Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:195/07.2BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL
AVALIAÇÃO FISCAL
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. A contribuição especial incide sobre o aumento de valor do património de particulares em resultado de obras públicas, que não lhes são individualmente dirigidas, mas que reflexamente os beneficia.

II. Em sede de contribuição especial, o facto tributário é o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana, balizado temporalmente pela diferença entre o valor do prédio à data em que foi requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1992 (cfr. artigos 1.º e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 51/95, de 20 de Março.).

III. O acto de avaliação realizado pela comissão de avaliação prevista no Regulamento Especial de Contribuição Especial, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 51/95, está sujeito ao dever de fundamentação, por força do dever geral de fundamentação dos actos tributários (cfr. artigos 268.º da CRP, 125.º CPA e 77.º e 84.º, n.º 3 da LGT), e pela obrigatoriedade expressa no n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento, o qual deve referir a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos valores que influenciaram a avaliação na determinação do valor do prédio.

IV. O facto de o contribuinte ter estado representado na comissão de avaliação, nos termos do n.º 1, do artigo 4.º do Regulamento da Contribuição Especial, não dispensa, nem limita o dever de fundamentação do acto avaliativo.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, proferida em 20/04/2012, que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por B... – Sociedade Imobiliária, S.A, contra a liquidação de contribuição especial criada pelo Decreto-Lei nº 51/95 de 20 de Março, no valor de € 35.506,65.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1 - Todo o Procedimento de avaliação deve ser visto no seu conjunto, como um todo.

2 - Resulta de forma clara e inequívoca que se a ora Impugnante, analisar o conteúdo de todos os atos que conduziram ao apuramento do imposto, em sede de Contribuição Especial, do qual têm conhecimento, a fundamentação resulta cristalina, sem ambiguidades, obscuridades, ou qualquer contradição.

3 - No termo de avaliação são identificados os critérios em obediência aos quais foram encontrados os valores, em cumprimento estrito do disposto no Dec.-Lei n.º 51/95 de 20 de Março.

4 - O direito de participação na formação da decisão administrativa é assegurado através da inclusão do contribuinte ou alguém por si indicado, naquela Comissão de Avaliação.

5 - E o "Termo de Avaliação" foi assinado pelo perito nomeado pelo contribuinte, o qual esteve presente, resultando da Prova Testemunhal que concordou com os valores fixados.

6 - Pelo que o ato de avaliação, em sede de Contribuição Especial, encontra-se devidamente fundamentado, no respetivo "Termo de Avaliação".

7 - Tanto mais que, na comissão de avaliação esteve presente perito nomeado pela Impugnante, o qual teve perfeito conhecimento do iter cognoscitivo e valorativo dos louvados;

8 - Pelo que, a douta Sentença fez uma incorreta interpretação dos factos;

9 - Também fez, a douta Sentença, uma incorreta aplicação dos Art.ºs 77 e 84.º n.º 3, ambos da LGT;

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ª Ex.ª se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.»

3. A recorrida apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

TERMOS EM QUE, com a improcedência do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos, assim se cumprindo a Lei e se fazendo JUSTIÇA!

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, foi apresentado parecer no sentido da procedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 684.º, nº s 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 do CPC (actuais artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC) ex vi artigo 281.º do CPPT.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na interpretação dos factos e na aplicação dos artigos 77.º e 84.º, n.º 3, ambos da Lei Geral Tributária.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) – Foi apresentada no Serviço de Finanças de Moita a declaração para efeitos de liquidação de contribuição especial mod. 1 em nome de B... – Sociedade Imobiliária, S.A , relativamente a um prédio inscrito na matriz sob o artigo 1... com a área de 5361m2, acompanhada do alvará de obras de construção nova nº L-65/2006 (cfr. fls. 16/34 do processo administrativo em apenso)

B) - Em 24/10/2006 foi realizada a avaliação do prédio sito na Estrada Nacional, 11…, Alhos Vedros, Moita tendo sido lavrado o termo de avaliação de fls. 42 do apenso e sido fixado, o valor do terreno à data de 1992 no montante de € 877.258,09 e à data de 2006 no montante de € 1.486.878,12 (cfr. fls. 42 do apenso).

C) - No referido termo de avaliação consta como valor do terreno em 1992 o seguinte “V= € 1.486.878,12 x 59% = € 877.258,09” e como valor do terreno em 2006 o seguinte “V= 5166m2 x € 1107 x 26% = € 1.486.878,12” (cfr. fls. 42 do apenso).

