Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:36/17.2 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:ALÇADAS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
JULGAR PREJUDICADO
Sumário:I-Inexistindo alçadas nos tribunais arbitrais, independentemente do valor da ação, desde que os fundamentos se subsumam no artigo 28.º do RJAT, e seja cumprido o prazo consignado no artigo 27.º, nº1, do mesmo diploma legal, é sempre possível apresentar impugnação arbitral.
II-A nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
III-As questões, por um lado, não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, e por outro lado, abrangem todas as que são colocadas pelas partes, incluindo, naturalmente, as questões suscitadas na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, configurem elas, defesa por impugnação, ou defesa por exceção.
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu impugnação de decisão arbitral, ao abrigo do artigo 28.º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, dirigida a este Tribunal visando Decisão Arbitral Singular proferida no processo n.º 493/2016-T , que julgou procedente o pedido de anulação deduzido por N. M., referente ao ato de liquidação relativo ao Imposto Único de Circulação (IUC), correspondente ao ano de 2016, respeitante ao veículo com a matrícula: 1..-9..-S.., com o consequente reembolso no valor total de €534,16, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.

«1.ª A presente impugnação visa reagir contra a decisão arbitral proferida a 2017-02-09 pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no âmbito do processo n.º 493/2016-T que correu termos no CAAD;

2.ª A decisão proferida pelo referido Tribunal Arbitral Singular padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido de três questões essenciais sobre as quais se deveria ter pronunciado [artigo 28°/1-c) do RJAT];

3.ª Por via do pedido de pronúncia arbitral visou o impugnado colocar em crise uma liquidação de IUC;

4.ª A impugnante deduziu Resposta àquele pedido de pronúncia arbitral mediante a apresentação de articulado através do qual: (i) defendeu que o artigo 3º do CIUC não contém qualquer presunção ilidível; (ii) colocou em causa o valor probatório dos documentos juntos pelo Impugnado, suscitando a (ii.a) ausência dos requisitos formalmente exigidos para as faturas no caso vertente e a perda da presunção de veracidade do Documento 2 junto à p.i. e (ii.b) apontando a discrepância de identidade entre o alegado adquirente e o alegado adquirente que figura na pretensa “fatura”, mediante a apresentação do Documento 2 junto à Resposta; (iii) suscitou a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Impugnado relativamente ao artigo 3.° CIUC: e, por fim, (iv) pugnou pela sua não condenação ao pagamento de juros indemnizatórios e custas arbitrais face à inércia do impugnado;

5.ª Cada uma destas questões foi devidamente desenvolvida pela Impugnante ao longo do seu articulado e era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor;

6.ª O Tribunal Arbitral Singular entendeu que as questões a decidir se limitavam ao seguinte: «[i] 4 impugnação feita pelo Requerente relativa à liquidação material do ato de liquidação, relativamente ao ano de 2016, referente ao IUC sobre o veículo supra referenciados (sic) na PI; (ii) A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo; [iii] O valor jurídico do registo do veículo automóvel.»

7.ª O Tribunal Arbitral Singular apreciou as questões por si elencadas, as quais correspondem, no essencial, às questões suscitadas pelo próprio Impugnado;

8.ª Contudo, não só o referido elenco de questões fixado pelo Tribunal Arbitral Singular omitiu por completo as questões suscitadas por banda da impugnante [a saber: (i) ausência dos requisitos formalmente exigidos para as faturas no caso vertente e a perda da presunção de veracidade do Documento 2 junto à p.i., (ii) a discrepância de identidade entre o alegado adquirente e o alegado adquirente que figura na pretensa "fatura”, face ao Documento 2 junto à Resposta e (iii) a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo impugnado relativamente ao artigo 3.° CIUC], como, pior, o discurso fundamentador da decisão arbitrai não lhes reservou uma só palavra:

9.ª As questões a decidir não eram exclusivamente as questões suscitadas pelo Impugnado, mas, sim, também as questões suscitadas pela impugnante, pois de outro modo de nada serve o contraditório corporizado na Resposta oportunamente apresentada;

10.ª Para mais quando a "fatura” sobre a qual o Tribunal Arbitral Singular se estribou na sua decisão foi inequivocamente colocada em causa mediante a referida suscitação por parte da Impugnante de duas questões nucleares: (i) a fatura tinha ou não tinha os requisitos exigidos na lei fiscal? (ii) A fatura revelava ou não o “trato sucessivo” da pretensa venda feita peio Impugnado?;

11.ª Ao ignorar estas duas questões fundamentais e ao olvidar por completo o Documento 2 junto à Resposta, o Tribunal Arbitral Singular não incorreu em qualquer erro de apreciação da prova, mas, sim, numa inequívoca omissão de pronúncia;

12.ª A verificação in casu dos requisitos formais em torno da “fatura'’ e a discrepância de identidade entre o alegado adquirente e o alegado adquirente patente na “fatura" constituem verdadeiras questões e não meros argumentos, pelo que jamais o Tribunal Arbitral Singular poderia deixar de emitir uma pronúncia, por mínima que fosse, até porque estribou a sua decisão precisamente na "fatura” como talqualmente ela foi apresentada pelo Impugnado;

13.ª A verificação in casu dos requisitos formais em torno da "fatura" e a discrepância de identidade entre o alegado adquirente e o alegado adquirente patente na "fatura" constituíam questões que em momento algum ficaram prejudicadas, até porque nenhum argumento adicional foi levado aos autos apôs a sua oportuna suscitação na Resposta apresentada pela Impugnante;

14.ª O mesmo sucede relativamente à questão das inconstitucionalidades suscitadas pela Impugnante em torno da interpretação feita pelo Impugnado (e, por conseguinte, pelo próprio tribunal) em torno do artigo 3.° do CIUC, ou seja, saber se tal interpretação é conforme aos princípios da segurança e da confiança jurídicas, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade;

