Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2987/16.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RESPONSABILIDADE DOS GESTORES NOS TERMOS DO ARTIGO 24.º, N.º 1, AL. B) DA LGT
CULPA PELA INSUFICIENCIA PATRIMONIAL
Sumário:I. Resulta da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios, e quando estes tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, procedendo, se assim o entender, à transcrição de quaisquer excertos.

II. O depoimento de ouvir dizer é susceptível de ser valorado de acordo com os princípios gerias de liberdade de prova e de livre valoração da prova, mas tal valoração requer alguma prudência, devendo encontrar alguma sustentação noutros meios de prova, directos ou indirectos.

III. Nas dívidas enquadradas no âmbito da alínea b) do artigo 24.º da LGT, o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


1. A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida a 27/04/2018, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgado procedente a oposição apresentada por K..., que teve por objecto o processo de execução fiscal com o nº 3301201501..., perfazendo a dívida exequenda o valor de € 2.909.824,07.

2. A Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

«B. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição à execução fiscal e em consequência determinou a extinção do PEF3301201501..., quanto ao revertido.

C. Entende a Fazenda Pública que o Douto Tribunal a quo não levou ao probatório, como lhe competia, todos os elementos relevantes para a boa decisão da causa e a descoberta da verdade material, antes incluindo no probatório meras conclusões e considerações pessoais das testemunhas.

D. Entende ainda a Fazenda Pública, existir erro de julgamento, detetável pela análise da prova produzida e valorada na audiência de 1.ª instância, não se conformando com a interpretação e conclusão daquele douto tribunal, que se vislumbra contrária ao ónus que impende sobre o executado/recorrido, face ao disposto na al. b) do art.º 24º da LGT.

I - A Quanto à matéria de facto:

E. Entende a Fazenda Pública que o tribunal a quo não instruiu o probatório de forma a poder concluir que o oponente/recorrido ilidiu a presunção de culpa que o onerava e nem dos itens dados por assentes se pode chegar a tal conclusão.

F. Em jeito de resumo, conclui a Fazenda Pública que os factos levados ao probatório não se poderão manter, nomeadamente:

F.1 O ponto 16 deverá ser alterado passando a constar antes:

«16. Em 31/12/2014, do Balancete Geral desse exercício, resulta que a originária devedora detinha dívidas a fornecedores no valor de € 2.128.995,46, que entretanto foram saldadas - cfr. fls. 54 a 69 do processo de execução fiscal em apenso aos autos e depoimento da testemunha J...;»

F.2 Devendo ainda ser incluído nos factos não provados o seguinte:

1. Não ficou provada a situação líquida da devedora originária na data de pagamento voluntário da dívida em cobrança coerciva, ou seja em 13-04- 2015.

F.3 Os pontos 17 e 19 devem passar a constar dos factos não provados por falta de suporte na prova produzida, com a seguinte redação:

2. Não ficou provado que a originária devedora, em 2014, possuía dois clientes, aos quais foi entregue a respetiva mercadoria mas cujas facturas não vieram a ser pagas

3. Não ficou provado que a originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade A..., Lda., reclamando o pagamento de duas faturas; a nº 1621 no valor de € 1.192.000,00 e a factura nº 1656 no valor de € 1.288.800,00, ambas de 2013, vencidas e não pagas

F.4 E, quanto ao ponto 18 deve o mesmo ser retirado do probatório por inútil para a boa decisão da causa.

F.5 O ponto 20 deve passar a constar dos factos não provados por falta de suporte na prova produzida, com a seguinte redação:

4. Não ficou provado que a originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade V... Company, reclamando o pagamento de duas faturas; uma com o nº 1657 no valor de € 3.410.775,00 e a factura nº 1/108 no valor de € 1.070.723,00, uma de 2013 e a última de 2014, vencidas e não pagas

F.6 Também o ponto 21 deverá ser eliminado do probatório e o ponto 4 deverá ser corrigido em conformidade com a prova produzida, passando a constar:

4. K..., em 2013, residia “ ...na Rua C..., nº 101, 3º C, A... – Luanda, Angola, como emigrante produtivo e exercendo atividade remunerada – cfr. doc. 3, junto com a p.i., denominado “Certificado de Residência”, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda, continuando a residir em Angola até à atualidade, cfr depoimento das testemunhas N... e A...

F.7 Devendo ser também retirado do probatório os pontos 24 e 25, por falta de suporte na prova documental e estarem apoiados em meras considerações pessoais da testemunha, que referiu ser um mero administrativo da devedora originária e por constituir uma conclusão e não um facto concreto

Assim,

G. Para decidir pela procedência da presente oposição a sentença de que se recorre deu como provada, entre outra, a seguinte factualidade:

«16. Em 31/12/2014, do Balancete Geral desse exercício, resulta que a originária devedora não possui dividas à Fazenda Pública e à Segurança Social (Conta 24), e detinha créditos sobre Clientes no montante de € 5.135.232,38 e dívidas a fornecedores no valor de € 2.128.995,46- cfr. fls. 54 a 69 do processo de execução fiscal em apenso aos autos e depoimento da testemunha J...;»

H. O facto supra transcrito, salvo o devido respeito por diverso entendimento, é destituído de interesse para a boa decisão da causa, porquanto, a reversão operada contra o oponente fundamentou-se na al. b) do n.º 1 do artigo 24º da LGT, sendo relevante para a boa decisão dos presentes autos aferir da prova produzida quanto à situação liquida da sociedade devedora originária, não em 31-12-2014, mas antes em 13-04-2015, data do términus do prazo de pagamento voluntário, porquanto se exige que o revertido prove «que não lhe[s] foi imputável a falta de pagamento.»

I. Aliás, a única relevância que deste facto poderá ser retirada, em contraponto com o testemunho produzido pelo Sr. J..., é o de que a sociedade detinha, em 31-12-2014, dívidas para com os seus fornecedores no montante de €2.128.995,46 e que atualmente, segundo a referida testemunha, não tem quaisquer dívidas a não ser aquelas em execução fiscal.

J. E isto porque, uma vez inquirido pelo mandatário do oponente quanto ao pagamento das indemnizações e direitos dos trabalhadores que a empresa havia despedido respondeu ao minuto 31:25 a 31:28 e ao minuto 31:39 concluindo que ninguém foi bater à porta da devedora originária a pedir o pagamento de qualquer quantia e ao minuto 33:23 a 33:28 confirmou que a empresa não tem dívidas a fornecedores, não tem dividas a empregados, a funcionários que tenham trabalhado na empresa.

K. O que permite concluir que, o oponente teve, a partir de 31-12-2014, uma disponibilidade financeira de pelo menos €2.128.995,46 acrescido do montante que pagou aos sete funcionários que despediu, disponibilidade de tesouraria que optou por canalizar para pagar aos seus fornecedores e trabalhadores e não as dívidas em cobrança coerciva nos presentes autos executivos.

L. Termos em que, o facto referido no ponto 16 do probatório deverá ser alterado passando a constar:

«16. Em 31/12/2014, do Balancete Geral desse exercício, resulta que a originária devedora detinha dívidas a fornecedores no valor de € 2.128.995,46, que entretanto foram saldadas - cfr. fls. 54 a 69 do processo de execução fiscal em apenso aos autos e depoimento da testemunha J...;»

M. Devendo ser incluído nos factos não provados o seguinte:

1. Não ficou provada a situação líquida da devedora originária na data de pagamento voluntário da dívida em cobrança coerciva, ou seja em 13- 04-2015.

N. A sentença sob escrutínio dá ainda como provado que:

17. A originária devedora, em 2014, possuía dois clientes, aos quais foi entregue a respetiva mercadoria mas cujas facturas não vieram a ser pagas – cfr. depoimento da testemunha J... e doc. nº 8, 9, 10, 11, 12 e 13 juntos com a p.i.;

18. Do Balancete de 2014 da originária devedora, na Conta 21, consta que a cliente V... Company, sociedade de direito indiano, é devedora do montante de € 3.202.972,11 e, a sociedade A... é devedora de € 2.460.300,00 – cfr. depoimento da testemunha J... e doc. nº 8 e nº 9 e nº 11 e nº 12 junto com a p.i.;

19. A originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade A..., Lda., reclamando o pagamento de duas faturas; a nº 1621 no valor de € 1.192.000,00 e a factura nº 1656 no valor de € 1.288.800,00, ambas de 2013, vencidas e não pagas- cfr. doc. nº 10 junto com a p.i;»

Factos que também não se poderão manter no probatório, vejamos:

O. Analisado o testemunho supra transcrito nas presentes alegações [quanto às faturas do cliente angolano e confrontado com as mesmas ao minuto 13:58 a 16:04 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas e, quanto à carta confrontada com a mesma declarou ao minuto 16:41 a 17:53 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas], o que resulta do mesmo é que o Sr. J... é um mero administrativo, que não contacta, de forma alguma, com os clientes da devedora originária, que apenas tem conhecimento daquilo que lhe é transmitido pelo próprio oponente, e que sobretudo não tem a certeza, nem conhecimento direto de nada! Nunca tendo afirmado ter enviado a carta que assinou, apenas anuiu em como não lhe chegou qualquer resposta à referida carta.

P. Pelo que, salvo o devido respeito por diverso entendimento, não poderia a Meritíssima Juiz a quo ter dado como provados os factos supra transcritos baseando- se num testemunho trespassado de incoerências, incertezas e de ouvir dizer, mais quando esse ouvir dizer é da boca do próprio oponente.

Q. Termos em que, o facto 18 deve ser eliminado do probatório por irrelevante para a boa decisão da causa, sendo de incluir nos factos não provados os factos 17 e 19 com a seguinte redação:

2. Não ficou provado que a originária devedora, em 2014, possuía dois clientes, aos quais foi entregue a respetiva mercadoria mas cujas facturas não vieram a ser pagas

3. Não ficou provado que a originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade A..., Lda., reclamando o pagamento de duas faturas; a nº 1621 no valor de € 1.192.000,00 e a factura nº 1656 no valor de € 1.288.800,00, ambas de 2013, vencidas e não pagas

R. De seguida da sentença consta como provado que:

20. A originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade V... Company, reclamando o pagamento de duas faturas; uma com o nº 1657 no valor de € 3.410.775,00 e a factura nº 1/108 no valor de € 1.070.723,00, uma de 2013 e a última de 2014, vencidas e não pagas – cfr. doc. nº 13 junto com a p.i.;

S. Quanto às faturas e carta referida neste ponto do probatório a testemunha confrontada com a mesma declarou ao minuto 20:32 a 25:24 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas, sendo novamente evasiva prestando um testemunho de ouvir dizer pela boca do oponente e do qual, mais uma vez, a única coisa que resulta é que a testemunha não tinha a certeza nem o conhecimento de nada em concreto.

T. Além do mais, este é claramente um testemunho perpassado pela incoerência, pois declarou ao minuto 19:05 a 20:18 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas que o negócio com este cliente indiano, e com outros clientes também indianos, era sazonal e ocorria todos os anos, sendo que este negócio, tal como o caracterizou a testemunha, dependia de uma compra de castanha previamente aos pequenos produtores por um agente da devedora originária para entrega no caís a fim de poder ser transportado pelo comprador, ao que concluiu que o cliente não pagou porque a devedora originária deixou de os fornecer em decurso do estado da empresa após a inspeção.