D) - Consta ainda do termo de avaliação seguinte “Volumetria e meio ambiente envolvente. Implantado em zona comercial/industrial, localizada próxima dos aglomerados urbanos. Existência de todas as infraestruturas básicas” (cfr. fls. 42 do apenso).

E) - Com base nos valores fixados no auto de avaliação foi efectuada a liquidação da contribuição especial de que resultou o montante a pagar de € 35.506,65 (cfr. documento de fls. 44 do apenso).

F) - Em 25/10/2006 foi emitido o ofício nº 9116 dirigido à ora impugnante para efeitos de notificação da liquidação de contribuição especial, tendo sido enviado por carta registada com aviso de recepção, tendo este sido assinado em 27/10/2006 (cfr. fls. 44/46).

G) - Em 21/11/2006 a ora impugnante requereu junto do Serviço de Finanças da Moita a emissão de certidão com a “totalidade dos fundamentos de facto e de direito e operações de cálculo e apuramento subjacentes à referida liquidação, em particular dos relatórios das avaliações reportadas a 1992 e 2006” (cfr. teor de fls. 49 do apenso).

H) - Sobre o requerimento referido na alínea anterior foi exarado o seguinte despacho “A avaliação teve por base a decl. Mod. 1 da C.E. (DL 51/95) entregue pelo sujeito passivo em 31/05/2006 tendo sido efectuada c/ a intervenção e presença do representante nomeado por este (C...). A fundamentação de direito consta da notificação efectuada pelo nosso ofício nº 9116 de 25/10/2006. Remeta certidão do teor do termo de avaliação, registada com A.R” (cfr. fls. 50 do apenso).

I) - Em 29/11/2006 foi efectuado o pagamento da contribuição especial no montante de € 35.506,65 (cfr. fls. 54).


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A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e do depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de inquirição.

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Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.»

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2. DE DIREITO

A questão suscitada no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter anulado o acto de liquidação de “Contribuição especial”, do ano de 2006, no montante de € 35.506,65, por haver concluindo que se verifica o vício de falta de fundamentação.

No caso dos autos, está em questão a contribuição especial prevista no Dec-Lei n.º 51/95, de 20 de Março, que aprovou o Regulamento da Contribuição Especial, que incide sobre os prédios rústicos beneficiados com a construção da nova ponte sobre o rio Tejo, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção, situados nomeadamente, no município de Moita.

A contribuição especial incide sobre o aumento de valor do património de particulares em resultado de obras públicas, que não lhes são individualmente dirigidas, mas que reflexamente os beneficia.

Efectivamente, os terrenos para construção e os prédios rústicos que venham a obter licenciamento para construção são valorizados pela existência daquelas estruturas e os seus proprietários obtêm uma vantagem particular que é objecto de tributação (cfr. artigo 2.º do RCE)

Em sede de contribuição especial, o facto tributário é o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana, balizado temporalmente pela diferença entre o valor do prédio à data em que foi requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1992 (cfr. artigos 1.º e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 51/95, de 20 de Março.).

O artigo 4.º do Regulamento da Contribuição Especial preceitua:

«1 – A avaliação referida no n.º 2 do artigo 2.º ficará a cargo de uma comissão constituída pelo contribuinte ou seu representante e por dois peritos nomeados pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos de entre os incluídos nas listas distritais.

2- Um dos peritos nomeados pela Dircção-Geral das Contribuições e Impostos terá apenas voto de desempate, devendo conformar-se com qualquer dos laudos apresentado.

3 – A avaliação será efectuada com precedência de vistoria, devendo as decisões ser devidamente fundamentadas.»

Por sua vez, o artigo 6.º do Regulamento da Contribuição Especial, dispõe:

«1 – Na determinação dos valores, a comissão terá em consideração a natureza e o destino económico do prédio.

2 – Para os efeitos do número anterior, atender-se-á:

a) À localização, ao ambiente envolvente e ao desenvolvimento urbanístico da zona;

b) Às infra-estruturas existentes;

c) À caracterização física e topográfica;

d) Aos índices de ocupação e volumetria;

e) Às características agrárias, aos tipos de cultura e à disponibilidade de águas;

f) Ao valor das construções rurais e dependências agrícolas;

g) A quaisquer outros elementos susceptíveis de influir no valor dos prédios.»

O acto de avaliação realizado pela comissão de avaliação prevista no Regulamento Especial de Contribuição Especial, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 51/95, está sujeito ao dever de fundamentação, por força do dever geral de fundamentação dos actos tributários (cfr. artigos 268.º da CRP, 125.º CPA e 77.º e 84.º, n.º 3 da LGT), e pela obrigatoriedade expressa no n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento, o qual deve referir a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos valores que influenciaram a avaliação na determinação do valor do prédio.