15.ª Nenhuma relação de dependência jurídica existe entre a interpretação da lei em torno do artigo 3.° do CIUC feita pelo Tribunal Arbitral Singular e as inconstitucionalidades suscitadas pela impugnante que justificasse a omissão em que incorreu aquele areópago, conforme, aliás doutamente, se decidiu no acórdão proferido a 2015-04-23 pela 2ª Secção do 2.° Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo n.° 08224/14;

16.ª A decisão arbitral não padece de uma “mera'' fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma “decisão surpresa";

17.ª Acresce que, ao não cumprir um dos requisitos essenciais inerentes a uma decisão (i.e., a de convencer os seus destinatários) o Tribunal Arbitral Singular coartou irremediável e incompreensivelmente um dos poucos mecanismos de controlo que assistem à Impugnante: o recurso para o Tribunal Constitucional [artigo 70.°/1-b) da Lei 28/82, de 15 de novembro]:

18.ª Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a decisão arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser aquela declarada nula.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


***


O Recorrido, apresentou as suas contra-alegações, que se reproduzem de imediato:

«A) DA ADMISSIBILIDADE DA IMPUGNAÇÃO DA AT;

Neste recurso transmutado de impugnação, a que são aplicáveis as normas do recurso de apelação, a que, por sua vez, são aplicáveis as regras deste recurso previstas no CPTA, como comanda o disposto no art. 27°, n° 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo DL 10/2011, de 20-01.

Estabelece o art. 142°, n° 1, do citado compêndio processual administrativo que, tal recurso somente é admissível das decisões proferidas pelos tribunais administrativos que, em primeiro grau de jurisdição, tenham, conhecido do mérito da causa, no processo de valor superior à alçada do tribunal do qual se recorre.

Ora, não havendo regra semelhante no citado regime jurídico da arbitragem voluntária, o mesmo convoca a regra do recurso de apelação, a qual impede que o tribunal “ad quem” possa conhecer de recursos de decisões de processos que caibam dentro da alçada dos tribunais administrativos que, cm primeiro grau de jurisdição, tenham apreciado os litígios cujo valor não seja superior à alçada do tribunal recorrido.

Com efeito, no caso em apreço, o valor atribuído à causa, fixado na decisão impugnada, foi de € 534,16 (quinhentos e trinta e quatro euros e dezasseis cêntimos), muito inferior ao valor da alçada do tribunal administrativo de que se recorre - fixado no termos do art. 6º do ETAF - no valor de € 5000,00 (cinco mil euros), correspondente àquela definida para os tribunais judiciais de 1ª instância - art. 6º, n° 3, do ETAF.

Por conseguinte, a impugnação deduzida pela AT cabe no âmbito do poder de decisão do tribunal arbitral, sem que dele possa haver lugar à impugnação da decisão de mérito por ele proferida, mesmo segundo as regras da admissibilidade da apelação que, a acima referida disposição legal do RJAT manda aplicar a esta.

Logo, não é admissível a impugnação em apreço por ofender as disposições do CPTA e do ETAF que vedam o recurso de apelação de tais decisões, opção esta do legislador coerente com a intenção do mesmo em restringir o recurso/impugnação das sentenças arbitrais, por entender imprimir celeridade ao processo arbitral.

Pelo que, deve a impugnação deduzida ser rejeitada por carência de admissibilidade legal.

B) DO MÉRITO DA IMPUGNAÇÃO:

Contudo, sem conceder quanto ao anteriormente dito, somos de parecer que não se verifica o vício imputado à sentença arbitral como vertido na impugnação da AT, a saber a alegada omissão de pronúncia:

Transcrevendo o que foi escrito sobre esta matéria pelo TCA-SUL, em acórdão proferido por essa mesma secção;

“A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:

1 - Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;

2 - Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do art°.615, do C.P. Civil Nos termos do preceituado no citado art. 615, n°.1, al. d), do C.P. Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art .608, n°.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula. por vicio de “petitionem brems”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir; outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “rapes” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P. Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).

No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art°.125, n°.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág. 911 e seg.; ac. S.TA- 2ª.Secção, 24-1212011, rec.50/11; ac. T.CA.Sul – 2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac. T. CA.Sul-2ª. Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).

A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.CA.Sul-2a.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof Alberto dos Reis, CA.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág. 122 e seg.).

Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr art°s.596, nº 1 e 607, nºs. 2 a 4, do C.P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.art.123, n. 2, do C.P.P. Tributário). Ainda, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.art.608, n°.2, do C.P. Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto. o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.art°s. 577 e 578, do C.P. Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no art°.133, n°.2, do C.P Administrativo (cfr. ac.S.TA – 2ª. Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.CA.Sul-2.aSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac. T. CA. Sul-2 a. Secção, 18/9/2012, proc.3171 / 09; ac.T.CA. Sul – 2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Areas Editora, 6ª. edição, 2011,pág.365).”

Ora, se Vs. Ex.as bem examinarem a decisão arbitral impugnada, dela não extrairão o vício que a AT nela quer ver, a saber a omissão de pronúncia sobre as “questões” por si “suscitadas” que, na douta opinião da impugnante, o tribunal arbitral deveria ter conhecido.

Na verdade, este afastou implicitamente tais questões, mormente a respeitante à alegada inconstitucionalidade assacada pela AT à interpretação que aquele tribunal fez do art. 3º, n° 1, do CIUC, que, diga-se, é igualmente aquela que os tribunais administrativos fazem, veja-se neste sentido o douto acórdão do STA, onde em obiter dictum se escreveu:

“(...) Como decorre de ambas as decisões em confronto, (...), a divergência das mesmas centra-se no valor probatório atribuído à prova documental junta pelos sujeitos passivos para infirmaram a presunção consagrada no art. 3º, n 1 do Código de Imposto Único de Circulação, sendo que ambos os arestos consideram que se trata de uma presunção (a presunção de que é proprietário do veículo quem como tal figure no registo).”'

