconstitucionalidade material do artigo 8° do RGIT, não invocando o Oponente em momento algum qualquer falta de fundamentação do despacho de reversão, sendo que se mostra o mesmo plenamente consciente dos termos em que a oposição foi efectuada pelo órgão de execução fiscal, tendo decidido com base nisso numa defesa assente na alegada inconstitucionalidade material do artigo 8° do RGIT. i) Todavia, o Tribunal a quo julgou procedente a oposição com base na falta de fundamentação do despacho de reversão, resultando assim claro que se pronuncia sobre questões não colocadas à sua apreciação pelas partes, o que se lhe mostra vedado atento o disposto no n°2 do artigo 608° do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e) do artigo 2° do CPPT, o qual prescreve que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. j) E não estamos perante a apreciação de questão de conhecimento oficioso, pelo que há excesso de pronúncia do Tribunal determinante da nulidade da sentença nos termos do prescrito na alínea d) do n°1 do artigo 615° do CPC e do n°1 do artigo 125° do CPPT (veja-se neste sentido o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-11-2013, proferido no processo n°01110/13, disponível em http://www.dgsi.pt). k) Mais convocamos Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2013, proferido no processo n°06832/13 que se debruça sobre o tema do excesso de pronúncia, e de acordo com o qual “Nos termos do preceituado no citado artº615, nº1, al.d). do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afeeis a decisão advém de um excesso de pronúncia (2° segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art°608, n°2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).". I) Atento o exposto, mostra-se a douta sentença inquinada por vício determinante da sua nulidade nos termos da leitura conjugada do n°2 do artigo 608° e alínea d) do n°1 do artigo 615° do CPC e do nº1 do artigo 125° o CPPT. m) Por outro lado, nos termos do prescrito no artigo 120° do CPPT "Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo Fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias", contudo, não foi a Fazenda Pública notificada nos presentes autos para alegar por escrito, querendo, em prazo determinado, sendo que apenas nos casos em que o juiz conheça imediatamente do pedido se justifica face ao edifício legislativo vertido no CPPT não serem as partes: notificadas, independentemente da produção de prova subsequente, para efeitos do artigo 120º do CPPT. n) Determina o n°1 do artigo 195° do CPC que a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva produz nulidade quando a lei declare ou quando possa influir no exame ou na decisão da causa, pelo que, no caso em apreço, podendo a falta de notificação para alegações ter eventual influência na decisão final, se conclui pela verificação de nulidade processual de que a Recorrente só teve conhecimento com a notificação da sentença, estando em tempo para a arguir. o) Ora, na sequência de notificação e subsequente análise da douta sentença de que aqui se recorre teve conhecimento a Representação da Fazenda Pública do pagamento da divida exequenda subjacente aos presentes autos (doc. 1 que se junta e aqui se reproduz para todos os efeitos legais), facto este que se configura como capaz de influir na decisão da causa. p) Terá o pagamento ocorrido em momento subsequente à apresentação da contestação nos presentes autos, sendo que se configurariam as alegações como momento processual adequado a levar tal facto aos autos. q) Deparamo-nos assim com nulidade processual de que a Fazenda Pública teve conhecimento apenas com a notificação da sentença e que determina que a douta sentença seja anulada nos termos do disposto no artigo 195° do CPC e do n°3 do artigo 98° do CPPT. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deve ser anulada a douta sentença por excesso de pronúncia e omissão de acto capaz de influir na decisão da causa, com as devidas e legais consequências. SENDO QUE EXAS. DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.» 3. O recorrido, A......, não apresentou contra-alegações. 4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso. 5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento. * II – QUESTÕES A DECIDIR: O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir (i) se ocorre a nulidade processual por omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, e na afirmativa, quais as consequências dessa omissão, nos termos do disposto no artigo 195.º do CPC, ex vi, artigo 2.º do CPPT, (ii) e se a sentença é nula por excesso de pronúncia nos termos do artigo 125.º n.