Ora, a sentença recorrida considerou que a decisão de avaliação do prédio enferma do vício de insuficiência da fundamentação.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, alegando, em suma, que no termo de avaliação são identificados os critérios em obediência aos quais foram encontrados os valores, em cumprimento do disposto no Dec.-Lei n.º 51/95, de 20 de Março, o qual foi assinado pelo perito nomeado pelo contribuinte, que concordou com os valores fixados e teve perfeito conhecimento do iter cognoscitivo e valorativo, pelo que o acto de avaliação encontra-se devidamente fundamentado.

Sobre esta matéria escreveu-se na sentença o seguinte:

A impugnante invoca desde logo que a fundamentação do acto tributário apresentada pela administração tributária é manifestamente insuficiente, em particular quanto aos valores atribuídos ao terreno em 1992 e 2006, reiterando que as avaliações estão fundamentadas de forma insuficiente e deficiente prejudicando o seu direito de defesa.

O direito à fundamentação encontra-se consagrado na Constituição da República Portuguesa (art. 268º, nº 3), e visa garantir aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

A nível tributário o direito à fundamentação encontra-se previsto no art. 77º da Lei Geral Tributária, e a propósito deste artigo, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa afirmam in Lei Geral Tributária o seguinte “Esta exigência compreende-se em face das pluralidades de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto”.

No nº 2 do referido art. 77º, estabelecem-se os requisitos da fundamentação dos actos tributários, podendo ser efectuada de forma sumária, não podendo deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos actos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

O dever de fundamentação traduz-se na obrigação, por parte da administração tributária em indicar as razões de facto e de direito determinantes dos seus actos, exteriorizando, assim o procedimento interno de formação da vontade decisória.

O artigo 84°, no 3 da LGT determina que “A fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado.”

Ora do probatório resulta claramente que no termo de avaliação, não se encontram evidenciados os critérios na determinação dos valores da avaliação, não permitindo conhecer o iter cognoscitivo e valorativo dos louvados, desconhecendo-se as razões dos montantes atribuídos ao valor do terreno em 1992 e em 2006, não se enunciando de forma concreta os motivos da atribuição daqueles valores e não de outros.

Acresce ainda o facto de a ora impugnante ter requerido a emissão da fundamentação de facto e de direito (cfr. alínea G) do probatório) e a resposta da administração ter sido a constante da alínea H) do probatório.

Pese embora na comissão de avaliação tenha participado um representante do sujeito passivo, tal facto não afasta o dever de fundamentação do acto praticado por essa comissão.

Atendendo ao teor do auto de avaliação (cfr. alíneas B, C e D do probatório), não podemos afirmar a existência de suficiente fundamentação formal no sentido dado no Acórdão do STA de 14/03/2007 – rec. 0624/06 “ V – Goza de suficiente fundamentação formal a deliberação administrativa, de cuja sucinta exposição as razões de facto e de direito, que a motivaram, se extraem em moldes de compreensibilidade a um destinatário normal (bonus paterfamiliae), hipoteticamente colocado na situação concreta do real destinatário” porquanto os valores apurados pela comissão de avaliação não são compreensíveis para um destinatário normal na medida em que se desconhecem as razões por que foram aplicadas aquelas percentagens e aquele valor de € 1107 e não outros (C) do probatório).

Desta forma considera-se que a decisão de avaliação do prédio está fundamentada de forma insuficiente e que tal facto constitui fundamento de anulação do acto de avaliação bem como do acto de liquidação por ser consequente daquele.

Concordamos com este entendimento.

Sobre o dever de fundamentação dos actos administrativos tributários e em situação semelhante à dos presentes autos pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo Sul em acórdão de 19/06/2012, proc. n.º 03096/09, cujo discurso fundamentador sufragamos e do qual transcrevemos a seguinte passagem:

«Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).

Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/7/2011, rec.656/11).

Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.381 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).» (vide ainda ac. do TCAS de 08/03/2018, proc. n.º 09162/15, disponíveis em www.dgsi.pt/).

No caso dos autos, como decorre das alíneas B), C) e D) do probatório, o Termo de Avaliação relativo ao lote de terreno sito na freguesia de Alhos Vedros, concelho de Moita, com alvará de construção de obra nova relativo a centro comercial, não se mostra suficientemente fundamentado, uma vez que não se vislumbra os motivos da atribuição do valor do m2, nem fundamenta o critério valorativo da percentagem escolhida e também não esclarece se o terreno beneficiou ou não de qualquer valorização em consequência da construção da ponte Vasco da Gama.