Outrossim, a AT no pedido com que rematou a respetiva resposta ao pedido de pronúncia arbitral formulado pelo aqui impugnado, apenas peticionou a improcedência da impugnação oposta à liquidação de IUC, nada mais tendo suscitado, mormente a tais “questões” que diz ter pedido que também sobre elas tivesse recaído pronúncia, sendo de aqui invocar também a analogia com o disposto no art. 552°, n° 1, do CPC, que impõe que na conclusão do articulado de contestação conste igualmente um pedido.

Ora, nesta apenas se concluiu genericamente pela improcedência do pedido do ali impugnante de anulação da liquidação, não houve pedido de declaração de inconstitucionalidade ou de falta de genuinidade do documento junto por aquele a fim de comprovar a alienação do veículo.

Outrossim, equivoca-se a impugnante quanto à alegada omissão de pronúncia arbitral sobre os requisitos legais da fatura junta aos autos, pois, a mesma concluiu pela observância na respetiva emissão da mesma dos requisitos legais previstos nas pertinentes disposições do CIVA.

Sobre a putativa inconstitucionalidade do art° 3º, n° 1, do CIUC, a pronúncia arbitral afastou-a ao fazer dela a mesma interpretação que fazem os tribunais administrativos, onde não consta que a AT aí tenha invocado a mesma, vide o acima referido ac. do STA.

Sobre a tão decantada “questão” da inconstitucionalidade da norma aplicada na pronúncia arbitral com um sentido que a AT aponta de ofensiva de disposição constitucional que nem sequer refere na sua resposta qual seja, conquanto apenas invoque alguns princípios constitucionais, sem mencionar o respetivo assento, mormente o princípio da confiança e da segurança jurídica, para dizer os mais substantivamente importantes, também aqui não se vê em que é que a pronuncia arbitral os tenha ofendido, pois, como o aqui impugnado disse no seu articulado, citando A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, que “Na incidência subjetiva não se registam alterações relativamente à situação que vigorou no âmbito dos extintos IMV, ICi e ICa”.

Assim sendo, como escreveram os ilustres comentadores sobre a “novidade” trazida pelo CIUC, não se vê em que é que a pronúncia arbitral impugnada tenha ofendido os princípios da confiança e da segurança jurídica, pelo que, dela não se respiga qualquer laivo de inconstitucionalidade.

Por último, parece-nos que se a AT mantinha a dúvida, deveria ter lançado mão do recurso de constitucionalidade, derivado da aplicação da disposição do CIUC que reputa de inconstitucional, com dispõe o art. 25°, n° 1, do RJAT, não o tendo feito, não pode vir agora através do presente meio impugnatório, obter o que não quis fazer através da interposição do recurso próprio.

Isto posto, a presente impugnação carece de fundamento legal, já que não obedece aos pressupostos fixados na lei para que a pronúncia arbitrai possa ser impugnada, mormente os constantes da enumeração taxativa que se faz no n° 1, do art. 28°, do RJAT, pelo que a mesma tem de ser rejeitada.

Termos em que, julgando Vs. Ex.as improcedente a impugnação da pronúncia arbitral, farão a melhor JUSTIÇA.”


***
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, veio oferecer aos autos o seu douto parecer, no sentido da inadmissibilidade do recurso.

***
Na sequência da resposta apresentada pelo Impugnado, e corroborada pelo DMMP, foi suscitada a inadmissibilidade do recurso atento o valor da ação, o Impugnante apresentou resposta no sentido de ser julgada improcedente a aludida exceção, na medida em que o artigo 27.º do RJAT apenas contempla como única limitação objetiva de reação à decisão arbitral os fundamentos taxativos que podem servir de base à impugnação arbitral.
***
Foi assegurado o contraditório relativamente à resposta do Impugnante, reiterando, no essencial, o Impugnado o teor da sua resposta.
***
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

***

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

“A decisão impugnada apresenta o seguinte teor:

RELATÓRIO

1.1– N. M. , com o NIF …66, Reclamante no procedimento tributário, acima e à margem referenciado, doravante, denominado “Requerente”, veio, invocando o disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a) e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e, no artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e nos números 1 e 2 alínea d) do artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular, com vista a:

- A anulação de um ato de liquidação relativo ao Imposto Único de Circulação (doravante designado por Requerente), correspondente ao ano de 2016, referente ao veículo com a matrícula: 1..-9..-S… (cfr. documento probatório, nº 2016 350908003, junto aos autos e, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

- O reembolso do valor total de €534,16 acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios previstos nos artigos 43º da LGT e no artigo 61º do CPPT.

1.2 Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular M., que comunicou a aceitação do encargo, no prazo aplicável:

-Em 19-10-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico,

-Pelo que, o tribunal arbitral foi constituído em 04-11-2016, conforme o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro;

-Perante a Resposta da Requerida (AT), em 07-12-2016, o Tribunal Arbitral, emitiu Despacho, em, 29-01-2017, no sentido de se efectuar dispensa, da reunião devida ao abrigo do artigo 18º do RJAT, determinando-se a prolação da Decisão Arbitral para o dia 10-02-2017.

