Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1015/20.8BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/13/2023 |
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Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
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Descritores: | CLÁUSULA GERAL ANTI ABUSO ABUSO DE FORMAS JURÍDICAS SIMULAÇÃO RENDIMENTOS MAIS VALIAS/RENDIMENTOS EMPRESARIAIS CATEGORIA B-ATRAÇÃO |
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Sumário: | I-Se a AT se alicerça numa configuração formal, atribuída pelas partes, diferente da sua substância real com o intuito específico de afastar a sujeição a imposto na esfera jurídica do Recorrido, tal fundamentação só pode proceder se fundada no artigo 38.º, nº2 da LGT. II-A aplicação da CGAA, respeitando e coadunando-se com um mecanismo que permite sindicar e pôr em causa uma determinada opção negocial do contribuinte por parte da AT, implica, naturalmente, que a sua aplicação esteja sujeita a especiais exigências, que passam, desde logo, pela instauração de procedimento próprio, previsto no artigo 63.º do CPPT. III-A liquidação emitida com base em prática abusiva sem ter sido precedida da instauração do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT padece de ilegalidade. IV-O princípio que subjaz à tributação em sede de IRS, é o princípio do rendimento acréscimo, do qual resulta que é qualificado como rendimento qualquer incremento patrimonial, independentemente da respetiva proveniência e num dado período de tributação. V-O artigo 10.º, do CIRS, constrói o conceito de mais-valias pela negativa, no sentido de que são mais-valias imobiliárias ou de participações sociais, os ganhos obtidos com a alienação onerosa de bens imóveis e de participações sociais que não sejam considerados rendimentos profissionais ou empresariais. VI-Os rendimentos profissionais ou empresariais, tributados na categoria B, implicam a prática de atos de comércio, ainda que sem caráter de habitualidade, detendo essa categoria uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria. VII-Neste enquadramento se devem inserir os rendimentos empresariais provenientes da prestação de serviços de alojamento, de transmissão de sociedades, de descapitalização de sociedades constituídas, e rendimentos auferidos a partir de sociedades nas quais detém participações sociais, e cujos fluxos financeiros se encontram patenteados na esfera jurídica do sujeito passivo. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I-RELATÓRIO
A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente) e A. B. (doravante Impugnante ou Recorrente), vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pelo Impugnante contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.ºs 20205000011940, 20205000011941 e 20205000011944, relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013, nos valores de €517.650,21, €34.567,81 e €300.195,16, respetivamente, e que julgou como segue: “i) Procedente quanto à preterição de formalidades legais, na parte respeitante à correção correspondente ao pagamento de €1.000.000,00 da sociedade G. à sociedade L. B.; *** A Recorrente DRFP, apresenta as suas alegações de recurso, formulando as conclusões que infra se reproduzem: “a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial parcialmente procedente e, consequentemente, anulou parcialmente a liquidação adicional n.º 2020 5000011940, de 24/01/2020, referente ao ano de 2011, no valor de €517.650,21 por ter julgado a Impugnação Judicial procedente quanto à preterição de formalidades legais, na parte respeitante à correção correspondente ao pagamento de €1.000.000,00 da sociedade G. à sociedade L. B.. b. Como questão prévia, a Fazenda Pública considera que a conduta processual das partes sempre se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça e pela abstenção da prática de atos inúteis ou suscetíveis de provocar uma dilação na prolação da sentença, no respeito pelos normais trâmites do processo judicial tributário, pelo que os pressupostos essenciais para a dispensa do pagamento do remanescente do valor de €275.000,00 encontram-se verificados, pelo que requer que o valor máximo a considerar para cálculo da taxa de justiça do processo deverá cingir-se àquele tecto máximo de € 275.000,00, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP tanto em primeira instância (apesar de ter sido requerida em sede de contestação o juiz não se pronunciou incumprindo o seu poder/dever previsto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC) e segunda instância. c. De acordo com os factos descritos no III.2.6.2 do relatório de inspeção (para onde se remete e que aqui não se reproduz por economia de exposição), foram identificados dois depósitos na conta bancária que a L. B. possui no B., um em setembro de 2011 na importância de € 50.000,00 e outro em 15 de dezembro de 2011 no montante de €950.000,00. d. Estes dois depósitos tiveram origem em dois cheques estrangeiros com proveniência, face aos indícios existentes, na G. I. Inc. e. A entrada das referidas importâncias na conta bancária da sociedade L. B. SA, como um suposto suprimento da futura sócia – G. I. Inc resultam da atividade de A. B.. f. Conforme foi apurado pela inspeção tributária, A. B. é sócio e administrador de ambas empresas e celebrou, em 19-12-2011, isto é, depois da transferência de € 1.000.000,00, um contrato de promessa de venda das suas ações da L. B. à G. I. por €24.000,00, tendo recebido a quantia de €15.000,00 a título de sinal. g. De acordo com o ponto 2 da cláusula 4, aquele adiantamento de um milhão de euros (= 950 mil euros + 50 mil euros) seria transformado em suprimentos da G. na L. B., após celebração do contrato definitivo de compra e venda que deveria ser celebrado no prazo máximo de 90 dias (cláusula sexta). A não celebração do contrato no referido prazo, implicaria o pagamento de 6% de juros anuais à G. sobre o valor adiantado até à sua efetivação (ponto 3 da cláusula quarta e ponto 2 da cláusula sexta). h. Até março de 2015, isto é, quatro anos após a assinatura do referido contrato, não ocorreu a prevista venda de ações que deveria ter ocorrido no prazo de 90 dias, nem tão pouco a L. B. pagou quaisquer juros (ou indemnização) pelo adiantamento recebido, ao arrepio do contratualmente estabelecido (facto que deverá ser acrescentado aos factos dados como provados) conforme decorre: •Extrato de conta 2012: mantém-se o registo como suprimentos de A. B., sem alterações ao nível do capital social e sem qualquer evidência de pagamento de juros (Anexo XV do RIT); •Extrato de conta 2013: mantém-se o registo como suprimentos de A. B., sem alterações ao nível do capital social e sem qualquer evidência de pagamento de juros (Anexo XVI do RIT); •Atas de aprovação de contas, n.ºs 1 a n.º 8: nas atas posteriores a 2011, A. B. continuou a figurar como acionista único, bem como administrador único – ata n.º 5 de 30-03-2012, ata n.º 6 de 29- 08-2012, ata n.º 7 de 28-03-2013, ata n.º 8 de 28-03-2014 (Anexo XVII, páginas 10 a 14 do RIT); •Certidão permanente, acedida em 28-05-2019, onde A. B. continua a figurar como administrador único sendo que foi registada na respetiva conservatória a dissolução e encerramento da liquidação dessa sociedade em 21-12-2015, pela insc. AP30/20151221 (Anexo XVIII do RIT); i. Conforme é salientado no RIT, sendo A. B. representante de ambas as sociedades, não se compreende porque razão não celebra o contrato definitivo de venda das referidas ações tendo em conta os elevados montantes envolvidos. j. Face a estes factos, importa fazer a seguinte questão: qual é o interesse comercial da G. em fazer tais financiamentos? Saliente-se que o contrato de promessa de compra e venda das participações sociais foi celebrado depois da transferência de € 1.000.000,00 e nunca chegou a ser cumprido o que revela a total ausência de interesse comercial/económico da G. em tais operações. k. Resultando daqui que toda esta operação mais não foi do que uma simulação, sendo que com a transferência da G. para a L. B. teve por efeito levar tais montantes para a esfera pessoal do A. B.. l. Contrariamente ao invocado pelo Tribunal a quo, não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso (CGAA) prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, pois a CGAA pressupõe a verificação cumulativa dos requisitos do artigo 38.º, nº 2, da LGT, no entanto não foi demonstrado cada segmento da letra da lei, para aferir do preenchimento no caso dos autos. m. É certo que conforme é referido no relatório de inspeção foram usados meios artificiosos, mas tal, por si só, não justifica a aplicação da cláusula geral antiabuso, pois exige-se que os demais pressupostos se verifiquem o que não acontece in casu, nem o tribunal a quo os demonstrou. n. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao decidir procedente a preterição de formalidades legais porque entendeu que se devia ter aplicado esta norma antiabuso e tal depende de autorização do dirigente máximo do serviço, a proferir após audição prévia do contribuinte, audição essa a ser realizado num prazo legal alargado (n.ºs 5 e 7 da referida disposição), o que não se verificou. o. Conforme é referido no relatório de inspeção, a entrada do montante de € 1.000.000,00 na conta bancária da sociedade L. B. SA, como um suposto suprimento da futura sócia – G. I. Inc resultam da atividade de A. B. - (facto que deverá ser dado como provado) uma vez que: - A. B. é sócio e administrador de ambas empresas; - A. B., celebrou um contrato de promessa de venda das suas ações da L. B. à G. I. por €24.000,00, tendo recebido a quantia de €15.000,00 a título de sinal; - Nesse mesmo contrato estabelece que a futura sócia, G. I., efetua um suprimento de €1.000.000,00 à L. B.; - Sendo A. B. representante de ambas as sociedades, não se compreende porque razão não celebra o contrato definitivo de venda das referidas ações tendo em conta os elevados montantes envolvidos; - De acordo com as declarações do TOC, sempre foi sua convicção que tais entradas de dinheiro tiveram proveniência em A. B., tendo sido também esta a posição do Revisor Oficial de Contas, uma vez que não apontou qualquer reserva ou ênfase na emissão da respetiva certificação legal de contas. p. Desta forma, conclui-se que esta movimentação não foi mais do que um artifício usado por A. B. de modo a que a verba envolvida parecesse ter tido a sua origem numa empresa da qual o sujeito passivo é o único gerente – G. mas que resulta, uma vez mais, de rendimentos empresariais resultantes da atividade de constituição e venda de sociedades, cujo valor de realização na maior parte dos proventos não entrou nas contas bancárias pessoais do sujeito passivo mas sim nas contas bancárias tituladas pela G. I. Inc, sediadas em Cabo Verde, Nassau e Ilhas Cayman e que, posteriormente, pela via descrita, deram entrada na conta bancária da sociedade L. B. como suprimento do sócio. q. Entende a Fazenda Pública que se encontram demonstrados os pressupostos de direito e de facto para que tal rendimento de € 1.000.000,00 seja imputado ao sujeito passivo, ao ano de 2011, dado que a entrada do fluxo financeiro ocorreu nesse ano e ser tributado nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IRS por se tratar de rendimentos empresariais resultantes da atividade de constituição e venda de sociedades. r. Pelo exposto, a douta sentença ao decidir pela ilegalidade da correção em causa no montante de € 1.000.000,00 violou a norma prevista na alínea a), n.º 1, do artigo 3.º do Código do IRS. s. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da correção em causa e consequentemente da liquidação de IRS. t. Assim, deverá ser dado provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por acórdão que decida pela improcedência total da Impugnação Judicial. Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA” *** O Impugnante devidamente notificado, apresentou contra-alegações das quais se extrata, designadamente, o seguinte: “(…) C) O recurso “sub-judice” 1. A recorrente “visa” com o presente recurso “reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial parcialmente procedente e, consequentemente, anulou parcialmente a liquidação adicional n.º 2020 5000011940, de 24/01/2020, referente ao ano de 2011, no valor de €517.650,21 por ter julgado a Impugnação Judicial procedente quanto à preterição de formalidades legais, na parte respeitante à correcção correspondente ao pagamento de €1.000.000,00 da sociedade G. à sociedade L. B..”. 2. Para tanto sustenta que: - “se encontram demonstrados os pressupostos de direito e de facto para que tal rendimento de € 1.000.000,00 seja imputado ao sujeito passivo, ao ano de 2011, dado que a entrada do fluxo financeiro ocorreu nesse ano e ser tributado nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IRS por se tratar de rendimentos empresariais resultantes da actividade de constituição e venda de sociedades ”; e, por esse motivo, - “a douta sentença ao decidir pela ilegalidade da correcção em causa no montante de € 1.000.000,00 violou a norma prevista na alínea a), n.