Como bem decidiu a sentença recorrida a decisão de avaliação do prédio não está fundamentada de forma suficiente para que a Recorrida possa reconstruir o iter cognoscitivo que levou ao apuramento do valor do prédio em questão.

A Recorrente alega nos pontos 5 e 6 das conclusões da alegação de recurso que o direito de participação na formação da decisão administrativa é assegurado através da inclusão do contribuinte ou alguém por si indicado e que o termo de avaliação foi assinado pelo perito nomeado pelo contribuinte, resultando da prova testemunhal que concordou com os valores fixados.

Com efeito, de acordo com o preceituado no artigo 4.º do Regulamento da Contribuição Especial, a avaliação ficará a cargo de uma comissão constituída pelo contribuinte ou seu representante e por dois peritos nomeados pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos de entre os incluídos nas listas distritais, tendo um destes peritos apenas voto de desempate, devendo conformar-se com qualquer dos laudos apresentados.

Ora, não resulta da matéria de facto assente que o perito da Recorrida que interveio na comissão de avaliação tenha concordado com os valores fixados.

De salientar que a Recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos do artigo 685.º-B do Código de Processo Civil (actual artigo 640.º), por forma a aditar qualquer facto ao probatório.

Por outro lado, não vislumbramos nós qualquer razão para alterar oficiosamente a decisão da matéria de facto, ao abrigo do artigo 712.º do CPC (actual 662.º), bem como não nos merece qualquer censura a valoração da prova, tal como foi captada e apreendida pela 1.ª instância (vide Ac. do TC de n.º 415/2001, de 30 de Novembro, in DR n.º 278/2001, série II, de 30/11/2001).

Contudo, o facto do perito da Recorrida ter assinado o Termo de Avaliação não permite extrair a conclusão que foi dado a conhecer o iter cognitivo e valorativo e que que o acto se encontra devidamente fundamentado.

Na verdade, o facto de o contribuinte ter estado representado na comissão de avaliação, nos termos do n.º 1, do artigo 4.º do Regulamento da Contribuição Especial, não dispensa, nem limita o dever de fundamentação do acto avaliativo.

Neste sentido tem vindo a jurisprudência a decidir, designadamente, os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 19/06/2012, prolatado no processo n.º 02096/09, supra referido, e de 02/07/2013, processo n.º 03862/10, onde se escreveu:

«Diga-se ainda, que o facto de a ora Recorrente ter designado perito para tal avaliação em nada altera o dever de fundamentação que a mesma deveria conter, já que o mesmo não é representante do contribuinte e é nomeado por dever possuir reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, como em geral dispõe a norma do art.º 568.º, n.º1 do CPC, prestando compromisso de honra, no caso, para o desempenho das funções para que foi designado, onde, aliás, a lei não excepciona que, nestes casos, a fundamentação exigível seja de grau inferior ou inexistente, ou possa não se mostrar escrita, como parte desse acto - cfr. art.º 122.º e segs do mesmo CPA (Ac. deste Tribunal de 04-12-2012, Proc. nº 05634/12, www.dgsi.pt).» (vide ainda com igual entendimento ac. do STA de 06/10/2010, processo n.º 060/10, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Deste modo, não se verificando os erros de julgamento imputados à sentença recorrida, improcede totalmente as conclusões da alegação de recurso.

Nesta conformidade, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, pelo que não se coloca a questão do conhecimento em substituição da 1.ª instância das questões julgadas.


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Conclusões/Sumário:

I. A contribuição especial incide sobre o aumento de valor do património de particulares em resultado de obras públicas, que não lhes são individualmente dirigidas, mas que reflexamente os beneficia.

II. Em sede de contribuição especial, o facto tributário é o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana, balizado temporalmente pela diferença entre o valor do prédio à data em que foi requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1992 (cfr. artigos 1.º e 2º do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 51/95, de 20 de Março.).

III. O acto de avaliação realizado pela comissão de avaliação prevista no Regulamento Especial de Contribuição Especial, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 51/95, está sujeito ao dever de fundamentação, por força do dever geral de fundamentação dos actos tributários (cfr. artigos 268.º da CRP, 125.º CPA e 77.º e 84.º, n.º 3 da LGT), e pela obrigatoriedade expressa no n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento, o qual deve referir a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos valores que influenciaram a avaliação na determinação do valor do prédio.

IV. O facto de o contribuinte ter estado representado na comissão de avaliação, nos termos do n.º 1, do artigo 4.º do Regulamento da Contribuição Especial, não dispensa, nem limita o dever de fundamentação do acto avaliativo.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 24 de Junho de 2021.


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A Relatora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)

(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Isabel Fernandes).