1.3 A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

- A viatura, a que respeita o imposto único de circulação liquidado, não era, à data, do facto tributário, propriedade do Requerente, não sendo, a mesma, sujeito passivo do imposto, facto que lhe veda qualquer responsabilidade subjectiva pelo seu pagamento;

- O Requerente fundamenta a sua posição no facto de o veículo automóvel tributado, já ter sido vendido à “R. UNIPESSOAL, Lda”, em 23-04-2013 ( cfr., fatura, 130203, documento probatórios junto aos autos e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

-Defendendo, ainda, o Requerente que se deve ter em linha de conta” as disposições contidas nos artigos nºs: 29º e 36º, do CIVA”;

Não podendo, por isso, ser imputado à Requerente a propriedade do referido veículo, uma vez que com o ato de venda, se deu a transmissão da referida propriedade para o proprietário, que comprou o veículo designado;

- Sendo que, com a transferência do veículo, o mesmo deixou de estar na sua posse o que lhe retira a figura do “poluidor/pagador, não podendo, assim, ser sujeito passivo do imposto, face à letra e espírito do artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação;

-É um facto que o artigo 3º do CIUC, considera a propriedade do veículo automóvel, a pessoa em nome do qual o mesmo se encontre registado;

-Contudo, os registos dos veículos na competente Conservatória do Registo Automóvel, não é condição de transmissão de propriedade, uma vez que tal registo visa, somente, dar publicidade à situação jurídica dos bens, conforme resulta, designadamente, do preceituado no artigo nº 1 do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro;

-Pelo que a tributação tributária relativa ao CIUC não pode apenas incidir sobre quem conste no registo como proprietário dos veículos, há que considerar os seus efetivos proprietários, mediante presunção ilidível.

1.4 A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT), aquando da apresentação da Resposta, se retira que, o ato tributários, em crise, não enferma de qualquer vício de violação de Lei, pronunciando-se pela improcedência da requerida e pela manutenção do ato de liquidação questionado, defendendo, sumariamente o seguinte:

-Os sujeitos passivos do imposto único de circulação são as pessoas que figuram no registo como proprietários dos veículos, conforme o disposto no nº1 do artigo 3º do CIUC, o que no caso, sub judice, se verifica quanto ao Requerente;

-Verificando-se, para tal, que o registo do veículo esteja em nome de uma determinada pessoa para que a mesma corporize a posição de sujeito passivo da obrigação fiscal de IUC;

-Que notoriamente é errada a interpretação que o Requerente faz do preceituado no artigo 3º do CIUC, na medida em que incorre numa” interpretação enviesada da letra lei” e na adoção “de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, visando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal”, seguindo, ainda, a Requerente, uma “interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo, em apreço e, bem assim em todo o CIUC”;

-Põe, ainda, em causa a data da venda da viatura, apresentando um documento “da reformulação da empresa”;

-Contudo, entende-se que, por lapso, não verificou que a personalidade jurídica da empresa, em causa, não foi alterada, o que não põe em causa a data da compra da viatura, em questão (vide, Código das Sociedades Comerciais).

2 QUESTÕES DECIDENDAS

2.1 Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição escrita, das partes e, aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:

- A impugnação feita pelo Requerente relativa à liquidação material do ato de liquidação, relativamente ao ano de 2016, referente ao IUC sobre o veículo supra referenciados na PI;

- A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo;

- O valor jurídico do registo do veículo automóvel.

3 FUNDAMENTOS DE FACTO

3.1 Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente Tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:

-A Requerente apresentou elementos probatórios do veículo automóvel em questão, correspondente ao momento anterior ao período de tributação – cfr. documento probatório nº … que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

3.1.1 FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS PROVADOS

-Os factos dados como provados estão baseados na fatura nº 130203 (sendo relevante as disposições contidas nos artigos nºs: 29º e 36º, do CIVA), que comprova que o veículo, in casu, foi transferido para terceiros, em data anterior à liquidação do IUC, cfr., a supra citada fatura, elemento probatório, constantes da PI e, que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;

-Não sendo, também, de relevar a data da transformação da Firma: R., SA, para o efeito da data da compra da viatura, in casu, uma vez que não foi alterada a personalidade jurídica da referida empresa.

3.1.2 FACTOS NÃO PROVADOS

-Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

4.FUNDAMENTOS DE DIREITO

4.1 O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º nº 2, alínea a), 6º nº 1, 10º nº1, alínea a) e nº 2 do RJAT:

-As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, ex vi, artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo nº 1 da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março;

-O processo não enferma de nulidades;

-Não existindo questão prévia sobre a qual o Tribunal se deva pronunciar.

4.2 O pedido, objecto do presente processo é a declaração de anulação do ato de liquidação do IUC relativo ao veículo automóvel melhor identificado no processo.

4.2.1 Condenação da AT ao reembolso do montante do imposto relativo a tal liquidação no valor de € 534,16;

4.2.2 Condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o mesmo montante.

4.3 Segundo o entendimento da AT, basta que no registo, o veículo conste como propriedade de uma determinada pessoa, para que essa pessoa seja o sujeito passivo da obrigação tributária.

4.4 A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 3.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas, identificadas no nº 2.1 supra, sendo certo que a questão central, em causa, nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível.

4.5 Tudo analisado e, tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra e, considerando, por outro lado que a questão central a decidir é a de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste contexto, apreciar e proferir decisão.

5 QUESTÃO DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÂO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJETIVA DO IUC

5.1 Considerando ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas exceções e particularidades ditadas pela própria Lei, objeto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.

É consensualmente aceite que tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se, a priori, em reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar o seu sentido literal, valorando-o e aferindo-o à luz de outros critérios, intervindo, os designados elementos de natureza lógica, racional ou teleológicos e de ordem sistemática:

- A propósito da interpretação da lei fiscal, há a considerar a jurisprudência, nomeadamente, os Acórdãos do STA de 05-09-2012, processo nº 0314/12 e de 06-02-2013, processo 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9º do Código Civil (CC), enquanto elemento fundamental da hermenêutica jurídica;

- Dispõe o nº 1 do artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”;

-A formulação usada no referido, artigo, socorre-se da expressão “considerando-se” o que suscita a questão de saber se, a tal expressão pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se à expressão “presumindo-se”, trata-se de expressões frequentemente utilizadas, com sentidos equivalentes;

-Como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I , 6ª Edição, Área Editora, SA, Lisboa 2011, p. 589, que em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos dessas presunções, referindo-se a constante no artigo 40º, nº 1 do CIRS, em que se usa a expressão “ presume-se” e a constante no artigo 46º nº 2, do mesmo Código, em que se faz uso da expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e consubstanciando, igualmente, uma presunção;

-Na formulação legal exarada no nº 1 do artigo 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada pela expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão;

-O uso da expressão “considerando-se” mais não visou do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efectivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido `a propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 6º do CIUC;

- A relevância e o interesse da presunção, em causa, que historicamente foi revelado por intermédio da expressão “presumindo-se” e que agora, se serve da expressão “considerando-se”, reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais e, que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Se o caso, assim não fosse considerado, não se admitindo e relevando a apresentação de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efectivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo e, que inicialmente, e em principio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objectivamente postergados.