Ora:

1. os atos inspetivos decorreram entre 31-01-2014 e 19-11-2014;

2. o prazo de pagamento voluntário da liquidação adicional que daí adveio ocorreu em 13-04-2015;

3. o PEF foi instaurado em maio de 2015;

4. as penhoras são de julho de 2015 e

5. as faturas do cliente são de outubro de 2013 e outubro de 2014,

U. Assim, é no mínimo duvidoso que tenha sido por efeito da inspeção e do valor das correções que as faturas não tenham sido pagas, como incredível é também o alegado quanto à dificuldade em arranjar um advogado na India para diligenciar pela cobrança deste crédito, que além do mais, note-se, é um crédito de cerca de 3 milhões de euros!!!!

V. Assim, o facto incluído no probatório como ponto 20, deverá passar para os factos não provados com a seguinte redação:

4. Não ficou provado que a originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade V... Company, reclamando o pagamento de duas faturas; uma com o nº 1657 no valor de € 3.410.775,00 e a factura nº 1/108 no valor de € 1.070.723,00, uma de 2013 e a última de 2014, vencidas e não pagas

W. Por outro lado, o Tribunal a quo deu ainda como provado que:

21. O Oponente, residente em Angola, fazia a maior parte dos negócios a partir de Angola, gerindo a originária executada por meio de telefone, em contacto permanente com os trabalhadores da originária devedora – cfr. depoimento da testemunha N...;»

X. Quando no ponto 4 do probatório refere:

4. K..., em 2013, residia “ ...na Rua C..., nº 101, 3º C, A... – Luanda, Angola, como emigrante produtivo e exercendo atividade remunerada – cfr. doc. 3, junto com a p.i., denominado “Certificado de Residência”, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda;

Y. Cumpre desde logo atentar que a testemunha N... não era trabalhador da devedora originária, nem prestou qualquer depoimento quanto à forma em como o oponente geria a sua empresa, apenas atestando que o oponente residia e reside em Angola, cfr. minuto 01:41 a 01:53 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas. O que também é confirmado pela testemunha A... no minuto 02:56 a 03:06 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas

Z. Pelo que, também o ponto 21 deverá ser eliminado do probatório e o ponto 4 deverá ser corrigido em conformidade com a prova produzida, passando a constar:

4. K..., em 2013, residia “ ...na Rua C..., nº 101, 3º C, A... – Luanda, Angola, como emigrante produtivo e exercendo atividade remunerada – cfr. doc. 3, junto com a p.i., denominado “Certificado de Residência”, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda, continuando a residir em Angola até à atualidade, cfr depoimento das testemunhas N... e A...

AA. Dos factos dados como provados e acima transcritos retira a Meritíssima juiz do Tribunal a quo o seguinte:

«Dos factos assentes, descritos nos pontos 16, 17, 22, 25 e 26 do probatório, a convicção do Tribunal baseou-se no depoimento da testemunha J..., que trabalhou para a S..., depoimento que se encontra em conformidade com os documentos contabilísticos, nomeadamente, com a informação contabilística resultante do balancete de 2014. Estes documentos e o referido depoimento esclarecem que a situação financeira da Originária Executada era controlada, sem dívidas ao Fisco, até às correções efetuadas em 2015, não obstante aquela possuir um crédito sobre clientes no valor global de € 5.135.232,36. Esta testemunha, assevera terem sido feitas diligências junto dos clientes faltosos (as possíveis pois estes tem sede em Angola e na India), a fim de receber tais montantes, o que é corroborado pela prova documental a que se reportam os factos 19 e 20 do probatório.» (negrito nosso)

BB. Ora, a ilação de que as diligências possíveis para a cobrança dos créditos perante dois clientes num montante que ronda os cinco milhões de euros, eram a mera redação de duas cartas, cerca de dois anos após o vencimento desses créditos dirigidas a cada um dos alegados clientes solicitando apenas a confirmação de que os saldos eram devidos, o motivo do seu não pagamento e a confirmação da intenção de pagamento e respetivo prazo, mostra-se irrazoável e sem apoio na prova produzida.

CC. Ao contrário: da referida prova resulta que muitas outras diligências poderiam ter sido empreendidas, tanto mais que o oponente residia em Angola e deslocava-se com frequência em negócios.

DD. Assim, e estando provado que o oponente residia em Angola não seria exigível a um Bom Pai de Família que se deslocasse cerca de 27 Km num percurso de aproximadamente meia hora para contactar a empresa A..., cliente da devedora originária perante a qual tinha um débito de cerca de 2 milhões de euros! Como não seria expectável por parte de um Bom Pai de Família que contratasse um advogado, que note-se não teria que ser indiano ou residir na India, para diligenciar judicialmente a cobrança de um crédito que ronda os três milhões de euros!

EE. Além do mais, da prova produzida poderá retirar-se que foram redigidas duas cartas, uma dirigida a cada um dos alegados clientes, o que não pode de forma alguma permitir a conclusão claramente retirada pela Meritíssima Juiz a quo de que as referidas cartas foram expedidas aos respetivos endereços, [facto de fácil prova documental – registo dos CTT, fatura do envio, etc], tanto mais que nenhum dos dois clientes respondeu às missivas, falta de resposta que as testemunhas não conseguiram justificar.

FF. Mais, sempre haverá que atentar que as faturas alegadamente em dívida datam de junho, setembro e outubro de 2013 e de outubro de 2014 e a data aposta nas cartas é setembro de 2015.

GG. Por outro lado, o que resulta do probatório é que a devedora originária sobreviveu financeiramente sem cerca de cinco milhões de euros durante dois anos, num período em que alegadamente já se havia instalado a crise bancária, sem que houvesse necessidade de acionar (sequer extrajudicialmente) o pagamento dos respetivos créditos aos seus clientes, o que claramente mostra a incongruência dos testemunhos prestados bem como das ilações retiradas pelo Tribunal a quo.

HH. A sobredita sentença deu ainda como provado que:

23. A partir de 2014, 2015, em Angola, começaram a sentir-se muitas dificuldades em termos de câmbio e, de envio de divisas para Portugal, sendo que em termos práticos, todos os pagamentos para o exterior ficaram congelados - cfr. depoimento das testemunhas, N... e de A...; (negrito nosso)

24. A empresa A..., a partir de 2014, não conseguiu enviar divisas para Portugal a fim de saldar as dívidas, nomeadamente, à originária executada- cfr. depoimento das testemunhas, N... e de A...;

Atentemos:

II. A testemunha N... quanto a esta matéria declarou (1) ao minuto 02:29 a 02:58, ao minuto 03:15 a 03:23: e 03:41 a 03:50 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas, resultando do seu testemunho que os trabalhadores extracomunitários tinham dificuldade em fazer transferências, e isto sob pena de interpretemos corretamente os termos “mínimo” e “congelado”.

JJ. Por outro lado e no que toca aos pagamentos a fornecedores e ao conhecimento que detinha da empresa A... (cliente angolano que alegadamente deve cerca de dois milhões de euros à devedora originária), responde com meros “ouvir dizer” e “acho”, o que reflete um testemunho sem qualquer credibilidade por falta de conhecimento direto dos factos sobre os quais declarou.

KK. Por seu turno e quanto ao testemunho de A..., este declarou (2) ao minuto 03:59 a 04:05, 04:15 a 04:21, 04:24 a 04:40, 05:19 a 05:44 e 06:36 a 06:55 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas, resultando do seu testemunho que saiba com exatidão a situação financeira de uma outra empresa com a qual não mantem qualquer relação laboral, mas não saiba da situação financeira da empresa para a qual trabalha, constatação que descredibiliza totalmente o testemunho prestado.

LL. Transcritos que se mostram os testemunhos de N... e de A..., não concebe esta Fazenda Pública que o Tribunal a quo tenha dado como provados os factos acima transcritos, pois em momento algum as testemunhas afirmaram sequer que “em termos práticos, todos os pagamentos para o exterior ficaram congelados”

MM. Assim como não resulta dos testemunhos prestados que a empresa A..., a partir de 2014, não conseguiu enviar divisas para Portugal a fim de saldar as dívidas, nomeadamente, à originária executada

NN. E, não resulta do depoimento da testemunha N..., que afirmou desconhecer a situação financeira da referida empresa, como não resulta do testemunho de A..., que referiu ter ouvido que a empresa em questão não estava a conseguir mandar dinheiro para Lisboa para pagar ao fornecedor, não mencionando sequer o nome desse fornecedor - Só tinha um! Qual?

OO. Mais, considerar provado que «A partir de 2014, 2015, em Angola, começaram a sentir-se muitas dificuldades em termos de câmbio e, de envio de divisas para Portugal», com a devida vénia, parece a esta Fazenda Pública demasiado ambíguo, sendo de toda a relevância definir a partir de que momento o Tribunal considera provado tal facto, ou seja, a partir de que momento o Tribunal entende ter ficado provada a dificuldade em termo de câmbio, tanto mais que as faturas que titulam os alegados créditos da devedora originária se reportam a 2013 e uma a 2014, antes por isso da crise de câmbio em Angola.

PP. Ao que acresce, não serão os “temas de prova” - caso não sejam enunciados como factos concretos mas como conclusões, factuais e/ou jurídicas – não serão esses “temas de prova”, dizia-se, que devem ser julgados provados ou não provados na sentença, como bem propugnava Paulo Faria (3), pelo que não poderia o Douto Tribunal dar como provado que «A partir de 2014, 2015, em Angola, começaram a sentir-se muitas dificuldades em termos de câmbio e, de envio de divisas para Portugal, sendo que em termos práticos, todos os pagamentos para o exterior ficaram congelados», mas antes apoiar-se em factos concretos, ou seja que a empresa x, na data Y não conseguiu enviar divisa de Angola para Portugal, por exemplo.

QQ. Contudo, tal não resulta da prova produzida em audiência de inquirição de testemunhas e menos dos documentos juntos aos autos, devendo o probatório ser corrigido eliminando-se o ponto 23 por não constituir um facto concreto, mas antes uma consideração pessoal das testemunhas.

RR. Devendo ser também retirado do probatório o ponto 24, por falta de suporte na prova produzida, como supra se demonstrou.

SS. Por outro lado, o Tribunal a quo dá ainda como provado que:

i. 25. A originária devedora desenvolvia a sua atividade de comércio internacional de produtos diversos, com base em financiamento bancário, o qual deixou de ser concedido dadas as restrições no acesso ao crédito bancário que se verificaram na economia portuguesa entre 2012 a 2016- cfr. depoimento da testemunha J....

TT. Ora, quanto a esta matéria a referida testemunha declarou ao minuto 26:44 a 27:28 e 27:05 a 27:25 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas, e, em momento algum refere a crise do setor bancário, antes referindo que a empresa deixou de ter acesso ao crédito a partir do momento em que vê os seus bens penhorados em decurso da falta de pagamento das liquidações adicionais em cobrança coerciva no presente PEF.

UU. Sendo que, mais uma vez, neste ponto do probatório a Meritíssima Juiz a quo incluiu uma conclusão e não um facto concreto ou vários, dos quais se pudesse retirar tal conclusão, como determina o artigo 596º e 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2º, e) do CPPT, devendo nesses termos o probatório ser corrigido retirando-se o ponto 25 por não ter suporte documental e estar apoiado em meras considerações constituindo uma conclusão e não um facto concreto

II – Quanto à errada interpretação e aplicação do artigo 24º da LGT:

VV. Quanto ao que a esta matéria respeita começa a Douta Sentença por referir:

«(…), a presunção de culpa que aos gerentes cabe ilidir é a que se relaciona com a insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos fiscais e não qualquer culpa relativa ao não pagamento de impostos ou a omissão reiterada desse pagamento.»

WW. E aqui reside, na opinião da Fazenda Pública e salvo o devido respeito por diverso entendimento, o erro do Tribunal a quo, porquanto e estando em causa a al. b) do artigo 24º da LGT a presunção de culpa que onera o revertido é a de que a falta de pagamento do imposto no prazo legal não se ficou a dever a culpa sua.

XX. Claro está, se o património da devedora originária era insuficiente para proceder ao pagamento do imposto no prazo de pagamento voluntário e o revertido demonstre que essa insuficiência não foi decorrência da sua atuação ativa ou omissiva, estará em condições de se desonerar da presunção de culpa que sobre si impende – de que a falta de pagamento do imposto não se ficou a dever a culpa sua. Contudo, esse não é o caso dos presentes autos, pois o oponente alega que a devedora originária possuía dois créditos sobre clientes no montante de cerca de cinco milhões de euros.

YY. Então, o que haverá que aferir é se o revertido, aqui oponente, diligenciou no sentido de cobrar os seus créditos e se o fez de acordo com os parâmetros do Bonus Pater Familiae

ZZ. Ora, sabendo das liquidações adicionais de 2015, e estando por receber dois créditos no montante de mais de cinco milhões de euros, vencidos na sua maior parte em 2013, parece ao Douto Tribunal a quo que as diligências possíveis de um gerente diligente, que residia em Angola e se deslocava frequentemente à India, se consubstanciam-se na redação de duas cartas, uma para cada um dos clientes solicitando a confirmação do crédito e o prazo em que tencionam pagar, se o tencionam fazer.

AAA. A Meritíssima Juiz a quo entende ser justificação bastante, a crise de envio de divisas de Angola para Portugal, [conclusão pessoal das testemunhas, não apoiado em factos concretos], para que ao oponente não seja exigível a execução de diligências junto do seu cliente angolano, esquecendo por completo o devedor indiano para o qual naturalmente não servirá a mesma justificação.

BBB. Ora, não será exigível a Um Bom Pai de Família que se desloque cerca de 27 Km num percurso de aproximadamente meia hora para contactar a empresa A..., cliente da devedora originária perante a qual tinha um débito de cerca de 2 milhões de euros!

CCC. Assim, como não seria expectável por parte de um Bom Pai de Família que contrate um advogado, para diligenciar judicialmente a cobrança de um crédito que ronda os três milhões de euros!

DDD. Termos em que, da prova produzida resulta que o oponente não atuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

EEE. Tanto mais que, não podemos deixar de notar, o grosso das correções operadas na inspeção que deu origem à liquidação adicional aqui em cobrança coerciva se ficou a dever à desconsideração de Pagamentos não identificados, ou seja, dinheiro retirado da devedora originária sem causa justificativa nem destinatário identificado, o que só por si é já indiciador da culpa que será de assacar ao oponente no não pagamento do imposto aqui em causa.

FFF. O que veio a ser confirmado pelos testemunhos prestados, não tendo nenhuma das testemunhas conhecimento direto da atividade exercida pelo oponente, que se encontrava a maior parte do tempo ausente, sendo que a primeira testemunha se encontrava em Portugal e afirmou que conhecia dos atos do oponente pelo que este lhe contava. Já quanto às segunda e terceira testemunhas afirmaram conhecer o oponente de uns circuitos em Angola, mas nunca trabalharam com a devedora originária ou mesmo com o oponente, não sendo conhecedoras dos atos praticados pelo mesmo.

GGG. Concludentemente, por desnecessidade de outras considerações, é nítido que a Douta Decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, errando ainda na interpretação e aplicação do artigo 24º, n.º 1, al. b) da LGT, devendo por isso ser revogada.

Do remanescente:

HHH. Apesar da reclamação do artigo 276º do CPPT se encontrar em estrutural dependência em relação à própria execução fiscal na qual é praticado o acto potencialmente lesivo “reclamável” e por isso a tributação daquela reclamação deverá ser feita pela Tabela II-A, do Regulamento das Custas Processuais, caso seja diverso o entendimento de V. Exas. requer, atenta a simplicidade da causa e, bem assim, a lisura da sua conduta processual nos presentes autos vem a Fazenda Pública requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça por si devida, nos termos do disposto no n.º 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências.”»

3. O Recorrido, K..., apresentou as suas contra-alegações, nos termos constantes de fls. 391 e segs., nas quais não formulou conclusões, tendo no essencial que sustentado a sentença recorrida e pugnado pela manutenção da mesma.

4. Foram os autos com vista à Ilustre Magistrada do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso

5. Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.


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II – QUESTÕES A DECIDIR

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se se o tribunal a quo errou no julgamento de facto e de direito ao considerar que não se pode assacar culpa ao Oponente pela insuficiência patrimonial da originária executada para solver a dívida fiscal.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

«1. A sociedade S... Comércio Internacional, Lda., originária devedora, foi constituída em 03/01/2002, inicialmente com capital social de € 60.000,00 composto por duas quotas, uma no valor de € 36.000,00 e outra no valor de € 24.000,00, pertencentes a K... e R..., respetivamente – cfr. fls. 28 a 33 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

2. Atualmente, o capital social da S... Comércio Internacional, Lda. ascende ao montante de € 210.000,00 constituído por duas quotas, uma de € 168.000,00 e outra de € 42.000,00, ambas pertencentes a K... - cfr. fls. 28 a 33 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

3. Desde Março de 2007, a gerência da S... Comércio Internacional, Lda. é exercida por K..., inscrito no cadastro da A.T. como sujeito passivo não residente em Portugal – cfr. fls. 116 a 181 do SITAF e fls. 28 a 33 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

4. K..., em 2013, residia “ ...na Rua C..., nº 101, 3º C, A... – Luanda, Angola, como emigrante produtivo e exercendo atividade remunerada – cfr. doc. 3, junto com a p.i., denominado “Certificado de Residência”, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda;

5. Em 02/05/2015, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3301201501..., à sociedade originária devedora “S... Comércio Internacional, Lda.”, por dívida de IRC/2011 e juros compensatórios no montante total de € 2.909.824,07 – cfr. fls. 1 a 3 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

6. A dívida exequenda tem origem nas correções efetuadas no âmbito de procedimento inspetivo levado a cabo à sociedade S... Comércio Internacional, Lda., relativamente ao IRC do exercício de 2011- Acordo;

7. Desse procedimento inspetivo resultaram as seguintes correções:

- cfr. fls. 116 a 181 do SITAF;

8. Dado o despacho do Órgão de Execução Fiscal de 17/07/2015, que refere não ter identificado bens ou rendimentos em nome do executado, concretamente, por não ser proprietário de bens imóveis, viaturas, contas bancárias ou outros tipos de rendimentos, por carta registada com nº RD6631...PT, de 20/07/2015, foi remetido projeto de reversão ao Oponente para este exercer o direito de audição prévia - cfr. fls. 33 verso a 39 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

9. Em 07/08/2015, o Oponente veio a exercer o direito de audição prévia junto do Serviço de Finanças de Lisboa-4 – cfr. fls. 45 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

10. Em 17/08/2015, é proferido despacho de reversão, que enuncia o seguinte, resumidamente “(...) De harmonia com o já citado art. 23º da LGT, a reversão fiscal contra os responsáveis subsidiários , depende da insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários. De acordo com os elementos disponíveis e compulsados os sistemas informáticos da A.T., verifica-se que em nome do originário não foram encontrados bens penhoráveis (veículos, bens imoveis, créditos, depósitos bancários, seguros e outros produtos financeiros, certificados de aforro, rendas, planos de poupança, ações ou outros valores mobiliários sujeitos a registo) de valor suficiente e suscetivel de garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido. São responsáveis subsidiários, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT, os administradores, directores (...) Deste modo, não tendo sido provada a não imputabilidade da falta de pagamento pelo contribuinte acima referenciado em sede de audição prévia e suficientemente provada nos autos, quer a insuficiência de bens penhoráveis da executada como refere o nº 2 do art. 23º da LGT, quer a qualidade de gerente de facto, conclui-se que é subsidiariamente responsável pelas dívidas a que se referem os autos. Assim, converto em definitivo o projeto de decisão de reverter a execução contra K..., NIF .... Proceda-se à citação pessoal do revertido de acordo com o art. 160º do CPPT, com observância do disposto no nº 5 do art. 23º da LGT.” – cfr. fls. 76 a 80 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

11. Em 28/08/2015, através de carta registada com A/R, o Oponente é citado (reversão) no âmbito do processo de execução fiscal nº 3301201501..., na pessoa do seu representante legal N... – cfr. fls. 89 verso do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

12. Através de ofício de 01/09/2015, foi remetida notificação por meio de carta registada com nº RD6651...PT, destinada a informar o Oponente que fora citado na pessoa do seu representante legal (pessoa diversa) – cfr. fls. 90 e 90 verso do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

13. Em 25/09/2015, o Oponente requereu junto do Órgão de Execução Fiscal a notificação do mandatário da decisão proferida no procedimento de reversão, solicitando que se contassem, a partir dessa data, os prazos legais para eventual oposição judicial, reclamação graciosa ou impugnação judicial – cfr. fls. 91 a 95 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

14. Por despacho de 02/10/2015, o pedido referido no ponto anterior, foi indeferido – cfr. fls. 98 verso do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

15. Em 29/07/2015, K... outorga procuração forense ao Dr. A..., advogado, a quem confere “(...)os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os de substabelecer uma ou mais vezes e, ainda os de, em repartições e serviços públicos, representar o mandante em quaisquer processos administrativos e fiscais em que seja interessado, podendo consulta-los e neles requerer o que houver por bem, nomeadamente, o pagamento de quaisquer contribuições, impostos ou taxas, próprios ou de terceiros, e neste último caso, requerer a subrogação do mandante nos créditos da Administração Fiscal” – cfr. fls. 50 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

16. Em 31/12/2014, do Balancete Geral desse exercício, resulta que a originária devedora não possui dividas à Fazenda Pública e à Segurança Social (Conta 24), e detinha créditos sobre Clientes no montante de € 5.135.232,38 e dívidas a fornecedores no valor de € 2.128.995,46- cfr. fls. 54 a 69 do processo de execução fiscal em apenso aos autos e depoimento da testemunha J...;

17. A originária devedora, em 2014, possuía dois clientes, aos quais foi entregue a respetiva mercadoria mas cujas facturas não vieram a ser pagas – cfr. depoimento da testemunha J... e doc. nº 8, 9, 10, 11, 12 e 13 juntos com a p.i.;

18. Do Balancete de 2014 da originária devedora, na Conta 21, consta que a cliente V... Company, sociedade de direito indiano, é devedora do montante de € 3.202.972,11 e, a sociedade A... é devedora de € 2.460.300,00 – cfr. depoimento da testemunha J... e doc. nº 8 e nº 9 e nº 11 e nº 12 junto com a p.i.;

19. A originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade A..., Lda., reclamando o pagamento de duas faturas; a nº 1621 no valor de € 1.192.000,00 e a factura nº 1656 no valor de € 1.288.800,00, ambas de 2013, vencidas e não pagas- cfr. doc. nº 10 junto com a p.i;

20. A originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade V... Company, reclamando o pagamento de duas faturas; uma com o nº 1657 no valor de € 3.410.775,00 e a factura nº 1/108 no valor de € 1.070.723,00, uma de 2013 e a última de 2014, vencidas e não pagas – cfr. doc. nº 13 junto com a p.i.;

21. O Oponente, residente em Angola, fazia a maior parte dos negócios a partir de Angola, gerindo a originária executada por meio de telefone, em contacto permanente com os trabalhadores da originária devedora – cfr. depoimento da testemunha N...;

22. A atividade principal da originária devedora baseia-se, essencialmente, no comércio internacional de exportação de bens para Angola, sendo certo que o negócio do mobiliário, prosseguido também pela originária devedora, era meramente residual - cfr. depoimento da testemunha J...;

23. A partir de 2014, 2015, em Angola, começaram a sentir-se muitas dificuldades em termos de câmbio e, de envio de divisas para Portugal, sendo que em termos práticos, todos os pagamentos para o exterior ficaram congelados - cfr. depoimento das testemunhas, N... e de A...;

24. A empresa A..., a partir de 2014, não conseguiu enviar divisas para Portugal a fim de saldar as dívidas, nomeadamente, à originária executada- cfr. depoimento das testemunhas, N... e de A...;

25. A originária devedora desenvolvia a sua atividade de comércio internacional de produtos diversos, com base em financiamento bancário, o qual deixou de ser concedido dadas as restrições no acesso ao crédito bancário que se verificaram na economia portuguesa entre 2012 a 2016- cfr. depoimento da testemunha J....

26. A originária devedora encontra, presentemente, a sua atividade estagnada, desde a penhora da loja e dos saldos bancários, motivada pela execução fiscal originada nas dívidas decorrentes das correções de que foi alvo em sede de procedimento inspetivo – cfr. depoimento da testemunha J....”

II.2. – Dos Factos Não Provados

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II.3. – Motivação

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra e, ainda, com base no depoimento das testemunhas J..., N... e de A....

Dos factos assentes, descritos nos pontos 16, 17, 22, 25 e 26 do probatório, a convicção do Tribunal baseou-se no depoimento da testemunha J..., que trabalhou para a S..., depoimento que se encontra em conformidade com os documentos contabilísticos, nomeadamente, com a informação contabilística resultante do balancete de 2014. Estes documentos e o referido depoimento esclarecem que a situação financeira da Originária Executada era controlada, sem dívidas ao Fisco, até às correções efetuadas em 2015, não obstante aquela possuir um crédito sobre clientes no valor global de € 5.135.232,36.

Esta testemunha, assevera terem sido feitas diligências junto dos clientes faltosos (as possíveis pois estes tem sede em Angola e na India), a fim de receber tais montantes, o que é corroborado pela prova documental a que se reportam os factos 19 e 20 do probatório.

A testemunha J..., foi ainda determinante para a fixação do facto 26 do probatório, confirmando que a atividade da originária devedora encontrava-se dependente do financiamento bancário, para poder subsistir, sendo certo que a restrições de acesso ao crédito, a partir de 2014/2015, vieram condicionar o melhor desempenho da empresa.

Quanto às testemunhas N... e A..., diretor de marketing e director comercial, respetivamente, as mesmas mantiveram relações comerciais com a originária executada, sendo os seus depoimentos relevantes para formar a convicção do tribunal quanto aos factos descritos nos pontos 21, 23 e 24. Com efeito, estas testemunhas mostraram conhecimento direto quanto à actividade desenvolvida pela originária devedora, maioritariamente, dirigida à exportação de produtos para o mercado de Angola, sendo concordantes no relato das dificuldades sentidas, a partir de 2014, do envio de divisas de Angola para Portugal, aliás, facto notório, do conhecimento geral (art.º 412.º, n.º 1, do CPC/2013, ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT). O certo é que, ambas as testemunhas, encontraram aí a justificação para o não pagamento das facturas da empresa A..., no montante total de € 2.460.300,00,

Os depoimentos das testemunhas foram coerentes e convincentes, relevando conhecimento direto dos factos, encontrando-se em congruência com a restante prova documental.»


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2. ADITAMENTO OFICIOSO À MATÉRIA DE FACTO

Ao abrigo do artigo art.º 662.º, nº 1 do Código do Processo Civil (CPC), e por se mostrar essencial, adita-se à factualidade apurada os seguintes pontos:

27. No despacho de reversão, que aqui se dá por integralmente reproduzido, já referido supra no ponto 10, previamente à passagem aí transcrita, para além do mais, consta o seguinte:

«Analisado o exercício do direito de audição prévia e os Autos, verifica-se que:

1. O Devedor Originário é proprietário do artigo ... da Freguesia de Arroios. Este imóvel tem o valor patrimonial de €432.330.00. Nos termos do ofício circulado 60.076 de 29/07/2010 caso os imóveis estejam onerados devem ser considerados pelo seu valor liquido, ou seja, deduzindo-se previamente o valor dos ónus ou encargos que sobre eles incidem. Há que ter ainda em conta que as garantias que incidem sobre imóveis obedecem ao princípio do trato sucessivo do registo, pelo que é dada preferência à realização dos créditos cuja garantia foi anteriormente registada A determinação do valor dos imóveis deve ser sempre efectuada de acordo com o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) tendo em conta que é esse o valor base para a venda nos termos do artigo 250.º do CPPT.

Atendendo a que sobre o imóvel existe registada uma hipoteca a favor do D... (Portugal) S.A. com o montante máximo assegurado de €1.730.729,00 e que, em caso de venda judicial, o valor base será de €302.631,00 (conforme dispõe o n.º 2 do artigo 248.º CPPT) o valor líquido do imóvel é claramente insuficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda e do acrescido. E de referir também que o mesmo imóvel foi proposto pelo Devedor originário como garantia de pagamento do plano de pagamento em prestações noutro processo de execução fiscal;

2. O Devedor Originário é titular de rendimentos da categoria F pagos por R... Unipessoal, Lda. NIF .... Notificada em 23/07/2015, até à presente data não promoveu a competente resposta;

3. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada no M..., apresentando em 06/07/2015 saldo zero ou negativo;

4. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada no Banco B..., S.A, apresentando em 05108/2015 saldo zero ou negativo:

5. O Devedor Originário ê titular de uma conta bancária domiciliada no Banco B...,S.A, apresentando em 06/0712015 saldo zero ou negativo;

6. O Devedor Originário ê titular de uma conta bancária domiciliada no Banco C..., S.A., apresentando em 02/07/20 15 saldo zero ou negativo;

7. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada no Banco P.... S.A., apresentando em 13/07/2015 saldo zero ou negativo;

8. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada no D... (Portugal), S.A.. desconhecendo- se até à presente data o resultado da ordem de penhora n.º 330120150000093780;

9. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada na C..., S.A., desconhecendo- se até à presente data o resultado da ordem de penhora n.º 330120150000093756;

10. O Devedor Originário é proprietário de um veículo de marca Rover, matrícula ... penhorado nos Autos pelo valor de €500,00.

Quanto ao crédito indicado pelo Requerente como sendo penhorável nos termos da Lei, além de não o identificar claramente, não tendo o devedor do crédito sede ou estabelecimento estável em território da União Europeia e inexistindo qua quer acordo em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos com a República de Angola é o mesmo impenhorável. (…)» (cfr. fls. 76 a 80 do processo instrutor apenso).

28. Em 26/11/2015 o Estado Português/Autoridade Tributária e Aduaneira instaurou contra S... – Comécio Internacional, Lda., K..., N... e A... acção de impugnação pauliana, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 7, pedindo a final que se julgue procedente a acção relativamente às vendas e doações realizadas pelos RR. S... Comércio Internacional, Lda. e K..., respectivamente, a favor dos restantes RR., cuja instância se encontra suspensa até ao trânsito em julgado dos processos de impugnação n.º 3009/16.9BELRS e da presente oposição (Cfr. fls. 276 a 285 da numeração SITAF).


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3. DO MÉRITO DO RECURSO

3.1. Do erro de julgamento da matéria de facto

O n.º 1 do artigo 662. ° do Código de Processo Civil (CPC), determina que A Relação (leia-se TCA) deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).

Resulta da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios, e quando estes tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, procedendo, se assim o entender, à transcrição de quaisquer excertos.

No caso que nos ocupa, a Recorrente especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados – os pontos 4, 16, 17, 18,19, 20, 21, 23, 24 e 25, todos eles dos factos dados como provados.

Por outro lado, a Recorrente indicou nas conclusões da alegação de recurso, os concretos meios de prova em que alicerça a sua pretensão, relacionando-os com os diversos pontos da matéria de facto impugnada, com menção do tempo/passagens da gravação, e transcrevendo os excertos no corpo da alegação.

Cumpriu, pois, a Recorrente com o ónus impugnatório que sobre si impendia nesta sede.

3.1.1. Consta dos pontos 4, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 24 e 25 dos factos provados da sentença:

«4. K..., em 2013, residia “ ...na Rua C..., nº 101, 3º C, A... – Luanda, Angola, como emigrante produtivo e exercendo atividade remunerada – cfr. doc. 3, junto com a p.i., denominado “Certificado de Residência”, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda;»

«16. Em 31/12/2014, do Balancete Geral desse exercício, resulta que a originária devedora não possui dividas à Fazenda Pública e à Segurança Social (Conta 24), e detinha créditos sobre Clientes no montante de € 5.135.232,38 e dívidas a fornecedores no valor de € 2.128.995,46- cfr. fls. 54 a 69 do processo de execução fiscal em apenso aos autos e depoimento da testemunha J...;»

«17. A originária devedora, em 2014, possuía dois clientes, aos quais foi entregue a respetiva mercadoria mas cujas facturas não vieram a ser pagas – cfr. depoimento da testemunha J... e doc. nº 8, 9, 10, 11, 12 e 13 juntos com a p.i.;»

«18. Do Balancete de 2014 da originária devedora, na Conta 21, consta que a cliente V... Company, sociedade de direito indiano, é devedora do montante de € 3.202.972,11 e, a sociedade A... é devedora de € 2.460.300,00 – cfr. depoimento da testemunha J... e doc. nº 8 e nº 9 e nº 11 e nº 12 junto com a p.i.;»

«19. A originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade A..., Lda., reclamando o pagamento de duas faturas; a nº 1621 no valor de € 1.192.000,00 e a factura nº 1656 no valor de € 1.288.800,00, ambas de 2013, vencidas e não pagas- cfr. doc. nº 10 junto com a p.i;»

«20. A originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade V... Company, reclamando o pagamento de duas faturas; uma com o nº 1657 no valor de € 3.410.775,00 e a factura nº 1/108 no valor de € 1.070.723,00, uma de 2013 e a última de 2014, vencidas e não pagas – cfr. doc. nº 13 junto com a p.i.;»

«21. O Oponente, residente em Angola, fazia a maior parte dos negócios a partir de Angola, gerindo a originária executada por meio de telefone, em contacto permanente com os trabalhadores da originária devedora – cfr. depoimento da testemunha N...;»

«23. A partir de 2014, 2015, em Angola, começaram a sentir-se muitas dificuldades em termos de câmbio e, de envio de divisas para Portugal, sendo que em termos práticos, todos os pagamentos para o exterior ficaram congelados - cfr. depoimento das testemunhas, N... e de A...;»

«24. A empresa A..., a partir de 2014, não conseguiu enviar divisas para Portugal a fim de saldar as dívidas, nomeadamente, à originária executada- cfr. depoimento das testemunhas, N... e de A...;»

«25. A originária devedora desenvolvia a sua atividade de comércio internacional de produtos diversos, com base em financiamento bancário, o qual deixou de ser concedido dadas as restrições no acesso ao crédito bancário que se verificaram na economia portuguesa entre 2012 a 2016- cfr. depoimento da testemunha J....»