º 1, do artigo 3.º do Código do IRS”; - “devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da correção em causa e consequentemente da liquidação de IRS”. 3. Não se verifica, no caso concreto, e com reporte à parte da douta sentença impugnada, qualquer erro de julgamento, de direito ou de facto. Sendo certo que, “na impugnação da decisão da matéria de facto apurada na 1ª Instância, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, devendo, nas alegações de recurso, especificar, obrigatoriamente não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 22/10/2020, Processo n.º 1.447/11.2BELRS, in www.dgsi.pt. Esse ónus de impugnação especificada não foi cumprido pela ora recorrente pelo que a factualidade dos presentes autos encontra-se definitivamente assente – ou seja, é aquela que consta da fundamentação de facto da douta sentença recorrida. 4. Assim, a alegação da recorrente de que o denominado “rendimento de Euros 1.000.000,00” se trata de “rendimentos empresariais resultantes da actividade de constituição de sociedades”, como a própria bem sabe (e não pode ignorar), carece de todo e qualquer suporte factual nos presentes autos. E, consequentemente, a posição vertida na sua alegação de recurso, e sumariamente elencada no anterior ponto 2, procede a uma interpretação abusiva e totalmente errada dos factos e preceitos legais em que assenta. Na verdade, a sua representação factual nada tem a ver com a realidade, com aquilo que efectivamente se passou entre as partes; exprime apenas - para utilizar terminologia hoje em voga - uma simples realidade virtual, inteiramente desfasada da verdade histórica). 5. O ora recorrido permite-se remeter para tudo quanto douta e superiormente se expôs na sentença recorrida - limitando-se, no que modestamente lhe toca, a esclarecer o seguinte: 6. A ora recorrente, com base nas Ordens de Serviço OI201404685 e OI201404686, com data de 03/10/2014, realizou um procedimento de inspecção externo que tinha como visado o ora recorrido. Dessa mencionada acção inspectiva resultou uma liquidação correctiva adicional, em sede de IRS, referente ao ano de 2011, resultante da aplicação do regime previsto no número 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária - denominado de Cláusula Geral Antiabuso, cuja aplicação depende, imperativamente, do cumprimento do procedimento previsto no artigo 63.º do Código de Procedimento e do Processo Tributário (na redacção em vigor à data dos factos). Revela-se absolutamente inquestionável que o regime aplicado para fundamentar a liquidação correctiva emanada pela aqui recorrente AT foi o decorrente do número 2 do artigo 38º da L.G.T. (ou seja, o regime da Cláusula Geral Antiabuso). Neste condicionalismo, revela-se também absolutamente inegável que não foi cumprido o procedimento previsto no artigo 63.º do C.P.P.T. – cumprimento esse indispensável para a aplicabilidade do citado regime da Cláusula Geral Antiabuso. 7. A preterição de uma formalidade legal exigida a uma Entidade Administrativa com poderes intrusivos na vida dos cidadãos não poderá jamais ser menosprezada. Na verdade, “a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” – número 1 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa. Por conseguinte, “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé” (número 2 do mesmo artigo 266º da C.R.P.) – desiderato claramente não alcançado nem percorrido pela recorrente no caso “sub-judice”. Não tendo a recorrente cumprido com as formalidades exigidas pelo regime aqui em causa - a sua aplicação em desconformidade com a lei só pode resultar na total procedência da impugnação que anulou a decisão da entidade administrativa aqui recorrente. 8. Nem se sustente, como tenta sustentar a recorrente nas suas alegações, que o tal montante de Euros 1.000.000,00, “resultam da actividade de A. B.” – pois, como já anteriormente esclarecido, não se provou nos presentes autos essa conclusão da recorrente. E o Relatório de Inspecção Tributária que fundamentou a liquidação ora impugnada não se encontra materializado em provas consistentes relativamente à globalidade dos pretensos factos que alega. A “descrição dos factos” constante desse Relatório de Inspecção Tributária não passa de um conjunto de suposições - sendo, por conseguinte, deturpadora da verdade e transformando-o num libelo sempre direccionado contra o recorrido. Não se podendo olvidar, ainda, que esse ónus de prova inequívoca cabia à ora recorrente AT. Provou-se, isso sim, a realidade societária que representa a L. B., S.A., e, bem assim, os fluxos financeiros nessa sociedade (como aquele que é objecto do presente recurso) – o que tudo não podia, nem pode, ser desconsiderado pela recorrente. 9. Acresce que, a aplicação, ou não, das normas do Código do IRS à pretensa realidade apurada pela recorrente AT, é posterior à realidade factual que sustenta a douta sentença recorrida - pelo que, também por aqui, não assiste à recorrente qualquer razão que possa proceder. Senão Vejamos, Como muito acertadamente se esclarece na douta sentença recorrida, “no que diz especificamente respeito à correcção de €1.000.000,00, a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende desconsiderar uma construção (a existência da sociedade L. B.) para imputar ao Impugnante um rendimento que corresponde a um fluxo financeiro recebido por esta entidade (ponto 26. da matéria de facto assente). Do ponto de vista jurídico, o resultado apresentado pela Entidade Administrativa decorrente do procedimento inspectivo efectuado, apenas seria possível através de aplicação do nº 2 do artigo 38.º da LGT, a chamada cláusula geral antiabuso, que dispunha, à data dos factos, que prevê: “São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas. Ora, a aplicação desta norma depende do cumprimento do procedimento previsto no artigo 63.º do Código de Processo e do Procedimento Tributário, na redacção em vigor à data dos factos. Tal norma impunha, entre outras obrigações, que a aplicação da cláusula geral antiabuso dependia de autorização do dirigente máximo do serviço, a proferir após audição prévia do contribuinte, audição essa a ser realizada num prazo legal alargado (n.º 5 e nº 7 da referida disposição legal). Para além de não ter claramente agido de boa-fé – como se impunha nos termos do disposto no artigo 10º do Código do Procedimento Administrativo, pois “no exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé” – a não audição do destinatário da aplicação do regime em momento anterior à decisão constitui, de forma cristalina e inegável, a preterição de um elemento essencial para que esse destinatário pudesse exercer o seu elementar direito ao contraditório e à defesa (nos termos do número 1 do artigo 9º da Lei Geral Tributária). Verificando-se, neste caso, a violação clara de dois dos princípios basilares do Estado de Direito e, consequentemente, do direito administrativo - o Princípio da Legalidade e o Princípio do Contraditório (tudo, de acordo com o previsto no número 2, 1ª parte, do artigo 226º, e número 5 do artigo 32º, ambos, da C.R.P.). 10. Aqui chegados, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, cumpre considerar muito acertada a douta decisão recorrida na parte em que foi favorável ao ora recorrido – não se vislumbrando na mesma qualquer erro na qualificação jurídica dos factos provados, na determinação ou aplicação das normas pertinentes ou, sequer, a existência de elementos de prova que implicassem decisão diversa da que foi proferida. 11. O que resulta, repita-se, da extemporânea argumentação da recorrente, só pode ser a discordância com o decidido; mas não é esse o sentido que o Tribunal extraiu dos factos provados, das normas aplicáveis e que superiormente afirmou na douta sentença “sub-judice”. 12. Em saudoso douto Acórdão proferido há anos pelo Supremo Tribunal de Justiça (in RLJ, n.º 130º - 15, de 04/05/1996), o então insigne Relator desabafava com o seguinte: “Não transformemos o Direito em jogo de sombras” – o ora recorrido permite-se aproveitar e dirigir por esta via à ora recorrente aquelas cada vez mais actuais palavras. Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação da recorrente "AT – Autoridade Tributária e Aduaneira".” *** Por sua vez o Impugnante A. B., apresentou alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “I- A manutenção “na ordem jurídica” das “liquidações adicionais n.º 2020 5000011941, de 24/01/2020, referente ao ano de 2012, no valor de €34.567,81, e n.º 2020 5000011944, de 24/01/2020, referente ao ano de 2013, no valor de €300.195,16” - trata-se de entendimento, para além de confuso e distorcido da realidade, totalmente desconforme com o enquadramento legalmente definido; II- A denominada “venda de sociedades imobiliárias” jamais poderá ser considerado um rendimento empresarial – desde logo, porque a cessão de uma participação social (que é verdadeira, rigorosa, e unicamente o que aqui está em causa) não tem enquadramento na alínea c) do número 2 do artigo 3º do CIRS; III- Quanto ao montante de Euros 500.000,00 (a que se reporta a “liquidação adicional n.º 2020 5000011944, de 24/01/2020, referente ao ano de 2013, no valor de €300.195,16” – cfr. ponto 28 da “factualidade assente”) resulta apenas demonstrado nos autos o que consta dos pontos 11 e 12 da “factualidade assente”; IV- Na mesma medida, tudo o quanto consta do relatório de inspecção (também impugnado por força da presente acção judicial), apenas se encontra provado nos precisos termos em que se encontra elencado na factualidade assente; V- Consta, assim, do ponto 25, dessa factualidade assente, que “por referência a rendimentos recebidos a partir da sociedade E. P., Lda. pelo Impugnante”, segundo a AT, “mais uma vez estamos perante rendimentos empresariais resultantes da actividade de constituição e venda de sociedades”; VI - A douta sentença recorrida também secundou esta tese ao imputar o rendimento do impugnante, “na sua maior parte”, à actividade de “constituição, descapitalização e posterior venda de sociedades imobiliárias”; VII- Acontece que não existe nenhuma actividade de “constituição e venda de sociedades”; VIII- Tratando-se erradamente a cessão de participações sociais em sociedades como uma venda de um qualquer bem ou produto existente no mercado; IX- As participações sociais (quotas ou acções) são a parte constituinte do acervo patrimonial da sociedade – correspondendo o capital social, de forma simples e directa, ao investimento inicial efectuado pelos sócios ou accionistas; X- E podem ser transmitidas e cedidas – por exemplo, tratando-se de sociedades por quotas, nos termos do artigo 228º do Código das Sociedades Comerciais; XI- Por outro lado, o artigo 13.º do Código Comercial define como comerciantes “as pessoas, que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão”; XII- O ora impugnante limitou-se a ceder a titularidade de participações sociais –ou seja, não praticou qualquer acto de comércio (como legalmente definido) e, como tal, não pode ser enquadrado como comerciante; XIII- O apuramento de parte do rendimento do recorrente foi enquadrado na categoria B, do IRS, quando na verdade, face à sua natureza e características objectivas, caberia por inteiro a inclusão dos rendimentos deste tipo (cessão de participações sociais) em sede de realização de mais-valias – consoante estabelecido nos artigos 9º e 10º do CIRS, apurando-se o imposto nos termos dos artigos 43º a 51º do mesmo CIRS, e levando-se ainda em consideração o disposto nos números 1 e 2 do já citado artigo 43º desse diploma legal (por se tratarem claramente de casos de micro e pequenas empresas); XIV- Acrescendo que, o número 3 do artigo 11º da Lei Geral Tributária esclarece que “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”. XV- Pelo exposto encontramo-nos perante uma situação que configura um manifesto vício de violação de lei - por erro nos pressupostos de direito e falta de fundamentação. XVI- Além do mais, como bem se sabe, nem todos os incrementos (mesmo patrimoniais) relevam como acréscimos patrimoniais para efeito de IRS; XVII- Pelo que, em caso de dúvida, impunha-se que AT tivesse notificado o sujeito passivo para justificação de cada um dos movimentos ou valores em questão (o que também não fez); XVIII- Ademais, na petição inicial (cfr. artigos 42º a 45º) o ora recorrente lembrou também que “a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto … é da competência do director de finanças da área do domicílio fiscal do sujeito passivo, sem faculdade de delegação” (cfr. número 6 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária) – trata-se, aqui, de uma decisão que tinha de ser tomada por antecipação (ou seja, no início da inspecção); XIX- O ora recorrente não foi notificado da decisão de avaliação pelo método indirecto (acto que só o Senhor Director de Finanças de Lisboa podia praticar, e sem possibilidade de delegação); XX- Constata-se, ainda, que o procedimento inspectivo “sub-judice” esteve suspenso por mais de 3 (três) meses sem qualquer notificação de “reinício” ao sujeito passivo ora recorrente – em frontal violação do regime estabelecido pelo número 3 do artigo 53º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira; XXI- Tais condutas configuram outras ilegalidades por vício de violação de lei - que foram expressamente arguidas pelo aqui recorrente e que não foram escrutinadas pela douta sentença recorrida (o que configura, por outro lado, um evidente erro de julgamento - “error in iudicando”); XXII- Por outro lado, o ora recorrente não se colectou voluntariamente a qualquer actividade - ou seja, não apresentou competente declaração para o efeito junto de serviço (local, regional ou central) da AT; XXIII- Pelo que, o enquadramento do recorrente como exercendo a actividade de “serviços de apoio prestados às empresas” foi abusivamente imposto pela recorrida AT, é errado, e prejudica severamente o mesmo recorrente – que com o mesmo não se conforma; XXIV- Obstando, por conseguinte, a que o recorrente possa ser tributado por métodos indirectos; XXV- A AT recorreu a meros indícios ou presunções (maxime, sem prova directa ou conclusiva afirma que os depósitos efectuados nas contas do sujeito passivo constituem rendimentos do exercício da actividade de constituição e “venda de sociedades”, entre outras) – e a douta sentença recorrida limitou-se a transcrever para a factualidade assente passagens do relatório de inspecção (que não foram devidamente demonstradas, nem documentalmente nem em sede de audiência); XXVI- Além do mais, o sujeito passivo ora recorrente nem sequer tinha que estar colectado – pois para se ser tributado na cédula das mais-valias basta estar-se cadastrado na AT (i.e., aí estar inscrito como contribuinte); XXVII- Mas ainda que se admitisse a tributação do recorrente pelo regime geral da contabilidade organizada (o que, manifestamente, não é o caso) ao fixar os rendimentos impunhase que a AT delimita-se também os gastos – o que não faz; XXVIII- Não se olvide, no entanto, que o ónus de prova inequívoca cabia à AT – e esse foi, seguramente, um desiderato não conseguido (ou seja, da factualidade assente não resulta essa prova, limita-se a transcrever literalmente passagens do relatório de inspecção); XXIX- Pelo que, também por esta via, se devem revogar as liquidações adicionais números 20205000011941, datada de 24/01/2020, e 20205000011944, datada de 24/01/2020, relativas a IRS, respectivamente, do ano de 2012 e 2013 - anulando-se em consequência as mesmas liquidações; Nestes termos, e pelo mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso – e, consequentemente: a) Deve revogar-se a douta sentença recorrida, na parte em que considerou a impugnação improcedente; b) e, consequentemente, deve, ser dado provimento ao pedido inicial do ora recorrente, revogando-se por douto Acórdão as liquidações adicionais números 20205000011941, datada de 24/01/2020, e 20205000011944, datada de 24/01/2020, relativas a IRS, respectivamente, do ano de 2012 e 2013, anulando-se em consequência as mesmas liquidações; - tudo, com as legais consequências, e assim se fazendo, Justiça!” *** A DRFP, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações. *** A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve: “1. Em 30/12/2008, através da Ap. 123/20081230, foi registada junto da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade L. B. – S. I., Lda., com o número de identificação de pessoa coletiva ….29, tendo como sócio maioritário e gerente único o Impugnante (cf. certidão do registo comercial a fls. 1111 a 1118 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 2. Em 20/05/2009, através da Ap. 123/20081230, foi registada junto da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa o aumento de capital e conversão em sociedade anónima da sociedade identificada no ponto anterior, mantendo o Impugnante como administrador único (cf. certidão do registo comercial a fls. 1111 a 1118 do SITAF); 3. Em 09/09/2011 a sociedade de direito dos Estados Unidos da América com a firma G. I., Inc. emitiu, à ordem da sociedade L. B. – S. I., S.A. cheque no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros) (cf. cópia do cheque a fls. 1059 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 4. Em 15/12/2011 a sociedade de direito dos Estados Unidos da América com a firma G. I., Inc. emitiu, à ordem da sociedade L. B. – S. I., S.A. cheque no valor de €950.000,00 (novecentos e cinquenta mil euros) (cf. cópia do cheque a fls. 1062 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 5. Em 19/12/2011 foi celebrado entre o Impugnante e a sociedade de direito dos Estados Unidos da América com a firma G. I., Inc. contrato de promessa de compra e venda, tendo por objeto as ações que o Impugnante detinha na sociedade L. B. – S. I., S.A. (cf. cópia do contrato a fls. 1041 a 1044 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 6. O contrato referido no ponto anterior continha, entre outros dizeres, a seguinte cláusula: Imagem: original nos autos (cf. cópia do contrato a fls. 1041 a 1044 do SITAF); 7. No triénio de 2011 a 2013 o Impugnante recebeu os depósitos provenientes da sociedade G. nas suas contas pessoais: Imagem: Original nos autos (cf. conforme extratos de conta a fls. 1175 a 1193 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 8. No triénio de 2011 a 2013 o Impugnante cedeu as participações sociais que detinha nas sociedades constantes da seguinte listagem: Imagens: Originais nos autos (cf. por acordo das partes e relatório a fls. 197 a 250 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 9. Por referência às sociedades referidas no ponto anterior, foi possível comprovar os fluxos financeiros subjacentes às seguintes vendas: Imagem: Original nos autos (cf. conforme cópias de cheques a fls. 813 a 836 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 10. Ainda por referência às sociedades referidas nos pontos anteriores, foram detetadas as seguintes transferências das mesmas para o Impugnante em momento anterior à correspondente venda:
Imagem: Original nos autos (cf. relatório a fls. 197 a 250 do SITAF); 11. Em 11/02/2013 a sociedade E. P. – S. I., Lda. emitiu à ordem do Impugnante cheque no valor de €500.000,00 (quinhentos mil euros) (cf. cópia do cheque a fls. 1169 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 12. Em 11/02/2013 o cheque emitido pela sociedade E. P. – S. I., Lda. à ordem do Impugnante no valor de €500.000,00 (quinhentos mil euros) foi depositado em conta da titularidade deste com o n.º …..710 (cf. extrato de conta a fls. 1173 a 1181 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 13. No período de 2011 a 2013 o Impugnante recebeu na sua conta pessoal junto do B..S as seguintes transferências: Imagem: Original nos autos (cf. dados bancários obtidos junto do BES a fls. 809 e 810 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 14. Os depósitos referidos no ponto anterior eram por conta de participação do Impugnante no rendimento gerado pela cedência do uso de alguns imóveis localizados no Algarve (cf. declaração escrita a fls. 801 a 803 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 15. Em 10/10/2014 foi o Impugnante notificado, através do ofício n.º 064426, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, das Ordens de Serviço n.ºs OI201404685/86/87, a determinar o início de uma ação inspetiva por referência ao mesmo, relativo a IRS dos anos de 2011 a 2013 (cf. notificação a fls. 1552 a 1557 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzida); 16. Em 11/05/2015 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa formularam pedido de assistência dirigido às autoridades fiscais dos Estados Unidos da América por referência à sociedade de direito dos Estados Unidos da América com a firma G. I., Inc. (cf. pedido de informação a fls. 1021 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 17. Em 20/07/2015 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa receberam resposta das autoridades fiscais dos Estados Unidos da América que continha, entre outra informação, a seguinte: Na sequência do pedido de informação efetuado às autoridades fiscais dos E.U.A. acerca da sociedade localizada no Estado do Delaware, G. I., Inc, recebemos a seguinte resposta final: - Esta entidade é desconhecida da administração fiscal americana dado nunca ter submetido declarações fiscais; -Não existe informação fornecida por terceiros e a entidade nunca solicitou um número de identificação como empregador (numero de identificação fiscal); - A entidade foi localizada no “State of Delaware Division of Corporations” (ver documento em anexo), com incorporação em 29 de junho de 2004. A incorporação foi efetuada por A. I., Ltd, designados como Agente Registador (“Registered Agent”); - A administração fiscal americana efetou um pedido de documentação (Document Request”) ao A. I., Ltd. Recebeu a documentação anexa mostrando que esta a G. I., Inc. foi originalmente “encomendada” e paga por um agente registador baseado em Douglas, Ilha de Man; - Esta documentação também mostra que o contribuinte português A. B. está indicado como presidente e também diretor. O outro direito indicado é R. F.. Vem ainda indicado como “officer” (funcionário?;gestor?) Mr. P. R.; - Os três atrás nomeados constam do “State of Delaware Annual Franchise Tax Report” dos anos de 2008, 2009, 2010, 2012, 2013 e 2014. - Embora G. I., Inc. tenha sido incorporada no Estado do Delaware, não existe evidência de que alguma vez tenha tido uma presença substantiva nos Estados Unidos ou que tenha tido atividade empresarial neste país, pelo que a autoridades fiscais americanas não vãoi prosseguir com as investigações, dando por encerrado este caso. (cf. resposta a pedido de informação a fls. 995 a 1020 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 18. Em 26/11/2019 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa emitiram o ofício n.º 00029083, a notificar o Impugnante de projeto de relatório de inspeção tributário por referência a IRS dos anos de 2011 a 2013 (cf. projeto de relatório a fls. 865 a 920 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); 19. Em 20/12/2019 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa emitiram o ofício n.º 064426, a notificar o Impugnante da conclusão dos atos de inspeção relativo a IRS dos anos de 2011 a 2013 (cf. notificação a fls. 1532 a 1545 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzida); 20. Em 07/01/2020 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa emitiram o ofício n.º 00000465, a notificar o Impugnante do relatório final de inspeção tributário por referência a IRS dos anos de 2011 a 2013 (cf. relatório a fls. 197 a 250 do SITAF); 21. Por referência a prestações de serviços de alojamento não declarados pelo Impugnante, o relatório de inspeção conclui da seguinte forma: (cf. relatório a fls. 197 a 250 do SITAF); 22. Por referência a rendimentos resultantes de sociedades constituídas pelo Impugnante, o relatório de inspeção conclui da seguinte forma: Imagens: originais nos autos
(cf. relatório a fls. 197 a 250 do SITAF); 23. Por referência à descapitalização das sociedades criadas pelo Impugnante, o relatório de inspeção conclui da seguinte forma: Imagens: originais nos autos
Com relevância para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade
(cf. relatório a fls. 197 a 250 do SITAF); 24. Por referência a rendimentos recebidos a partir da sociedade de direito dos Estados Unidos da América com a firma G. I., Inc. pelo Impugnante, o relatório de inspeção conclui da seguinte forma: Imagem: original nos autos (cf. relatório a fls. 197 a 250 do SITAF); 25. Por referência a rendimentos recebidos a partir da sociedade E. P., Lda. pelo Impugnante, o relatório de inspeção conclui da seguinte forma: Imagem: original nos autos (cf. relatório a fls. 197 a 250 do SITAF); 26. Por referência a rendimentos recebidos a partir da sociedade L. B., S.A. pelo Impugnante, o relatório de inspeção conclui da seguinte forma:
Imagens: Originais nos autos (cf. relatório a fls. 197 a 250 do SITAF); 27. O relatório de inspeção conclui da seguinte forma: Imagem: Original nos autos (cf. relatório a fls. 197 a 250 do SITAF); 28. Em 24/01/2020 foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IRS: i) Liquidação adicional n.º 2020 5000011940, de 24/01/2020, referente ao ano de 2011, no valor de €517.650,21; ii) Liquidação adicional n.º 2020 5000011941, de 24/01/2020, referente ao ano de 2012, no valor de €34.567,81; e iii) Liquidação adicional n.º 2020 5000011944, de 24/01/2020, referente ao ano de 2013, no valor de €300.195,16; (cf. cópias das liquidações a fls. 35 a 37 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido); e 29. Em 23/07/2020 deu entrada neste tribunal a petição inicial objeto dos presentes autos (cf. comprovativo de envio e petição inicial a fls. 1 a 34 do SITAF, que se dá por integralmente reproduzido).” *** A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “A. Os €500.000,00 transferidos pela E. P., Lda. para o Impugnante tratavam-se de um financiamento da sociedade de direito dos Estados Unidos da América com a firma G. I., Inc. ao Impugnante (artigo 90.º da Petição Inicial); e B. Os €500.000,00 já foram devolvidos pelo Impugnante à sociedade de direito dos Estados Unidos da América com a firma G. I., Inc. (artigo 90.º da Petição Inicial).” *** A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “A convicção do Tribunal, quanto à decisão da matéria de facto, baseou-se na análise crítica da prova produzida nos autos, designadamente as matérias por referência aos quais as partes estavam de acordo, os documentos juntos pelas Partes e os documentos constantes do processo instrutor apenso, que não foram impugnados, conforme referido a propósito de cada ponto da “Matéria de facto assente”, e o seu cruzamento entre si e os depoimentos realizados no âmbito das audiências de julgamento. Por referência aos depoimentos das testemunhas, o único ouvido, P. D., melhor identificado na ata de inquirição a fls. 1641 e 1642 do SITAF, fez o seu depoimento de forma geralmente clara e com conhecimento parcial dos factos a que foi inquirido, na medida em que foi contabilista do Impugnante e de grande parte das suas sociedades, tendo o seu conhecimento dos factos advindo da sua relação profissional. E sobre os quais deu a sua opinião. Em resumo, e com relevância para a decisão da causa, prestou os seguintes esclarecimentos ao tribunal: (i) há pelo menos 20 anos que trata da contabilidade das sociedades do Impugnante, (ii) sabe da inspeção em 2010, (iii) o Impugnante era gerente de várias sociedades imobiliárias sedeadas em Lisboa que se dedicavam à compra e venda de imóveis, (iv) o Impugnante tinha muitos imóveis e recorria a conhecimentos do mercado imobiliário no âmbito da sua atividade, (v) no entender do testemunha, o Impugnante não se dedicava à constituição de sociedades para os vender, (vi) mas admitiu que era atividade dele usar sociedades para adquirir cada imóvel e depois vendia a sociedade com o ativo imobiliário detido pela sociedade, (vii) como tal, constitui as sociedades para a sua atividade imobiliária, (viii) desconhece a razão pela qual usa esse modelo de negócio, (ix) quanto à E. P., Lda. o testemunha era o contabilista, (x) esta sociedade desenvolve atividade imobiliária e faz compra e venda de imóveis, (xi) o B. financiou a sociedade em mais de €1.500.000,00 para a sua atividade no período de 2011 a 2013, (xii) por causa do financiamento, o Impugnante procurou outros investidores para capitalizar sociedade através de uma sociedade estrangeira (não sabe precisar a firma nem a localização da sede, mas tinha NIF atribuído), (xiii) com capital assim obtido liquidou-se financiamento junto do B., (xiv) desconhece se o Impugnante ainda trabalha com essa sociedade, (xv) que saiba, o Impugnante não tem interesse na G., (xvi) não se recorda de alguma vez se ter transferido €500.000,00 do E. P. para o Impugnante, (xvii) tal movimento não foi contabilizado, (xviii) o Impugnante terá dito ao contabilista que transferência foi um engano, (xix) quanto à sociedade L. B., foi liquidada em 2013 ou 2014, (xx) foi constituída para comprar um prédio na Av. J. D. à E. por €1.000.000,00, (xxi) houve um lapso no registo de uma entrada de capital na sociedade, por ter entrado €1.000.000,00 e, por não se determinar a origem da entrada, foi registado como suprimento, mas afinal entrou pela G., (xxii) corrigiu-se a contabilidade em momento posterior, (xxiii) com a venda do prédio, a sociedade saldou o financiamento e procedeu-se à sua liquidação, (xxiv) conhece a M. R., era administrativa na L. G., que tratava da documentação das restantes sociedades imobiliárias, (xxv) saiu da sociedade por ter entrado em litígio com o Impugnante, (xxvi) nunca teve contacto com nenhum representante da sociedade G. nem informado de quem seria o investidor subjacente à sociedade, (xxvii) a G. era a principal financiadora das sociedades E. P. e L. B., (xxviii) não sabia que o Impugnante era presidente da G., (xxix) conhece o R. F. na qualidade de advogado do Impugnante, mas perdeu o contacto há 15 anos, (xxx) não tem a certeza se esteve envolvido na constituição das sociedades, (xxxi) fez o lançamento do suprimento com base no extrato bancário, mas como não identificava claramente a origem registou como suprimento. Por referência aos factos considerados não provados, a convicção do Tribunal por referência aos mesmos baseou-se no facto de não ter sido junto aos autos qualquer tipo de prova documental que sustentasse o afirmado, nem tais factos resultam do depoimento do único testemunha, situação que não podia ser ignorada atendendo a que o valor do alegado empréstimo obrigava a que o mesmo constasse de escritura pública, bem como da elevada improbabilidade da suposta devolução do montante não ser comprovável com documento bancário a demonstrar o correspondente fluxo financeiro. Por referência a factos invocados pelas partes não constantes da listagem da “Matéria de facto assente” ou dos “factos não provados”, os mesmos foram considerados não relevantes para a decisão da causa, razão pelo qual o Tribunal não os apreciou ao abrigo do princípio da economia processual que deve presidir à condução dos processos judiciais.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, ambas as partes interpuseram recurso no segmento em que ficaram vencidas. Concretamente, a DRFP interpõe recurso relativamente à anulação da correção correspondente ao pagamento de €1.000.000,00 da sociedade G. à sociedade L. B.. Por seu turno, o Impugnante interpõe recurso relativamente à improcedência das demais correções realizadas ao IRS, dos anos de 2011 a 2013. Importa, desde já, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso da DRFP, cumpre apreciar: - Se a decisão recorrida incorreu em omissão de pronúncia relativamente à questão atinente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça; - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que, por um lado, não ponderou factualidade com relevo para a presente lide, a qual requer o seu aditamento e, por outro lado, apreciou, erroneamente, a prova produzida nos autos. - Se a sentença visada cometeu erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se se encontram demonstrados os pressupostos para que o rendimento de €1.000.000,00 seja imputado ao sujeito passivo, no ano de 2011, enquanto rendimento empresarial e comercial da Categoria B, subsumível no artigo 3.º, nº1, alínea a), do CIRS. No concernente ao recurso do Impugnante A. B., cumpre apreciar se: - O Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia relativamente às questões atinentes à falta de notificação da decisão de avaliação pelo método indireto e violação do artigo 53.º, nº3, do RCPITA. - Incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto: o Interpretou incorretamente a questão atinente à tributação enquanto métodos indiretos, na medida em que o procedimento da AT se concatenou com indícios e suposições, sem conexão com correções meramente aritméticas; o As liquidações impugnadas, inversamente ao ajuizado na decisão recorrida, padecem de falta de fundamentação; o A AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia; o Foi incorretamente valorado o âmbito funcional e de atuação do Recorrente, sendo que inexistem quaisquer quantias a ser tributadas enquanto rendimento comercial ou empresarial, donde subsumíveis na Categoria B; Apreciando. Comecemos pelo recurso da DRFP, e pela arguida omissão de pronúncia. A Recorrente alega que suscitou na sua contestação, a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça a qual não foi apreciada, o que traduz uma omissão de pronúncia. Vejamos. A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT, que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar. Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal. Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC. Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (1) Ora, face aos considerandos supra expendidos, tendo a Recorrente requerido a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, a mesma carece de expressa pronúncia, seja negando, seja deferindo, o peticionado. Donde, não tendo a sentença tomado conhecimento da questão relativa à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, e não resultando a mesma prejudicada face ao conhecimento do demais, procede a arguida nulidade por omissão de pronúncia, impondo-se, por isso, dela conhecer, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, uma vez que os autos reúnem todos os elementos para o efeito, relegando-se, assim, o seu conhecimento para fase ulterior, na medida em que concatenada com a concreta apreciação da complexidade da causa, e com o âmbito do recurso e casuística apreciação da conduta das partes. Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto. A Recorrente convoca dois aditamentos por complementação. Requer, desde logo, o aditamento do seguinte facto: “Até março de 2015, isto é, quatro anos após a assinatura do referido contrato, não ocorreu a prevista venda de ações que deveria ter ocorrido no prazo de 90 dias, nem tão pouco a L. B. pagou quaisquer juros (ou indemnização) pelo adiantamento recebido, ao arrepio do contratualmente estabelecido”, convocando, para o efeito, os extratos das contas respeitantes aos anos de 2012 e 2013, as atas de aprovação de contas e a certidão permanente, realidades juntas aos autos nos Anexos XV, XVI, XVII e XVIII do Relatório de Inspeção Tributária. Mais requer o aditamento da seguinte factualidade: “Conforme é referido no relatório de inspeção, a entrada do montante de € 1.000.000,00 na conta bancária da sociedade L. B. SA, como um suposto suprimento da futura sócia – G. I. Inc resultam da atividade de A. B.”, convocando, para tal, as inferências decorrentes das participações sociais detidas nas sociedades, no contrato de promessa de venda das ações, as declarações do Técnico Oficial de Contas e bem assim o Relatório do Revisor Oficial de Contas. Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT. Preceitua o aludido normativo que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos. (2) No caso vertente, transpondo os ensinamentos supra expendidos, apenas relativamente ao primeiro aditamento se encontram preenchidos os requisitos supra evidenciados, na medida em que é convocada a respetiva roupagem do facto a aditar, com a devida enunciação do meio probatório e sua concreta substanciação e alocação no processo administrativo instrutor. Ora, ainda que se repute que a factualidade que se pretende aditar é não controvertida, podendo a mesma revestir interesse para a presente lide,-independentemente do acerto e da concreta valoração cotejada pela Recorrente- admite-se o seu aditamento, mas com um conteúdo díspar do requerido, na medida em que o mesmo comporta juízos conclusivos e valorativos. Assim, face ao supra expendido, admite-se o aditamento da factualidade requerida, expurgando os aludidos juízos conclusivos e opinativos e mediante a subdivisão em duas alíneas, por forma a que cada asserção fática fique, perfeitamente, individualizada, e conforme que infra se materializa: 30. Até, pelo menos março de 2015, não foi outorgado o contrato definitivo melhor evidenciado em 5) e 6) (facto não controvertido, facto corroborado pelo teor dos Anexos XV, XVI, XVII e XVIII juntos ao PA apenso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido); 31. No mesmo período temporal, inexistiu o pagamento de qualquer quantia a título de cláusula penal, conforme estipulação no contrato melhor evidenciado em 5) e 6) (facto não controvertido, facto corroborado pelo teor dos Anexos XV, XVI, XVII e XVIII juntos ao PA apenso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido); Prosseguindo, ora, com o segundo aditamento requerido. Conforme já evidenciado anteriormente, neste concreto particular, não se encontram reunidos os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, na medida em que, por um lado, inexiste a devida concretização do meio probatório, apenas uma inferência atinente aos mesmos sem, tão-pouco, se estabelecer a alocação e concreta corporização nos autos e no PA, e por outro lado, no concernente à prova testemunhal não obstante convoque o depoimento da única testemunha ouvida, a verdade é que não particulariza qualquer trecho áudio, nem, tão-pouco, procede à transcrição de excertos que repute relevantes para efeitos do aludido aditamento, limitando-se a, genericamente, convocar as declarações do TOC. Sem embargo do exposto, sempre se dirá que a asserção que pretendia ver aditada, como visto, concatenada com a, efetiva, perceção do rendimento, não tinha, tão-pouco, a roupagem de um facto, porquanto conclusivo e genérico carecendo, por conseguinte, da respetiva substanciação espácio-temporal. Com efeito, o que tem de estar plasmado no probatório são as asserções fáticas atinentes, designadamente, às entradas dos fluxos financeiros, às participações sociais, e ao teor dos contratos, por forma a que o julgador, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova conclua, positiva ou negativamente, no sentido de que a entrada do montante de € 1.000.000,00 na conta bancária da sociedade L. B. SA, resulta da atividade de A. B., para que se possa aquilatar do thema decidendum, ou seja, se tal rendimento comercial configura ou não um rendimento empresarial, passível de tributação enquanto rendimento da categoria B. Note-se que,“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais". (5) E por assim ser, rejeita-se a aludida impugnação. *** Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, no erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito. A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que a AT cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, porquanto identificou os dois depósitos na conta bancária que a L. B. possui, concretamente, um em setembro de 2011, na importância de € 50.000,00, e outro em 15 de dezembro de 2011, no montante de €950.000,00, e depois materializou a concreta simulação, a qual permite corporizar um rendimento dimanante da atividade do Recorrido. Densifica, depois, mediante convocação do contrato de promessa de venda das suas ações da L. B. à G. I. e dos inerentes clausulados que toda esta operação mais não foi do que uma simulação, sendo que a transferência da G. para a L. B. teve por efeito levar tais montantes para a esfera pessoal do A. B.. Refutando, neste concreto particular, a aplicação da cláusula geral anti abuso (CGAA) prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT pois, não obstante seja inequívoca a utilização de meios artificiosos, a verdade é que para a sua aplicação exige-se a verificação dos demais pressupostos de verificação cumulativa, o que não acontece in casu, nem o Tribunal a quo os demonstrou. Dissente o Recorrido relevando, para o efeito, que nenhuma censura merece a decisão recorrida na medida em que a fundamentação da correção visada assenta em desconsiderações jurídicas, suposições e indícios, logo o regime legitimado para o efeito coaduna-se com o consignado no artigo 38.º, nº2 da LGT, o qual estava dependente de um procedimento específico que não foi utlizado pela AT e em clara preterição de formalidade legal, e que inquina os atos impugnados de anulabilidade. O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a procedência com base na seguinte fundamentação jurídica: “[n]o que diz especificamente respeito à correção de €1.000.000,00, a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende desconsiderar uma construção (a existência da sociedade L. B.) para imputar ao Impugnante um rendimento que corresponde a um fluxo financeiro recebido por esta entidade (ponto 26. da matéria de facto assente). Do ponto de vista jurídico, tal apenas seria possível através de aplicação do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, a chamada cláusula geral antiabuso, que dispunha, à data dos factos, que “São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”. Ora, a aplicação desta norma depende do cumprimento do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT, na redação em vigor à data dos factos. Tal norma impunha, entre outras obrigações, que a aplicação desta norma antiabuso dependesse de autorização do dirigente máximo do serviço, a proferir após audição prévia do contribuinte, audição essa a ser realizado num prazo legal alargado (n.ºs 5 e 7 da referida disposição). Estas formalidades, essenciais para a defesa do contribuinte face à complexidade factual normalmente associada à aplicação da chamada cláusula geral antiabuso, não foram cumpridas, pelo que, por referência a esta correção, a invocação de preterição de formalidades legais é procedente.” Ora, tendo presente a fundamentação contemporânea do ato e o probatório dos autos, não se vislumbra que a decisão recorrida padeça dos erros de julgamento que lhe são assacados na medida em que, interpretou corretamente o regime normativo em contenda, com a adequada alocação ao recorte probatório dos autos. Atentemos, então, porque, assim, o entendemos começando por convocar a fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária. Dimana do aludido Relatório de Inspeção Tributária que as razões que fundaram a correção em análise se coadunam com o seguinte: - No decurso da ação inspetiva, foram identificados dois depósitos na conta bancária que a sociedade L. B. possui no B., um em setembro de 2011, no valor de €50.000,00, e outro em dezembro de 2011, no valor de €950.000,00; - Tais depósitos provieram de dois cheques emitidos pela sociedade G., I. Inc; - Na contabilidade da sociedade L. B., SA tais importâncias encontravam-se registadas enquanto suprimentos de A. B.; - A. B., na sequência de esclarecimentos prestados refere que tal registo contabilístico enferma de erro, na medida em que o seu fundamento está alicerçado em contrato de promessa de compra e venda de ações. - Tais fluxos financeiros e entradas na conta bancária da sociedade L. B., resultam da atividade de A. B., na medida em que o mesmo é sócio e administrador de ambas as empresas, celebrou contrato de promessa tendo auferido, a título de sinal, €15.000,00, donde não se percecionam as razões subjacentes à falta de outorga de contrato definitivo. - Essa movimentação bancária mais não representou que um artifício usado por A. B. de modo a que a verba envolvida parecesse ter tido a sua origem numa empresa da qual o Recorrido é o único gerente-G.. Concluindo, assim, pelo abuso da forma jurídica, porquanto essa estrutura societária e inerentes movimentos financeiros tem um intuito de simulação e evasão fiscal, acarretando, assim, a sua desconsideração jurídica, e inerente qualificação de tais quantias enquanto rendimentos empresariais resultantes da sua atividade de constituição e venda de sociedades, a isso não obstando o facto das visadas quantias não terem dado entrada na sua conta bancária pessoal, promanando da sociedade G., e ulteriormente depositadas na conta da sociedade L. B., porquanto, justamente, o desiderato de dissimulação e omissão de rendimentos. Ora, tendo presente a fundamentação expendida anteriormente ter-se-á de secundar o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, na medida em que a AT convoca e desconsidera a criação/existência jurídica (da aludida sociedade) e inerentes movimentos e fluxos financeiros, a título artificioso e com um intuito específico de evasão fiscal, advogando uma simulação com o propósito de defraudar o Estado. No fundo, a AT advoga uma configuração formal, atribuída pelas partes, diferente da sua substância real com o intuito específico de afastar a sujeição a imposto na esfera jurídica do Recorrido, contudo tal fundamentação, conforme ajuizado e bem pelo Tribunal a quo, só poderia proceder se fundada no artigo 38.º, nº2 da LGT. Note-se que, é a própria Recorrente que aceita e assume que a fundamentação se estribou na existência de um acordo simulatório, relevando, de forma expressa, que “[r]esultando daqui que toda esta operação mais não foi do que uma simulação, sendo que com a transferência da G. para a L. B. teve por efeito levar tais montantes para a esfera pessoal do A. B..” Dir-se-á, portanto, que a AT não teve por ilegal o contrato de promessa, apenas sindicou as razões a ele subjacentes, questionando a falta de outorga do contrato definitivo, desconsiderando, para o efeito, a constituição da visada sociedade e a entrada de fluxos financeiros nessa esfera societária, ficcionando, -atento, como visto, o intuito de enganar e defraudar terceiros, in casu, erário público- uma entrada na esfera pessoal do Recorrido, com a inerente qualificação enquanto rendimento empresarial e subsunção normativa na categoria B. Logo, mais não corporizou que a consideração de tais operações como ineficazes sob o ponto de vista fiscal. Ora, ainda que sem convocar o artigo 38.º, da LGT, particularmente o seu nº2-o que é perfeitamente irrelevante na medida em que tal falta de enunciação de base legal em nada obsta a que a fundamentação radique nela- constata-se que a AT fundou a correção nesse desiderato. Com efeito, prescreve o artigo 38.º da LGT, sob a epígrafe de “ineficácia de atos e negócios jurídicos” que: “1 - A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes. 2 - São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.” Dir-se-á, portanto, que no regime tributário, é regulamentada a prevalência da ontologia dos factos económicos sobre a fenomenologia da aparência das formas jurídicas sendo assegurada na LGT, mormente nos artigos 38.º e 39.º, com três tipos de normas: -As que estabelecem a tributação dos chamados negócios ineficazes, sempre que produzem efeitos económicos (38.º, nº1, da LGT); Sendo certo que, a aplicação da CGAA, respeitando e coadunando-se com um mecanismo que permite sindicar e pôr em causa uma determinada opção negocial do contribuinte por parte da AT, implica, naturalmente, que a sua aplicação esteja sujeita a especiais exigências, que passam, desde logo, pela instauração de procedimento próprio, previsto no artigo 63.º do CPPT. Com efeito, preceitua o citado artigo 63.º do CPPT, sob a epígrafe de “aplicação de normas anti abuso”, com a redação à data aplicável que: “1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições anti abuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio. Ainda, neste concreto particular, e no atinente ao conceito de meio artificioso ou fraudulento, chama-se à colação o doutrinado no Acórdão do TJUE, Cadbury Schweppes, C-196/04, proferido a de 12 de setembro de 2006, do qual se extrata, designadamente, o seguinte: “51 (…) [U]ma medida nacional que restrinja a liberdade de estabelecimento pode ser justificada quando vise especificamente os expedientes puramente artificiais cuja finalidade é fugir à alçada da legislação do Estado-Membro em causa (v., neste sentido, acórdãos ICI, já referido, n.° 26; de 12 de Dezembro de 2002, Lankhorst-Hohorst, C-324/00, Colect., p. I-11779, n.° 37; De Lasteyrie du Saillant, já referido, n.° 50, e Marks & Spencer, já referido, n.° 57). (…) 55 (…) [P]ara que uma restrição à liberdade de estabelecimento possa ser justificada por motivos de luta contra práticas abusivas, o objectivo específico de tal restrição deve ser o de impedir comportamentos que consistam em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, com o objectivo de eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por actividades realizadas no território nacional”. (destaques e sublinhados nossos). Ora, da interpretação conjugada de tais normativos e face aos subsídios interpretativos supra expendidos, retira-se que sempre que forem criados expedientes artificiais, ardilosos, desprovidos de realidade económica, com o intuito de evasão fiscal, encontramo-nos no domínio da prática abusiva, como visto, subsumível no artigo 38.º, nº2, da LGT, e dependente de um procedimento específico contemplado no citado artigo 63.º do CPPT. Razão pela qual, a liquidação emitida com base em prática abusiva sem ter sido precedida da instauração do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT padece de ilegalidade. Como doutrinado no Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0576/13, de 25 de novembro de 2015: “O Mº juiz “a quo” considerou que a aplicação do procedimento do artigo 63 do CPPT apenas é de instaurar quando estiver em causa a aplicação da norma anti abuso geral prevista no artigo 38 da LGT. E porque no caso em apreço a liquidação fora efectuada não com base em normas jurídicas anti abuso mas fundamentada no regime jurídico do IVA considerou não se verificar caso de aplicação do artigo 63 do CPPT. (…) Decorre da factualidade dada como provada que a Administração Tributária como se vê do ponto B.5 do probatório sob a epígrafe “Aplicação das regras relativas às práticas abusivas no domínio do IVA” afirma: “É nossa convicção que a efectivação do contrato de cedência de exploração teve como único objectivo justificar “a posteriori” a dedução indevida de IVA no período em que decorreu a construção e equipamento do imóvel. De facto o exercício da actividade desenvolvida naquela infra-estrutura -prestação de serviços médicos – não permite nos termos da alínea 2) do artigo 9º do CIVA qualquer dedução do imposto a montante.” Para concluir: “Nestes termos cabe-nos afirmar que os factos descritos consubstanciam uma prática abusiva no domínio do Imposto Sobre o Valor Acrescentado. E neste entendimento foi corrigido o IVA objecto de dedução pela cedência da exploração. Ora desta factualidade podemos facilmente concluir que o que a Administração Tributária fez não foi apenas desconsiderar a dedução do IVA, por, como bem salienta o Mº Pº, considerar esta operação ineficaz sob o ponto de vista fiscal. Efectivamente não teve por inexistente nem ilegal o contrato de cessão de exploração. O que fez foi vê-lo como efectuado ao abrigo da cláusula geral anti abuso que o artigo 38 da LGT, mais concretamente do nº 2 do preceito em causa (…) No caso dos autos a instauração do procedimento previsto no artigo 63 do CPPT também aqui de mostrava e mostra obrigatório.” (destaques e sublinhados nossos). Ora, tendo por base o supra expendido, e transpondo para o caso dos autos, ter-se-á de concluir que a fundamentação subjacente à correção visada assenta em considerações relativas à existência de um alegado abuso de formas jurídicas, concretamente da sociedade L. B. com o intuito de receber rendimentos dirigidos ao Recorrido, e que tal foi feito com o propósito específico dos rendimentos não serem tributados na esfera individual do Recorrido. Até porque, a substância económica subjacente às intenções desta não exigiam, de todo, o recurso a esta forma jurídica. Note-se que, todas as indagações que a Recorrente tece nas suas alegações de recurso, concatenadas com o intuito que subjaz à feitura da criação da sociedade, ao contrato de promessa, mormente, ao período temporal a ele subjacente, e ao facto de nunca se ter realizado o contrato definitivo e a inexistência de pagamento de qualquer cláusula penal por parte da Sociedade L. B., em nada permitem legitimar a correção aritmética enquanto rendimento da Categoria B, porquanto concatenada com uma simulação e uma prática abusiva, que implica, como visto, uma desconsideração societária a montante com inerente desprezo das quantias recebidas nessa sede, para ficcionar um rendimento -não computável e não auferido- na sua esfera individual. Ora, como já devidamente densificado anteriormente tal fundamentação e modus faciendi estavam sujeitos ao procedimento próprio e específico atinente ao efeito, o qual, in casu, não foi lançado mão. Neste conspecto, cumpre, ainda, chamar à colação o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 01720/13, de 27 de janeiro de 2016, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte: “[s]ufragamos a motivação jurídica enunciada na sentença quando refere que a tributação das mais-valias que a AT levou a cabo à luz do nº 3 do art.º 32º do EBF só foi possível por, previamente, ela ter desconsiderado a figura jurídica da gestão de negócios e o acto jurídico da ratificação do negócio pela impugnante. Mas se, como invoca a AT, o objectivo da utilização dessas figuras jurídicas foi apenas o de possibilitar fiscalmente à impugnante usar posteriormente o benefício fiscal previsto no nº 2 do artigo 32º do EBP relativamente às mais-valias que porventura viesse a obter com a venda das acções, não sendo tais figuras, em si mesmas, necessárias para a celebração do contrato, então não podemos deixar de concluir que o normativo a que a AF devia ter subsumido a situação e a correcção que introduziu era a constante do art.º 38º, nº 2, da LGT (cláusula geral anti-abuso). Em conclusão, suspeitando a AT da existência de uma prática abusiva, impunha-se-lhe a instauração do procedimento prévio e obrigatório previsto no art.º 63º do CPPT, que se caracteriza pela audição da pessoa em causa no prazo de 30 dias, pelo direito de apresentação, pelo interessado, das provas que entender pertinentes, pela obtenção de uma autorização do dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem este último tiver delegado a competência para aplicar as disposições anti-abuso e pelo dever de fundamentação da respectiva decisão. Procedimento que não utilizou, escudando-se numa alegada requalificação do contrato que, ao fim e ao cabo, se traduziu na afirmação de que ele continha, não um, mas dois negócios jurídicos distintos e autónomos: uma primeira transmissão onerosa para a B e uma segunda transmissão onerosa desta sociedade para a impugnante, pese embora não se descortine, a bem da verdade, como é que a AT consegue vislumbrar, nesse mesmo contrato, a ulterior e subsequente venda das acções da sociedade B para a sociedade impugnante).” (destaques e sublinhados nossos). No mesmo sentido, se expendeu no Aresto deste TCAS, no âmbito do processo nº 1215/08, datado de 26 de maio de 2022, no qual a, ora Relatora, interveio enquanto Segunda Adjunta, e no qual se doutrina, designadamente, o seguinte: “Com efeito, todas as ilações e conclusões que a AT extraiu, ao abrigo do art.º 38.º, n.º 2, da LGT, só poderiam ser consideradas como pressupostos admissíveis em termos de correções se tivesse havido o procedimento próprio a que nos referimos, o que não sucedeu. Esta ilegalidade de erro sobre os pressupostos projeta-se e afeta todo o resultado da ação inspetiva e, consequentemente, as liquidações do mesmo resultantes.” De ressalvar, neste particular, que em nada releva o expendido pela AT quanto à concreta verificação dos pressupostos atinentes ao artigo 38.º, nº2, da LGT, na medida em que essa questão é a jusante, ou seja, a mesma só relevaria e determinaria uma concreta apreciação casuística dos elementos e pressupostos constantes no aludido normativo, caso, naturalmente, a AT tivesse recorrido ao expediente legal atinente ao efeito, o que, como visto, não fez. (8) De adensar, in fine, que em nada releva, outrossim, a fundamentação concatenada com as manifestações de fortuna tipificadas no artigo 89.ºA, nº4, da LGT, e à, eventual, consideração do rendimento padrão no valor de 50% do montante auferido, na medida em que tal não foi o procedimento e o expediente adotado pela AT, representando, tão-só, uma hipótese legal de configuração e tributação, não utilizada. Em face de todo o exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais há que secundar a ilegalidade da correção, confirmando-se, assim, a procedência decretada pelo Tribunal a quo. E por assim ser, improcede o recurso da DRFP. Atentemos, ora, no Recurso do Impugnante. Comecemos, então, pela arguida nulidade por omissão de pronúncia. O Recorrente advoga que, na petição inicial, concretamente, nos artigos 42.º a 45.º foi arguido que “a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto … é da competência do director de finanças da área do domicílio fiscal do sujeito passivo, sem faculdade de delegação”, logo em ordem ao consignado no artigo 89º-A da LGT tal decisão tinha de ser tomada por antecipação, ou seja, no início da inspeção, e notificada ao contribuinte o que não sucedeu, sendo certo que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal preterição. No mesmo sentido, ajuíza quanto à preterição do regime estabelecido pelo artigo 53.º, nº3, do RCPITA. Vejamos, então. Atentando no teor do seu articulado inicial, constata-se, efetivamente, que o Recorrente nos citados artigos da p.i., convoca a falta de notificação da decisão de avaliação pelo método indireto, e bem assim a preterição do artigo 53.º, nº3 do RCPITA. Analisemos, ora, se a decisão recorrida analisou tais questões ou, em caso negativo, se as mesmas resultaram prejudicadas em ordem à decisão prolatada quanto às demais. No item epigrafado de “preterição de formalidades legais no âmbito do procedimento que conduziu à emissão dos atos tributários objetos dos autos” o Tribunal a quo começa por relevar que para apreciação da aludida questão cumpre determinar, previamente, se a AT recorreu, efetivamente, a métodos indiretos de avaliação da matéria tributável, sem seguir o correspondente procedimento, concretizando o respetivo regime jurídico e os respetivos considerandos de direito atinentes ao efeito, para depois negar o recurso a esse método. Com efeito, neste concreto particular, é aduzido na decisão recorrida o seguinte: “Aplicando o acima exposto direito ao caso concreto, verificamos que: i) Na determinação dos rendimentos do Impugnante a Autoridade Tributária e Aduaneira recorreu apenas a informação objetiva e direta, na medida em que se baseou exclusivamente em fluxos financeiros que comprovadamente fluíram para o Impugnante ou, no caso da correção no valor de €1.000.000,00, para uma sociedade por si controlada (pontos 21. a 26. da matéria de facto assente), pelo que a avaliação do rendimento foi direta; ii) Apenas aplicou um método indireto na determinação do rendimento coletável final, o regime simplificado de IRS aplicável à chamada Categoria B. de rendimentos (rendimentos empresariais), como impõe a lei, único método indireto que está expressamente excluído da necessidade de aplicação do procedimento especial previsto no artigo 91.º da LGT, conforme dispõe a acima citada norma do n.º 1 do referido artigo (ponto 27. da matéria de facto assente) e que decorre da aplicação de coeficientes ao rendimento. Conclui-se, assim, que não é verdade que tenha sido preterido qualquer formalidade legal no âmbito do procedimento inspetivo por violação de uma pretensa obrigação de procedimento decorrente de aplicação de métodos indiretos.” Ora, atenta a fundamentação e a linha de entendimento adotada pelo Tribunal a quo, ter-se-á de responder, negativamente, a essa omissão de pronúncia, na medida em que a arguida falta de notificação resultou prejudicada em ordem ao julgamento atinente ao próprio recurso à avaliação indireta. Com efeito, dir-se-á que sendo pressuposto basilar para a aferição da aludida falta de notificação, a prévia consideração do recurso à avaliação indireta, tal determina que, sendo julgado improcedente esse mesmo recurso, claudica a sua premissa base, acarretando, por conseguinte, que a sua apreciação resulte prejudicada. (9) Improcede, assim, a arguida nulidade por omissão de pronúncia. Isto sem prejuízo, naturalmente, de o Tribunal ad quem apreciar tal preterição de formalidade legal caso ajuíze que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento -em sede própria- no atinente à própria caraterização e qualificação da determinação da matéria coletável, concretamente, quanto à adoção da avaliação presuntiva. Atentemos, ora, na segunda omissão de pronúncia. O Recorrente advoga na sua petição inicial que ocorreu uma frontal violação do regime estabelecido pelo número 3, do artigo 53.º do RCPITA, na medida em que não foi notificado do reinício do procedimento inspetivo, após a sua suspensão. De facto, atentando-se no teor da decisão recorrida verifica-se que inexiste qualquer pronúncia sobre tal vício, logo -e independentemente da alegação conclusiva e da bondade do ajuizado- correspondendo o supra aludido a um vício próprio que não um mero argumento, o Tribunal a quo teria de ter emitido qualquer pronúncia sobre o mesmo, razão pela qual ter-se-á de concluir pela verificação da aludida omissão de pronúncia. Assim, e uma vez que o Tribunal a quo dispõe de todos os elementos para a aludida decisão, passa-se de imediato ao conhecimento da questão omitida. Vejamos, então. De relevar, desde já, que tal arguição não se encontra minimamente substanciada, não se discorrendo qual o substrato fático atinente à aludida suspensão, na medida em que o Recorrente nada corporiza nesse e para esse efeito. Sem embargo do exposto, sempre se dirá que do teor do Relatório de Inspeção Tributária não se encontra patenteado, que tenha ocorrido uma suspensão da prática de atos de inspeção e que a mesma careça, portanto, de qualquer notificação atinente ao seu reinício. Note-se, ademais, que atentando no teor das alegações do Recorrente infere-se que o mesmo convoca realidade atinente à suspensão do procedimento de inspeção, o que não é confundível com a suspensão da prática de atos e inspeção, a qual só é admissível nos termos consignados no artigo 36.º do mesmo diploma legal. De relevar, in fine, e não obstante todo o supra expendido que face à causa de pedir do Recorrente, tal preterição não tinha qualquer efeito invalidante da liquidação, podendo, tão-só, assumir, eventuais, reflexos e consequências em termos de caducidade do direito à liquidação - in casu, não arguidas-. De convocar, neste particular, o Acórdão do STA, prolatado no processo nº de 0709/14, datado de 25 de fevereiro de 2015 e demais jurisprudência nele citada. E por assim ser, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, improcede a aludida violação do artigo 53.º do RCPITA. *** Atentemos, ora, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Comecemos pelo erro de julgamento respeitante à incorreta apreciação da questão atinente à tributação enquanto métodos indiretos, na medida em que o procedimento da AT se concatenou com indícios e suposições, sem conexão com quaisquer correções meramente aritméticas. Neste âmbito, discorreu o Tribunal a quo que no âmbito da ação inspetiva em análise a determinação dos rendimentos apenas se socorreu de informação objetiva e direta. Esclarecendo, adicionalmente, e no concernente ao método aplicável que apenas “[a]plicou um método indireto na determinação do rendimento coletável final, o regime simplificado de IRS aplicável à chamada Categoria B. de rendimentos (rendimentos empresariais), como impõe a lei, único método indireto que está expressamente excluído da necessidade de aplicação do procedimento especial previsto no artigo 91.º da LGT, conforme dispõe a acima citada norma do n.º 1 do referido artigo (ponto 27. da matéria de facto assente) e que decorre da aplicação de coeficientes ao rendimento.” E a verdade é que, nenhuma censura merece o entendimento do Tribunal a quo, na medida em que de uma leitura atenta do Relatório de Inspeção Tributária, constata-se que as correções visadas foram realizadas mediante determinação da matéria coletável por via da avaliação direta, consubstanciando, apenas e só, correções de natureza meramente aritmética. Com efeito, infere-se da fundamentação constante no aludido Relatório de Inspeção Tributária que o apuramento dos rendimentos em falta teve subjacente a existência e entrada de fluxos financeiros na esfera jurídica do Recorrente, e também da esfera societária de uma empresa da qual é sócio, sua inerente alocação ao âmbito empresarial e subsequente subsunção na Categoria B, ao abrigo do artigo 3.º, nº1, alínea a), do CIRS. Conforme é, expressamente, evidenciado no Relatório de Inspeção Tributária “constituem rendimentos empresariais do sujeito passivo, os rendimentos resultantes da cedência das quotas das várias sociedades que constituiu com o intuito de as vender, o que indevidamente declarou no anexo G (mais valias) das declarações modelo 3 de IRS oportunamente entregues, bem como os resultantes da descapitalização das mesmas, conforme III.2.8 do presente relatório, e ainda, os rendimentos obtidos por via de entradas de fundos provenientes de G. (omissão de rendimentos na sua atividade empresarial de constituição e venda de sociedades), conforme números III.2.6.2, III.2.6.4 e III.2.7.1 do presente relatório. Constituem ainda rendimentos empresariais do sujeito passivo os resultantes da prestação de serviços de alojamento dos imóveis por si gerados”. Logo, dimana inequívoco que a AT não se socorreu de qualquer determinação da matéria coletável por via da avaliação indireta, apenas materializou correções meramente aritméticas concatenadas com omissão de rendimentos na categoria B. Secundando-se, outrossim, o aduzido pelo Tribunal a quo quanto à aplicação das regras do regime simplificado, na medida em que não obstante a aplicação de tal regime consubstancie uma das formas legais de utilização da avaliação indireta a verdade é que, nestas situações, não há lugar ao procedimento de revisão previsto nos artigos 91.º e seguintes da LGT, se não for usado outro método de avaliação indireta, como in casu, e conforme densificado anteriormente. E por assim ser, inexiste o apontado erro de julgamento quanto ao recurso à avaliação indireta e inerentes preterições. Prosseguindo. O Recorrente coloca, também, em causa o julgamento atinente à falta de fundamentação das liquidações, porquanto entende que, inversamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, a AT não enunciou as razões subjacentes à tributação enquanto rendimento da Categoria B, estando subjacentes juízos dimanantes de indícios e suposições. Adensa, ademais, que face à natureza e características objetivas do rendimento sindicado, a inclusão dos rendimentos -cessão de participações sociais- teria de ser objeto de enquadramento e tributação enquanto mais-valias, e não enquanto Categoria B. No atinente à falta de fundamentação, sentenciou o Tribunal a quo que: “i) As liquidações objeto da presente impugnação apenas podem ser resultado do procedimento inspetivo antecedente; Concluindo, assim, que “[a] fundamentação dos atos de liquidação é contextual, integrada no ato (ainda que por inferência), expressa e acessível, clara, suficiente e congruente, pelo que os mesmos se encontram devidamente fundamentados, improcedendo assim a alegação deste vício.” Apreciando. Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. “[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação. Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato. Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística. Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente. In casu, não é controvertido que dimanando os atos de liquidação de ação inspetiva os fundamentos que legitimaram as correções meramente aritméticas se tenham de aquilatar por reporte e referência ao respetivo Relatório Inspetivo, com o efeito o que é propugnado, como visto, pelo Recorrente, é que atentando no seu teor não se percecionam as razões atinentes ao enquadramento enquanto rendimento empresarial, sendo que é manifestamente insuficiente para legitimar o aludido acréscimo ao rendimento tributável, a convocação de premissas que consubstanciam suposições e não, devidamente, demonstradas. Porém, assim o não entendemos, tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e acertadamente o respetivo regime jurídico à realidade fática em apreço, na medida em que de uma leitura atenta do respetivo Relatório Inspetivo se retira o elenco dos fundamentos de facto e de direito que fundaram a correção. Com efeito, atentando na fundamentação contemporânea do ato, verifica-se que o mesmo começa por identificar todo o âmbito da atividade do Recorrente, enumerando, de forma devidamente particularizada, todas as entradas de fluxos financeiros, fazendo a devida explicitação quanto aos diferentes acréscimos patrimoniais, mormente, descapitalização de sociedades, constituição e venda de sociedades e prestação de serviços de alojamento, para depois estabelecer, com a devida enunciação de facto e de direito, a omissão de declaração de rendimentos e a inerente tributação e subsunção normativa no artigo 3.º, nº1, alínea a), do CIRS. Assim, estando o ato de liquidação suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae (artigo 487.º nº 2 do Código Civil) possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação-e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato- aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual, ter-se-á de concluir, face a todo o exposto que, in casu, inexiste a arguida falta de fundamentação. De relevar, neste particular, que se as razões permitem ou não fundar a correção, se estão corretas ou incorretas, ou se radicam numa premissa que não permite validar o enquadramento e tributação enquanto Categoria B, tal já não redunda em falta de fundamentação formal, mas falta de fundamentação substancial, consubstanciando, por isso, erro sobre os pressupostos de facto e de direito. E por assim improcede o aludido erro de julgamento concernente ao aludido vício formal. Atentemos, ora, se procede o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, tendo por base a factualidade fixada a qual não foi impugnada pelo Recorrente em ordem aos requisitos constantes no artigo 640.º do CPC. Vejamos. Sustenta, ab initio, que contrariamente ao evidenciado pela AT e perfilhado na decisão recorrida, o Recorrente não se dedica à atividade de constituição e venda de sociedades, inexistindo, assim, um comerciante em ordem à definição legal contemplada no artigo 13.º do Código Comercial (CC) sendo certo que, de todo o modo, a mesma não consubstancia, um rendimento comercial e/ou empresarial, donde passível de tributação enquanto Categoria B. Advoga, adicionalmente, que no concernente ao montante de €500.000,00 a factualidade –quer provada, quer não provada- não permite concluir no sentido da existência de um rendimento empresarial, sendo que competia à AT atestar tal realidade. Adensando, in fine, que nem todos os incrementos relevam como acréscimos patrimoniais para efeitos de IRS, pelo que em caso de dúvida, impunha-se que AT tivesse notificado o sujeito passivo para justificação de cada um dos movimentos ou valores em questão, o que não realizou. O Tribunal a quo, fundamentou o juízo de improcedência, convocando, designadamente, o seguinte: “[r]esulta da factualidade provada (pontos 7. a 14. e 21. a 27. da matéria de facto assente) que todos os fluxos de rendimento auferidos pelo Impugnante derivam de atividades imobiliárias, exercidas de forma reiterada e direta ou indireta ao longo do tempo, quer seja através do auferir de retorno da exploração direta de imóveis, quer seja através da constituição, descapitalização e posterior venda de sociedades imobiliárias, sendo o rendimento do Impugnante derivado, na sua maior parte, do desenvolvimento de tal atividade. Deste modo, conclui-se que a qualificação dada pela Autoridade Tributária e Aduaneira aos rendimentos, como sendo globalmente enquadráveis como sendo rendimentos empresariais, não merece deste Tribunal qualquer tipo de censura. Por fim, quanto à aplicabilidade do regime simplificado e o coeficiente de determinação do rendimento coletável utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, recordamos que nos termos do n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, o regime simplificado, face à falta de opção em sentido contrário do Impugnante, seria obrigatório, uma vez que nos exercícios anteriores não teria sido ultrapassado o limite então em vigor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) de volume de negócios. Quanto à aplicação do coeficiente de 0,7 (0,75 em 2013), o mesmo resulta da alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do Código do IRS, que impõe tal coeficiente a todos os rendimentos derivados de puras prestações de serviços (código 1519 da Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, na redação então em vigor, aplicável por remissão do artigo 151.º do Código do IRS) e de mediação imobiliária (código 1330 da Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, na redação então em vigor, aplicável por remissão do artigo 151.º do Código do IRS)..” E a verdade é que, atentando na aludida fundamentação concatenada com o quadro normativo aplicável ao caso em apreço, cotejada com o respetivo acervo probatório não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido no erro de julgamento que lhe é assacado. Senão vejamos. Comecemos por convocar o respetivo quadro jurídico e tecer os considerandos que se reputam de relevo para o caso vertente. Previa, à data, da prática, dos factos tributários, o artigo 1.º, nº1 do CIRS que: “1 - O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos: Preceituando, por seu turno, o artigo 3.º, nº1, alínea a), e nº 2, alíneas a), a c), do CIRS, que: “1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais: Sendo, ainda, de chamar à colação o consignado no artigo 4.º, nº1, alíneas a) e h) do CIRS, nos termos do qual: “1 - Consideram-se atividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes: Por seu turno, preceitua o artigo 10.º, nº1, alíneas a) e b) do CIRS, que: “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário. b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários, a extinção ou entrega de partes sociais das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais, bem como o valor atribuído em resultado da partilha nos termos do artigo 81.º do Código do IRC.” “O CIRS parece (…) ter-se afastado claramente de uma noção puramente jurídica de comércio e indústria. (…) [N]o atual direito português, as atividades industriais são consideradas como comerciais (art. 230.°, 1 CCom); se o critério eleito fosse jurídico, não faria sentido separar os dois conceitos. Por outro, na enumeração exemplificativa de atividades consideradas comerciais ou industriais incluem-se algumas que, de acordo com a lei comercial e com a doutrina, não são consideradas comerciais nem industriais, ou são-no em apenas algumas circunstâncias; é, pelo menos, o caso da pesca (…), das explorações mineiras e indústrias extrativas em geral (…) e do artesanato [n .° 1, h)] (…), havendo algumas dúvidas doutrinais em relação a algumas outras. (…) [No que respeita ao] ato isolado de natureza comercial não deverá ser entendido como remetendo para a noção jus comercialista de ato de comércio constante do art. 2 ..° CCom, mas antes como referindo-se a um ato não inserido em qualquer atividade mas que, caso o fosse, daria origem a uma atividade comercial ou industrial”. Logo, no concernente a ganhos relativos a alienação de imóveis e bem assim de participações sociais, os mesmos podem, pois, face ao enquadramento referido, configurar mais-valias ou rendimentos resultantes de atividade comercial, ainda que esporádica. Sendo que, as mais-valias, para efeitos de IRS, definem-se como ganhos inusitados, não esperados, como claramente decorre do preâmbulo do Código do IRS. São os chamados windfalls, os ganhos “trazidos pelo vento”, na medida em que a valorização do bem não depende de uma atuação do seu titular. Daí que, como visto, o artigo 10.º, do CIRS, construa o conceito de mais-valias pela negativa, no sentido de que são mais-valias imobiliárias ou de participações sociais, os ganhos obtidos com a alienação onerosa de bens imóveis e de participações sociais que não sejam considerados rendimentos profissionais ou empresariais. Por seu turno, os rendimentos profissionais ou empresariais, tributados na Categoria B, implicam a prática de atos de comércio, ainda que sem caráter de habitualidade. (16) Aqui chegados e atentos os considerandos de direito supra expendidos, importa, então, em face do circunstancialismo fáctico dos autos, aferir se é legal o enquadramento dos rendimentos em questão como rendimentos da categoria B, conforme realizado pela AT e validado na decisão recorrida. E, a resposta é afirmativa. Senão vejamos. In casu, o Recorrente encontra-se inscrito desde 01 de março de 2007, pelo exercício da atividade de “outras atividades de serviços apoio prestados às empresas, BNE-CAE 82990”, sendo que, há vários anos e de forma reiterada, procede à constituição e subsequente venda de sociedades. Como faticamente expendido no Relatório de Inspeção Tributária, constante no probatório, o Recorrente já procedeu à venda de cento e oitenta e duas sociedades, trinta e cinco enquadradas no período visado. Sendo que, no triénio de 2011 a 2013, o Impugnante, ora Recorrente, recebeu depósitos provenientes da sociedade G. nas suas contas pessoais, que ascenderam ao valor total de €257.226,54. Mais promanando assente, que no mesmo triénio, o Recorrente cedeu as participações sociais que detinha nas sociedades constantes na listagem identificada no ponto 8), concretamente, sete no ano de 2011, onze em 2012, e dezassete no ano de 2013, perfazendo, assim, um total de trinta e cinco alienações de participações sociais. Sendo que, por referência às sociedades supra identificadas, foi possível comprovar os fluxos financeiros subjacentes às aludidas vendas, melhor identificados no ponto 9 e detetadas transferências das mesmas para o Recorrente, em momento anterior à correspondente venda, e densificadas no ponto 10). Mais resultando assente que, em 11 de fevereiro de 2013, a sociedade E. P. – S. I., Lda. emitiu à ordem do Recorrente cheque no valor de €500.000,00, o qual foi depositado em conta da sua titularidade. Promanando, ainda neste concreto particular, que não resultou provado que os €500.000,00 transferidos pela E. P., Lda. para o Impugnante, ora Recorrente, se tratavam de um financiamento da sociedade de direito dos Estados Unidos da América com a firma G. I., Inc. ao Impugnante, e bem assim que os €500.000,00 já foram devolvidos pelo Recorrente à sociedade G. I., Inc. Dimanando, outrossim, provado que no período de 2011 a 2013, o Recorrente, recebeu, igualmente, na sua conta pessoal junto do B..S, as transferências melhor enumeradas no ponto 13, as quais eram por conta de participação do mesmo no rendimento gerado pela cedência do uso de alguns imóveis localizados no Algarve. Ora, face ao supra expendido, aos fluxos financeiros retratados no probatório e à fundamentação constante no respetivo Relatório de Inspeção Tributária, nenhuma censura merecem as correções realizadas pela AT, donde, o juízo de entendimento do Tribunal a quo que o sancionou , porquanto demonstrada a existência de omissão de declaração de rendimentos empresariais provenientes da prestação de serviços de alojamento, de transmissão de sociedades, de descapitalização de sociedades constituídas, e rendimentos auferidos a partir de sociedades nas quais detém participações sociais, concretamente, transferências oriundas da G., e da E. P.. Daí resultando uma alteração de rendimento tributável nos anos de 2011 a 2013, por omissão de rendimentos empresariais subsumíveis no artigo 3.º, nº1, alínea a), do CIRS, enquanto rendimentos da Categoria B. Com efeito, e inversamente ao expendido pelo Recorrente, a AT cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, demonstrando os factos índice legitimadores da tributação, não tendo, por seu turno, o Recorrente demonstrado que as aludidas entradas de fluxos financeiros não correspondiam a rendimentos empresariais, conforme legalmente lhe competia. Sendo certo que não basta, conclusivamente, alegar que não se dedica a uma atividade comercial de compra e venda de sociedades, quando, como visto, desde há vários anos e de forma reiterada, procedeu à constituição e subsequente venda de cento e oitenta e duas sociedades, trinta e cinco enquadradas no período visado. Logo, não é viável, à luz das regras da experiência, qualificar como um ato esporádico, isolado, e inusitado -conforme pretende querer o Recorrente- a venda de um número tão expressivo de sociedades, em nada podendo relevar uma possível tributação e enquadramento na categoria residual das mais valias. Como já evidenciado anteriormente “[a]fasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de atividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa atividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S" (18) Note-se, e reitere-se, que é preciso ter presente que o princípio que subjaz à tributação em sede de IRS é o princípio do rendimento acréscimo, do qual resulta que é qualificado como rendimento qualquer incremento patrimonial, independentemente da respetiva proveniência e num dado período de tributação. Ademais, como visto, a Categoria B, goza de uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria. Como doutrinado no recente Aresto do STA, prolatado no processo nº 02864/16, de 08 de março de 2023: “I - Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva. II - O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de "numerus clausus" em matéria de incidência fiscal (norma de incidência negativa). Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma, sendo tributáveis como rendimentos de categoria "G". III - Alude a doutrina a uma prevalência da categoria B, relativamente à categoria G, em termos de atracção de rendimentos à respectiva categoria, tudo em virtude da consagrada delimitação negativa. Por outras palavras, qualquer das alienações onerosas previstas nas alíneas da norma do artº.10, nº.1, do C.I.R.S., só originará uma mais-valia se for efectuada fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, porque só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial a enquadrar na categoria B. IV - Nos termos do artº.3, nº.1, al.a), do C.I.R.S., os rendimentos empresariais e profissionais devem derivar da prática habitual e reiterada de actividades comerciais, industriais, agrícolas, silvícolas ou pecuárias, É claro, todavia, que a incidência de imposto também abarca ganhos de actos únicos ou isolados, reconduzíveis às identificadas actividades, dado que reveladores de iguais manifestações de capacidade contributiva (cfr.artº.3, nº.2, al.h), do C.I.R.S.). V - Neste enquadramento se deve inserir a situação de venda de um imóvel, venda esta que acontece em circunstâncias que devem levar a concluir não estar em causa ganhos fortuitos, mas a prática de actos objectivamente comerciais, ainda que isolados.” (destaques e sublinhados nossos). Destarte, ter-se-á de concluir que os rendimentos visados, configuram, manifestamente, atividade comercial, com evidente finalidade lucrativa, por isso se enquadrando no conceito de rendimento comercial, não tendo o Recorrente, conforme legalmente adstrito, apartado essa qualificação e tributação. Ainda neste particular, cumpre relevar que é manifestamente irrelevante, neste e para este efeito, qualquer dissonância de enquadramento formal em termos de CAE, porquanto, como é bom de ver, o que importa para efeitos de enquadramento e tributação é a substância das operações e o concreto aumento do poder aquisitivo. Conforme aduzido, no citado Aresto do STA, não releva, para o efeito, o facto do enquadramento “[s]er meramente ocasional, tudo apesar do recorrente exercer profissão diversa (cfr.al.T) do probatório supra).” Logo, ter-se-á de concluir que a AT cumpriu, adequadamente, o ónus probatório que sobre si impendia, não se vislumbrando, de todo, o alcance atinente à falta de esclarecimentos, na medida em que de uma leitura atenta do Relatório Inspetivo, se constata que foram encetadas diligências de instrução, tendo inclusive, recorrido a esclarecimentos dos quais foram lavrados os respetivos termos de declarações, mormente, do Recorrente e do TOC, tendo, outrossim, a AT derrogado o sigilo bancário, e lançado mão dos instrumentos de assistência mútua e cooperação administrativa internacional. Destarte, nenhuma censura merece o ajuizado pelo Tribunal a quo, neste concreto particular, sendo que inexiste qualquer fundada dúvida que reclame a convocação do artigo 100.º do CPPT, na medida em que a mesma não pode radicar em inércia e insuficiência da prova por parte do Impugnante, ora, Recorrente. Uma última nota para evidenciar que carece de relevo o expendido quanto ao regime da contabilidade organizada e à concreta delimitação dos custos, na medida em que, não foi esse o regime adotado, e bem assim porque a determinação do rendimento segundo o regime simplificado seguiu as prescrições contempladas na lei, conforme bem evidenciou o Tribunal a quo. Há, portanto, que secundar o aduzido na decisão recorrida quanto à aplicabilidade do regime simplificado e ao coeficiente de determinação do rendimento coletável utilizado pela AT, desde logo, não contraditado, assumindo-se, portanto, como acertado que a “[a]plicação do coeficiente de 0,7 (0,75 em 2013), o mesmo resulta da alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do Código do IRS, que impõe tal coeficiente a todos os rendimentos derivados de puras prestações de serviços (código 1519 da Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, na redação então em vigor, aplicável por remissão do artigo 151.º do Código do IRS) e de mediação imobiliária (código 1330 da Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, na redação então em vigor, aplicável por remissão do artigo 151.º do Código do IRS).” Improcede, assim, o aduzido erro de julgamento. *** Subsiste, então, por analisar a dispensa do remanescente da taxa de justiça. De acordo com o disposto no citado artigo 6.°, nº7, do RCP que: “(…) 7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.” Em termos de densificação dos critérios da dispensa do pagamento do remanescente, veja-se, designadamente, o Acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo nº 0627/16, de 20 de setembro de 2017, e demais jurisprudência nele citada, que se transcreve na parte que releva para os autos: “[a] dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes. A jurisprudência tem vindo também a admitir essa dispensa quando o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, configurando uma violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da necessidade (A título de exemplo, vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante, se entender que, face à pluralidade e complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos e à atuação das partes, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 325.000,00 Eur. Face ao exposto, por fundada a pretensão da Recorrente em matéria de condenação em custas, deve ser decretada a dispensa do remanescente da taxa de justiça, mas apenas na parte em que excede os €325.000,00, o mesmo se decretando na presente instância. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: Julgar parcialmente nula, a sentença por omissão de pronúncia, no atinente ao recurso da DRFP e no respeitante à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e, em substituição, decretar a sua dispensa, mas apenas na parte que excede os 325.000,00€, e no mais, negar provimento ao recurso. Julgar parcialmente nula, a sentença por omissão de pronúncia, no atinente ao recurso do Impugnante e quanto à arguição da preterição do artigo 53º, nº3 do CPITA, e, em substituição, julgar improcedente, e no mais negar provimento ao recurso. Custas pelos Recorrentes, com dispensa do remanescente na parte que excede os 325.000,00€, em ambas as instâncias. Registe. Notifique. Lisboa, 13 de julho de 2023 (Patrícia Manuel Pires) (Hélia Gameiro Silva) (Isabel Maria Fernandes) 1) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143. 2) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013. 3) Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07. 4) Vide, designadamente, Acórdão do STJ datado de 19/02/2015, proferido no processo nº 299/05.06TBMGD.P2.S1. 5) Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt 6) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1 7) Vide José Maria Fernandes Pires e outros-Lei Geral Tributária comentada e anotada:Almedina:2015, p.322. 8) Neste sentido, vide o já citado Ac. do STA, proferido no processo nº 01720/13, de 27.01.2016. 9) Vide, designadamente, Ac.TCAS, proferido no processo nº79/01, de 04.06.2020. 10) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 01109/12, de 07.11.2012. 11) cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675. 12) neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. 13) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt. 14) Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012 15) Código do IRS, Instituto Superior de Gestão, Lisboa, 1999, pp. 107 e 124 16) Vide, designadamente, Acórdãos do STA, processo nº 0624/03, de 18.06.2003 e TCAS, processo nº 02228/08, de 11.11.2008 17) Vide Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 04771/11, datado de 22.01.2013. 18) In Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº04966/11, de 31.01.2012. 19) Estudos sobre o IRS-Rendimentos de Capitais e Mais Valias, Almedina: fevereiro de 2005, pp. 88 e 89. |