5.2 Há a considerar, também, o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, que tem subjacente o princípio do poluidor-pagador e, concretiza a ideia nele inscrita de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido principio tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 66º da constituição, tendo, também, assento no direito comunitário, seja ao nível do direito originário, artigo 130º-R, do Tratado de Maastrich (Tratado da União Europeia, de 07-02-1992), onde o aludido principio passou a constar como suporte da Politica Comunitária, no domínio ambiental e que visa responsabilizar quem contribui com os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles devem suportar.

5.3 Atentos os factos supra descritos, importa salientar que os já referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam as respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo, assim entender-se que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, o que significa que os sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, essas pessoas, identificadas nessas condições a quem a AT se deve, necessariamente, dirigir;

- Mas será, em princípio, dado que no quadro de audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado ou redireccionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efectivo, sujeito passivo do imposto em causa.

- O contribuinte tem o direito de ser ouvido, mediante audição prévia (José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 2000, anotação 8 do artigo 100º).

- A audição prévia que, naturalmente, se há de concretizar em momento imediatamente anterior ao procedimento da liquidação, corresponde à sede e altura própria para, com certeza e segurança, se identificar o sujeito passivo do IUC.

6 SOBRE O VALOR JURÍDICO DO REGISTO

6.1 Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar o que estabelece o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro (diversas vezes alterado, sendo a última por via da Lei nº 39/2008, de 11 de Agosto), quando estatui que “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”:

-O artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável, supletivamente, ao registo de automóveis, por força do artigo 29º do CRA, dispõe que” O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”;

- O registo definitivo não constitui mais do que uma presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo ver-se, entre outros os Acórdãos do STJ nº 03B4369 de 19-02-2004 e nº 07B4528, de 29-01-2008, disponíveis em: www.dgsi.pt;

-Portanto, a função legalmente reservada ao registo é por um lado a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso em apreço, dos veículos e, por outro lado, permite-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador;

-Os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele;

-Neste contexto cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do artigo 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso sub judice, veículo automóvel, é determinado por mero efeito do contrato, sendo que nos termos do disposto na alínea a) do artigo 879º do CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa;

-Face ao exposto, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido de que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC, consagra uma presunção “juris tantum, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa, que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.

7A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3ºDO CIUC E A DATA EM QUE O IUC É EXIGIVEL

7.1A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3º DO CIUC

-A AT considera que a presunção que existe no nº 1 do artigo 3º do CIUC é decorrente de uma interpretação contra legem, decorrente de uma leitura enviesada da letra da lei e, por isso, violadora da unidade do sistema jurídico, contudo, e salvo o respeito devido, o entendimento da jurisprudência vai no sentido de que se deve considerar a existência de uma presunção legalmente ilidível, pelo que consequentemente serve os valores e interesses questionados, quer ao nível da justiça fiscal material, quer ao nível das finalidades ambientais visadas pelo IUC;

-No referente à unidade do sistema jurídico é de relevar tudo o que foi supracitado, nomeadamente, sobre o ratio do artigo 1º do CIUC; sobre as normas e princípios da LGT; sobre as normas pertinentes e aplicáveis ao registo de veículos automóveis, sobre a interpretação que melhor serve e alcança a mencionada unidade e assegura a conexão dessas mesmas normas, considerando-se a presunção legal que se encontra preceituado no artigo 3º do CIUC.

7.2DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

-O IUC é um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia no ato da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 4º do CIUC;

-É exigível nos termos do nº 3 do artigo 6º do referido Código;

-Sendo de referir que, quanto à liquidação do IUC tributado ao Requerente sobre o veículo, supra referenciado, no ano de 2016, não é de considerar, porque ao momento do facto tributário a viatura já não lhe pertencia, pois o referido veículo foi vendido a terceiro, no ano de 2013, cfr. o documento probatório, já supra citado e, anexo aos autos e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7.2.1 Em relevância sobre o ónus da prova, estipula o artigo 342º nº 1 do CC: “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;

7.2.2 Também o artigo 346º do CC (contra prova) determina, que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contra prova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” (Como afirma Anselmo de Castro, A., 1982, ED. Almedina Coimbra, “Direito Processual Civil Declaratório”, III, p. 163, “recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor contra prova, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosa os factos alegados pela primeira”.

Assim, no caso dos autos, o que a Requerente tem que provar, afim de ilidir a presunção que decorre quer do artigo 3º do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela, Requerente, não era proprietária do veículo, em causa, no período a que dizem respeito a liquidação impugnada. Propõe provar, segundo resulta dos autos, é que a propriedade do veículo, não lhe pertencia no período a que a liquidação diz respeito, cfr., documento anexo ao RH, constantes do PA, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

7.3 ILISÃO DA PRESUNÇÃO

- A Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser proprietário do veículo, aquando da ocorrência do facto tributário, referenciando, para o efeito o seguinte documento:

- Fatura nº 130203 (junto aos autos) que comprova a transferência da propriedade do respectivo veículo automóvel, para terceiros;

-Desta forma, a propriedade do referido veículo, já não lhe pertencia, não podendo, por isso usufruir da sua utilização, desde data anterior aquela em que o IUC era exigível, corporizando, assim, meios de prova com força bastante e adequada para ilidir a presunção fundada no registo, conforme o preceituado no nº 1 do artigo 3º do CIUC, documento, esse, que goza, da presunção da veracidade prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT. Decorrendo do exposto que, à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade do veículo automóvel não era o Requerente

8 OUTRAS QUESTÕES RELATIVAS À LEGALIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO

-Relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos atos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimentos dos vícios, tal como o previsto no artigo 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.