A Recorrente pretende que se altere:

Quanto ao ponto 4 que seja alterado através do aditamento «… , continuando a residir em Angola até à actualidade.»

Alicerça a alteração no depoimento das testemunhas N... e A....

Quanto ao ponto 16 que seja alterado, passando a ter o seguinte teor:

«16. Em 31/12/2014, do Balancete Geral desse exercício, resulta que a originária devedora detinha dividas a fornecedores no valor de € 2.128.995,46, que, entretanto, foram saldadas – cfr. fls. 54 a 69 do processo de execução fiscal em apenso aos presentes autos e depoimento da testemunha J...;»

Alicerça a alteração no depoimento da testemunha J... e no entendimento de que relevante para a decisão da causa era aferir da prova produzida quanto à situação liquida da sociedade devedora originária, não em 31/12/2014, mas antes em 13/04/2015, data do términus do prazo de pagamento voluntária.

Assim, pretende que se inclua nos factos não provados:

«1. Não ficou provada a situação liquida da devedora originária na data de pagamento voluntário da dívida em cobrança coerciva, ou seja, em 13-04-2015.»

Quanto aos pontos 17, 18 e 19 pretende a Recorrente que se julguem não provados.

Sustenta quantos aos pontos 17 e 19 a sua pretensão no depoimento da testemunha J..., devendo ficar a constar dos factos não provados por falta de suporte na prova produzida, com a seguinte redacção:

«2.Não ficou provado que a originária devedora, em 2014, possuía dois clientes, aos quais foi entregue a respectiva mercadoria mas cujas facturas não vieram a ser pagas.»

«3. Não ficou provado que a originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade A..., Lda., reclamando o pagamento de duas facturas, n.º 1621 no valor de € 1.192.000,00 e a factua n.º 1656 no valor de € 1.288.800,00, ambas de 2013, vencidas e não pagas.»

E quanto ao ponto 18, defende que deve ser retirado por inútil para a boa decisão da causa.

Quanto ao ponto 20 dos factos provados pretende que seja dado como não provado, alicerçado no depoimento da testemunha J..., com a seguinte redacção:

«4. Não ficou provado que a originária devedora, emitiu carta dirigida à sociedade V... Company, reclamando o pagamento de duas facturas, uma com o n.º 1657 no valor de € 3.410.775,00 e a fatura n.º 1/108 no valor de € 1.070.723,00, uma de 2013 e a última de 2014, vencidas e não pagas.»

Quanto ao ponto 21 do probatório sustenta que deve ser eliminado do probatório, por se encontrar alicerçado no depoimento da testemunha N..., porquanto esta testemunha não foi trabalhadora da devedora originária e não ter prestado qualquer depoimento quanto à forma como o oponente geria a sua empresa.

Quanto aos pontos 23 e 24, defende a Recorrente que devem ser retirados do probatório, por não resultar da prova testemunhal produzida, nem da documental, constituindo o ponto 23 mera consideração pessoal das testemunhas.

Quanto ao ponto 25, a Recorrente sustenta que deve ser retirado do probatório por não ter suporte documental e estar apoiado em meras considerações constituindo uma conclusão e não um facto concreto.

Vejamos.

No que concerne ao ponto 4 dos factos provados.

Ouvidos os depoimentos das testemunhas J..., N... e A... resulta que confirmaram que o Oponente continuava a residir em Angola à data da inquirição de testemunhas.

Neste contexto o ponto 4 dos factos provados passa a ter o seguinte teor:

4. K..., pelo menos, desde 2013 e até 2018, residia na Rua C..., nº 101, 3º C, A... – Luanda, Angola, como emigrante produtivo e exercendo atividade remunerada (cfr. doc. 3, junto com a p.i., denominado “Certificado de Residência”, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda e depoimento das testemunhas J..., N... e A...;

No que respeita ao ponto 16, o mesmo resulta de documento junto aos autos, com o qual a testemunha J... foi confrontada, embora a mesma tenha referido que não era responsável pela contabilidade, pois, desempenhava funções de escriturário na sociedade devedora, enviando documentos para a contabilidade, escrevendo cartas e enviando emails. Mais afirmou que tinha conhecimento que a sociedade devedora originária, à data da inquirição, não tinha dividas a fornecedores e a trabalhadores da devedora originária, afirmação que confirmou quando a instâncias da Mma Juíza a quo.

Por outro lado, o balancete de 31/12/2014 da sociedade originária devedora é o único que se encontra junto aos autos (apesar de poderem ter sido juntos outros, o certo é que não foram), sendo que tal documento não foi impugnado, e com a informação complementar da testemunha permite dar como provados os elementos contabilísticos inscritos no Balancete de 31/12/2014.

Assim sendo, o ponto 16 passa a ter o seguinte teor:

16. Em 31/12/2014, do Balancete Geral desse exercício, resulta que a originária devedora não possui dividas à Fazenda Pública e à Segurança Social (Conta 24), e detinha créditos sobre Clientes no montante de € 5.135.232,38 e dívidas a fornecedores no valor de € 2.128.995,46, que posteriormente, em data não concretamente apurada, foram saldadas (cfr. fls. 54 a 69 do processo de execução fiscal em apenso aos autos e depoimento da testemunha J...;

No que concerne aos pontos 17, 18, 19 e 20 dos factos provados:

No ponto 17 dos factos provado consta que no ano de 2014 a originária devedora tinha dois clientes (que não são identificados) e que as facturas emitidas não foram pagas.

Analisado os documentos n.º 8, 9, 11 e 12 indicados no aludido ponto, verificamos que as facturas que constituem os documentos n.º 8, 9 e 11 foram emitidas no ano de 2013 e só a factura que constitui o documento n.º 12 é que foi emitida no ano de 2014.

Tais facturas foram emitidas à sociedade A..., Lda. (doc. 8 e 9) e à sociedade V... Company (docs. 11 e 13).

Do teor do depoimento da testemunha J..., como já se deixou expresso supra, resulta que não contacta directamente com os clientes da sociedade executada e que o seu conhecimento sobre as relações comerciais entre aquela e os clientes advém-lhe unicamente do que lhe é transmitido e explicado pelo Oponente, por ser um administrativo.

Mais referiu que nos anos de 2013 e 2014 a devedora originária tinha 10 funcionários, dos quais 8 no departamento comercial e dois administrativos.

Atento o teor do depoimento dessa testemunha, em momento algum afirmou que a mercadoria a que respeitam as facturas n.º 1621 e 1656 emitidas à sociedade A... Lda. e as facturas 1657 e 108 emitidas à sociedade V... Company, foram entregues, até porque nenhuma relação manteve com elas. Aliás, quanto à facturação emitida à sociedade V... Company mencionou que há um desacordo entre esta empresa e a sociedade executada, por aquela ter reclamado que à India não chegou toda a quantidade de caju facturada, referindo que não sabe explicar muito bem a situação relativa à discórdia, tendo ainda afirmado que parte da factura n.º 1657 foi paga, nada referindo quanto ao momento e modo em que ocorreu o pagamento, prestando o seu depoimento de acordo com o que lhe foi transmitido pelo gerente.

Esclareceu ainda a testemunha J... que a sociedade executada na área de negócio da castanha de caju é uma mera intermediária, compra através de um agente na Guiné Bissau castanha de caju aos produtores, sendo aquele agente que faz a entrega da mercadoria no porto de embarque, cujo transporte para a India é encargo da sociedade V... Company.

Afirmou ainda que tais facturas não foram pagas.

Referiu a testemunha, relativamente à sociedade angolana, no que respeita às facturas n.º 1621, no valor de € 1.192.000,00 e n.º 1656, no valor de € 1.288.888,00, ambas de 2013, de acordo com o que lhe foi dito pelo Oponente, que o Estado Angolano pagou à sociedade A..., Lda. na moeda local e que não foi autorizada a transferência de divisas em euros para Portugal, devido à crise cambial.

O Balancete de 2014 em conjugação com os documentos n.ºs 8, 9, 11 e 12, não impugnados, atestam apenas que a sociedade executada emitiu as facturas n.ºs 1621, 1656 e 1657 em 2013 e a factura n.º 108 em 2014, aos clientes, nas datas e pelos valores aí referidos.

No que concerne aos documentos n.ºs 10 e 13 da p.i., ambos emitidos em 28/09/2015, não se tratam de cartas a reclamar o pagamento das facturas supra referidas n.ºs 1621, 1656, 1657 e 108, mas antes, conforme decorre do seu teor, de um pedido dirigido a cada uma das empresas para confirmarem o saldo, para indicarem a justificação da falta de pagamento e reafirmarem a intenção de procederem ao pagamento das facturas, com indicação do prazo em que o pretendem fazer.

E como se pode ler nesses escritos «(…) a informação ora solicitada se destina a ser presente às autoridades judiciais portuguesas no âmbito de processo de que somos alvo (…)».

Não obstante o objectivo dos indicados escritos, pode-se depreender alguma intenção de cobrança dos valores constantes das facturas, sendo certo que, foram os únicos documentos juntos aos autos relativos aos alegados créditos.

A testemunha J... quando confrontada com os documento n.ºa 10 e 12 da p.i., afirmou que foi ela, a pedido da gerência, que assinou esses escritos.

O Oponente não juntou qualquer prova documental do efectivo envio das cartas, que consubstanciam os docs. n.º 10 e 13, às sociedades identificadas como destinatárias, sendo que, atento o teor dos mesmos, seria de primordial importância para a sociedade executada que se assegurasse da efectiva entrega a fim de obter a resposta solicitada, e também para prova no processo judicial do envio das cartas.

Acresce referir que as facturas foram emitidas nos anos de 2013 e 2014 e os únicos documentos escritos apresentados encontram-se datados de 28/09/2015, alegadamente escritos com o objectivo supra mencionado.

Por outro lado, a testemunha J... não foi peremptória a afirmar que enviou as cartas, nem esclareceu o modo através do qual foram remetidas aos destinatários. Começou por dizer que foi ela que assinou as cartas e depois limitou-se a confirmar de forma lacónica que foi ela que enviou as cartas quando expressamente perguntado se foi ela que enviou as cartas. Também nada esclareceu sobre as razões da falta de resposta às aludidas cartas, referindo apenas que a ela não chegou nenhuma resposta. Esta testemunha exerce funções de escriturário e afirmou não ter contacto com os clientes da devedora originária, só tendo conhecimento de factos que lhe são transmitidos pelo gerente, este, com residência em Angola.

A testemunha J... embora quanto aos escritos em causa tenha afirmado que os assinou a pedido da gerência e confirmado que foram enviados, não respondeu com a precisão que se impunha no que respeita ao seu envio.

Impunha-se, pois, que o Oponente tivesse feito prova do efectivo envio das cartas por correio ou email, factos que não alegou na petição inicial, nem foi esclarecido pela testemunha, a que acresce a ausência de resposta às mesmas e a inexistência de outras diligências devidamente concretizadas e provadas, que de alguma forma possam provar o seu efectivo envio, pelo que não se pode dar como assente o envio das cartas.

Mais afirmou esta testemunha, quando questionado nesse sentido, que foram feitas as diligências possíveis juntos dos clientes, atento que estas sociedades têm sede em Angola e India, para obter o pagamento das facturas, sem que tenha concretizado quais foram em concreto as diligências.

O depoimento da testemunha quanto a estes factos foi prestado de forma genérica, evasiva, sem circunstanciar as suas afirmações e sem convicção, mencionando em muitas partes do seu depoimento que o seu conhecimento dos factos baseava-se no que lhe era dito pelo gerente, Sr. K..., aqui Recorrido.

Desta maneira, pode-se dar como provado que as cartas foram redigidas, mas não mais do que isso, pelo que não se pode dar como provado que os documentos n.º 10 e 13 foram enviados às identificadas sociedades, atenta a ausência de prova do seu envio e de resposta das aludidas sociedades.

O Oponente não só identifica, na petição inicial, as diligências que desenvolveu, como também não fez prova nos autos de qualquer diligência em concreto para obter o pagamento daquelas facturas, pelo que, o alegado no ponto 88 da p.i. não se pode dar como provado.

De realçar que entre a emissão das facturas e os escritos que consubstanciam os documentos n.º 10 e 13, decorreu mais de um ano, e estes documentos tinham apenas como objectivo obter confirmação sobre as dívidas a fim de ser junto a processo judicial, o que não foi alcançado, e por isso resulta também por isso não provado como diligências para obtenção do pagamento das facturas.

Neste contexto, os pontos 17, 18, 19 e 20 do probatório passam a ter o seguinte teor:

17. A originária devedora, S... – Comércio Internacional, Lda., emitiu no ano de 2013 e 2014 as seguintes facturas:

- factura n.º 1621, em 26/06/2013, à sociedade “A..., Lda.”, sem indicação da morada da sociedade angolana, com a descrição de serviços prestados em Angola nos projectos associados a reinserção dos ex-militares, no valor total de € 1.192.000,00 (cfr. doc. 8 da p.i.);

- factura n.º 1658, em 31/10/2013, à sociedade “A..., Lda.”, sem indicação da morada da sociedade angolana, por serviços prestados em Angola nos projectos associados reinserção dos ex-militares, relativo ao 3.º trimestre 2013, no valor total de € 1.288.800,00 (cfr. doc. 9 da p.i.);

- factura n.º 1657, em 31/10/2013, à sociedade “V... Company”, sem indicação da morada da sociedade indiana, com a descrição de “TM RAW CASHEW CROP 2013”, no valor de € 3.410.775,00, (cfr. doc. n.º 11 da p.i.);

- factura n.º 108, em 27/10/2014, à sociedade “V... Company”, sem indicação da morada da sociedade indiana, com a descrição de “TM RAW CASHEW CROP 2013”, no valor de € 3.410.775,00, (cfr. doc. n.º 12 da p.i.).

18. Do Balancete de 2014 da originária devedora, na Conta 21, consta que a cliente V... Company, sociedade de direito indiano, é devedora do montante de € 3.202.972,11, e a sociedade A... é devedora de € 2.460.300,00 (cfr. balancete junto ao processo instrutor).

19. A originária devedora escreveu uma carta datada de 28/09/2015, que tinha como destinatário a sociedade “A..., Lda.”, com o seguinte teor:

«(…) Como é do v/ conhecimento, é a n/ empresa credora da A..., Lda., pelo montante total de EUR 2.480.000,00 (dois milhões quatrocentos e oitenta mil e oitocentos euros), referente a duas facturas respeitantes a serviços prestado à v/ empresa, devidos, vencidos e não pagos, a saber:

- Factura n.º 1621, emitida em 26-06-2013, no valor de EUR 1.192.000,00;

- Factura n.º 1656, emitida em 31-10-2013, no valor de EUR 1.288.800,00.

Uma vez que os montantes em causa são de primordial importância para que a n/ empresa satisfaça as suas responsabilidades em Portugal e considerando que necessitamos de justificar perante as autoridades portuguesas que os mesmos são devidos, solicitamos que nos confirmem o referido saldo, nos justifiquem a razão da falta do seu pagamento e nos reafirmem a v/ intenção de a ele proceder e o prazo em que o pretendem fazer.

Uma vez que a informação ora solicitado se destina a ser presente às autoridades judiciais portuguesas no âmbito de processo de que somos alvo, pedimos o favor de emitirem a declaração requerida no mais curto espaço de tempo possível. (…)». (cfr. Doc. 10):

20. A originária devedora escreveu uma carta datada de 28/09/2015, que tinha como destinatário a sociedade “V... Company.”, com o seguinte teor:

«As you know your company remains in debt of S... for the outsanding amount of EUR 3.202.972,11, regarding the supply of raw cashew of 2013 crop, as per our invoices

- Nº 1657, dated September 31 st 2013, of EUR 3.410.775,00 (of which EUR 2.132.249,11 remain outstanding)

- Nº 1/108, dated October 27th 2014, of EUR 1.070.723,00.

As our company needs to justify before Portuguese authorities the existence of said balance, we hereby ask you to confirm the abovementioned outstanding amount, to shortly explain the reason of non payment and to declare your intention of honouring it and when.

Once said declaration is to be presented to Portuguese judicial authorities on the framework of a lawsuit envisaging our company and its management we ask you to issue it as soon as possible. (…)» (cfr. doc. n.º 13).

No que respeita ao facto provado no ponto 21 dos factos provados:

A Recorrente alega, e com razão, que a testemunha N..., indicada para prova deste facto, não era trabalhador da devedora originária, nem prestou depoimento quanto à forma como o oponente geria a empresa.

Com efeito, foi a testemunha J... que prestou depoimento sobre a forma como o oponente geria a empresa, referindo que este geria a empresa sobretudo por telefone e email. Assim, não se pode atender a pretensão da Recorrente na eliminação deste ponto.

Antes deverá ser alterado a indicação da prova respeitante ao nome da testemunha.

O ponto 21 dos factos provados passa a ter o seguinte teor:

21. O Oponente, residente em Angola, geria a originária executada sobretudo por meio de telefone e email (cfr. depoimento da testemunha J...).

No que concerne aos pontos 23 e 24 dos factos provados:

As testemunhas foram unanimes na afirmação de que existiam dificuldades na transferência de divisas em euros para Portugal, nos anos de 2013, 2014 e 2015, mas nada mais disseram, com conhecimento directo, sobre as dificuldades sentidas pela sociedade angolana na transferência de divisas para a sociedade executada.

Ora, dificuldades não significa o mesmo que impossibilidade, sendo certo que o Tribunal também não ignora tais dificuldades que são do conhecimento público.

Por outro lado, as falhas pontuais de divisas nos Bancos que operam em Angola não justificam a impossibilidade de pagamento de facturas emitidas em 2013 e 2014 até à actualidade.

De salientar que o depoimento de todas as testemunhas foi prestado de forma genérica, sem qualquer apoio em documentos ou outros meios de prova, tratam-se, pois, de abordagens demasiado vagas.

E quanto à situação concreta do não pagamento das facturas emitidas pela originária devedora à sociedade A..., todas as testemunhas prestaram depoimentos de ouvir dizer ao oponente

O depoimento de ouvir dizer é susceptível de ser valorado de acordo com os princípios gerias de liberdade de prova e de livre valoração da prova, mas tal valoração requer alguma prudência, devendo encontrar alguma sustentação noutros meios de prova, directos ou indirectos.

O que releva como prova trazida pela testemunha ao processo, é a parte objectiva da percepção de factos passados, que viu, ouviu ou observou (cfr. Antunes varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manuel de Processo Civil, 2.ª Ed., Coimbra, 1985, pág. 609)

De referir que a testemunha N... referiu que conhecia a empresa A... de nome e afirmou “acho” que concorria aos mesmos concursos que a empresa S... em Angola, onde era trabalhador, mas quanto a eventuais dividas que a A... tivesse, afirmou não ter conhecimento.

E a testemunha A... no seu depoimento, quando questionado sobre a empresa A... devia dinheiro à devedora originária afirmou que «ouvi qualquer coisa, uma das conversas que tivemos off ele disse: “É pá, a gente não está a conseguir pagar, não estamos a conseguir mandar dinheiro para Lisboa, estamos a dever dinheiro ao nosso fornecedor.”»

Porém, quando questionado pela Representante da Fazenda Pública sobre se a empesa para a qual trabalha ficou a dever dinheiro aos seus fornecedores foi peremptório na afirmação que essa não é a sua área, e que não conhece a área financeira. Tal afirmação descredibiliza a seu depoimento quanto à divida da A..., Lda. (empresa concorrente àquela para que trabalha) à devedora originária, com as quais não tinha relações, sendo que tal afirmação foi prestada sem conhecimento directo.

Assim, resulta dos depoimentos prestados que a testemunha N... não tem conhecimento sobre as dividas da A... e a testemunha A... teve conhecimento através de uma afirmação vaga em conversa tida em “off”.

Resulta, pois, que a testemunha A... não tem conhecimento directo sobre este facto e a alegada “conversa off” não atinge o patamar de convencimento, atento o principio da livre apreciação da prova e as regras da experiência, em conjugação com a demais prova produzida nos autos, ou a falta dela, pois, não se pode afirmar que o depoimento desta testemunha seja suficientemente esclarecedor para se considerar provado que a empresa A..., a partir de 2014, não conseguiu enviar divisas para Portugal a fim de saldar as dívidas, nomeadamente, à devedora originária.

Neste contexto, altera-se o ponto 23 dos factos provados, que passa a ter o seguinte teor:

23. Nos anos de 2013, 2014 e 2015, as empresas em Angola tinham dificuldades no envio de divisas para Portugal (cfr. depoimento das testemunhas J..., N... e A...).

E exclui-se dos factos provados o ponto 24 que passa a integrar os factos não provados.

Pretende também a Recorrente quanto ao ponto 25 dos factos provados que seja dado como não provado, por falta de suporte em prova documental e estar apoiado em meras considerações pessoais da testemunha.

Ora, lida a petição inicial constata-se que o Oponente não alegou o facto vertido no ponto 25, nem o mesmo surgiu na discussão, em sede de inquirição de testemunhas.

Na verdade, a testemunha J... referiu que a devedora originária deixou de ter forma de obter financiamento a partir do momento em que foram realizadas as penhoras da loja e das contas bancárias em sede de execução fiscal, deixando de ter actividade, o que nos situa no ano de 2015.

Porém, nenhuma prova documental foi junta aos autos de que a devedora originária pediu nos anos de 2012 a 2016 algum financiamento bancário e que o mesmo tenha sido recusado, sendo certo que a devedora originária teve actividade nos anos de 2013 e 2014, atenta a data das facturas dos autos.

Por outro lado, referiu ainda aquela testemunha que a devedora originária tinha outra actividade na área da imobiliária, embora fosse residual relativamente ao comércio internacional.

Ora, conforme decorre do despacho judicial de fls. 276 a 285, a devedora originária, no ano de 2015, procedeu a vendas e a doações de bens do seu património, cujos contratos se encontrarem a ser contestados em acção de impugnação judicial.

Deste modo, é de deferir a pretensão da Recorrente de excluir o ponto 25 dos factos provados.

Por último, acorda-se em alterar o ponto 26, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, que passa a ter o seguinte teor:

26. A originária devedora encontra-se sem actividade a partir do ano de 2015, em data não concretamente apurada, que pode ser coincidente com realização de penhoras às contas bancárias ocorridas em Julho de 2015, no âmbito da execução fiscal n.º 3301201501..., subjacente aos presentes autos, a qual foi instaurada em 02/05/2015 (cfr. depoimento da testemunha J... e processo instrutor apenso).


*

3.2. Tendo em conta as alterações e a concretização de alguns factos decorrentes de documentos e do depoimento das testemunhas a que foi feita menção, os factos provados, na parte impugnada, alterada e aditada oficiosamente, serão, pois, os seguintes:

4. K..., pelo menos, desde 2013 e até 2018, residia na Rua C..., nº 101, 3º C, A... – Luanda, Angola, como emigrante produtivo e exercendo atividade remunerada (cfr. doc. 3, junto com a p.i., denominado “Certificado de Residência”, emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda e depoimento das testemunhas J..., N... e A...;

16. Em 31/12/2014, do Balancete Geral desse exercício, resulta que a originária devedora não possui dividas à Fazenda Pública e à Segurança Social (Conta 24), e detinha créditos sobre Clientes no montante de € 5.135.232,38 e dívidas a fornecedores no valor de € 2.128.995,46, que posteriormente, em data não concretamente apurada, foram saldadas (cfr. fls. 54 a 69 do processo de execução fiscal em apenso aos autos e depoimento da testemunha J...;

17. A originária devedora, S... – Comércio Internacional, Lda., emitiu no ano de 2013 e 2014 as seguintes facturas:

- factura n.º 1621, em 26/06/2013, à sociedade “A..., Lda.”, sem indicação da morada da sociedade angolana, com a descrição de serviços prestados em Angola nos projectos associados a reinserção dos ex-militares, no valor total de € 1.192.000,00 (cfr. doc. 8 da p.i.);

- factura n.º 1658, em 31/10/2013, à sociedade “A..., Lda.”, sem indicação da morada da sociedade angolana, por serviços prestados em Angola nos projectos associados reinserção dos ex-militares, relativo ao 3.º trimestre 2013, no valor total de € 1.288.800,00 (cfr. doc. 9 da p.i.);

- factura n.º 1657, em 31/10/2013, à sociedade “V... Company”, sem indicação da morada da sociedade indiana, com a descrição de “TM RAW CASHEW CROP 2013”, no valor de € 3.410.775,00, (cfr. doc. n.º 11 da p.i.);

- factura n.º 108, em 27/10/2014, à sociedade “V... Company”, sem indicação da morada da sociedade indiana, com a descrição de “TM RAW CASHEW CROP 2013”, no valor de € 3.410.775,00, (cfr. doc. n.º 12 da p.i.).

18. Do Balancete de 2014 da originária devedora, na Conta 21, consta que a cliente V... Company, sociedade de direito indiano, é devedora do montante de € 3.202.972,11, e a sociedade A... é devedora de € 2.460.300,00 (cfr. balancete junto ao processo instrutor).

19. A originária devedora escreveu uma carta datada de 28/09/2015, que tinha como destinatário a sociedade “A..., Lda.”, com o seguinte teor:

«(…) Como é do v/ conhecimento, é a n/ empresa credora da A..., Lda., pelo montante total de EUR 2.480.000,00 (dois milhões quatrocentos e oitenta mil e oitocentos euros), referente a duas facturas respeitantes a serviços prestado à v/ empresa, devidos, vencidos e não pagos, a saber:

- Factura n.º 1621, emitida em 26-06-2013, no valor de EUR 1.192.000,00;

- Factura n.º 1656, emitida em 31-10-2013, no valor de EUR 1.288.800,00.

Uma vez que os montantes em causa são de primordial importância para que a n/ empresa satisfaça as suas responsabilidades em Portugal e considerando que necessitamos de justificar perante as autoridades portuguesas que os mesmos são devidos, solicitamos que nos confirmem o referido saldo, nos justifiquem a razão da falta do seu pagamento e nos reafirmem a v/ intenção de a ele proceder e o prazo em que o pretendem fazer.

Uma vez que a informação ora solicitado se destina a ser presente às autoridades judiciais portuguesas no âmbito de processo de que somos alvo, pedimos o favor de emitirem a declaração requerida no mais curto espaço de tempo possível. (…)». (cfr. Doc. 10):

20. A originária devedora escreveu uma carta datada de 28/09/2015, que tinha como destinatário a sociedade “V... Company.”, com o seguinte teor:

«As you know your company remains in debt of S... for the outsanding amount of EUR 3.202.972,11, regarding the supply of raw cashew of 2013 crop, as per our invoices

- Nº 1657, dated September 31 st 2013, of EUR 3.410.775,00 (of which EUR 2.132.249,11 remain outstanding)

- Nº 1/108, dated October 27th 2014, of EUR 1.070.723,00.

As our company needs to justify before Portuguese authorities the existence of said balance, we hereby ask you to confirm the abovementioned outstanding amount, to shortly explain the reason of non payment and to declare your intention of honouring it and when.

Once said declaration is to be presented to Portuguese judicial authorities on the framework of a lawsuit envisaging our company and its management we ask you to issue it as soon as possible. (…)» (cfr. doc. n.º 13).

21. O Oponente, residente em Angola, geria a originária executada sobretudo por meio de telefone e email (cfr. depoimento da testemunha J...).

23. Nos anos de 2013, 2014 e 2015, as empresas em Angola tinham dificuldades no envio de divisas para Portugal (cfr. depoimento das testemunhas J..., N... e A...).

26. A originária devedora encontra-se sem actividade a partir do ano de 2015, em data não concretamente apurada, que pode ser coincidente com realização de penhoras às contas bancárias ocorridas em Julho de 2015, no âmbito da execução fiscal n.º 3301201501..., subjacente aos presentes autos, a qual foi instaurada em 02/05/2015 (cfr. depoimento da testemunha J... e processo instrutor apenso).

27. No despacho de reversão, que aqui se dá por integralmente reproduzido, já referido supra no ponto 10, previamente à passagem aí transcrita, para além do mais, consta o seguinte:

«Analisado o exercício do direito de audição prévia e os Autos, verifica-se que:

1. O Devedor Originário é proprietário do artigo ... da Freguesia de Arroios. Este imóvel tem o valor patrimonial de €432.330.00. Nos termos do ofício circulado 60.076 de 29/07/2010 caso os imóveis estejam onerados devem ser considerados pelo seu valor liquido, ou seja, deduzindo-se previamente o valor dos ónus ou encargos que sobre eles incidem. Há que ter ainda em conta que as garantias que incidem sobre imóveis obedecem ao princípio do trato sucessivo do registo, pelo que é dada preferência à realização dos créditos cuja garantia foi anteriormente registada A determinação do valor dos imóveis deve ser sempre efectuada de acordo com o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) tendo em conta que é esse o valor base para a venda nos termos do artigo 250.º do CPPT.

Atendendo a que sobre o imóvel existe registada uma hipoteca a favor do D... (Portugal) S.A. com o montante máximo assegurado de €1.730.729,00 e que, em caso de venda judicial, o valor base será de €302.631,00 (conforme dispõe o n.º 2 do artigo 248.º CPPT) o valor líquido do imóvel é claramente insuficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda e do acrescido. E de referir também que o mesmo imóvel foi proposto pelo Devedor originário como garantia de pagamento do plano de pagamento em prestações noutro processo de execução fiscal;

2. O Devedor Originário é titular de rendimentos da categoria F pagos por R... Unipessoal, Lda. NIF .... Notificada em 23/07/2015, até à presente data não promoveu a competente resposta;

3. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada no M..., apresentando em 06/07/2015 saldo zero ou negativo;

4. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada no Banco B..., S.A, apresentando em 05108/2015 saldo zero ou negativo:

5. O Devedor Originário ê titular de uma conta bancária domiciliada no Banco B...,S.A, apresentando em 06/0712015 saldo zero ou negativo;

6. O Devedor Originário ê titular de uma conta bancária domiciliada no Banco C..., S.A., apresentando em 02/07/20 15 saldo zero ou negativo;

7. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada no Banco P.... S.A., apresentando em 13/07/2015 saldo zero ou negativo;

8. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada no D... (Portugal), S.A.. desconhecendo- se até à presente data o resultado da ordem de penhora n.º 330120150000093780;

9. O Devedor Originário é titular de uma conta bancária domiciliada na C..., S.A., desconhecendo- se até à presente data o resultado da ordem de penhora n.º 330120150000093756;

10. O Devedor Originário é proprietário de um veículo de marca Rover, matrícula ... penhorado nos Autos pelo valor de €500,00.

Quanto ao crédito indicado pelo Requerente como sendo penhorável nos termos da Lei, além de não o identificar claramente, não tendo o devedor do crédito sede ou estabelecimento estável em território da União Europeia e inexistindo qua quer acordo em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos com a República de Angola é o mesmo impenhorável. (…)» (cfr. fls. 76 a 80 do processo instrutor apenso).

28. Em 26/11/2015 o Estado Português/Autoridade Tributária e Aduaneira instaurou contra S... – Comécio Internacional, Lda., K..., N... e A... acção de impugnação pauliana, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 7, pedindo a final que se julgue procedente a acção relativamente às vendas e doações realizadas pelos RR. S... Comércio Internacional, Lda. e K..., respectivamente, a favor dos restantes RR., cuja instância se encontra suspensa até ao trânsito em julgado dos processos de impugnação n.º 3009/16.9BELRS e da presente oposição (Cfr. fls. 276 a 285 da numeração SITAF).


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3.2.1. Resultou não provado o ponto 24 dos factos provados e o ponto 88 da petição inicial, e foi eliminado dos factos provados o ponto 25.

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3.3. Estabilizada a matéria de facto objeto de crítica no recurso, e fixado o quadro factual, impõe-se agora analisá-lo à luz do direito, e saber se permitem concluir pela falta de culpa do gerente na insuficiência patrimonial da sociedade para o pagamento das dividas fiscais.

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3.4. Do erro de julgamento quanto à ausência de culpa do Oponente face à insuficiência patrimonial da originária executada

A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida alegando que face à prova produzida nos autos, o Oponente não provou que actou com a diligência de um bonus pater familae, com a observânccia das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao abrigo do artigo 64.º do CSC, no sentido de cobrar os créditos da sociedade executada (conclusões VV. a FFF.).

A Mma. Juiz a quo conheceu da falta de demonstração pela Adminsitração tributária da insuficiência patrimonial da originária executada, tendo concluindo que o Oponente não juntou aos autos provas que permitissem aferir que a sociedade originária executada dispunha de bens/patrimonio suficiente para solver as suas dívidas, tendo considerado justificada a reversão, e, consequentemente julgou improcedente este fundamento da oposição, que já transitou em julgado.

A sentença recorrida fundamentou a procedência da oposição ponderando que:

(…) da prova produzida, o Oponente logrou provar que a sua atuação não concorreu para a delapidação do património da sociedade, pois em face das avultadas dívidas de fornecedores respeitantes aos anos de 2013 e 2014, fez diligências com vista a receber tais créditos e, mais, provou que tais diligências mostram-se de difícil condução/ recuperação, pois os clientes são empresas sedeadas em Angola e na India, em que imperam as leis internacionais de difícil accionamento.

Mais, da factualidade apurada, afigura-se-me que a insuficiência patrimonial para solver os créditos fiscais é de origem pontual, pois o incumprimento para com o Fisco deve-se a uma única divida fiscal e, não fossem as causas externas à empresa que supra foram enunciadas, tal incumprimento com grande probabilidade não teria ocorrido.

Esta culpa aqui em apreciação não é, como supra se referiu, a relacionada com o não pagamento de determinados créditos, mas, antes, a culpa pela inobservância de disposições gerais destinadas a evitar uma situação de insuficiência do património social para pagamento da generalidade das dívidas sociais, máxime as dividas ao Estado.

Trata-se, portanto, de uma culpa que se liga, em princípio, à ocorrência de um facto ilícito tipicamente culposo: se se provar a inobservância de alguma concreta disposição legal ou estatutária destinada à proteção dos credores sociais, deve considerar-se a respectiva conduta como culposa e se não se provar a existência de qualquer causa de exclusão da culpa. Por isso, como se escreve no ac. do STA, de 30/6/99, rec. 23609, a partir da constatação do não pagamento de uma dívida fiscal não se pode presumir ter ocorrido inobservância de qualquer disposição daqueles tipos.

Ora, a atividade da originária devedora é dirigida ao comércio internacional, à exportação de produtos para Angola, essencialmente. O gerente/oponente fez as diligências que se impunham a um «bom pai de família», com vista a receber os seus créditos, foi diligente, tendo-se confrontado com a incapacidade das empresas devedoras sedeadas em Angola poderem solver os seus créditos, fora do país. E, não menos importantes, foram os constrangimentos económico-financeiros existentes em Portugal em 2015, em que os bancos se encontravam inibidos de fornecer créditos às empresas em geral, sem contar que o financiamento à originária devedora se mostrava praticamente impossível de conceder dadas as penhoras de que foi alvo, no âmbito do processo de execução dos autos.

Em termos de casualidade adequada, não podemos afirmar que a conduta do gerente/oponente tenha sido determinante na insuficiência patrimonial para solver os créditos fiscais, pois, na verdade, a originária devedora tem património (os créditos sobre clientes fora de Portugal), só que não pode dispor dele por de difícil recuperação e penhorabilidade, tal como é reconhecido pela Fazenda Pública.

Nestes termos, não se pode assacar a culpa ao Oponente pela insuficiência patrimonial da originária executada para solver a divida fiscal em causa no processo de execução fiscal nº 3301201501... e, neste conspecto, a ação tem de proceder uma vez que a responsabilidade subsidiária que é assacada ao oponente é ilegal.

Vejamos.

Na situação que nos ocupa não é controvertida a gerência de facto pelo Oponente, em correspondência com a gerência de direito, nem a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, conforme consta do despacho de reversão, mostrando-se adequado o enquadramento jurídico efectuado na sentença recorrida.

Assim, à reversão em causa aplica-se este normativo, por o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias (IRC do exercício de 2011) ter ocorrido no período do exercício do cargo de gerente pelo Oponente, aqui Recorrido.

Assim, o gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.

Nas dívidas enquadradas no âmbito da alínea b) do artigo 24.º da LGT, o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.

Desta forma, o Oponente partiu para a demanda com uma presunção de culpa que lhe impõe necessariamente um esforço acrescido na demonstração dos factos que alega e susceptíveis de afastar a culpa.

Sobre esta questão já se pronunciou a jurisprudência dos tribunais superiores em inúmeros acórdãos, destacamos o Acórdão deste TCAS, de 06/10/2009, proferido no processo n.º 03267/09, com o seguinte discurso fundamentador:

«Donde que a responsabilidade doo oponente, enquanto gerente, pode por ele ser afastada, desde que prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.

Nesse sentido, há que reafirmar o que se expendeu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19/06/2007, no recurso n° 1794/07, cuja relação pertenceu ao relator desta formação, no sentido, já atrás afirmado, de que " (...) A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual - cf. artigos 48fu, n.° 2 , e 799°, n.° 2 do Código Civil; Culpa, no sentido restrito traduz-se na omissão da diligência exigível: - o agente devia ter usado de uma diligência que não empregou - devia ter previsto o resultado ilícito, afim de o evitar e nem sequer o previu. Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse.

Operando com a teoria da causalidade adequada que se consagra no nosso ordenamento jurídico, para que a actuação do recorrente se pudesse dizer causa do prejuízo era mister que, em abstracto, aquela fosse adequada a produzi-lo, que o prejuízo fosse uma consequência normal típica daquela. E para se poder dizer que a acção ou omissão do recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos parafiscais, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo «ex ante».

É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano e que não pode existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto. (…)» (disponível em www.dgsi.pt/).

Apesar de se reconhecer a dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o Oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas.

O gerente tem, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável, para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão (vide neste sentido Ac. do TCAN de 30/04/2014, proc. n.º 03694/10, disponível em www.dgsi.pt/).

Todavia, não é isso que resulta dos autos.

Imcumbindo ao Oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que não alegou factos simples, concretos, de que assim foi, nem susceptíveis de prova capaz de ilidir tal presunção de culpa.

Antecipa-se que não só acompanhamos a sentença recorrida no julgamento da matéria de facto, como se viu, como também no entendimento que não se pode asssacar a culpa ao Oponente pela insuficiência patrimonial da originária devedora.

Não só da prova produzida nos autos, destacando-se a aditada oficiosamente nesta instância de recurso (v.g. vendas e doações realizadas no ano de 2015 pela devedora originária e Oponente), como da própria alegação do Oponente, resulta que este tenha desenvolvido os seus melhores esforços no sentido de evitar que o património da devedora originária se tornasse insuficiente para o pagamento da dívida exequenda.

Efectivamente, o Oponente limita-se a apontar a inesperada correcção de IRC do exercício de 2011, de valor elevado, as dificuldades cambias sentidas em Angola na exportação de divisas e que desenvolveu todas as diligências para obter o pagamento das importâncias titulas pelas facturas emitidas às sociedades A..., Lda. e V... Company.

Ora, tal alegação, de cariz conclusivo, carecia da exposição de concreta factualidade que fosse capaz de a evidenciar, e também não foram apresentados quaisquer meios de prova capazes de ilidir a presunção de culpa.

O oponente era residente em Angola e por isso conhecedor da realidade angolana e das dificuldades de envio de divisas para Portugal, pelo que na concretização de contratos com sociedades angolanas, não só assumiu os riscos do negócio, como os aceitou.

Quanto a esta matéria, a prova testemunhal foi parca e com abordagens demasiado vagas, os depoimentos das testemunhas limitaram-se a enunciar de forma genérica as dificuldades de transferência de divisas, sem qualquer apoio em documentos, e quanto às dividas relativas ás facturas dos autos sem conhecimento directo dos factos.

Dos autos não resultou provado a impossibilidade de transferência de divisas da sociedade angolana para Portugal e, assim, a alegada origem do não pagamento das aludidas facturas.

Por outro lado, o Oponente não concretizou nem provou a realização de quaisquer medidas que terá adoptado tendentes à cobrança das quantias de que as sociedades angolana e indiana eram devedoras.

Acresce que o Oponente por sua opção gestionária optou no ano de 2015 por vender e doar bens da titularidade da devedora originária, e, de acordo com o depoimento da testemunha J..., embora sem suporte documental, por pagar dividas a fornecedores e a trabalhadores que despediu, em detrimento da divida fiscal, e se orientou verbas para outros fins, como parece tê-lo realizado, em vez de assegurar os seus compromissos fiscais, jamais conseguirá provar a sua falta de culpa como gestor.

O Oponente não tinha como ignorar as consequências inerentes a determinadas opções gestionárias, das quais se retira, uma intenção deliberada e assumida de colocar em último plano o pagamento das dívidas fiscais.

De salientar, ainda, que o mero facto de um determinado sector estar em crise, e das dificuldades que as empresas possam sentir nesses períodos, não constitui justificação para o não cumprimento das obrigações fiscais ou para a insuficiência de bens para o seu pagamento (vide neste sentido Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29/05/2007, proc. n.º 1462/06, disponível em www.dgsi.pt/).

Relevante seria que se demonstrasse que, em tal período de crise, apesar de todas as medidas tomadas, não se logrou obter os meios necessários à satisfação dos credores, incluindo a Administração Tributária.

Porém, essa prova, face à inconsistência dos depoimentos das testemunhas e inexistência de documentos, não foi feita nos autos.

Resta, pois, concluir, que a prova produzida nos autos revela-se insuficiente para demonstrar que a gerência do Oponente não motivou a insuficiência patrimonial da sociedade devedora para assegurar o pagamento das dívidas tributárias e que este adoptou todas as diligências que um gerente prudente e responsável teria adoptado nas mesmas circunstâncias para assegurar o cumprimento dessas obrigações.

Em suma, a factualidade apurada nos autos em toda a extensão considerada não permite afirmar que a insuficiência do património da sociedade executada se ficou a dever a causas externas à gestão do ora Recorrido e que este não concorreu ou não contribuiu para esse resultado.

Em face do que ficou dito procedem as conclusões da alegação da Recorrente e, em consequência, o recurso, impondo-se revogar a decisão sindicada na parte recorrida e julgar improcedente a oposição.


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3.5. O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispõe: Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O remanescente da taxa de justiça, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa, deve ser considerado na conta final, se por acaso não for determinada a dispensa do seu pagamento.

Como pondera Salvador da Costa: «A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, por um lado, a sua menor complexidade ou maior simplicidade, e, por outro, a atitude das partes na prática dos actos processuais necessários à adequada decisão da causa, isto é, margem de afirmações ou alegações de índole dilatória.

A este propósito, é necessário ter em conta que a taxa de justiça é um dos elementos essenciais do financiamento dos tribunais e do acesso ao direito e aos tribunais.

A atitude das partes com vista à dispensa ou não do remanescente da taxa de justiça deve ser apreciada à luz dos princípios da cooperação e da boa fé processual, a que se reportam os artigos 7.º, n.º 1, e 8.º da CPC.» (in As Custas Processuais, análise e comentário, 7.ª Edição, Almedina, nota 6.8. ao artigo 6.º, pág. 141).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar que justifica-se dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, se não se suscitarem questões de grande complexidade e se também o respectivo montante se mostrar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe (vide por todos Ac. do STA de 01/02/2017, proc. n.º 0891/16 e de 08/03/2017, proc. n.º 0890/16, disponíveis em www.dgsi.pt/; e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07).

Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de € 2.909.824,07, se existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes nos presentes autos.

Analisando a conduta processual das partes, verificada a tramitação dos autos constata-se que a mesma se limita ao que lhes é exigível e legalmente devido, não se destacando qualquer especial cooperação dos litigantes com o tribunal.

Quanto à complexidade da causa, o Regulamento das Custas Processuais não estabelece critérios específicos, pelo que, socorremo-nos do artigo 530.º do CPC, que dispõe considerarem-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meio de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

Tendo presente os critérios indiciários supra elencados e o circunstancialismo em que foi lavrado o acórdão, constata-se que a especialidade da causa é de molde a afastar o excesso do pagamento sobre o valor de €275.000,00.

Efectivamente, ponderando que a questão apreciada não apresenta elevada complexidade, tendo inclusivamente versado sobre matéria já amplamente tratada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa, e não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.

Assim, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.


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Conclusões/Sumário:

I. Resulta da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios, e quando estes tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, procedendo, se assim o entender, à transcrição de quaisquer excertos.

II. O depoimento de ouvir dizer é susceptível de ser valorado de acordo com os princípios gerias de liberdade de prova e de livre valoração da prova, mas tal valoração requer alguma prudência, devendo encontrar alguma sustentação noutros meios de prova, directos ou indirectos.

III. Nas dívidas enquadradas no âmbito da alínea b) do artigo 24.º da LGT, o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão sindicada na parte recorrida, e julgar improcedente a oposição.

Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda € 275.000.

Notifique.


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Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juiz Central Cível de Lisboa – Juiz 7, – proc. n.º 32658/15.0T8LSB (fls. 276 a 285 do suporte electrónico).

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Lisboa, ­­­­­­30 de Setembro de 2021.

A Juíza Desembargadora Relatora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)
(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão dos restantes integrantes da formação de julgamento, as Exmas. Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Isabel Fernandes).

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(1) Cfr. Transcrição nas alegações supra
(2) Cfr. transcrição em alegações supra
(3) A reforma da base instrutória: uma regressão, in A Reforma do Processo Civil-Contributos, Revista do Ministério Público, Cadernos II-2012, pág. 37-48.