Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:935/19.7BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:LINA COSTA
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL
NULIDADE
ERRO-OBSTÁCULO
ERRO-VÍCIO
PREÇO BASE
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
Sumário:1. O regime do erro na formação da vontade, consagrado no Código Civil (CC), é aplicável aos procedimentos administrativos em geral e aos procedimentos concursais no âmbito da contratação pública em especial;

2. Uma proposta apresentada a um concurso público encerra em si uma declaração negocial, uma declaração de vontade de um particular concorrente dirigida à Administração, inserida num procedimento concursal, sujeito a princípios e regras próprias de contratação pública, visando a prática do acto administrativo de adjudicação, para poder contratar, celebrar o correspondente negócio jurídico (v. o artigo 56º do CCP);

3. A proposta pode evidenciar erros de cálculo ou de escrita, relevados no respectivo contexto ou das circunstâncias em que é feita, dando direito à sua rectificação (v. o artigo 249º do CC) ou manifestar uma vontade que não corresponde à vontade real do concorrente, sendo anulável desde que o júri/entidade adjudicante, conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o concorrente, do elemento sobre que incidiu o erro;

4. No erro-vício ou na formação da vontade, sobre os motivos e sobre a base do negócio, previsto nos artigos 251º e 252º do CC, há coincidência entre a vontade viciada e a vontade declarada na proposta, surgindo esta como consequência de uma errónea representação da realidade;

5. O que não sucede se a proposta apresentada contém a indicação de que a Recorrida se comprometeu a executar a prestação a concurso com duas equipas para cada lote ou família, pelo preço/valor global de €39 817,44, pelo prazo de 2 anos, mas a mesma, notificada do relatório preliminar, veio alegar ter apenas ponderado para formação deste preço os valores dos encargos correspondentes à afectação de uma equipa;

6. Não é de considerar a existência do alegado erro nos motivos apenas porque o preço apresentado na proposta da Recorrida é baixo por referência ao valor base do concurso (correspondendo a menos de 50% deste preço) ou aos preços apresentados nas propostas dos outros concorrentes, excluídas, na sua maioria por excederem aquele valor base, por se tratarem de factores externos à proposta enquanto declaração e como manifestação de vontade;

7. A actual versão do artigo 71º do CCP não manteve o mecanismo de qualificação legal ou automático do preço anormalmente baixo, mesmo nos casos em que é indicado o preço base e na falta da respectiva previsão no anúncio ou em norma concursal, deixando à discricionariedade da Administração fixar ou não, o que entende por preço anormalmente baixo e, em caso afirmativo, fazê-lo de forma fundamentada, por referência a critérios, como os referentes à média de preços das propostas apresentadas no procedimento concursal em referência, ou de mercado, tidos por adequados a permitir identificar o desvio significativo do preço passível de determinar, ouvida a concorrente que apresentou a proposta com o preço anómalo, a sua exclusão do procedimento;

8. Se as propostas, validamente instruídas, dos outros concorrentes foram excluídas por apresentarem um preço contratual que excedia o preço base do procedimento, sendo admitida apenas a proposta da Recorrida com um preço contratual abaixo dos 50% do preço base, o júri/Recorrente deveria ter sido levado a considerar haver indícios que apontavam para um sério risco de incumprimento na fase de execução do contrato e desencadeado o subprocedimento, previsto no nº 3 do artigo 71º do CCP, solicitando à Recorrida esclarecimentos sobre os elementos constitutivos do preço contratual proposto, com vista a poder qualificar a proposta desta como de preço anormalmente baixo, determinante da sua exclusão ao abrigo da alínea e) do nº 2 do referido artigo 70º, ou não, caso em que será mantida a decisão de adjudicação.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Município de Sintra, devidamente identificado nos autos de acção de contencioso pré-contratual, em que em que foi demandado por I….., S.A., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 27.11.2019, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência anulou o acto de adjudicação proferido no âmbito do procedimento para aquisição de serviços de desratização e desinfestação em diversas freguesias do concelho de Sintra para 24 meses.

Na referida acção a ora Recorrida peticionou:
“A) A anulação da decisão de adjudicação, de 25 de Junho de 2019, proferida por despacho da Exma. Sra. Vereadora Ana Isabel Duarte, com subdelegação de poderes do Presidente da Câmara Municipal de Sintra no âmbito do Procedimento de Concurso Público, sem publicidade internacional, para a "Aquisição de Serviços de Desratização e Desinfestação em diversas Freguesias do Concelho de Sintra para 24 meses";
B) Ser a Entidade Demandada condenada a proferir nova decisão de apreciação das propostas, considerando inválida e/ou determinando a exclusão da proposta apresentada pela Autora e, em consequência, o proferimento de decisão de não adjudicação do procedimento, nos termos e com os fundamentos previstos na alínea b) do n.° 1 do artigo 79.° do Código dos Contratos Públicos (CCP)”.

Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
- O Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, uma vez que se absteve de pronunciar sobre a exceção dilatória inominada invocada pelo Recorrente relativa à aceitação do ato de adjudicação que veio ser impugnado pela Recorrida na presente ação, pelo facto de esta ter apresentado os documentos de habilitação necessários para efeitos de celebração do contrato público em apreço.
- A Recorrida tomou devido conhecimento da invocação desta exceção, tanto que dela se defendeu através da apresentação de Réplica, que foi aceite pelo Tribunal a quo, o que significa que este considerou, de facto, que havia sido alegado pelo Recorrente matéria de exceção que legitimava aquela pronúncia da Recorrida.
- Porém, verifica-se que o Tribunal a quo não chegou a pronunciar-se sobre a exceção invocada pelo Recorrente, seja em momento prévio à prolação de sentença, seja na própria sentença, violando o disposto no artigo 95º, nº 1 do CPTA.
- Assim sendo, uma vez que se encontra demonstrada uma verdadeira omissão de pronúncia do Tribunal a quo que aceitando a Réplica, mediante a qual a Recorrida se defende da exceção invocada pelo Recorrente, sobre ela não se pronuncia, verifica-se que a sentença é nula, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC.
- E ainda que se considere que esta questão não releva no âmbito da omissão de pronúncia, o que apenas se pondera por mero dever de patrocínio, aquela, ainda assim, seria passível de ser qualificada como erro de julgamento.
- Isto porque, se constata que, não obstante em audiência prévia e nesta ação, a Recorrida vir alegar que a proposta foi elaborada e apresentada sobre pressupostos errados no que concerne às equipas a afetar à prestação do serviço, a verdade é que tendo sido notificada da decisão de adjudicação, a mesma veio apresentar os documentos de habilitação necessários à celebração do contrato.
- Com efeito, trata-se de uma conduta que demonstra a aceitação tácita do ato de adjudicação e a intenção de celebração do contrato, o que é manifestamente incompatível com a pretensão de impugnação do ato de adjudicação que é objeto da presente ação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 56º do CPTA.
- De todo o modo, ainda que assim não se entenda, o que apenas se pondera por mera cautela de patrocínio, sempre a sentença recorrida padece de outros erros de julgamento, que se prendem com a consideração do erro na formação da vontade e ainda com o instituto do preço anormalmente baixo e, desta forma, com as causas de exclusão da proposta contidas nas alíneas e) e f) do artigo 70.º, n.º 2 do CCP.
- Assim sendo, a sentença recorrida incorre em manifesto erro de julgamento ao ter considerado que existiu, efetivamente, um erro na formação da vontade que inquinou o sentido da proposta apresentada pela Recorrida, tal como por ela foi argumentado, nos termos e para efeitos do artigo 252.º, n.º 2 do Código Civil.
10º - É que, embora a Recorrida venha defender a existência daquele erro por ter apresentado proposta tomando apenas em consideração a existência de uma equipa e dos encargos a suportar com a mesma, decorre da proposta por ela apresentada, não apenas a plena compreensão como a sua conformidade com o exigido na alínea E, do anexo B do Caderno de Encargos, no que tange à previsão de existência de duas equipas para execução de trabalhos de limpeza por cada lote.
11º - Por outro lado, sempre se diga que as peças do procedimento, mormente as normas do Caderno de Encargos, são perfeitamente claras e explícitas, não se tendo verificado, ademais, qualquer alteração das circunstâncias, que pudesse ter induzido em erro a Recorrida, pelo que não é percetível a existência de erro.
12º - Note-se que, o Tribunal a quo, não obstante a constatação de que a proposta contemplava a existência de duas equipas, concluiu, ainda assim, pela existência do erro na formação da vontade, pois que, não obstante esse facto, a Recorrida não tinha, ainda assim, refletido essa hipótese no preço proposto.
13º - Porém, verifica-se que não foi esse o erro que foi sendo alegado pela Recorrida, além de que o mesmo, assim configurado pela Tribunal a quo apenas pode ser considerado como erro de cálculo ou de escrita e não consubstanciar um erro na formação da vontade, e sendo certo que nos termos do artigo 249º do CPC, este erro apenas dará direito à retificação da declaração e não à anulação da mesma.
14º - Por outro lado, ainda que existisse um erro na formação da vontade com base na necessidade de previsão de duas equipas de limpeza por cada lote (ao invés de uma), nunca poderia esse erro ter cabimento no disposto no n.º 2 do artigo 252.º do CC, pois que, a regra aí ínsita é a da existência de um erro bilateral, e quando assim não seja, de acordo com o postulado doutrinário nesta matéria, tem de ser um erro cuja essencialidade a contraparte não podia deixar de conhecer ou reconhecer.
15º - Porém, não é possível ao recorrente conhecer ou reconhecer a essencialidade deste erro, porquanto, não se compreende que a Recorrida venha afirmar que incorreu em erro quanto ao número de equipas a constar da proposta, quando a mesma prevê expressamente, e em conformidade, a existência de duas equipas de limpeza.
16º - A Recorrida vem ainda alegar na presente ação que a sua proposta, atendendo ao baixo preço que apresenta deveria ter sido excluída pelo facto de a sua execução implicar a violação de disposições legais e regulamentares em matéria laboral.
17º - Resulta, contudo, dos contributos da doutrina e da jurisprudência nesta matéria que a alegação, por si só, da existência de uma proposta de preço baixo, não é suficiente para que se possa concluir pela causa de exclusão em apreço, já que é necessário que se verifique, que a proposta viola de forma direta e clara uma específica disposição regulamentar ou legal e que a entidade adjudicante forme a convicção de violação da mesma no âmbito da execução do contrato.
18º - No entanto, a Recorrida apenas refere, genericamente, que o preço proposto não lhe permitirá cumprir as obrigações laborais a que se encontra adstrita, o que não se revela suficiente para estes efeitos, devendo, por isso, concluir-se, pela inexistência da causa de exclusão prevista no artigo 70.º, n.º 2, alínea f) do CCP.
19º - E note-se que, não obstante o Tribunal a quo tomar em consideração estes fatores, vem concluir, ainda assim, que a alegação de que uma proposta apresenta um preço que em si não seria suficiente para cobrir as obrigações laborais, tem cabimento na verificação de anomalia tutelada pelo instituto do preço anormalmente baixo, o que não se verifica, incorrendo, assim, em erro de julgamento.
20º - De facto, o Tribunal a quo vem concluir pela existência de indícios de anomalia no preço apresentado pela Recorrida, de tal modo que impendia sobre o Recorrente a necessidade de solicitar esclarecimentos e, assim, de abrir o subprocedimento previsto no artigo 71.º, n.º 3 do CCP, o que não tendo sucedido, importou, no seu entender, a violação da lei e, assim, a anulação da decisão de adjudicação.
21º - Porém, resulta evidente do disposto nos n.ºs 1 e 2 da redação atual do artigo 71º do CCP, que consagra o instituto do preço ou custo anormalmente baixo, que a entidade adjudicante dispõe de liberdade para fixar ou não fixar previamente nas peças do concurso ou no convite um critério nesta matéria, mas também para afastar expressamente a sua aplicação, sendo apenas certo que, no caso de optar pela previsão deste instituto, fixando um dado critério, deve fundamentar essa opção.
22º - Ora, no caso concreto, verifica-se que, o Recorrente veio expressamente afastar, na cláusula 16ª do Programa do Procedimento, a previsão deste instituto e, consequentemente, a avaliação das propostas de acordo com o preço anormalmente baixo, sendo que tal era perfeitamente legítimo à luz do disposto no artigo 71º.
23º - Assim sendo, não colhe o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que aquela cláusula apenas exprime a opção pela não definição de um critério expresso nesta matéria e que, por isso, impendia sobre a Recorrente a obrigação de definir, casuisticamente, a proposta de preço ou custo anormalmente baixo, pois que, é claro que o que está em causa é antes o afastamento expresso deste critério.
24º - De todo o modo, ainda que não se previsse o afastamento expresso deste critério, e que se considerasse, por isso, que tinha havido uma omissão por parte da entidade adjudicante quanto à previsão do instituto do preço anormalmente baixo, não se poderia, ainda assim, dizer que existia uma obrigatoriedade de análise casuística das propostas pela entidade adjudicante quanto ao preço anormalmente baixo, não se exigindo, por isso, em todo o caso, o pedido de esclarecimentos.
25º - Por fim, sempre se refira que o Tribunal a quo não tinha competência para ter decidido como decidiu, no sentido da anulação do ato de adjudicação e reabertura do procedimento para pedido de esclarecimentos, pela constatação de indícios de anomalia no preço proposto, pois que, fazendo-o, substituiu-se verdadeiramente ao júri do concurso, numa tarefa que só a ele competia – averiguar a existência de um preço ou custo anormalmente baixo.
26º - Sendo certo que, in casu, o Tribunal a quo nem sequer dispunha de elementos que lhe permitissem concluir pela existência daqueles indícios e, assim, pela obrigatoriedade do pedido de esclarecimentos, já que o Recorrente afastou expressamente a aplicação deste instituto no programa de concurso e não existe atualmente um critério legal supletivo do qual o Tribunal se pudesse socorrer para essa análise.
27º - Em face do exposto, conclui-se que, a título subsidiário, o Tribunal a quo incorreu em manifestos erros de julgamento ao ter anulado a decisão de adjudicação, em ter determinado a reabertura do procedimento pelo Recorrente, violando, deste modo, o disposto nos artigos 252º, n.º 2 do CC, 70º, n.º 2, alínea e) e f), e 71.º do CCP, e ainda das cláusulas 14ª e 16ª do Programa do Concurso.”