9 REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO

-Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT e, em conformidade com o aí estabelecido, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários “Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário, objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”

-Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso, ex vi, do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, correspondendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

-O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, referenciado, neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios e indemnizatórios, como forma de alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

10 DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

- A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um ato administrativo confere ao destinatário do ato o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do ato anulado.

-No âmbito da liquidação do imposto, a sua anulação confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago e, em regra, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT.

- Pelo que tem, o Requerente, direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago, referente à liquidação anulada.

11 DECISÃO

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

- Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante ao ano de 2016, relativamente ao veículo automóvel identificado no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários;

-Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 534,16 Euros, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, legalmente devidos, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

VALOR DO PROCESSO:

- Em conformidade com o disposto nos artigos 306º nº 2 do CPC e 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 534,16 Euros.

CUSTAS:

- De harmonia com o nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária Aduaneira.”


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no processo n.º 493/2016-T, que julgou procedente o pedido de anulação do ato de liquidação relativo ao IUC, correspondente ao ano de 2016, respeitante ao veículo com a matrícula: 1..-9..-S.., com o consequente reembolso no valor total de €534,16, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar:

Ø Se a dedução da impugnação arbitral está sujeita à alçada dos recursos jurisdicionais e, em caso afirmativo, se o recurso deve ser indeferido ao abrigo do artigo 145.º, nº2, alínea a), do CPTA;

Ø Improcedendo a aludida questão prévia se a decisão impugnada padece de nulidade por omissão de pronúncia;

Apreciando.

Comecemos pela questão inerente à alçada da presente impugnação arbitral.

A Impugnada sustenta que o valor da presente impugnação arbitral é de €527,00 e nessa medida o “recurso” não é admissível atenta a alçada do Tribunal de 1ª instância, ou seja, €5.000,00, e em ordem ao consignado no artigo 280.º, nº2 do CPPT, ex vi artigo 44.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, por remissão do consignado no artigo 27.º, nº2 do RJAT.

Dissente a Impugnante alegando que, contrariamente ao expendido pela Impugnada, o artigo 27.º do RJAT não prevê uma regra especial de limitação quanto ao valor do processo, razão pela qual não podem ser aplicáveis as regras gerais relacionadas com a alçada.

Sublinha, neste particular, que a limitação decorrente da alçada apenas se aplica às decisões proferidas pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, sendo que a única limitação expressamente prevista em torno da impugnação arbitral é a que consta do próprio artigo 27.º, nº1 do RJAT concernente aos fundamentos da própria impugnação.

Apreciando.

Importa, desde já, evidenciar que a razão está do lado da Impugnante porquanto os processos arbitrais não têm alçada.

Senão vejamos.

De facto, o artigo 27.º, nº2 do RJAT, sob a epígrafe de “impugnação da decisão arbitral” dispõe que: “Ao pedido de impugnação da decisão da decisão arbitral é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso de apelação definido no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

Porém, essa não é, necessariamente, uma remissão global para o regime do recurso constante do CPTA.

“Para além das regras estabelecidas no nº1, nos termos do nº2 do artigo 27.º são aplicáveis à impugnação da decisão arbitral em matéria tributária as regras definidas no regime do recurso de apelação tal como definido no CPTA. A propósito do recurso de apelação, o artigo 149.º do CPTA regula os poderes do tribunal de apelação, que se sabe já ser, por regra, o tribunal administrativo de 2ª instância, i.e o TCA, do Norte ou do Sul. (…)

Do exposto neste artigo do CPTA, em boa verdade, apenas a norma constante do nº2 poderá ser aplicável. Deste modo, quando no âmbito da análise da impugnação da decisão arbitral haja lugar à produção de prova dispõe o nº2 do artigo 149.º do CPTA que, adaptado ao caso em apreço, deverão ser aplicáveis às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto á instrução, discussão, alegações e julgamento em 1ª instância. (…) Pelo contrário, a aplicação das normas constantes dos nºs 1, 3, 4 e 5 daquele artigo 149.º do CPTA, fica impossibilitada por razões de ordem teleológica."(1)

Assim se ajuíza, desde logo, atentas as diferenças substanciais entre o recurso propriamente dito e a impugnação regulamentada nos artigos 27.º e seguintes do RJAT.

Com efeito, no RJAT consagrou-se a regra da irrecorribilidade da decisão arbitral em matéria tributária, porquanto não permite recurso de mérito da decisão arbitral nem para uma segunda instância arbitral, nem para os tribunais judiciais.

Admite, contudo, o artigo 25.º o recurso para o Tribunal Constitucional e o recurso de oposição de acórdãos para o STA, consignando, outrossim, o artigo 27.º do RJAT a possibilidade de impugnação da decisão arbitral.

De sublinhar, neste particular e como já evidenciado anteriormente, que existem diferenças substancias entre o recurso e a impugnação, e isto porque enquanto o recurso permite realizar, na verdadeira aceção da palavra, um controlo efetivo do mérito da decisão arbitral, na ação de impugnação arbitral o controlo restringe-se, tão-só, aos aspetos procedimentais e processuais.

Note-se que, enquanto o recurso, por regra, tem natureza substitutiva, a ação de impugnação é meramente cassatória, ou seja, o tribunal apenas tem competência para anular a decisão, não podendo, assim, substituir-se ao tribunal cuja decisão se impugna.

Aduza-se, aliás, que da leitura do artigo 24.º, nº1, do RJAT se retira, outrossim, a inexistência de alçada em termos arbitrais.