º 1 do CPPT. A título de questão prévia apreciar-se-á da admissibilidade legal da junção de documento com a alegação de recurso. * III - FUNDAMENTAÇÃO 1. DE FACTO A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto: «A) Em 2005.04.16, no Serviço de Finanças de Lisboa-3, foi autuado o processo de execução fiscal (PEF) nº ….30, contra T...... - S......, SA, com sede na Alameda D. Afonso Henriques, nº…, 2º Esq., em Lisboa (cf. fls. 1 do PEF); B) A este PEF foram associados os seguintes: PEF nº …..47; …..97, ……57, ….20, …..95, ……67, …..80 e ….70, todos instaurados contra T...... - S......, SA, com sede na Alameda D. Afonso Henriques, nº…, 2º Esq., em Lisboa, para cobrança de dívidas de coimas e encargos (cf. fls. 1 e 2 do processo em papel); C) Por despacho do Chefe de Finanças de 2008.10.29, foi ordenada a preparação do processo para efeitos de reversão contra o Opoente (cf. fls. 29 a 32 do PEF); D) Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2008.11.07, foi enviado ao Opoente ofício normalizado notificação audição-prévia (reversão), constante de fls. 33 do PEF, e que aqui se dá por integralmente reproduzido. E) Por despacho do Chefe de Finanças de 2008.11.17, constante de fls. 34 a 35 do PEF e que aqui se dá como integralmente reproduzido, a execução fiscal foi revertida contra o Opoente; deste transcreve-se: a. (…); b. Face ao exposto e constatada a inexistência de bens da devedora originária, tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153/2.a) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), ordeno a reversão da execução no presente processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário A...... (…), conforme estabelecido pelo artigo 23º e 24º e 22/2 da LGT, já referidos – relativamente à quantia exequenda em dívida neste processo e que ascende à importância de € 39 124,11; c. A decisão agora produzida funda-se na presunção legal de culpa, baseada nas informações oficiais e provas documentais inclusas, que o interessado não contrariou nem contestou; d. (…); F) Por carta registada com aviso de recepção, assinado em 2008.11.26, foi enviado ao Opoente ofício normalizado citação reversão, constante de fls. 36 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido, nada sendo dito quanto aos fundamentos da reversão (cf. fls. 36 a 40 do PEF); deste ofício transcreve-se: a. (…); b. Fundamentos da reversão: i. [Em branco]; c. (…); G) Em 2008.12.17, no Serviço de Finanças de Lisboa, deu entrada oposição que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 873/10.9BELRS (cf. artigo 1º da pi e consulta via SITAF); H) Nos autos identificados na alínea anterior, em 2011.12.29, foi proferida sentença que absolveu a Fazenda Pública da instância, notificada ao Opoente em 2011.12.30 (Id.) I) Em 2012.01.16, a presente oposição foi enviada ao Serviço de Finanças de Lisboa- 3 (cf. fls. 23 do processo em papel). J) O Opoente era administrador da sociedade segundo o pacto social (cf. fls. 23 a 25 do PEF). b) Factos não provados Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito. IV – Motivação da decisão de facto A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.» * 2. QUESTÃO PRÉVIA: Da junção de documentos com as contra-alegações de recurso A Recorrente juntou com as alegações um documento, pelo que previamente à apreciação das questões suscitadas haverá que apreciar da possibilidade de junção de documentos com as alegações do recurso. O recurso não é normalmente o meio próprio para juntar documentos aos autos, por a sede própria para a instrução da causa ser o tribunal de primeira instância, revestindo natureza excepcional a admissão de documentos nesta sede, uma vez que a reapreciação das decisões dever ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento da prolação das mesmas (artigo 627.º, n.º 1 do CPC). Efectivamente, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas e não sobre questões novas, salvaguardando-se sempre as questões de conhecimento oficioso. Vejamos, então, o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso. Nos termos do disposto no artigo 425.º CPC, depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 651.º do mesmo diploma, determina que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. Em sede de recurso, é possível as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva (documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjectiva (documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido) – cfr. entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e segs.; Ac. STA de 27/05/2015, proc. n.º 0570/14, disponível em www.dgsi.pt/. Como referido supra, a Recorrente juntou um documento com a alegação de recurso, referindo que só teve conhecimento dos mesmos após a notificação a sentença, constituídos por “prints” da base de dados da Administração Tributária e relativos à tramitação das execuções fiscais. Analisados tais “prints” constata-se que respeitam aos processos de execução fiscal apensos ao processo n.º …..30, e que foram desapensados deste, mais constando que esses processos se encontram extintos por pagamento voluntário. É inquestionável que tais documentos têm relevância para os presentes autos e, por isso, a Administração Tributária deveria ter dado conhecimento aos autos da desapensação e da extinção, o que não fez. O Oponente também nada disse. Não sofre dúvidas que o pagamento das quantias exequendas terá ocorrido em momento posterior à apresentação da contestação e da junção do processo administrativo e que nos autos não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 120.º do CPPT. Desta maneira, é de concluir que o documento apresentado revela-se pertinente, pelo que se impõe o deferimento da junção aos autos do aludido documento. Termos em que se admite a junção aos autos do documento n.º 1 apresentado com as alegações. * 3. ADITAMENTO DE FACTO À MATÉRIA DE FACTO ASSENTE Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se ao probatório os seguintes factos, os quais resultam provados por documentos juntos aos autos: K) O processo de execução fiscal identificado na alínea A) supra foi instaurado para cobrança coerciva da quantia de € 6.344,00 relativa a IRS dos anos de 2003 e 2004 e acrescido (cfr. processo instrutor apenso); L) Do processo instrutor constam com a identificação do mesmo PEF “confirmação da ocorrência de pagamento” pelo valor de € 1.000,00 e “Certificação de compensação” no montante de € 625,00 (cfr. processo instrutor apenso); M) Em 12/09/2014 os processos de execução fiscal identificados na alínea B) foram desapensados do processo de execução fiscal identificado na alínea A) e na mesma data foram extintos por pagamento voluntário, conforme consta dos “prints” da base de dados da Administração Tributária (cfr. doc. n.º 1 da alegação de recurso). * 4. DE DIREITO Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, no âmbito da oposição judicial deduzida pelo Oponente, ora Recorrido, julgou a mesma procedente, alicerçando-se na falta de fundamentação do despacho de reversão. Fundamento esse que, segundo a Recorrente, não foi convocado pelo Oponente na sua petição inicial de oposição, muito menos constitui matéria que coubesse ao tribunal a quo conhecer de forma oficiosa. A Recorrente suscitou, além da nulidade da sentença por excesso de pronúncia, uma outra nulidade, de natureza processual, consistente na falta de notificação da Fazenda Pública para alegar por escrito, de acordo com o disposto no art.º 120.º do CPPT. Cumpre começar por apreciar da eventual ilegalidade da omissão da notificação para alegações por ser susceptível de afectar o conhecimento da suscitada nulidade de sentença. Vejamos então. Alega a recorrente, em síntese, que não foi notificada para alegações e que a omissão desse acto pode ter influência na decisão final, designadamente, por só com a notificação da sentença teve conhecimento do pagamento da quantia exequenda. Compulsados os autos, constata-se que a Fazenda Pública apresentou em 30/04/2014 contestação à oposição, que o processo administrativo se encontra apenso aos autos de suporte físico e que a Mma. Juíza a quo conheceu do pedido formulado na oposição após a notificação da contestação, da apensação do PA e do parecer do Ministério Público, sem que previamente tenha determinado a notificação das partes para apresentarem alegações escritas nos termos do artigo 120.º do CPPT. Neste contexto, podemos estar perante uma nulidade de processo, na medida em que a Recorrente invoca a verificação de desvio em relação ao formalismo processual prescrito na lei, que, in casu, consubstancia uma omissão. Nos casos em que ocorre uma omissão e é proferida uma decisão judicial em momento em que poderia ser ordenada a prática do acto em falta, é a própria decisão judicial que dá cobertura à falta cometida, pois apenas com a sua prolação se consuma a falta/desvio. Relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença, como a omissão de actos que deveriam ser praticados antes dela, o STA tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respectiva arguição pode ser efectuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da sentença, como, efectivamente, ocorreu no caso em apreço (vide acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 06/07/2011, proferido no processo com o n.º 786/10, disponível em www.dgsi.pt/). Dito isto, indaguemos da verificação da invocada nulidade, por omissão da notificação para apresentação de alegações escritas. O artigo 120.º do CPPT dispõe que: «Quando tenha sido produzida prova que não conste do processo administrativo, ou quando o tribunal o entenda necessário, ordena a notificação das partes para apresentarem alegações escritas, por prazo simultâneo, a fixar entre 10 a 30 dias.» (n.º1) e que «o disposto no número anterior não prejudica a faculdade de as partes prescindirem do prazo para alegações. (n.º2)» No caso, é factual que após a contestação apresentada, os autos foram remetidos ao Ministério Público para emissão de parecer, ao que se seguiu a sentença recorrida sem que antes as partes tivessem sido notificadas para apresentarem alegações. O art.º 120.º do CPPT será de aplicar no caso de ser necessária a produção de prova e quando, o «Juiz não conhecendo logo do pedido», assim o determine. (art.º 114.º ex vi 211.º, n.º 1, ambos do CPPT) À primeira vista, tudo indica que esta notificação seria dispensável no caso de não ter sido apresentada ou requerida a produção de prova pelas partes na petição inicial ou na contestação e quando o Juiz tivesse em condições de conhecer do objeto do pedido. Sucede, no entanto, que para além das informações a que alude o artigo 208.º, n.º 1 do CPPT, o processo administrativo foi junto aos autos, como determina o artigo 210.º n.º 4 ex vi artigo 211.º, n.º 1 do CPPT. O processo administrativo contém informações oficiais (artigos 111.º n.º 2, alíneas a) e b) e 208.º, n.º 1, ambos do CPPT), que serão, pois, um meio de prova (artigo 115.º do CPPT) para integrarem a factualidade que o tribunal venha a julgar provada. A junção do processo administrativo impõe, em regra, que seja facultada às partes, a possibilidade de contestar o teor dessas informações que constituirão, a final, a matéria de facto (cfr. artigos 3.º, n.º 3 do CPC e 98.º da LGT). É isto que decorre, desde logo, do principio do contraditório, conformador do processo civil, ao prescrever no seu artigo 3.º, n.º 3: O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Também é este o entendimento da jurisprudência do STA e da doutrina. Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa: nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo, que deverá conter informações oficiais [art.s 111.º, alíneas a) e b), do CPPT], que são um meio de prova (art. 115.º n.º2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do principio do contraditório (art. 3.º, n.º3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva» (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, anotação ao artigo 113.º, pág. 249). E a jurisprudência dos Tribunais Superiores também é unânime quanto à necessidade de as partes alegarem após ser junto o processo administrativo. Recorde-se o discurso fundamentador do Acórdão do STA, de 11/3/2009 e de 28/3/2012, prolatados nos processos, respectivamente, n.ºs 01032/08 e 062/12, onde se explanou que a junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação do princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3º, nº 3, do CPC e 98° do CPPT) (disponíveis em www.dgsi). No caso em apreço foi a Fazenda Pública que veio alegar a nulidade processual de omissão de falta de notificação para alegações, sendo certo que foi ela que procedeu à junção aos autos do processo administrativo, cujo teor é da sua responsabilidade e do seu inteiro conhecimento, mas isso não dispensa a necessidade de se conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre os elementos de prova produzidos e sobre o direito aplicável. Conforme alegado pela Recorrente e de acordo com o documento junto com a alegação de recurso, o Oponente terá efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda nos processos apensos ao processo principal em momento posterior à apresentação da contestação, importando apenas aos presentes autos o pagamento das coimas em cobrança coerciva, configurando as alegações como momento processual adequado para levar tal facto aos autos. A comprovação do pagamento voluntário da quantia exequenda e a consequente extinção da execução fiscal, inutiliza o prosseguimento dos presentes autos. Na presente situação, houve junção aos autos do processo administrativo, do qual já constavam pagamentos parciais da quantia exequenda, os quais continuaram a ser realizados, atento o teor do documento junto em sede de recurso, documentos todos com relevo probatório, pois, por um lado, tratam-se de documentos onde para além das informações oficiais e demais documentos, se encontram identificadas as dívidas exequendas e, por outro lado, de alegados pagamentos voluntários das quantias exequendas em diversos processos de execução fiscal, em datas anteriores e posteriores à apresentação da contestação pelo Representante da Fazenda Pública. Assim, não tendo a Recorrente sido notificado para alegações ocorreu uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa. Na verdade, as partes deviam ter tido a oportunidade de se pronunciarem sobre esta matéria, esclarecendo-se nos autos quais as dívidas que foram pagas e quais as que se encontram ainda em cobrança coerciva, não só pela relevância factual que podem ter esses pagamentos, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar. Como já referimos, a referida preterição da notificação para alegações escritas constitui nulidade processual, por ser um desvio ao formalismo processual prescrito na lei, que na situação dos autos tem potencialidade para influir na apreciação e decisão (artigo 201.º do velho CPC). Nos termos do artigo 201.º, n.º 1 do CPC (actual 195.º), «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». Como refere JORGE LOPES DE SOUSA «como decorre do citado art. 201.º, n.º 1, do CPC, na falta de norma especial que comine a sanção de nulidade para determinada irregularidade, estas só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Isto significa que, quando não há tal possibilidade de influência, não há nulidade, mas também que, para haver nulidade basta a mera possibilidade de influência da irregularidade na decisão da causa, não dependendo a existência de uma nulidade da demonstração de que houve efectivo prejuízo. No entanto, se se demonstrar positivamente que a irregularidade que tinha potencialidade para influenciar a decisão da causa acabou por não ter qualquer influência negativa para a parte a quem o cumprimento da formalidade ou a eliminação do acto indevidamente praticado podia interessar, a nulidade deverá considerar-se sanada, pois, nessas condições, seria cumprir essa formalidade ou eliminar o acto indevidamente praticado». (in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 d) ao artigo 98.º, pág. 87). Ora, a falta de notificação para alegações escritas (cfr. artigo 120.º do CPPT) tem potencialidade para influir na apreciação e decisão, na medida em que não permitiu que as partes se pudessem pronunciar sobre os documentos juntos aos autos e ainda sobre o pagamento da quantia exequenda, no que respeita às coimas em cobrança coerciva, que alegadamente terá ocorrido após a apresentação da contestação pelo Representante da Fazenda Pública (artigo 201.º do velho CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e 98.º, n.º 3 do CPPT). Impõe-se, pois, declarar a nulidade decorrente da falta de notificação para alegações escritas antes da prolação da sentença recorrida, o que, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 2 do CPC, implica também a anulação dos actos que dependam absolutamente dessa notificação, ou seja, no caso sub judice, a anulação da decisão recorrida. Devem, pois, os autos voltar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, para que aí, se comprove o pagamento voluntário das coimas em cobrança coerciva, e observado que seja o princípio do contraditório, prossigam os autos com os seus ulteriores termos, designadamente com o suprimento da nulidade e, se profira, no momento próprio, nova decisão. Em consequência do exposto, concede-se provimento ao recurso, ficando prejudicado a apreciação da arguida nulidade de sentença, que envolve saber se é admissível ao Tribunal conhecer, oficiosamente, da falta de fundamentação do despacho de reversão quando está em causa a responsabilidade civil dos gerentes pelo não pagamento das coimas em que foi condenada a sociedade. * I. O processo administrativo contém informações oficiais (artigos 111.º n.º2, alíneas a) e b) e 208.º, n.º 1, ambos do CPPT), que serão, pois, um meio de prova (artigo 115.º do CPPT) para integrarem a factualidade que o tribunal venha a julgar provada. II. Após junção aos autos do processo administrativo, em regra, não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do principio do contraditório (artigos 3.º, n.º 3, do CPC). III. A preterição da notificação para alegações escritas constitui nulidade processual, por ser um desvio ao formalismo processual prescrito na lei, que na situação dos autos tem potencialidade para influir na apreciação e decisão (artigo 201.º do velho CPC). * IV – DECISÃO Termos em que, face do exposto, acordam, em conferência, as juízas da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, anular todo o processado que dependa absolutamente da notificação para apresentação de alegações escritas, o que inclui a decisão recorrida, ficando prejudicado a apreciação da arguida nulidade de sentença, e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a fim de serem seguidos os ulteriores termos se a isso nada mais obstar, nos termos supra referidos e, no momento próprio, seja proferida nova decisão. Custas pela Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, visto que não contra-alegou. Notifique. Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023. Maria Cardoso Lurdes Toscano Ana Cristina Carvalho (assinaturas digitais) |