A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: “
1ª. Ao contrário do que sustenta o Recorrente, a douta sentença recorrida não merece reparo ou censura.
2ª. Carece de fundamento a invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
3ª. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões relevantes para boa decisão da causa, resolvendo-as, ainda que a descontento do Recorrente.
4ª. Mesmo que a Recorrida, ad cautelam, se tenha pronunciado, na réplica, sobre o alegado pelo Recorrente nos artigos 29.° a 37.° da sua contestação, tal não significa que o Tribunal a quo estivesse vinculado à qualificação de tal matéria como sendo matéria de exceção que carecesse de ser apreciada, por não ter relevo para a decisão de mérito.
5ª. Só nas alegações de recurso é que o Recorrente vem suscitar de forma clara e separada a questão da pretensa aceitação tácita do ato de impugnado pela Recorrida, a qual, como se advogou na réplica, não tem qualquer fundamento.
6ª. O facto de a Recorrida ter apresentado os documentos de habilitação, demonstrando a sua capacidade para participar no procedimento, não representa qualquer aceitação tácita do ato de adjudicação impugnado.
7ª. A Recorrida requereu, desde logo, em audiência prévia, que a sua proposta não fosse considerada ou fosse excluída, com base em erro na formação da vontade (erro na formulação do preço) e na insuficiência do preço para fazer face aos encargos com pessoal obrigatórios na fase de execução do contrato.
8ª No mesmo dia em que apresentou, sob reserva, os documentos de habilitação que lhe foram solicitados, a Recorrida impugnou administrativamente o ato de adjudicação, requerendo a sua anulação pelo Recorrente.
9ª É, pois, completamente infundado o argumento de que a Recorrida aceitou o ato de adjudicação, a qual, ao contrário do que alegou o Recorrente, não tinha de procurar qualquer pretensa "caducidade" do ato de adjudicação por falta de apresentação de documentos de habilitação, mas sim de requerer, como requereu, a anulação do ato de adjudicação (primeiro, por via administrativa e depois, face ao insucesso, por via contenciosa, na presente ação).
10ª. A Recorrida, como comprovou, estava habilitada a participar no procedimento em apreço, pelo que, não obstante ter utilizado os meios graciosos e contenciosos de impugnação ao seu dispor, não deixou, prudentemente, de apresentar os documentos de habilitação, o que fez apenas com o objetivo de não lhe ser imputada a comissão de um ilícito contraordenacional muito grave, previsto no artigo 456.°, alínea b) do CCP;
11ª. Tal não corresponde, como é evidente, a qualquer aceitação do ato sucessivamente impugnado, muito menos a uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas.
12ª. Não foi, assim, praticado pela Recorrida qualquer ato impeditivo da garantia constitucional correspondente ao direito de ação de impugnação contenciosa exercido por via da presente ação.
13ª. No que concerne ao pretenso erro de julgamento, também não assiste qualquer razão ao Recorrente.
14ª. Lamenta-se que o Recorrente insista na adjudicação sem qualquer fundamento da proposta da Recorrida, procurando forçar a celebração de um contrato com um preço viciado por erro e que, tal como resulta do probatório da decisão recorrida, evidencia ser anormalmente baixo e insuficiente para fazer face, desde logo, aos encargos com pessoal a suportar na fase de execução.
15ª. Como muito bem se salientou na fundamentação de direito da douta decisão sob recurso, são várias as evidências de que a Recorrida incorreu efetivamente em erro, tendo apresentado um preço anormalmente baixo para a execução do contrato em causa.
16ª. O Recorrente andou mal ao desconsiderar infundadamente, não apenas a relevância do próprio preço para aferir se houve erro da Recorrida na representação da realidade na formação da vontade negocial, como o próprio instituto do preço anormalmente baixo.
17a. Para além de o preço proposto pela Recorrida ser significativamente inferior a metade do preço base, outros concorrentes apresentaram propostas consideravelmente acima daquele preço ou nota justificativa de não apresentação de proposta, alegando que os custos a incorrer eram claramente superiores ao preço base.
18ª. Considerando os elementos previstos no Caderno de Encargos (número de equipas por cada lote, para 24 meses), se se atendesse apenas à remuneração mínima mensal garantia para 2019 (no montante de €600,00), ao proporcional do subsídio de férias e do subsídio de natal (no valor de €49,98), cada um, e ao montante devido de contribuição enquanto empregadora para a Segurança Social (23,75%), no valor de €216,70, o total que a Recorrida teria de suportar corresponderia a €87.999,36, sem considerar outras remunerações ou prestações que fossem devidas a título incidental.
19ª. O valor da proposta da Autora, ora Recorrida não é claramente suficiente para fazer face às vinculações legais, conforme demonstração financeira que aquela apresentou em sede de audiência prévia.
20ª. Conjugadas todas estas circunstâncias e a própria invocação feita pela Recorrida, é forçoso considerar que existe efetivamente uma anomalia no preço constante da respetiva proposta, a qual ilustra o erro invocado.
21ª. Ao contrário do que aduz o Recorrente, este não estava dispensado de apreciar a existência de vício na formação da vontade, sendo que se impunha dever de aferir se a proposta enfermava do erro invocado, solicitando esclarecimentos e formulando um juízo sobre a anomalia - cfr. artigo 71.°, n.° 3 do CCP.
22ª. Ao abster-se de determinar e aferir a existência de anomalia no preço proposto pela Recorrida, o Recorrente não deu aplicação aos princípios da legalidade, da prossecução, do interesse público, da imparcialidade e da proporcionalidade, previstos nos artigos 1.°-A, n.° 1 e n.° 2 do CCP.
23ª. As entidades adjudicantes devem assegurar, desde logo, na fase de formação do contrato, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em matéria social, laboral e ambiental, podendo socorrer-se, para tanto, desde logo, do instituto do preço anormalmente baixo.
24ª. Ao contrário do que sustenta o Recorrente, o facto de este se ter abstido de fixar no programa do procedimento qualquer critério que permitisse qualificar um preço como anormalmente baixo não significa, obviamente, que a aplicação de tal instituto se possa considerar afastada ou dispensada.
25ª. Tal instituto, ao contrário do que pretende o Recorrente, não é suscetível de "afastamento", justamente por assentar nos princípios basilares acima referidos.
26ª. Na falta de indicação expressa de um critério pela entidade adjudicante - admissível pelo disposto no artigo 71.°, n.° 1 do CCP - é forçoso considerar que esse critério será casuístico e em função de elementos próprios do concurso.
27ª. Uma das "linhas de força" da revisão operada ao CCP por via do Decreto-Lei n.° 111 -B/2017, de 31 de agosto, em matéria de identificação de propostas de preço anormalmente baixo, constitui precisamente a preservação do sistema de identificação casuística de uma proposta de preço anormalmente baixo, acompanhada da necessária fundamentação - cfr. artigo 71.°, n.° 3, do CCP.
28ª. Bem andou o Tribunal recorrido ao considerar que a proposta da Recorrente pode implicar a violação de vinculações mínimas legais na fase de execução do contrato ou enquadrar-se no instituto do preço anormalmente baixo.
29ª. Constitui causa de exclusão de uma proposta a apresentação de um preço anormalmente baixo se decorrer das justificações apresentadas que esse preço se explica pelo não cumprimento das obrigações laborais, sociais e ambientais relevantes - cfr. artigos 71.°, números 1 e 2 do CCP conjugados com o disposto nos artigos 1 .°-A, n.° 1 e 2 e no artigo 70.°, n.° 2, alíneas e) e f) do mesmo Código.
30ª. Ao contrário do que sustenta o Recorrente, é errada a afirmação de que o Tribunal a quo se "substitui ao júri do concurso", pois que foi determinada a retoma do procedimento para dar cumprimento às disposições legais violadas ou desconsideradas pela Entidade Demandada.”

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida padece:

i) De nulidade por omissão de pronúncia;

ii) De erros de julgamento quanto à não aceitação tácita do acto de adjudicação, à existência de erro na formação da vontade, ao instituto do preço anormalmente baixo e às causas de exclusão da proposta, contidas nas alíneas e) e f) do nº 2 do artigo 70º do CCP.

A sentença recorrida, tendo em conta a prova documental produzida, considerou provados os seguintes factos:

A) Em 08.04.2019, foi publicado em diário da república o anúncio do procedimento n.º 3598/2019, pelo Município de Sintra, para a aquisição de serviços de desratização e desratização em diversas freguesias do concelho de Sintra para 24 meses, pelo valor base de €90.000,00 (cf. anúncio, junto com o processo instrutor, incorporado no SITAF sob o registo n.º 006084262, p. 70/72);

B) No programa do concurso referido na al. A), consta na cláusula 16.ª, o seguinte:
«(…)

Cláusula 16ª
Preço anormalmente baixo
Não aplicável a este procedimento.
(…)»
(cf. programa do procedimento, processo instrutor, SITAF n.º 006084262, p. 88/101);

C) No caderno de encargos do mesmo procedimento, vem referido, nomeadamente, o seguinte:
«(…)

Cláusula 10ª
Preço Base
1 - 0 preço base do presente procedimento é de 90.000,00€ + Iva, distribuído pelos seguintes lotes:
Ø Família 1- Área de Intervenção na UF de Almargem do Bispo, Pero Pinheiro e Montelavar, UF São João das Lampas e Terrugem, ÜF Santa Maria e São Miguel, São Martinho e São Pedro de Penaferrim, Freguesia de Algueírâo-Mem Martins e Freguesia de Colares
      2019
    2020
    2021
    Total
    13.671.00€
    22.050,00€
    8.379.00€
    44.100,00€
O valor residual do ano de 2019, transita para o ano seguinte (2020) bem como o valor residual do ano de 2020, transita para o ano seguinte (2021)
Ø Família 2 - Área de intervenção na UF Queluz/Belas, UF Massamá/Monte Abraão, UF Agualva/Mira Sintra, UF Cacém/S.Marcos, Freguesia de Rio de Mouro, Freguesia de Casal de Cambra
    2019
    2020
    2021
    Total
    14.688.00€
    22.950,00€
    8.262.00€
    45.900,00€
2 - 0 preço base é o preço máximo que a Câmara Municipal de Sintra se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o seu objecto.
(…)”
(cf. caderno de encargos, processo instrutor, SITAF n.º 006084262, p. 102/125);

D) Consta ainda do Anexo B do caderno de encargos, o seguinte:
«(…)

Anexo B
Características técnicas
(…)
E – Pessoal e Meios
O Adjudicatário deverá dispor para a execução do serviço os seguintes meios:
1. Um Diretor Técnico diplomado (Química, Biologia, Ciências Agrárias), responsável pela coordenação do serviço, que estará disponível sempre que contactado pela Câmara Municipal de Sintra;
2. O número de equipas necessárias em cada momento e de acordo com o planeamento mensal a realizar com a CMS, na última semana do mês que antecede o início dos trabalhos ou, no máximo com 5 dias uteis após a comunicação de que o procedimento está concluído. A Camara Municipal de Sintra prevê com a quantidade de dias de trabalho constantes nas medições, ter a disponibilidade de uma equipa de trabalho a operar em alternância semanal em cada Lote, de Novembro a Março (época de Inverno) e, duas equipas autónomas a operar em cada um dos Lotes mencionados. As equipas referidas devem ser no mínimo duas para cada lote, uma destinada a efetuar trabalhos à superfície e outra para os trabalhos em coletores de águas residuais domésticas e pluviais, alem dos trabalhos à superfície, prevendo-se a realização total de 322 dias de intervenção até ao finai do ano (Família 1 com 161 dias e Família 2 com 161 dias).
(…)»
(cf. caderno de encargos, processo instrutor, SITAF n.º 006084262, p. 102/125);

E) A Autora apresentou proposta no procedimento referido na al. A) que antecede, em 12.04.2019, onde se pode ler, nomeadamente, o seguinte:
«(…)
A I….. cumprirá com a quantidade de dias de trabalho constantes nas medições, tendo a disponibilidade de uma equipa de trabalho a operar em alternância semanal em cada Lote, de Novembro a Março (época de Inverno) e, duas equipas autónomas a operar em cada um dos Lotes mencionados. As equipas referidas devem ser no mínimo duas para cada lote, uma destinada a efetuar trabalhos à superfície e outra para os trabalhos em coletores de águas residuais domésticas e pluviais, alem dos trabalhos à superfície, prevendo-se a realização total de 322 dias de intervenção até ao final do ano (Família 1 com 161 dias e Família 2 com 161 dias).
(…)»
(cf. proposta apresentada pela autora no procedimento, SITAF n.º 006092283, em especial, p. 21);

F) A Autora apresentou como preço da sua proposta o valor global de €39.817,44 (trinta e nove mil oitocentos e dezassete euros e quarenta e quatro cêntimos), sem IVA, pelo prazo de 2 anos (cf. proposta apresentada pela autora no procedimento, SITAF n.º 006092283, em especial, p. 24);

G) Apresentaram ainda propostas no mesmo procedimento, as empresas C….., Lda., D….., Lda., L….., Lda. e S….., Lda. (cf. relatório preliminar do procedimento, junto como doc. 1 com a petição inicial, SITAF n.º 006082354, p. 1/3);

H) No procedimento, a concorrente C….., Lda. apresentou declaração justificativa de não apresentação de proposta, onde referiu o seguinte:
«(…)
Na cláusula 109 do Caderno de Encargos - Preço Base, indica o preço base da prestação de serviços de EUR. 90.000,00 não incluindo IVA, distribuído por dois lotes: Família 1 e Família 2, com os respetivos valores base de EUR. 44.100,00 e EUR. 45.900,00.

Tendo presente as exigências do Anexo B - Características Técnicas no ponto "E. Pessoal e Meios", em que refere o número de equipas necessárias em cada momento, está previsto ter disponibilidade de uma equipa de trabalho a operar em alternância semanal em cada lote, de Novembro a Março (época de Inverno) e, duas equipas autónomas a operar em cada um dos Lotes mencionados, sendo que as equipas referidas devem ser no mínimo duas para cada lote, uma destinada a efetuar trabalhos à superfície e outra para os trabalhos em coletores de águas residuais domésticas e pluviais, além dos trabalhos à superfície, prevendo-se a realização total de 322 dias de intervenção até ao final do ano (Família 1 com 161 dias e Família 2 com 161 dias), ressalta-nos que o valor base e o valor expectável para a nossa empresa concretizar o serviço, são significativamente diferentes sendo o último bastante superior que o primeiro.

Denote-se a seguinte distribuição de custos para os 24 meses de contrato:
    Rúbrica
    Material/Quantidades
    Custo Total
    Recursos Humanos
    Equipas Operacionais
    84.000,00€
    Material
    Estações/Detetores/Produto
    7.000,00€
    Deslocações/carros
    Renting/Km
    13.700,00€
    Serviços Administrativos
    40 400Horas
    5.000,00€
    Custos Fixos partilhados
    N/A N/A
    2.000,00€
    Custo Total Anual
            111.700,00€
Conclusão

Não podemos apresentar proposta para este concurso dado o preço base se inferior aos custos.
(…)»
(cf. declaração junta ao relatório preliminar do procedimento, SITAF n.º 006082354, p. 5);

I) O júri deliberou no relatório preliminar excluir todos os restantes concorrentes, excepto a Autora (cf. relatório preliminar do procedimento, junto como doc. 1 com a petição inicial, SITAF n.º 006082354, p. 1/3);

J) A concorrente D….., Lda., foi excluída com base no seguinte fundamento:
«(…)
(…) no documento apresentado como proposta n°. ….., de 15/04/2019, a fls 3 menciona conforme se transcreve “ ...o preço total da proposta para os serviços pretendidos é de 87.180,00€ (Oitenta e Sete Mil e Cento e Oitenta Euros), pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, bem como apresenta também no mapa articulado da consulta o mesmo valor".
Ora, os preços apresentados pelo concorrente e conforme explicitado anteriormente são para 12 meses. O valor apresentado pelo concorrente terá que ser multiplicado por dois, para perfazer 24 meses, prazo de execução total do objecto do contrato, excedendo assim a proposta, o preço base fixado no caderno de encargos, motivo de exclusão nos termos do art°.146 n°.2 alínea o) conjugado com o art°. 70 n°.2 alínea d) do CCP bem como da cláusula 15a n°.2 do programa do procedimento.
(…)»
(cf. relatório preliminar do procedimento, junto como doc. 1 com a petição inicial, SITAF n.º 006082354, p. 1/3);

K) A concorrente S….., Lda., foi excluída por não ter apresentado documentos da proposta (cf. relatório preliminar do procedimento, junto como doc. 1 com a petição inicial, SITAF n.º 006082354, p. 1/3);

L) A concorrente L….., Lda., foi excluída «dado que o preço contratual seria superior ao preço base» (cf. relatório preliminar do procedimento, junto como doc. 1 com a petição inicial, SITAF n.º 006082354, p. 1/3);

M) Notificada do Relatório Preliminar, a Autora pronunciou-se, onde sustentou que incorreu em erro na formação da vontade, alegando não ter percebido que o caderno de encargos exigia duas equipas para cada lote e que esse facto fará duplicar os seus custos, pelo que a sua proposta deve ser desconsiderada por erro ou, caso assim não se entendesse, por se mostrar violadora de disposições legais laborais enquanto empregadora na fase de execução dos contratos (cf. requerimento junto como doc. 2 da petição inicial, SITAF n.º 006082354, p. 7/9);

N) Com a exposição que remeteu ao júri do procedimento, a Autora remeteu ainda a seguinte nota justificativa:
«(…)
    Categoria profissional: Técnico de Pest Control Vencimento base
    100%
    600,00 €
    Isenção do Horário de Trabalho
    25%
    150,00 €
    Sub Férias
    8,33%
    49,98 €
    Sub Natal
    8,33%
    49,98 €
    Subst Férias
    10,41%
    62,46 €
    Segurança Social
    23,75%
    216.70 €
    Medicina Trabalho
    0,50%
    3,75 €
    Seg Acid. Trabalho
    1.90%
    14,25 €
    Seg Resp Civ
    0,25%
    1,88 €
    Custos Total Pessoal
        1 148,99
    Subsidio de refeição/dia
    6,45
    135,45 €
    Valor Mensal de 1 Técnico
          1 284,44 €
    Valor Total de 1 Técnico de Novembro a Marco
          6 422.22 €
    Valor Total de 4 Técnicos de Abril a Outubro
          35 964.45 €
    Valor Total/Ano de Técnicos
          42 386.68 €
    Valor Mensal de Equipamentos e Produtos
          1 650.00 €
Valor Global Anual 62 186.68 €

Valor Global 24 Meses 124 373,35 €
(cf. nota justificativa junta como doc. 2 da petição inicia, SITAF n.º 006082354, p. 7/9);

O) O júri apreciou a exposição da concorrente I….., SA., aqui Autora, tendo, em resumo, considerado não aceitar que houve um erro na formulação da proposta, bem como que «não sabe, nem tem obrigação de saber, a proveniência dos recursos financeiros para pagamento dos recursos humanos e equipamento» e, em consequência, manteve a proposta de adjudicação à Autora (cf. relatório final, junto como doc. 3 da petição inicial; registo SITAF n.º 006082354, p. 11/14);

P) O Júri deliberou ainda no relatório final, sobre o erro na formulação da proposta, o seguinte:
«(…)
Apreciadas as alegações do concorrente, o júri analisou novamente a sua proposta com a referência …..CMSintra, tendo constatado que na pág. 20 do referido documento refere ¯A I….. cumprirá com a quantidade de dias de trabalho constantes nas medições, tendo a disponibilidade de uma equipa de trabalho a operar em alternância semanas em cada Lote, de Novembro a Março (época de Inverno) e, duas equipas autónomas a operar em cada um dos Lotes mencionados. As equipas referidas devem ser no mínimo duas para cada lote, uma destinada a efetuar trabalhos à superfície e outra para os trabalhos em coletores de águas residuais domésticas e pluviais, alem dos trabalhos à superfície, prevendo-se a realização total de 322 dias de intervenção até ao final do ano (Família 1 com 161 dias e Família 2 com 161 dias)”.
E na pág, 23 do mesmo documento o concorrente refere ainda que O valor global da proposta é de 39.817,44€ (Trinta e nove mil oitocentos e dezassete euros e quarenta e quatro cêntimos) valor sem IVA. Prazo de 2 anos.
Pelo exposto, o júri conclui que a concorrente ao elaborar a proposta tinha como pressuposto o constante do caderno de encargos nomeadamente no anexo B - Características técnicas ponto E n°.2, que se transcreve (…) cumprindo assim na integra o caderno de encargos, pelo que existe incongruência entre a proposta e a alegação apresentada do concorrente ao mencionar que apenas considerou uma equipa para cada lote, leia-se família, pelo que o júri não aceita a sua justificação. Além de que entregou o anexo I que em que se obriga a executar o contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos.
O concorrente alega nos pontos 5 a 11 não ter justificação objectiva para o preço proposto dado que, a sua apresentação ficou a dever-se a clamoroso erro na formulação da proposta de preço, apresentando para o efeito justificação do custo com a afectação de meios humanos e equipamentos, não podendo alterar a sua proposta por força do princípio da imutabilidade das propostas, padecendo o preço de vicio na formação da vontade negocial, solicitando sem efeito a proposta apresentada.
O júri esclarece que o preço é um atributo da proposta com o qual o concorrente se dispõe a contratar, sendo que na pág. 23 da proposta apresentada, o concorrente refere: ¯O valor global da proposta é de 39.817,44€ (Trinta e nove mil oitocentos a dezassete auras e quarenta e quatro cêntimos) valor sem IVA Prazo de 2 pelo que conforme explicitado anteriormente, não aceita a justificação do concorrente ao mencionar que houve um erro na formulação da proposta do preço.
(…)»
(cf. relatório final, junto como doc. 3 da petição inicial; registo SITAF n.º 006082354, p. 11/14);

Q) Em 25.06.2019, foi proferida decisão de adjudicação no procedimento referido anteriormente à proposta apresentada pela Autora, pelo valor de €38.817,44 (cf. decisão junta como doc. 4 da petição inicial; registo SITAF n.º 006082354, p. 15).

*
Motivação
A motivação do tribunal quanto aos factos provados assenta na prova documental constante dos autos, tendo em conta o teor dos documentos indicados em cada um dos pontos do probatório e tendo presente a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados.”

Considerada a factualidade assente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso.

i) Da nulidade por omissão de pronúncia:

Alega o Recorrente que o juiz a quo não se pronunciou nem antes da prolação da sentença nem nesta, sobre a excepção dilatória inominada relativa à aceitação do acto de adjudicação, impugnado na presente acção, pelo facto de a Recorrida ter apresentado os documentos de habilitação necessários para efeitos de celebração do contrato público em apreço, invocada por si e contraditada na réplica.

Contrapõe a Recorrida que o tribunal recorrido pronunciou-se sobre todas as questões relevantes para boa decisão da causa e que ainda que, à cautela, tenha apresentado réplica, tal não significa que o juiz a quo estivesse vinculado à qualificação de tal matéria como sendo matéria de excepção que carecesse de ser apreciada, por não ter relevo para a decisão de mérito, sendo que só nas alegações de recurso é que vem suscitada de forma clara e separada a questão da pretensa aceitação tácita do acto de impugnado, a qual, como também aí advogou, não tem qualquer fundamento.

O juiz a quo, no despacho sobre a admissibilidade do recurso, não reconheceu razão ao Recorrente na questão da invocada nulidade, porquanto a matéria suscitada na contestação configura apenas impugnação dos factos alegados no articulado inicial e não invocação da excepção dilatória inominada de (i)legitimidade e de falta de interesse em agir, pelo que não se trata de questão que se impusesse ao tribunal conhecer e decidir, nos termos do artigo 608º, nº 2 do CPC, ex vi artigo 1º, bem como no artigo 94º, ambos do CPTA.

Apreciando.

A nulidade por omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal não se pronuncia, em absoluto, sobre questões - matérias respeitantes ao/s pedido/s, à/s causa/s de pedir e à/s excepção/ões invocadas - que devesse apreciar/conhecer, quer sejam de conhecimento oficioso quer sejam colocadas à apreciação/decisão do tribunal pelos sujeitos processuais, sem que a sua decisão se encontre prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. alínea d) do nº 1 do artigo 615º e nº 2 do artigo 608º, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).
Não ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal não se pronuncia sobre cada um dos motivos, argumentos, opiniões, razões, invocados pelas partes em defesa da respectiva pretensão (v. sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.10.2018, no proc. nº 01096/11.5BELRA 0677/17 in www.dgsi.pt).

Assim, impõe-se determinar se a referida excepção foi invocada pelo Recorrente no seu articulado, como questão prévia ou autónoma da principal, e se o juiz a quo estava obrigado a conhecê-la.

Na contestação o ora Recorrente, nos artigos 29º a 37º, refere que: “(…) notificada da decisão de adjudicação em 26 de junho, em 02 de julho de 2019 veio a Autora apresentar todos os documentos de habilitação exigidos pela Ré, (…) // Razão pela qual foi notificada para a assinatura do contrato agendada (…) // Pelo que se estranha, que após a apresentação dos mesmos, tenha vindo por em causa o ato de adjudicação e recusado a assinar o respetivo contrato. // Como a Autora bem sabe, (…), com a apresentação dos documentos de habilitação, veio demonstrar perante a Ré, que se encontrava plenamente habilitada a executar a proposta que lhe foi adjudicada. // Bem como que possui a idoneidade necessária para outorgar um contrato público, … // Sendo certo que se não o tivesse feito, a adjudicação caducaria, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º do CCP. // Já que o incumprimento da obrigação de apresentar documentos de habilitação afeta a subsistência do ato de adjudicação, obstando mesmo à celebração do contrato. // Pelo que, mais uma vez se estranha, que se a celebração do contrato não constituísse a intenção da Autora, por que razão deu cumprimento às formalidades subsequentes à notificação da decisão de adjudicação. // As quais se destinavam a consolidar a sua vontade de contratar com o Município de Sintra”, e termina, requerendo que a acção seja julgada improcedente.
Na réplica, a aqui Recorrida considerou o alegado na contestação, ainda que não de forma individualizada, matéria de excepção impeditiva, de aceitação do acto de adjudicação por si, pelo que veio exercer o direito ao respectivo contraditório, impugnado por constituir uma deturpação da realidade por ter apresentado os documentos de habilitação sob reserva e, na mesma data, ter impugnado administrativamente o acto de adjudicação, recurso que veio a ser julgado improcedente pelo Recorrido pelo que instaurou a presente acção, acrescentando que cumpriu o ónus de apresentação [daqueles] documentos apenas com o objectivo de não cometer um ilícito contra-ordenacional muito grave, o previsto e punível nos termos do disposto no artigo 456º, alínea b) do CCP.
No relatório da sentença recorrida consta que: “(…) a entidade demandada apresentou contestação onde se defendeu por impugnação e sustentou que não subsistem fundamentos para a exclusão da proposta da autora. // (…) // Por outro lado, alega que a Autora poderia não ter apresentado os documentos de habilitação o que faria caducar a adjudicação. // Concluiu que os vícios assacados ao acto de adjudicação não se verificam, devendo a acção ser julgada improcedente”.

A saber, atendendo à forma como o Recorrente se defendeu na contestação apresentada [começando por esclarecer que a petição inicial se limita a repetir os argumentos aduzidos na impugnação administrativa da decisão de adjudicação, a qual foi considerada improcedente], o juiz a quo entendeu a argumentação expendida a propósito da apresentação dos documentos de habilitação como ainda fazendo parte da defesa por impugnação – em suma, contrapôs ao alegado na petição inicial que não se verifica erro na formação da vontade, nem violação de vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, a decisão de adjudicação é legal, válida e poderia ter caducado se aquela não tivesse apresentado os documentos de habilitação.
Com efeito, da leitura da contestação é possível extrair que o Recorrente apenas não percebe [“estranha”] porque é que a Recorrida apresentou os documentos de habilitação se continuava a querer, mesmo depois do acto de adjudicação, que a sua proposta tivesse sido excluída do procedimento, sabendo que bastaria que o não tivesse feito para que o acto de adjudicação caducasse. E estranha que, após a apresentação dos documentos de habilitação e de ser notificada para celebrar o contrato, a Recorrida tenha vindo impugnar o acto de adjudicação sem, no entanto, extrair que esta estaria impediria de o fazer nos termos do artigo 56º do CPTA. E, por não ter, efectivamente, a intenção de suscitar uma questão prévia que obstasse ao conhecimento do mérito da acção, é que, no final da contestação, apenas pede a improcedência da acção, por não provada.
Só em sede de recurso é que o Recorrente vem identificar o alegado na contestação como excepção inominada de aceitação do acto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 56º do CPTA, concluindo que a apresentação dos documentos de habilitação, na sequência do acto de adjudicação, configura uma conduta de aceitação tácita deste acto, não permitindo à Recorrida impugná-lo judicialmente.
Donde, consistindo o alegado na contestação apenas mais um argumento, uma razão em que assentou a sua defesa por impugnação, não assiste razão ao Recorrente.
Até porque o juiz a quo decidiu anular o acto de adjudicação e determinar a retoma do procedimento concursal para que o Recorrente inicie o subprocedimento de justificação da anomalia do preço proposto, o que, tendo em conta que relevou esta questão de apresentação dos documentos de habilitação para efeitos da caducidade do acto de adjudicação, o levaria a considerar a sua apreciação prejudicada pela solução encontrada.

Em face do que não se verifica a suscitada nulidade da sentença recorrida.

ii) Dos erros de julgamento da sentença recorrida:

a) Alega o Recorrente que o tribunal recorrido deveria ter considerado que a apresentação dos documentos de habilitação configura uma conduta que demonstra a aceitação tácita do acto de adjudicação e a intenção de celebração do contrato, o que é manifestamente incompatível com a pretensão de impugnação, objecto da presente acção, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 56º do CPTA.

Apesar de a questão agora referida não ter sido colocada nestes precisos termos ao Tribunal recorrido que, também por isso [para além do já expendido a propósito da apreciação da invocada nulidade], não se pronunciou sobre a mesma, entendemos ser de referir que de acordo com o disposto no nº 2 deste artigo 56º a aceitação tácita implica a prática espontânea e sem reserva de facto que não seja compatível com a vontade de impugnar.
Ora, considerando que é o próprio Recorrente que, na contestação, admite expressamente que a Recorrida impugnou administrativamente o acto de adjudicação, nos exactos termos que vem alegar [“repetir”] na presente acção, mantendo que a sua proposta devia ter sido excluída e decidida a não adjudicação do procedimento, dificilmente o tribunal recorrido, dando por confessado esse facto, teria considerado que a apresentação dos documentos de habilitação foi efectuada sem reserva do direito de impugnar judicialmente o acto de adjudicação.
Considerando, ainda, que a não apresentação dos documentos de habilitação não implica a caducidade automática do acto de adjudicação e configura uma contra-ordenação muito grave, prevista e punível com coima de €7 500,00 a €44 800,00, tratando-se, como se verifica no caso em apreciação, de pessoa colectiva [v. o disposto nos nºs 2 a 4 do artigo 86º e a alínea b) do artigo 456º, ambos do CCP], a conduta de apresentação dos documentos de habilitação não seria ou deveria ser entendida, apenas com base no alegado pelo Recorrente na contestação, como necessariamente incompatível com a vontade de impugnar.
Face ao que não assiste razão ao Recorrente.

b) Entende o Recorrente que a sentença recorrida incorre em manifesto erro de julgamento ao ter considerado que existiu, efectivamente, um erro na formação da vontade que inquinou o sentido da proposta apresentada pela Recorrida, nos termos e para efeitos do nº 2 artigo 252º do CC, porquanto: decorre da mesma proposta não apenas a plena compreensão como a sua conformidade com o exigido na alínea E, do anexo B do Caderno de Encargos, no que tange à previsão de existência de duas equipas para execução de trabalhos de limpeza por cada lote; as peças do procedimento, mormente as normas do Caderno de Encargos, são perfeitamente claras e explícitas, não se tendo verificado, ademais, qualquer alteração das circunstâncias, que pudesse ter induzido em erro a Recorrida; o erro reconhecido pelo tribunal apenas pode ser considerado como erro de cálculo ou de escrita e, nos termos do artigo 249º do CC, apenas dará direito à rectificação da declaração e não à anulação da mesma; ainda que existisse um erro na formação da vontade com base na necessidade de previsão de duas equipas de limpeza por cada lote (ao invés de uma), nunca poderia esse erro ter cabimento no disposto no nº 2 do artigo 252º do CC, pois que, a regra aí ínsita é a da existência de um erro bilateral, e quando assim não seja, de acordo com o postulado doutrinário nesta matéria, tem de ser um erro cuja essencialidade a contraparte não podia deixar de conhecer ou reconhecer, o que não se verifica.

A Recorrida invocou ter incorrido em erro na formulação do preço que fez constar da sua proposta, não tendo tomado correctamente em consideração o valor do custo a suportar com o pessoal e meios a afectar à execução do serviço, de acordo com a Alínea E do Anexo B do Caderno de Encargo (CE), tendo indicado o preço correspondente apenas ao custo de uma equipa para cada lote ou família, em vez das duas aí referidas, o que, configura um erro subjectivo ou relativo à formação da sua vontade negocial (cfr. artigo 252º, nº 2 do CC), que a levou a apresentar uma proposta de valor baixo que nunca apresentaria se tivesse considerado todos os encargos a suportar com a prestação ao concurso, conforme procurou evidenciar na nota justificativa do preço apresentada em sede de audiência prévia, e deveria ter determinado a exclusão da sua proposta, com fundamento no disposto das disposições conjugadas nos artigos 70º, nº 2, alínea f) e 1º-A, nº 2 do CCP, uma vez que, por o preço proposto não ser suficiente para fazer face aos seus encargos com os trabalhadores, a adjudicação da sua proposta iria implicar a violação de disposições legais e regulamentares aplicáveis na fase da execução do contrato e, tendo sido praticado acto de adjudicação à sua proposta o mesmo padece de vício de violação de lei, por ter desconsiderado o regime do erro previsto no CC.

O juiz a quo expendeu as razões de direito para considerar aplicável o regime do erro na formação da vontade aos procedimentos administrativos em geral e aos procedimentos concursais no âmbito da contratação pública em especial - que, por não terem sido objecto de recurso e com as mesmas concordarmos, aqui se dão por reproduzidas -, concluindo, por referência ao caso concreto em apreciação – que sumariou nos seguintes termos: como preço base do concurso foi indicado o valor de €90 000,00; o preço da proposta da A. é de €39 817,44 com indicação expressa da formação de duas equipas; uma empresa concorrente apresentou nota justificativa de não apresentação de proposta por os custos em que iria incorrer serem de valor superior ao do preço base do procedimento; outras duas concorrentes foram excluídas por apresentarem um preço superior ao preço base; notificada do relatório preliminar, a A. veio, em audiência prévia, justificar que o preço apresentado não seria suficiente para fazer face às vinculações legais; no relatório final o júri desconsiderou a alegação de erro na formulação da proposta, por a mesma se ter comprometido a formar duas equipas por lote pelo preço indicado -, que:
“(…) Face à materialidade provada e que resultava do procedimento, se por um lado subsiste efectivamente na proposta da Autora a indicação expressa da formação de duas equipas (cf. al. E), do probatório), a verdade é que o preço que apresentou surge no procedimento em montante substancialmente inferior ao preço base e aos preços apresentados pelos restantes concorrentes. E, se assim era, o preço apresentado pela Autora não poderia ser desconsiderado, sem mais, como elemento susceptível de indiciar irregularidades ou anomalias na proposta, mormente, por erro na formação da vontade negocial.
(…)
Aqui chegados e regressando ao caso que agora nos ocupa, se o regime do erro na formação da vontade é genericamente aplicável aos procedimentos da contratação pública, a administração tinha na sua esfera indícios que exigiam a formulação de esclarecimentos para, nomeadamente, aferir a regularidade da proposta da Autora ou apurar a anomalia indiciada. Esta é uma actividade vinculada da administração.
Sendo o regime do erro aplicável, perante um preço tão díspar dos restantes apresentados e perante elementos exógenos à proposta da Autora, impunha-se à Demandada desde logo aferir se a proposta enfermava de algum vício determinante da sua irregularidade e possível exclusão, respeitando os princípios inerentes à contratação pública. O erro na formação da vontade não poderia ser desde logo excluído ou afastado sem se atender ao fundamento do preço anormalmente baixo, pois tendo relevância e podendo ser determinante, a Demandada deveria ter agido em conformidade, solicitando esclarecimentos e formulando um juízo sobre a anomalia (cf. artigo 71.º, n.º 3, do CCP).
Não o tendo feito, ou seja, não tendo solicitado os esclarecimentos devidos e que se impunham e ainda em sede de audiência prévia ter desconsiderado a defesa da Autora, sem, novamente, atender ao factor preço para indagar a admissibilidade de exclusão da proposta por erro na formação da vontade, e sendo essa uma actividade vinculada, o acto é anulável. Note-se que a apresentação de um preço em valor consideravelmente inferior aos restantes e ao preço base, em termos que serão adiante aprofundados, é um indício suficiente da omissão de elementos integradores da boa execução contratual, seja por erro na formação da vontade, seja por simples omissão de aspectos não submetidos à concorrência e que se impunha à administração indagar e fazer cumprir.
Como referido por PAULO OTERO supra, o pedido de esclarecimentos sobre as propostas apresentadas surge como uma actividade vinculada da administração, pelo que a sua omissão é determinante da anulabilidade da decisão de adjudicação.
Em suma, o regime do erro é relevante em sede de contratação pública. Face à alegação da Autora e perante os elementos carreados para os autos, esta alegação está intrinsecamente ligada ao instituto do preço anormalmente baixo, para o qual subsiste um regime específico e um subprocedimento, nos termos previstos no artigo 71.º, do CCP. Neste sentido, sempre se dirá que, atribuindo-se relevância ao erro na formação da vontade, ele seria uma das justificações a apresentar na formulação do juízo de anomalia que se impunha à Demandada. E efectivamente, como alega a Autora, não pode a administração desconsiderar o erro ou assumir de forma singela que não existiu apenas por ser feita a referência às equipas na proposta, sem que adicionalmente faça um juízo ponderativo e complementar sobre a composição do preço. Desta forma, estava a administração vinculada a solicitar esclarecimentos e a abrir um subprocedimento destinado a ponderar uma eventual anomalia da proposta, nos termos previstos no artigo 71.º, n.º 3, do CCP, nos termos que em seguida se apreciará.
Nesta assumpção, resta ao tribunal julgar procedente o vício alegado pela Autora, em conjugação directa com a apreciação que se fará em seguida sobre o instituto do preço anormalmente baixo.”

A saber, o tribunal não apreciou o invocado erro na formação da vontade de per si, mas de forma conjugada com o instituto do preço anormalmente baixo (considerando que aquele pode ser uma das justificações para a anomalia verificada no preço proposto) e a obrigação que, nesta sede, impende sobre a Administração/Recorrente de pedir esclarecimentos sobre a composição do preço para o efeito de verificar da existência de anomalia.

O artigo 252º do CC, com a epígrafe “Erro sobre os motivos”, dispõe que:
“1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.
2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.” [sublinhado nosso].
Sobre o regime do erro do negócio jurídico o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 18.6.2015, no proc. nº 3200/04.0TVLSB.L2.S1, consultável in www.dgsi.pt, expendeu o seguinte:
“(…) O quadro dogmático em que deve ser encontrada a resposta à questão do erro do negócio jurídico é, por um lado, (i) a autonomia privada que determina a desconsideração de uma vontade que não seja perfeita e esclarecida e, por outro, (ii) a tutela da confiança que exige a subsistência de efeitos, ainda que originados numa vontade deficiente, se essa vontade foi objecto de crédito que preencha os critérios de protecção jurídica [Cfr. Diogo Costa Fernandes, in «Erro-obstáculo e Erro-vício, subsídios para a determinação do alcance normativo dos artigos 247º, 251º, e 252º do Código Civil», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XLV, n.os 1 e 2, Coimbra Editora, 2004, página 312].
Com efeito, “o negócio jurídico apenas pode desempenhar as suas funções quando a vontade, que se manifesta através da declaração negocial, se formou de uma maneira esclarecida, assente em bases correctas, e livre, sem deformações provindas de influências exteriores. Se a vontade não se formou esclarecida e livremente, ela está viciada. Na sequência do vício, que fere a vontade, também a declaração negocial, em que esta se manifesta, ficou viciada” [HEINRICH EWALD HÖRSTER, Teoria Geral do Direito Civil, página 567].
“Tendo ocorrido um vício, está em causa o lado interno da declaração. O problema não reside numa divergência entre a declaração e vontade ou na falta desta última, mas na deformação da vontade durante o seu processo formativo. A vontade viciada diverge da vontade que o declarante teria tido sem a deformação (=vontade conjectura ou hipotética).O vício afecta a génese da vontade e repercute-se numa declaração negocial coincidente com ela” [idem].
Como é sabido, o erro na declaração verifica-se, quando alguém, sem se aperceber disso, acaba por dizer uma coisa que não quer, ou por se ter enganado no meio declarativo ou por se ter enganado sobre o significado das suas palavras.
As possibilidades da ocorrência de um erro no âmbito do negócio jurídico não se limitam, porém, ao erro na declaração. Pelo contrário, elas são muito numerosas e vão da primeira motivação que é determinante para a formação da vontade até à manifestação da mesma.
Nestes termos, o Código Civil distingue, basicamente, entre o erro na declaração e o erro sobre os motivos, visto que o erro pode incidir tanto sobre o elemento objectivo ou externo da declaração negocial como sobre o seu elemento subjectivo ou interno.
O erro obstáculo e o erro vício.
A doutrina classifica dois tipos de erro: o erro-obstáculo e o erro vício.
Quando um erro recai sobre a declaração (o elemento externo) ou, numa acepção mais geral, quando afecta o comportamento declarativo, produz uma divergência entre a declaração e a vontade. Trata-se do erro na declaração (antigamente designado por erro obstáculo) que diz respeito ao processo declarativo, ao processo da formulação ou da manifestação da vontade, (sendo a vontade não viciada ou deformada).
O erro-obstáculo verifica-se, assim, sempre que se reúnam duas condições: uma perfeita formação da vontade contratual do declarante, por um lado; uma divergência entre o querido e o declarado, por outro, divergência essa não desejada pelo declarante.
Quando o erro recai só sobre a vontade (o elemento interno), não produz uma divergência entre a vontade e a declaração. A declaração está em perfeita conformidade com a vontade; no entanto, é esta que está viciada. Trata-se agora de um erro sobre os motivos (ainda designado por erro vício). A vontade, por ser mal esclarecida ou por não ser livre, está viciada, convergindo com ela a respectiva declaração.
O erro-vício, enquanto vício na formação da vontade, consiste no desconhecimento ou falsa representação da realidade que determinou ou podia ter determinado a celebração do negócio, e que pode consistir numa circunstância de facto ou de direito.
Conforme referido no Ac. deste STJ de 03-10-2006 [Relator Conselheiro Sebastião Póvoas] “enquanto o primeiro (erro obstáculo) traduz uma desconformidade entre a declaração e a vontade real, no segundo (erro-vício) há coincidência entre o querido e o declarado, contudo a declaração surge como consequência de uma errónea representação da realidade”.
O erro sobre os motivos é, por conseguinte, uma ideia inexacta, uma representação inexacta, sobre a existência, subsistência ou verificação de uma circunstância presente ou actual que era determinante para a declaração negocial, ideia inexacta sem a qual a declaração negocial não teria sido emitida ou não teria sido emitida nos precisos moldes em que o foi.
Em consequência desta representação subjectiva, por um lado, e em defesa da segurança do tráfico jurídico negocial, por outro, o erro sobre os motivos em princípio não pode ser considerado.
Daí a regra fundamental estabelecida no n.º 1 do artigo 252º, segundo a qual o erro sobre os motivos em termos jurídicos não releva.
Mas esta regra fundamental do artigo 252º do Código Civil admite três excepções, duas delas previstas no seu n.º 1 e a terceira no n.º 2 desse artigo.
Como refere Antunes Varela, “prevê-se, ainda, neste artigo um caso de erro vício, mas, especialmente, o caso de ele recair sobre os motivos determinantes da vontade, que não se refiram à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio”, acrescentando que “o regime previsto no n.º 1 é diferente do regime prescrito nos artigos anteriores. Exige-se para que haja anulabilidade, que tenha sido reconhecida, por acordo, a essencialidade do motivo”.
“No n.º 2 estabelece-se um regime diferente para o caso do erro incidir sobre a base do negócio. Há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias (pretéritas, presentes ou futuras) em que as partes fundaram a decisão de contratar”. “O facto de as circunstâncias constituírem a base do negócio e de o erro ser em regra, nestes casos, bilateral explica que a lei prescinda do acordo sobre a essencialidade do motivo a que se refere o n.º 1 do artigo 252º” [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 236].
Na celebração de um contrato as partes levam em consideração determinadas circunstâncias de carácter geral, as quais – se acaso sofrerem alterações – fazem com que o negócio perca o seu sentido originário e resulte em consequências distintas daquelas que inicialmente foram planeadas pelas partes ou com que razoavelmente podiam contar.
Na doutrina de Carvalho Fernandes, a base do negócio é constituída por aquelas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do mesmo. Noutras palavras, e conforme refere Castro Mendes, a ideia central no erro sobre a base do negócio é a de uma erro «bilateral sobre condições patentemente fundamentais do negócio jurídico».
Na jurisprudência do STJ, pode citar-se o acórdão de 23-12-2012 [Revista n.º 2224/08.3TBLRA.C1.S1. – 1ª Secção, Relator Alves Velho], onde se escreveu:
“Pode dizer-se que o erro incide sobre a base do negócio em casos em que a não verificação da pressuposição releva, designadamente aqueles em que a contraparte aceitaria ou segundo a boa - fé deveria aceitar um condicionamento do negócio à verificação da circunstância sobre que incidiu o erro, se esse condicionamento lhe tivesse sido proposto pelo errante – e isto porque houve representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância, sobre a qual ambas edificaram, de um modo essencial, a sua vontade negocial”.
E tudo isto, independentemente de o declaratário conhecer ou dever conhecer a essencialidade, para o declarante, das aludidas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade das partes se mostrarem de acordo quanto a essa essencialidade [Neste sentido Galvão Telles in «Erro sobre a Base do Negócio Jurídico», in Estudos de Homenagem ao Prof. Raul Ventura, Revista da Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2003, página 12).].
Condições especiais de relevância do erro sobre a base do negócio são, por expressa remissão da norma que o prevê, os requisitos constantes do artigo 437º do Código Civil como condições de admissibilidade da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias.
(…)”.
E o Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão de 23.1.2018, no proc. nº 6874/14.0T8CBR.C1, especificou sobre o erro sobre as circunstâncias do negócio previsto no nº 2 do artigo 252º que: “(…)
“Prevê-se, pois, em tal normativo o chamado regime do erro sobre a base do negócio.
O regime da base negocial foi formulada e desenvolvida (tal como referem o prof. Mota Pinto, in “Ob. cit., pág. 513”, e Heinrich Ewald Horster, in “Ob. cit., pág. 577”) pelo jurista alemão Oertman (in “Die Geschaftsgrundlage) em 1921, no seguimento à catástrofe económica e social desencadeada pela à 1ª. Guerra Mundial, e para enfrentar as consequências injustas de não se atribuir relevância às alterações extraordinárias e imprevistas daí decorrentes. Segundo a teoria formulada por esse Jurista “a base negocial é a representação mental de uma das partes, reconhecida e não contestada pela outra parte, ou a representação comum aos vários interessados no negócio, acerca da existência ou a ocorrência de determinadas circunstâncias, sobre a base das quais se constrói a vontade do agente.”
Definição essa que, na sua essencialidade, ainda hoje se mantem, constituindo hoje entendimento prevalecente da doutrina e jurisprudência, embora com várias nuances, que a base negocial é representação de uma das partes, existente na altura da conclusão do contrato e reconhecida quanto ao seu significado pela outra parte, sem ser contestada por esta, ou a representação comum de ambas as partes, acerca da existência ou a futura verificação ou não verificação de certas circunstâncias, sobre as quais assentou a vontade negocial” (cfr. Heinrich Ewald Horster, in “Ob. cit., pág. 577”).
Fala-se de erro sobre a base do negócio quando a falsa representação recai sobre “aquelas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do conteúdo do negócio. Tratar-se-á de circunstâncias que ou determinaram ambas as partes ou que, sendo relativas a uma delas, a outra não poderia deixar de aceitar como condicionamento do negócio, sem violação dos princípios da boa fé” (Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. II, 163, citado pelo Ac. do STJ de 02/10/2014, proc. 1060/11.4T2STC.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt).
Há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre as circunstâncias (pretéritas, presentes ou futuras) em que as partes fundaram a decisão de contratar” (profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Ob. cit., pág. 235).
Para que ocorra esse erro “é necessário que tenha ocorrido uma falsa representação do quadro circunstancial que constitui a base do negócio (prof. Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do direito Civil, 7ª. Ed., Almedina, pág. 567”.)
É, pois, indubitável que continuamos a estar perante um erro-vício sobre os motivos mas que incide sobre a base do negócio (cfr. Ac. do STJ de 18/06/2013, proc. 493/03.4TVLSB-A.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt).
Incidindo o erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, elas terão, como regra, que ter sido pressupostas por ambas as partes, e daí que venha constituindo entendimento dominante na nossa doutrina (embora sob controvérsia) de que estamos perante um erro bilateral, ou seja, um erro que é foi cometido por ambas as partes.
E isto porque, no dizer do prof. Mota Pinto (in “Ob. cit., pág.514”), “houve representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância, sobre a qual ambas as partes edificaram de um modo essencial, a sua vontade de contratar.” No mesmo sentido, e de forma mais incisiva, vai o prof. Castro Mendes (in “Teoria Geral do Direito Civil. Vol. III, pág. 132”) ao afirmar que a ideia central do artigo 252º, nº. 2, é a de “um erro bilateral sobre as condições patentemente fundamentais no negócio jurídico”, e ainda Heinrich Ewald Horster (in “Ob. cit.. pág. 580”) ao discorrer que “ambas as partes partiram, erradamente, de circunstâncias presentes ou actuais que eram essenciais para conclusão do negócio, mas que na realidade não existiram. A ideia central do nº. 2 do art. 252º é a de um erro bilateral sobre as condições actuais em que as partes assentarem o negócio jurídico. (…). Como nos termos do art. 252º, nº. 2, o erro sobre a base negocial é comum, fica excluída a relevância jurídica do erro unilateral.
(…)”.
Ora, na situação em litígio está em causa a apreciação da proposta apresentada pela Recorrida ao concurso público aberto pelo Recorrente, sendo que de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 56º do CCP “A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.” [sublinhado nosso].
A saber, uma proposta apresentada a um concurso público encerra em si uma declaração negocial, uma declaração de vontade de um particular concorrente dirigida à Administração, inserida num procedimento concursal, sujeito a princípios e regras próprias de contratação pública, visando a prática do acto administrativo de adjudicação, para poder contratar, celebrar o correspondente negócio jurídico. Sendo que a verificação de que a proposta padece de erro será susceptível de afectar a validade quer do acto de adjudicação quer do contrato que tenha sido celebrado na sequência daquele.
Relembrando, a Recorrida alega que incorreu em erro na formulação do preço que fez constar da sua proposta, não tendo tomado correctamente em consideração o valor do custo a suportar com o pessoal e meios a afectar à execução do serviço, de acordo com a Alínea E do Anexo B do CE, tendo indicado o preço correspondente apenas ao custo de uma equipa para cada lote ou família, em vez das duas aí referidas, o que, no seu entender, configura um erro subjectivo ou relativo à formação da sua vontade negocial, previsto no nº 2 do artigo 252º do CC, que a levou a apresentar uma proposta de valor baixo que nunca apresentaria se tivesse considerado todos os encargos a suportar com a prestação ao concurso.
Aplicando aqui o entendimento expendido nos doutos acórdãos, acima reproduzidos, desde logo é possível verificar que não há coincidência entre o declarado na proposta e a vontade que a Recorrida diz ter formado em erro.
Com efeito, a proposta contém a indicação de que a Recorrida se comprometeu a executar a prestação a concurso com duas equipas para cada lote ou família, pelo preço/valor global de €39 817,44, pelo prazo de 2 anos, no entanto a mesma alega ter apenas ponderado para formação deste preço os valores dos encargos correspondentes à afectação de uma equipa.
Mas a Recorrida não invoca um erro na declaração, enunciado no artigo 249º do CC: “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.
Nem tal erro-obstáculo se afigura evidente do texto da proposta.
Com efeito, a declaração de que «(…) // A I….. cumprirá com a quantidade de dias de trabalho constantes nas medições, tendo a disponibilidade de uma equipa de trabalho a operar em alternância semanal em cada Lote, de Novembro a Março (época de Inverno) e, duas equipas autónomas a operar em cada um dos Lotes mencionados. As equipas referidas devem ser no mínimo duas para cada lote, uma destinada a efetuar trabalhos à superfície e outra para os trabalhos em coletores de águas residuais domésticas e pluviais, alem dos trabalhos à superfície, prevendo-se a realização total de 322 dias de intervenção até ao final do ano (Família 1 com 161 dias e Família 2 com 161 dias). (…)» e “O valor global da proposta é de 39 817,44€”, consta da proposta da Recorrida, como resulta da remissão efectuada no facto E) “(cf. proposta apresentada pela autora no procedimento, SITAF n.º 006092283, em especial, p. 21)” e no facto F) “(cf. proposta apresentada pela autora no procedimento, SITAF n.º 006092283, em especial, p. 24)”, constituindo os primeiros parágrafos, compostos/elaborados pela Recorrida, das referidas páginas 21 e 24, respectivamente, encimadas como as demais pelo logotipo da Recorrente e dos certificados Apcer, Iqnet e Cepa, ou seja, não se encontram, por exemplo, em folhas soltas sendo uma a mera reprodução da Alínea E do Anexo B do CE – “(…) // E – Pessoal e Meios // O Adjudicatário deverá dispor para a execução do serviço os seguintes meios: // 1. Um Diretor Técnico diplomado (Química, Biologia, Ciências Agrárias), responsável pela coordenação do serviço, que estará disponível sempre que contactado pela Câmara Municipal de Sintra; // 2. O número de equipas necessárias em cada momento e de acordo com o planeamento mensal a realizar com a CMS, na última semana do mês que antecede o início dos trabalhos ou, no máximo com 5 dias uteis após a comunicação de que o procedimento está concluído. A Camara Municipal de Sintra prevê com a quantidade de dias de trabalho constantes nas medições, ter a disponibilidade de uma equipa de trabalho a operar em alternância semanal em cada Lote, de Novembro a Março (época de Inverno) e, duas equipas autónomas a operar em cada um dos Lotes mencionados. As equipas referidas devem ser no mínimo duas para cada lote, uma destinada a efetuar trabalhos à superfície e outra para os trabalhos em coletores de águas residuais domésticas e pluviais, alem dos trabalhos à superfície, prevendo-se a realização total de 322 dias de intervenção até ao finai do ano (Família 1 com 161 dias e Família 2 com 161 dias). // (…)», tal como consta no facto D), ou noutros termos que pudessem indiciar tratar-se de meros lapsos ou erros de formulação.
Retornando ao erro na formação da vontade, a Recorrida alega que não declarou o que quis declarar - a sua vontade formou-se relativamente a uma equipa. Mas então deveria ter feito constar da proposta a sua intenção de executar a prestação a concurso com uma equipa para cada lote ou família, pelo valor global de €39 817,44, pelo prazo de 2 anos, de acordo com essa vontade.
Não sendo essa a situação em apreciação não é possível saber se, efectivamente, como alega a Recorrida a sua vontade real [conhecida apenas em sede de audiência prévia após notificação do relatório preliminar e nos respectivos articulados] está viciada, nos termos e para os efeitos do regime do erro, densificado no CC.
Pelo que mal andou o tribunal recorrido ao concluir que “(…) não pode a administração desconsiderar o erro ou assumir de forma singela que não existiu apenas por ser feita a referência às equipas na proposta”.
Com efeito, não é de considerar a existência do alegado erro nos motivos apenas porque o preço apresentado na proposta da Recorrida é baixo por referência ao valor base do concurso ou aos preços apresentados nas propostas dos outros concorrentes, excluídas, na sua maioria por excederem aquele valor base. Estes são factores externos à proposta enquanto declaração e como manifestação de vontade que se formou [em erro ou correctamente] e que apenas poderia (e devia) ter por referência o valor base, constante do anúncio e das peças concursais, por desconhecer os preços que iriam ser apresentados pelos outros concorrentes.
Mas ainda que existisse coincidência entre o declarado e a vontade viciada, o alegado erro sobre a base do negócio, de falsa representação das circunstâncias – pretéritas, presentes ou futuras em que as partes fundaram a sua obrigação de contratar – pressupõe a verificação de um erro bilateral, um erro assumido pelo Recorrente e pela Recorrida, conforme dispõe o nº 2 do artigo 252º do CC.
Ora, do CE, Anexo B relativo às características técnicas, resulta na alínea E claramente que a prestação a concurso seja executada, no mínimo, por duas equipas autónomas por cada lote ou família. Não foi alegado ou provado que a Recorrida tenha pedido esclarecimentos sobre o teor do CE ou do Programa do procedimento, nem que estes ou as normas neles contidas, tenham sofrido quaisquer alterações que pudessem motivar confusão ou erro na formação da sua vontade quanto ao número de equipas a constituir e o respectivo preço. E muito menos se afigura evidenciado que o Recorrente, responsável pela imposição das especificações técnicas, como a presente não submetida à concorrência, também estivesse em erro quanto ao número de equipas necessário à execução da prestação a concurso.
Pelo que a situação da Recorrida ainda assim não seria susceptível de ser configurada como erro sobre a base do negócio, por não verificação dos respectivos pressupostos legais.
E também não seria enquadrável no erro sobre os motivos determinantes da vontade sobre o objecto do negócio, previsto artigo 251º uma vez que, por remissão para o disposto no artigo 247º, ambos do CC, se exige que o declaratário conheça ou não deva ignorar a essencialidade para a declarante do elemento sobre que incidiu o erro. Ou, dito de outro modo, que o Recorrente soubesse que o preço indicado na proposta da Recorrida era relativo a uma equipa bem como que esta, se tivesse a percepção correcta de que estava em causa uma prestação a executar por duas equipas, não pretenderia ser a adjudicatária nem celebrar contrato pelo preço constante da proposta apresentada. Mas não sabia nem podia saber porque na proposta apresentada consta que a Recorrida cumprirá com a quantidade de dias de trabalho constantes das medições e disponibilizará duas equipas autónomas a operar em cada um dos Lotes pelo preço global de €39 817,44, em conformidade com o exigido nas especificações técnicas do CE e abaixo do preço base.
Em face do que, por não observância dos pressupostos legais exigidos nos artigos 251º e 252º nem sequer os dos artigos 247º e 249º, referentes ao erro na declaração, todos do CC, mesmo a verificar-se a referida coincidência, não relevaria o alegado erro na formação da vontade da Recorrida para o efeito pretendido de anulação do acto de adjudicação.
Em face do que assiste razão ao Recorrente tendo o juiz a quo errado ao concluir pela procedência do vício do erro na formação da vontade alegado pela aqui Recorrida, ainda que o tenha feito “(…) em conjugação directa com a apreciação (…) sobre o instituto do preço anormalmente baixo”.

c) Defende o Recorrente que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao concluir que a alegação de que a proposta apresenta pela Recorrida apresenta um preço que em si não seria suficiente para cobrir as obrigações legais (pelo que deveria ter sido excluída ao abrigo da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP ) tem cabimento na verificação de anomalia tutelada pelo instituto do preço anormalmente baixo (suscitada pelo juiz a quo e prevista na alínea e) do nº 2 do mesmo artigo), impendendo sobre si a necessidade de solicitar esclarecimentos e, assim, de abrir o subprocedimento previsto no artigo 71º, nº 3 do CCP, e não o tendo feito, importou a violação de lei e a anulação do acto de adjudicação, porquanto: na Cláusula 16º do Programa do procedimento foi expressamente afastada a previsão desse instituto, e, ainda que não o tivesse previsto, inexistia a obrigatoriedade de analisar casuisticamente as propostas quanto ao preço anormalmente baixo e consequentemente, de pedir esclarecimentos, não tendo o tribunal competência para decidir como decidiu, substituindo-se ao júri do concurso, numa tarefa que a este competia, ou seja, averiguar da existência de um preço ou custo anormalmente baixo, em violação do disposto nos artigos 252º, nº 2 do CC, 70º, nº 2, alínea e) e f), e 71º do CCP, e ainda das cláusulas 14ª e 16ª do Programa do Concurso.
Da fundamentação de direito da sentença recorrida, sobre estas questões, extrai-se o seguinte: “(…)
Face à alegação das partes e a configuração jurídica dada pelo tribunal aos efeitos alegados no acto pela violação do instituto do preço anormalmente baixo, cumpre apreciar e decidir, por um lado, se o mesmo estava afastado do procedimento concursal como sustenta a Demandada e, por outro, se haviam indícios demonstrativos da violação do instituto e de que forma estava a entidade obrigada a actuar.
Apreciando, cumpre desde já referir que o instituto do preço anormalmente baixo surge na ordem jurídica como um princípio estruturante da contratação pública, com pilares na legislação e jurisprudência europeias e que norteia o código dos contratos públicos, justificado em grande linha no princípio da livre e sã concorrência entre os operadores económicos e criado com o intuito de tutelar os riscos associados à adjudicação de uma proposta excessivamente baixa, seja por não assegurar a sua cabal execução, seja por falsear a concorrência (neste sentido, vide, ANA SOFIA ALVES, in, “Alterações ao regime do preço anormalmente baixo”, ebook CEJ, Abril 2018, Contratação Pública, p. 62 e 71/72, sobre a teleologia do instituto).
É exigido pelo disposto no artigo 1.º-A, n.º 1 e 2, do CCP, na formação e na execução dos contratos públicos, o respeito pelos princípios gerais decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo, em especial os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação, devendo as entidades adjudicantes assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional.
A entidade adjudicante, se se abster de determinar e aferir anomalias nos preços propostos, está a demitir-se, desde logo, de aplicar aqueles princípios, o que não pode ser considerado aceitável.
Entendida assim a figura, não pode a mesma ser encarada como susceptível de ser afastada pela entidade adjudicante no procedimento concursal, de forma singela e unilateral como sustenta a demandada, por esse entendimento violar frontalmente os princípios estruturantes da contratação pública ao permitir, no limite, que qualquer proposta apresentada possa encerrar um preço anormalmente baixo sem que com isso seja qualificada como anómala e, dessa forma, impossibilitando a sua invalidação. Essa possibilidade encerraria assim uma afronta directa ao princípio da livre e sã concorrência e, nesse sentido, não pode resultar do disposto na cláusula 16.ª do procedimento aqui em apreço (cf. al. B), do probatório) aquilo que sustenta a Demandada, que seja, a não aplicação, absoluta, do critério do preço anormalmente baixo ao procedimento em causa.
O disposto na cláusula 16.ª do procedimento, para ser conforme com o Código dos Contratos Públicos e com os princípios europeus da contratação pública, deve ser entendido como tendo a entidade adjudicante se abstido de definir expressa e especificadamente um critério que devesse presidir à qualificação de um preço como anormalmente baixo, nos termos previstos no artigo 71.º, n.º 2, do CCP.
A nova redacção do CCP resultante do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31.08 veio introduzir modificações nas disposições reguladoras da matéria e procedeu a uma alteração da regra de fixação do critério do preço anormalmente baixo, eliminando a sua indexação ao preço base (cf. preâmbulo do diploma), mas com isso não o eliminou da ordem jurídica ou permitiu o seu afastamento absoluto do procedimento, tão somente veio eliminar o critério automático e supletivo de determinação dos limites da anomalia da proposta quanto ao preço, alterando a redacção do artigo 71.º, n.º 1, do CCP. Agora, o legislador permite que as entidades adjudicantes, dentro da sua margem de livre decisão, e auto vinculando-se a tal, definam, se assim entenderem, um critério de determinação da anomalia do preço. Podem assim, se entenderem, continuar a adoptar o critério de definição da anomalia por indexação ao preço base, como resulta do disposto no artigo 189.º, n.º 3, do CCP ou, por outro lado, optar por não definir qualquer critério. Nesse caso, terá a administração de proceder a uma apreciação casuística do preço, socorrendo-se de todos os elementos carreados para o procedimento e aos princípios gerais de direito, e, na sua aferição, formular um juízo de anomalia sobre o valor absoluto proposto, concluindo se o mesmo surge como anormalmente baixo e, dessa forma, violador dos princípios subjacentes à contratação pública.
Até à entrada em vigor da nova redacção do CCP, mormente do artigo 71.º, n.º 1 e 2, a falta de expressa previsão pela entidade adjudicante de um citério de qualificação de um preço proposto como anormalmente baixo, determinava a imediata aplicação do critério supletivo – qualquer preço situado abaixo de um limite fixado por indexação ao preço base. Agora, com a nova redacção, e como referido por ANA SOFIA ALVES, «No novo quadro legal, o legislador limita-se a conferir à entidade adjudicante a habilitação legal para se auto-vincular com a fixação de um critério de determinação da anomalia, fixando-o desde logo nas peças procedimentais, ou para, na pendência do procedimento de formação de contrato e depois de apresentadas as propostas, casuisticamente qualificar uma proposta de preço como anómala. Dito de outro modo: o legislador não define qualquer critério supletivo de determinação da anomalia de um preço. Sendo certo que, em determinadas circunstâncias − face a certos objectos contratuais ou em determinados segmentos de negócio −, as entidades adjudicantes encontrarão razões que justificam a necessidade e/ou a conveniência de pré-fixação de um critério de anomalia, parece possível adivinhar que, face aos ónus de fundamentação que acompanham o exercício de auto-vinculação pela entidade adjudicante, a maioria das entidades adjudicantes não seguirá essa opção» - in, ebook CEJ, cit., p. 62.
Assim sendo, na falta de indicação expressa de um critério pela entidade adjudicante nas peças do procedimento para apurar a anomalia de um preço, deve entender-se que esse critério será casuístico e em função dos elementos próprios do concurso.
A cláusula 16.ª do procedimento não pode assim ser entendida como legitimante do afastamento do instituto do preço anormalmente baixo, mas tão só como encerrando uma opção de não definição ou enunciação de um qualquer critério expresso (e que sempre deveria ser fundamentado, por força e nos termos previstos no artigo 71.º, n.º 2, do CCP).
Neste sentido, não estava o instituto do preço anormalmente baixo excluído do procedimento e deveria ter concorrido como elemento ponderativo na apreciação das propostas.
É a própria entidade demandada que vem, em rigor, afirmar que não se socorreu de qualquer critério para aferir a possível anomalia dos preços das propostas, por considerar desde logo que o instituto não era aplicável.
Mas sendo, nos termos referidos, vejamos de que forma a falta de ponderação afecta o procedimento.
A Autora alega que o preço que formulou na proposta não era suficiente para fazer face às disposições legais e regulamentares, em especial, as obrigações laborais a que está adstrita enquanto empregadora e, nesse sentido, a sua proposta deveria ter sido excluída nos termos previstos no artigo 70.º, n.º 2, al. f), do CCP.
Sobre isto tem sido entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, formulada sobre a anterior redacção do CCP, é certo, mas que dispunha, em síntese, que a violação de disposições legais e regulamentares aplicáveis, em especial, as laborais, previstas no artigo 70.º, n.º 2, al. f), do CCP (que hoje se mantém) para ser fundamentador da exclusão sempre teria de ser uma violação absoluta, evidente e directamente decorrente da execução da proposta.
A título de exemplo, veja-se o que ficou plasmado em acórdão do STA de 19.01.2017, proferido no processo n.º 817/16:
«XLV. Tal como vem sendo afirmado por este Supremo Tribunal para que resulte preenchida a previsão da al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP importa que se mostre demonstrado nos autos que a proposta permita detetar qualquer incompatibilidade com o bloco de legalidade em vigor [seja de fonte legal ou regulamentar] a ponto de a entidade adjudicante poder formular de imediato um juízo de exclusão da proposta sob pena de pactuar com a ilegalidade e infringir os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público [cfr. arts. 266.º, n.º 2, da CRP, 03.º e 04.º do CPA/91 ou do CPA/2015].
XLVI. Não será, assim, válida uma proposta apresentada em procedimento concorrencial que contenha condição ou proposição que conduza a que o contrato que venha a ser celebrado em decorrência da sua aceitação implique a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares respeitantes às atividades a desenvolver ao abrigo do contrato em questão ou ao quadro normativo do mesmo.
(…)
LI. Da estrita análise das propostas de cada concorrente, mormente, do seu preço, não deriva ou não decorre, lógica e necessariamente, que aquele vá cumprir ou não as suas obrigações legais e contratuais, se o conseguirá vir a fazer ou não, tanto mais que, isoladamente, o preço proposto não é conditio sine qua non para se poder concluir, sem mais, que determinado concorrente pelo simples facto de haver oferecido um preço superior ao de outro concorrente irá cumprir as suas obrigações e que este último o não fará ou não conseguirá fazer pelo simples razão de haver apresentado um preço inferior àquele.
LII. Como vem sendo referido por este Supremo, o cumprimento, a garantia da observância das obrigações e compromissos legais e contratuais por parte dos concorrentes e dos adjudicatários não está unicamente na dependência daquilo que seja o valor aposto como preço duma proposta já que no juízo, na equação a efetuar, outros fatores e termos importam e devem ser considerados, como aquilo que seja a sua concreta e específica situação e capacidade económica e financeira, a sua estrutura de custos, aquilo que sejam as suas capacidades e condições no acesso às fontes de financiamento [bancário e/ou no mercado de capitais], aquilo que sejam os seus recursos, sua estrutura/natureza e o modo como os mesmos são geridos e estão organizados.
LIII. À luz do quadro legal que se mostra vigente são os resultados económico-financeiros dum contratante no cômputo geral da sua atividade e, em última análise, todo o seu património que garantem que, nomeadamente, na execução de cada contrato se mostrem observadas e cumpridas pelo mesmo todas obrigações/deveres legais e contratuais. LIV. Este Supremo assim o considerou no seu acórdão de 14.02.2013 [Proc. n.º 0912/12 in: «www.dgsi.pt/jsta»], entendimento reiterado, nomeadamente, nos acórdãos de 07.01.2016 e de 14.12.2016 [respetivamente, Procs. n.ºs 01021/15 e 0579/16, disponíveis no mesmo sítio], afirmando que não é a execução de cada contrato, de per si ou visto atomisticamente, que tem de garantir, nomeadamente, o pagamento da retribuição mínima garantida, pois é ¯claro que se em todos os contratos celebrados as remunerações obtidas fossem inferiores aos encargos assumidos, não só estes não poderiam ser assegurados, como a falência logo ficaria à vista, pelo que bem pode ¯acontecer que razões estratégicas aconselhem a apresentação de propostas que envolvam a assunção de prejuízos pontuais, sem implicarem a intenção de incumprimento de encargos legalmente impostos, intenção esta que não é sequer imputada às … concorrentes que apresentaram propostas em conformidade com as cláusulas postas em causa, sendo que é ¯possível ao proponente apresentar uma proposta de preço inferior àquele valor (custo em abstrato dos encargos sociais e com remunerações) tendo por base a gestão de pessoal com que iria realizar a prestação de serviços conjuntamente com outros contratos e que ¯algumas empresas por deterem determinadas condições (pessoal excedentários de outros contratos, proximidade de edifícios ou outras situações) conseguiam apresentar uma proposta mais vantajosa, ¯sem que isso violasse qualquer regra de concorrência, ou pudesse ser qualificado como ¯abaixo do custo anual porquanto o custo poder ser ¯repartido por outros contratos ou mitigado atentas as condições em que essa empresa conseguia colocar o mesmo pessoal a realizar as mesmas horas de trabalho que outro proponente que não detenha essas condições.
LV. Sustentou-se, aliás, nos últimos dos acórdãos atrás citados que ¯para além dos custos fixos/impostos legal, administrativa e contratualmente, uma empresa defronta-se com uma gama muito variada de custos variáveis que não estão fixados ou taxados de forma alguma e em que entram fatores que se prendem com capacidades de organização e de gestão detidas ou não, com capacidades comerciais e de negociação, pelo que não poderemos deixar de ter em consideração esta realidade no juízo concreto que importa fazer quando haja de se aferir se a situação em questão preenche ou não a previsão da al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP e de que ¯neste juízo se é certo que, por um lado, não poderemos esquecer que importa assegurar o respeito estrito da legalidade, daquilo que são as obrigações e vinculações impostas sem margem de manobra para as empresas e que se apresentam a estas como custos fixos, bem como daquilo que sejam os valores duma sã e transparente concorrência, temos, por outro lado, que não poderemos esquecer aquilo que constitui uma realidade evidente e notória e que se prende com a diversidade que cada empresa possui de custos e da estrutura e natureza destes, a margem de lucro com que cada empresa opera no mercado concorrencial, com aquilo que é e são as decorrências da liberdade de empresa, da liberdade de organização e de gestão duma empresa, sendo que ¯não se enquadra nas funções do júri ou da entidade adjudicante, nem mesmo, ainda, da entidade pública cocontratante em sede de execução do contrato, a fiscalização das entidades empregadoras, enquanto concorrentes ou já cocontratantes, no que diz respeito ao cumprimento ou garante pelas mesmas das obrigações retributivas e contributivas face aos colaboradores e às instituições públicas, nomeadamente, às supra referidas.
LVI. Daí que se subjacente à formação do preço aposto numa proposta está uma operação de cálculo na qual deverão ser incluídos os vários custos/encargos obrigatórios que derivam de imposições legais diversas, temos que a mesma não se reconduz unicamente a tais custos, porquanto para a mesma contribuem todos os outros custos variáveis imanentes ao funcionamento, operacionalidade e rentabilidade duma empresa no setor em questão. (…)»
Perante esta jurisprudência, que se tem mantido constante, a alegada violação de disposições legais e regulamentares por parte de uma proposta, não resulta directamente do facto de o seu preço, à partida, se mostrar insuficiente para suportar salários e obrigações de natureza contributiva e tributária, por esses custos poderem ser assegurados pela estrutura global da co-contratante.
Como referido por ANA SOFIA ALVES, «O entendimento jurisprudencial aqui espelhado tem sido desenvolvido pelo Supremo Tribunal Administrativo, ancorando-se no princípio da legalidade das competências e no direito fundamental e constitucionalmente consagrado da livre iniciativa económica para concluir, por um lado, que as entidades adjudicantes não têm competências para fiscalizar o cumprimento de tais normas sociais, laborais e ambientais por parte dos operadores económicos que se apresentam a concorrer nos procedimentos de formação de contratos e, por outro lado, que o concorrente empresário tem a liberdade de conceber a sua estrutura de custos, bem como de formar os seus preços à luz de uma organização global da sua actividade económica», op. cit. p. 66.
Contudo, considera-se que, ainda assim, estas considerações não têm por efeito anular a apreciação sobre a composição global do preço proposto e do seu respeito pelo limiar da anomalia, especialmente quando, face à actual redacção do CCP, deixou de vigorar o sistema-regra de um critério pré-determinado de qualificação de uma proposta de preço anormalmente baixo (face ao qual a jurisprudência vinha entendendo a inadmissibilidade da determinação casuística de uma proposta de preço anormalmente baixo, sempre que o limiar de anomalia do preço estivesse directa ou indirectamente fixado nas peças do procedimento).
Entendia-se que não era discutível a composição do preço quando o seu limiar estava definido nas peças do procedimento, face à jurisprudência dominante (vide, ac. STA de 20.06.2017, proc. 0326/17). Contudo, terminando este regime regra e tenho presente que as entidades adjudicantes devem sempre assegurar na formação e na execução dos contratos que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional (cf. artigo 1.º-A, n.º 2, do CCP), essa aferição tem então de passar pela aplicação do instituto do preço anormalmente baixo.
Face ao exposto, considera-se que a alegação de que uma proposta apresenta um preço que em si não seria suficiente para cobrir as obrigações laborais, tem cabimento na verificação de anomalia tutelada pelo instituto do preço anormalmente baixo.
Para preencher assim o conceito, não é indiferente o disposto no novo artigo 1.º-A, n.º 2, do CCP, aditado pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, onde expressamente o legislador, na transposição das Directivas 2014/24/UE e 2014/25/UE, veio admitir que na fase de formação, bem como na fase de execução dos contratos, a entidade adjudicante tome em consideração o respeito pelas normas em vigor em matéria social, laboral, ambiental, e como sustentado por ANA SOFIA ALVES,
«Em termos que expressamente conferem às entidades adjudicantes uma habilitação legal para verificar o cumprimento pelos concorrentes das suas obrigações em matéria laboral, social e ambiental, assim postergando o entendimento sustentado pela jurisprudência nacional assente no princípio da legalidade das competências.
Em segundo lugar, o legislador europeu incluiu expressamente o cumprimento das obrigações decorrentes da legislação ambiental, social e laboral entre as justificações pertinentes para efeitos de justificação (e consequente admissibilidade) de um preço anormalmente baixo (cfr. artigo 69.º, n.º 2, alínea d), da Directiva 2014/24/UE, e artigo 84.º, n.º 2, alínea d), da Directiva 2014/25/UE). Disposições que foram transpostas pelo legislador nacional com a introdução da nova alínea g) do artigo 71.º, n.º 4, do CCP. E que, na prática, significam que, uma vez confrontados com suspeitas da entidade adjudicante sobre a composição do preço proposto, os operadores económicos podem justificar esse preço, demonstrando que, embora este seja qualificável como anormalmente baixo, ainda assim, cumprem as suas obrigações em matéria laboral, social e ambiental.
Por isso mesmo, constitui causa de exclusão de uma proposta a apresentação de um preço anormalmente baixo se decorrer das justificações apresentadas que esse preço se explica pelo não cumprimento das obrigações laborais, sociais e ambientais relevantes. É o que resulta expressamente do artigo 69.º, n.º 3, segundo parágrafo, da Directiva 2014/24/UE, e do considerando 103 da mesma Directiva, bem como do artigo 84.º, n.º 3, terceiro parágrafo, da Directiva 2014/25/UE, e do considerando 108 desta Directiva. E é também a estatuição imposta pelo artigo 70.º, n.º 2, alínea e), quando lido em conjugação com o preceito do artigo 71.º, n.º 4, alínea g), do CCP» - op. cit. p. 73/74, sublinhado nosso.
Aderindo a este entendimento, com o qual se concorda e adere aos respectivos fundamentos que, frisa-se, é o adequado e consentâneo com a nova redacção do artigo 71.º, n.º 1 e 2, do CCP, quando lido em conjugação com o disposto no artigo 1.º-A, n.º 1 e 2, do mesmo diploma e ainda com as disposições constantes no artigo 70.º, n.º 2, al. e) em articulação com a al. f), do código.
Neste sentido, cumpre regressar ao caso dos autos e aferir se subsistiam indícios de anomalia no preço apresentado pela Autora, que pudesse suscitar a necessidade de esclarecimentos, em prazo adequado e por escrito.
Ora, compulsada a materialidade provada, verifica-se que o preço base do procedimento foi definido em €90.000,00 – cf. al. C), do probatório.
Resulta ainda da fundamentação de facto que o caderno de encargos exigia a execução contratual por duas equipas, por cada um dos lotes/famílias, com a previsão de 161 dias de trabalho para a família/lote 1 e 161 dias para a família/lote 2 – cf. al. D), do probatório.
Por outro lado, a Autora apresentou proposta por €39.817,44 – cf. al. F), do probatório.
Como factores externos à proposta da Autora, resulta do probatório que uma empresa apresentou uma nota justificativa onde, de forma discriminada, explicou que os custos da execução seriam, desde logo, superiores ao preço base, na ordem dos €111.700,00, e nesse sentido fundamentou a não apresentação de uma proposta – cf. al. H), do probatório – sendo que se retira ainda da matéria provada que outras duas concorrentes foram excluídas por apresentarem um preço superior ao preço base, uma delas no montante de €87.180,00 x 2, ie, €174.360,00– cf. al. J) e L), do probatório.
Analisando a exigência do caderno de encargos para duas equipas, por cada lote, para 24 meses, e se se atender apenas à remuneração mínima garantida para 2019, no montante de €600,00 (cf. artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 117/2018) e ao proporcional do subsídio de férias e do subsídio de natal, no valor de €49,98, cada um, e ao montante devido de contribuição enquanto empregadora para a Segurança Social de 23,75% da remuneração base (cf. artigo 53.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), no valor de €216,70, o total que a Autora teria de suportar corresponderia a €87.999,36, isto sem atender a outras remunerações ou prestações que fossem devidas a título contratual.
Confrontando a pronúncia da Autora em sede de audiência prévia, verifica-se que a nota justificativa que apresentou é consentânea com os cálculos referidos, sendo que para o valor mensal de um técnico corresponde a €1.284,44, o que perfazia o total para 24 meses, para quatro técnicos, o valor de €124.373,35 – cf. al. N), do probatório.
Na conjugação de todos estes elementos, ressaltam indícios relevantes de uma possível anomalia no preço apresentado pela Autora, aos quais a entidade adjudicante não poderia ser indiferente.
De facto, estes indícios ressaltam desde logo por o preço que propôs, de €39.817,44, se apresentar em montante substancialmente inferior ao preço base, de €90.000,00 (menos de metade daquele valor) e, por outro lado, outra proposta se apresentar no valor de €174.360,00 e uma das concorrentes ter, de forma discriminada, enunciado que os seus custos seriam sempre superiores ao preço base, no montante de €111.700,00. Perante estes factores, externos à proposta da Autora, conclui-se que deveria ter sido ponderado a possibilidade de ocorrer uma anomalia no preço apresentado pela Autora, de tal forma distante dos restantes montantes levados ao conhecimento da Demandada. Por outro lado, outro indício a considerar seria o facto de os valores a suportar obrigatoriamente como empregadora, nos termos da lei laboral e contributiva, para quatro técnicos, em 24 meses, se mostrar em montante acima (em mais do dobro) do preço que apresentou.
Sempre seria aceitável a subsistência de motivos justificativos para o preço, de acordo com o regime traçado anteriormente e seguindo a jurisprudência que configura o quadro empresarial da proponente e outras possíveis vantagens de mercado, bem como o regime previsto no artigo 71.º, n.º 4, do CCP, mas impunha-se à Demandada que, perante relevantes elementos susceptíveis de integrar uma anomalia do preço, solicitar os esclarecimentos necessários ao cabal esclarecimento do preço e com isso assegurar as suas obrigações enquanto entidade adjudicante, nos termos previstos no artigo 71.º, n.º 3, do CCP.
Temos assim que, perante factores e elementos que indicavam possíveis anomalias no preço por insuficiência para suportar, desde logo, os custos base inerentes à prestação do serviço incorridos enquanto empregadora, exigiam a formulação de um juízo de anomalia.
Aquela seria uma operação vinculada, à qual a entidade adjudicante está adstrita e que, não a tendo cumprido, inquina o procedimento, por vício de violação de lei, devendo proceder o pedido anulatório.
Estava assim obrigada a entidade demandada a iniciar o subprocedimento de justificação da anomalia de uma proposta, por força do disposto no artigo 71.º, n.º 3 e 4, do CCP, onde solicitasse previamente ao concorrente os esclarecimentos, por escrito e em prazo adequado, relativos aos elementos constitutivos relevantes da proposta e, da análise dos esclarecimentos, dentro da sua margem de apreciação e de decisão, tomar em consideração as justificações e formar o seu juízo de anomalia.
Não tendo feito e considerando que não previu qualquer critério para aferir o limiar do preço anormalmente baixo, impõe-se que o faça e formule as suas ponderações próprias sobre uma possível anomalia, nos termos previstos no artigo 71.º, do CCP, o que impede a procedência do pedido condenatório formulado pela Autora.
De facto, verificando-se que, nos termos do CCP, se impõe à entidade adjudicante que proceda à abertura de um subprocedimento para que formule ela própria um juízo de anomalia sobre o preço proposto, não pode o tribunal substituir-se nessa tarefa, o que determina a improcedência do pedido de condenação da entidade a proferir decisão de exclusão da proposta da Autora.
Em conclusão, deve o acto de adjudicação ser anulado, retomando-se o procedimento, de forma a dar cumprimento ao disposto no artigo 71.º, n.º 3, do CCP.”

E o assim bem decidido é para manter.

Com efeito, no concurso público em análise, no respectivo anúncio e no artigo 10º do CE, foi fixado preço base do procedimento em €90 000,00 mais IVA, especificando o nº 2 deste artigo que “O preço base é o preço máximo que a Câmara Municipal de Sintra se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o seu objecto” (cfr. facto C)). O que, nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 70º do CCP, determinou a exclusão das propostas em que o preço contratual [o aí indicado como aquele pelo qual o concorrente está disposto a contratar] se revelou superior ao preço base.
Na alínea A) da Cláusula 16ª do Programa do Concurso, com a epígrafe “Preço anormalmente baixo” consta: “Não aplicável a este procedimento”.
O preço contratual indicado na proposta da Recorrida, de €39 817,44 sem IVA, é inferior 50% do preço base o que, na vigência da referida anterior versão do nº 1 do artigo 71º do CCP, teria automaticamente determinado que fosse considerado um preço anormalmente baixo.
Na actual versão do mesmo artigo 71º, com a epígrafe “Preço ou custo anormalmente baixo” prevê-se:
“1 - As entidades adjudicantes podem definir, no programa de concurso ou no convite, as situações em que o preço ou o custo de uma proposta é considerado anormalmente baixo, tendo em conta o desvio percentual em relação à média dos preços das propostas a admitir, ou outros critérios considerados adequados.
2 - A entidade adjudicante deve fundamentar a necessidade de fixação do preço ou do custo anormalmente baixo, bem como os critérios que presidiram a essa fixação, designadamente os preços médios obtidos na consulta preliminar ao mercado, se tiver existido.
3 - O órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar a decisão de exclusão de uma proposta com essa justificação, solicitando previamente ao respetivo concorrente que preste esclarecimentos, por escrito e em prazo adequado, relativos aos elementos constitutivos relevantes da proposta.
(…)”.
Significando que o legislador entendeu, mesmo nos casos em que é indicado o preço base e na falta de previsão no anúncio ou em norma concursal, não manter o mecanismo de qualificação legal ou automático do preço anormalmente baixo, consagrado na anterior redacção do nº 1, deixando à discricionariedade da Administração fixar ou não, o que entende por preço anormalmente baixo e, em caso afirmativo, fazê-lo de forma fundamentada, por referência a critérios, como os referentes à média de preços das propostas ou de mercado, tidos por adequados a permitir identificar o desvio significativo do preço passível de determinar a exclusão da correspondente proposta do procedimento.
Donde, o tribunal recorrido entende, e bem, que tal poder discricionário se limita à indicação no anúncio e nas peças contratuais do que considera ser o preço anormalmente baixo, mas a Administração continua a estar vinculada a casuisticamente verificar se existem indícios de existência de anomalia nalgum dos preços das propostas apresentadas, designadamente por evidenciar um desvio acentuado, para baixo, em relação aos dos das propostas dos restantes concorrentes, e a desencadear o subprocedimento, previsto no nº 3 do artigo 71º do CCP, solicitando ao concorrente que a tenha apresentado esclarecimentos sobre os elementos constitutivos relevantes da mesma.
No caso em apreciação o júri do procedimento, na análise das propostas apresentadas apenas admitiu a da Recorrida. Uma concorrente apresentou declaração justificativa de não apresentação de proposta por o valor expectável (de €111 700,00/ano) para poder concretizar o serviço a concurso, atendendo aos custos com recursos humanos, material, deslocações, serviços administrativos e custos fixos partilhados, exceder o preço base do procedimento. Outra proposta foi excluída por o preço total apresentado, de €87 180,00, respeitar a apenas a 24 meses (logo, multiplicado por 2, excederia o preço base). Outra concorrente foi excluída por não ter apresentado documentos da proposta. A última concorrente viu, também, a sua proposta ser excluída por o preço contratual ser superior ao preço base. Restou, repete-se, apenas a proposta da Recorrida com um preço contratual abaixo dos 50% do preço base.
No relatório final o júri desconsiderou a pronúncia da Recorrida - em sede de audiência prévia, de que incorreu em erro na formação da vontade ou a sua proposta quanto ao preço mostra-se violadora de disposições legais laborais, enquanto empregadora, na fase de execução do contrato, juntando nota justificativa de que os custos a suportar com os técnicos, equipamentos e produtos será de €124 373,35, excedendo o preço base -, não aceitando o erro invocado e considerando que não sabe nem tem obrigação de saber a proveniência dos recursos financeiros para pagamento dos recursos humanos e equipamentos por parte da Recorrida e, por considerar não haver que excluir a proposta ao abrigo da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP, manteve a proposta de adjudicação [factos M) a P)].
Mas mesmo antes da pronúncia da Recorrida, na comparação das propostas apresentadas e validamente instruídas, o júri/Recorrente deveria ter estranhado que, quanto ao preço, apenas a da Recorrida não só ficava abaixo do preço base como nem sequer chegava a metade do valor deste, levando-o a considerar haver indícios que apontassem para um sério risco de incumprimento na fase de execução do contrato e o determinasse a exercer o poder discricionário de fixar um preço anormalmente baixo e a obter esclarecimentos da Recorrida sobre os elementos constitutivos do preço contratual proposto, com vista a poder qualificar a proposta desta como de preço anormalmente baixo, determinante da sua exclusão ao abrigo da alínea e) do nº 2 do referido artigo 70º, ou não, caso em que será mantida a decisão de adjudicação.
Serve o expendido para afirmar que o tribunal recorrido não pretendeu substituir-se à Administração a quem, ao cumprir o decidido, caberá com discricionariedade ainda que forma fundamentada, ajuizar se é de fixar o preço anormalmente baixo e qualificar ou não, a proposta da Recorrida em conformidade com o critério e valor fixados, bem como os esclarecimentos prestados por esta.
Pelo que não procede este fundamento do recurso.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida nos termos da argumentação aqui expendida.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida com a fundamentação indicada.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15 de Outubro de 2020.

(Lina Costa – relatora que consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Carlos Araújo e Ana Paula Martins).