É certo que a fórmula utilizada pelo legislador não é, de todo, a mais clara e feliz, mas a verdade é que se retira que a referência “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação” tem de ser interpretada como reportando-se apenas às decisões de que já não caiba recurso ou impugnação por terem decorrido os respetivos prazos de interposição.

Como esclarece Jorge Lopes de Sousa “[n]ão é precisa a referência “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação”, pois, não havendo alçada nos tribunais arbitrais, de todas as decisões arbitrais sobre o mérito da pretensão há possibilidade de recurso e de impugnação (independentemente da consistência dos seus fundamentos)". (2)(destaque e sublinhado nosso).

Neste sentido, vejam-se, também, os Acórdãos prolatados por este Tribunal no âmbito dos processos nºs 114/19, de 21 de maio de 2020 e 8168/14, datado de 07 de maio de 2020.

Ora, face a todo o exposto, inexistindo alçadas nos tribunais arbitrais, promana evidente a improcedência da esteira de entendimento da Impugnada, pois independentemente do valor da ação, desde que os fundamentos se subsumam no artigo 28.º do RJAT, e seja cumprido o prazo consignado no artigo 27.º, nº1, do RJAT, é sempre possível apresentar impugnação arbitral.

Aqui chegados, improcedendo a aludida questão prévia, importa atentar na nulidade assacada pela Impugnante, e como visto, coadunada com a omissão de pronúncia.

Vejamos, então.

Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:

“a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b-Oposição dos fundamentos com a decisão;

c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;

d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2". (3)

Preceitua o artigo 125.º, nº1, do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

De harmonia com o disposto no artigo 615.º alíneas c), e) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe-se que é nula a sentença quando:

Apreciando.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.
Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS (4)“[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Vejamos, então, se assiste razão à Impugnante.

A Impugnante propugna que a decisão arbitral sub judice padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido de três questões essenciais sobre as quais se deveria ter pronunciado, concretamente, (i) ausência dos requisitos formalmente exigidos para as faturas no caso vertente e a perda da presunção de veracidade do Documento 2 junto à p.i., (ii) a discrepância de identidade entre o alegado adquirente e o alegado adquirente que figura na pretensa "fatura”, face ao Documento 2 junto à Resposta e (iii) a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo impugnado relativamente ao artigo 3.° CIUC.

Sublinha, para o efeito, que o Tribunal Arbitral Singular entendeu que as questões a decidir se limitavam ao seguinte: «[i] 4 impugnação feita pelo Requerente relativa à liquidação material do ato de liquidação, relativamente ao ano de 2016, referente ao IUC sobre o veículo supra referenciados (sic) na PI; (ii) A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo; [iii] O valor jurídico do registo do veículo automóvel.”

Ignorando, por completo, as questões convocadas na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, as quais, naturalmente, carecem de apreciação, desde logo porque não representam meros argumentos, mas antes verdadeiras questões, e bem assim para esvaziar e retirar qualquer efeito útil ao exercício do contraditório.

Dissente a Impugnada, propugnando pela manutenção da decisão arbitral, porquanto, inversamente ao aduzido pela Impugnante foram apreciadas todas as questões arguidas, inexistindo, qualquer omissão de pronúncia.

Vejamos, então.

De relevar, ab initio, que as questões a apreciar pelo Tribunal abrangem todas as que são colocadas pelas partes, incluindo, naturalmente, as questões suscitadas na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, configurem elas, defesa por impugnação, ou defesa por exceção [ vide, neste sentido, Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 60/17.5BCLSB, de 17 de janeiro de 2019].

Pelo que, importa, então, começar por atentar no teor da resposta apresentada pela Impugnada em sede de pronúncia arbitral.

A, ora, Impugnante em sede de pronúncia arbitral, estrutura a sua resposta em diversos itens, reportando-se o ponto I à contextualização, o ponto II) intitulado de defesa por impugnação, convoca no subponto 1.A) o erro sobre os pressupostos, onde enuncia a incidência subjetiva do IUC, com a inerente assunção de inexistência de qualquer presunção legal.

Seguidamente, num outro item epigrafado “da interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime”, e mediante convocação da ratio legis e de paralelismos, mormente, em sede de usufruto, advoga que a falta de atualização do registo tem de ser imputável ao sujeito passivo do IUC.

Ulteriormente, e ainda no mesmo item, mas denominado de “II.1.C Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei”, mediante convocação de doutrina, de subsídios interpretativos, mormente, debates parlamentares, recomendações do Provedor da Justiça, defende que o IUC passou a ser devido pelas pessoas que, exclusivamente, constam no registo, para depois concluir que o ato tributário não enferma de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do artigo 3.º, nº2 do CIUC e artigo 6.º do mesmo Código, era o Requerente, na qualidade de proprietário, o SP do IUC.

Estabelecendo, depois, num outro item que intitula “quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção”, um erro de julgamento de facto, porquanto as consequências factuais não têm qualquer suporte, para depois sindicar os requisitos formais da fatura que esteve na génese da alegada ilisão da presunção, e a própria relação sinalagmática, convocando, para o efeito, Jurisprudência do CAAD e do TCAS.

Apresenta, depois, um outro ponto que apelida de “Da interpretação desconforme à CRP”, na qual expressamente, evidencia que caso o Tribunal venha a concluir pela existência de uma presunção ilidível constante no artigo 3.º do CIUC tal traduz uma violação do princípio da confiança, da segurança jurídica da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade.

Termina, in fine, com a alegação atinente à responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

Ora, atentando na descrita sistematização da resposta, e concretas causas de pedir, importa, então, analisar o que foi dirimido na decisão arbitral, para depois se aquilatar da concreta omissão de pronúncia.

A decisão arbitral estabeleceu, desde logo, como questão central a dirimir nos autos, a errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do IUC liquidado e cobrado, e nessa decorrência o valor jurídico inerente ao registo do veículo automóvel.

Concretizando, desde logo, no item atinente à fundamentação dos atos provados a concreta valoração dos documentos, dando por assumido o cumprimento dos requisitos consignados nos artigos 29.º e 36.º ambos do CIVA, daí extraindo as competentes asserções sinalagmáticas e em termos de transmissão da propriedade do bem, relevando, de forma expressa, que:

“Os factos dados como provados estão baseados na fatura nº 130203(sendo relevante as disposições contidas nos artigos nºs: 29º e 36º, do CIVA), que comprova que o veículo, in casu, foi transferido para terceiros, em data anterior à liquidação do IUC, cfr., a supra citada fatura, elemento probatório, constantes da PI e, que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais;

-Não sendo, também, de relevar a data da transformação da Firma: R., SA, para o efeito da data da compra da viatura, in casu, uma vez que não foi alterada a personalidade jurídica da referida empresa.”

Evidenciando, ulteriormente, e de forma expressa que “a questão central, em causa, nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível.”, estabelecendo, depois, nesse e para esse efeito, considerações preliminares e gerais sobre a interpretação das normas jurídicas, para depois concretizar a real interpretação atinente ao artigo 3.º do CIUC, substanciar o alcance de presunção legal e concluir que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra, efetivamente, uma presunção legal.

Após, convoca o valor jurídico do registo, apelando aos seus fins, mormente, publicidade e conclui que a aludida presunção é, naturalmente, ilidível, por forma a permitir “que a pessoa, que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.”

Em termos de concreta compatibilização da instituída presunção com a unidade do sistema jurídico e por forma a apartar a tese da AT, releva, de forma expressa, que essa interpretação e conceção não é violadora da unidade do sistema jurídico, realçando que “o entendimento da jurisprudência vai no sentido de que se deve considerar a existência de uma presunção legalmente ilidível, pelo que consequentemente serve os valores e interesses questionados, quer ao nível da justiça fiscal material, quer ao nível das finalidades ambientais visadas pelo IUC.”

Depois faz um enquadramento quanto à data da exigibilidade do IUC, com a devida transposição para o caso vertente e mediante apelo às regras do ónus da prova, conclui que “a propriedade do referido veículo, já não lhe pertencia, não podendo, por isso usufruir da sua utilização, desde data anterior aquela em que o IUC era exigível, corporizando, assim, meios de prova com força bastante e adequada para ilidir a presunção fundada no registo, conforme o preceituado no nº 1 do artigo 3º do CIUC, documento, esse, que goza, da presunção da veracidade prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT. Decorrendo do exposto que, à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade do veículo automóvel não era o Requerente.”

Termina depois com um item que apelida de “outras questões relativas à legalidade dos atos de liquidação” e na qual julga prejudicada a apreciação de qualquer outra questão concatenada com a legalidade do ato impugnado, evidenciando, de forma expressa que ”relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos atos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimentos dos vícios, tal como o previsto no artigo 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.”

Ora, face a todo o expendido ter-se-á de concluir que, inversamente, ao propugnado pela Impugnante a decisão arbitral analisou todas as questões convocadas, ou seja, a questão atinente aos requisitos formalmente exigidos para as faturas, dando, como visto, por adquirido o seu cumprimento e conformidade nos respetivos normativos, mormente, artigo 35.º do CIVA, desvalorizando qualquer discrepância de identidade entre os adquirentes, mormente, o contemplado na visada fatura, e bem assim a conformidade de tal interpretação à luz da unidade do sistema jurídico e sem que daí possa traduzir qualquer preterição da justiça fiscal material, donde de qualquer princípio constitucional basilar.

É certo que, inexiste um específico e particular apartar dos citados princípios constitucionais basilares, no entanto, tal em nada pode configurar qualquer omissão de pronúncia, porquanto, como visto, a visada decisão é perentória e julga prejudicada a apreciação de qualquer outra questão.

Logo, e independentemente da bondade de tal assunção, a verdade é que no caso vertente, foi, expressamente, entendido que quaisquer outras questões se encontravam prejudicadas. Donde, inexiste qualquer omissão de pronúncia, podendo, quando muito, existir um erro de julgamento, o qual, como é consabido, está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal.
Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Nessa medida, caso se verifique um fundamento de anulação, este Tribunal deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra.(5)

Como doutrinado no Aresto do STA, prolatado no processo nº 1619/10, de 27 de novembro de 2019: “Inexiste omissão de pronúncia quando a sentença responda a todas as questões de fundo que tenham sido formuladas na impugnação.”

Explicitando, de forma expressa, no Acórdão do STA, proferido em Plenário da Secção de Contencioso Tributário, no âmbito do processo nº 0802/10, de 16 de novembro de 2011:

“A nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, só existe quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.”

Uma última nota para relevar que, não obstante a Impugnante faça uma alusão ao princípio do contraditório, a verdade é que nada substancia para efeitos de violação do aludido princípio, comportando, assim, uma alegação genérica e conclusiva, não carecendo, por isso, de qualquer considerando atinente ao efeito.

Assim, tudo visto e ponderado, improcedem na íntegra todos os fundamentos da presente impugnação.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO.

Condena-se a Impugnante em custas.

Registe. Notifique.


Lisboa, 19 de dezembro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Tânia Meireles da Cunha)

(Jorge Cortês)

















1) Carla Castelo Trindade Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina: 2016, pp.518 e 519.
2) Guia da Arbitragem Tributária revisto e atualizado: Almedina:3ª edição, p.214.
3) Relativamente à enumeração taxativa do artigo 28.º do RJAT, vide designadamente, os seguintes Acórdãos do TCA Sul 19/2/2013, processo nº 5203/11; 21/5/2013, processo 5922/12 e 29/6/2016, proc.9420/16; Vide, igualmente, Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seguintes.
4) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143
5) cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes.