Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1465/11.0 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/25/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PENSÃO DE REFORMA
SUSPENSÃO DO PAGAMENTO
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
PRESCRIÇÃO;
Sumário:I – Relativamente à reposição de Pensões indevidamente recebidas, vigora a prescrição do art.° 40.°/1 do DL 155/92, decorridos mais de 5 anos desde o recebimento das pensões.
Efetivamente, a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, que devam reentrar nos cofres do Estado, prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento (artigo 40.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de Julho);
II - O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
O novel nº 3 do Artº 40º do DL nº 155/92 não visou outro objetivo que não fosse estabelecer que a previsão legal do nº 1, de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento, não é prejudicada pelo regime de revogação dos atos administrativos inválidos fixado no art. 141º do CPA.
III - Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, estruturantes do princípio do estado de direito, constituem postulados ou normas de atuação a serem observados no exercício da atividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando pois como limites internos dessa atividade, não relevando assim no domínio da atividade vinculada, consistente esta na simples subsunção de um dado concreto à previsão normativa dos comandos legais vigentes.
IV – À luz do Artº 6º do Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de Dezembro, cujo art.° 6.° veio alterar o quadro legal vigente, introduzindo nova redação aos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, “Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.”
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I Relatório

E......., devidamente identificado nos autos, intentou Ação Administrativa Especial contra a Caixa Geral de Aposentações - CGA, tendente à “(...) anulação ou declaração de nulidade do ato que suspendeu o pagamento das pensões de reforma do Autor com efeitos retroativos a 01.01.2011 e, bem assim, se condene a Ré a restituir ao Autor as quantias que, até final, tenha deixado de receber, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos”.
Por Sentença proferida no TAC de Lisboa em 31 de dezembro de 2021, foi decidido julgar a Ação parcialmente procedente, mais se tendo decidido:
“a) Anular parcialmente o ato administrativo consubstanciado no ofício da CGA de 26 de Janeiro de 2012, Ref.ª UAC321DA466547-00 - na parte em que, cumulativamente, determinou ao ora A. a reposição da quantia de €32.085,33, relativa às pensões que lhe foram abonadas de 07/11/2005 a 31/12/2010, enquanto esteve em acumulação de funções públicas, na redação dada aos art.°s 78.° e 79.° do EA, pelo DL n.° 179/2005;
b) Absolver a Entidade Demandada dos demais pedidos (de anulação e condenação);
A CGA, inconformada com a decisão proferida, veio em 17 de janeiro de 2022 veio Recorrer da mesma, concluindo:
“1ª Face os factos considerados provados em primeira instância, relativamente ao ato administrativo consubstanciado no ofício de 22 de Janeiro de 2012, não podia o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ter decidido como decidiu, imputando ao mesmo vício de violação de lei, designadamente por 1) violação do princípio da não retroatividade das leis; 2) violação do princípio da confiança e segurança jurídica e 3) violação do artigo 40° do Decreto-Lei n° 155/92, de 28 de Julho.
2ª Relativamente à alegada violação do princípio da não retroatividade das leis, resulta do probatório que o recorrido, entre Novembro de 2005 e Dezembro de 2010, encontrando-se aposentado, exerceu funções na I........, auferindo a totalidade da pensão com a totalidade da remuneração.
3ª No caso em apreço, o Decreto-Lei n° 137/2010, de 28 de Dezembro, que alterou a redação do artigo 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, na medida em que veio regular os efeitos de um facto jurídico determinado, a saber, o exercício de funções públicas por aposentados, não pode ser aplicável à acumulação de remuneração com pensão de aposentação ocorrida no período em causa: Novembro de 2005 a Dezembro de 2010.
4ª No período em causa, encontrava-se em vigor o Decreto-Lei n° 179/2005 que impedia a referida acumulação e, nos casos em que a mesma fosse autorizada, determinava que fosse abonada uma terça parte da remuneração base que competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida.
5ª Sustenta o tribunal a quo que, em 22 de Janeiro de 2012, data do ato impugnado, o Decreto-Lei n° 179/2009, já não se encontrava em vigor, razão pela qual não podia a CGA, como base em tal regime, requerer a restituição das pensões indevidamente auferidas.
6ª Não é assim: à situação em causa, por força do disposto no n° 1 do artigo 12° do Código Civil, aplica-se o disposto no Decreto-Lei n° 179/2005, de 2 de Novembro.
7ª Relativamente à alegada violação do princípio da confiança e segurança jurídica, como é jurisprudência uniforme, (...) a exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao principio do Estado de Direito. Contudo, a aplicação do principio da proteção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança ”legitima ” o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num ato anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade percetível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio. (acórdão do STA, proc.1182/02, de 18 de Junho de 2003, disponível em http://www.dgsi.pt/).
8ª No caso em apreço, a Caixa Geral de Aposentações, quando tomou conhecimento da situação de acumulação indevida de pensões com remunerações, limitou-se a aplicar o regime vigente à data dos factos: artigo 78° e 79° do EA, na redação dada pelo Decreto-Lei n° 179/2005, de 2 de Novembro.
9ª A consequência da aplicação da lei - restituição da quantia de € 32 085,33 - não pode ser considerada inadmissível ou arbitrária.
10ª Atendendo à situação patrimonial do recorrido, admite-se que a reposição das quantias indevidamente abonadas, poderá ser excessivamente onerosa. Porém, a maior parte das reposições de dinheiros públicos, atendendo ao valor do salário médio em Portugal, constitui um difícil esforço para os cidadãos, razão pela qual se prevê o mecanismo do pagamento das dívidas em prestações.
11ª A conduta da CGA não implicou qualquer violação do princípio da confiança e da segurança jurídica.
12ª Relativamente à violação do artigo 40o do Decreto-Lei n° 155/92, de 28 de Julho, contrariamente ao decidido, O regime de responsabilidade emergente do pagamento indevido de pensões rege-se pelo Decreto-Lei n° 133/88, de 20 de abril, e não pelo Decreto- Lei n° 155/92, de 28 de Julho, em cujo artigo 13°, na redação atribuída a este preceito pelo artigo 149° do Decreto de Execução Orçamental - Decreto-Lei n° 33/2018, de 15 de Maio, se estabelece que o direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de cinco anos a contar da data da interpelação para restituir.
13ª O artigo 5° do mesmo Decreto-Lei n° 133/88, de 20 de Abril, sob a epígrafe “Procedimento Administrativo” determina que “Verificada a concessão indevida de prestações, devem as instituições cessar de imediato os pagamentos, averiguar a identidade de quem as recebeu e proceder à sua interpelação para restituir para efetuar a restituição e informar sobre os respetivos valores e termos que a mesma pode revestir ”.
14ª Tendo em conta a redação deste preceito, há “interpelação para restituir” quando as instituições de segurança social informam os interessados do montante exato em dívida e em que termos é que podem efetivamente restituir tal montante.
15ª Por conseguinte, contrariamente ao decidido pelo tribunal, só com o envio do ofício de 22 de Janeiro de 2012 é que o recorrido foi interpelado para restituir a quantia em dívida. Por conseguinte, só a partir desta data, é que se iniciou a contagem do prazo prescricional previsto no artigo 13° do Decreto-Lei n° 133/88.
16ª A dívida não prescreveu.
17ª A sentença impugnada violou o disposto nos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação na redação do Decreto-Lei n° 179/2005, de 2 de Novembro), o artigo 12° do Código Civil, os artigos 5° e 13° do Decreto/lei n° 133/88, de 20 de Abril.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.”

O Autor, inconformado com a decisão proferida, veio em 2 de fevereiro de 2022 Recorrer da mesma, concluindo:
“1°) Vem a presente apelação da douta sentença de fls. (...) dos autos que julgou improcedentes os vícios alegados sobre o ato emanado da Ré em 22/02/2011, que suspendeu o pagamento das pensões de reforma do Recorrente com efeitos retroativos a 01/01/2011 e que anulou apenas parcialmente o ato administrativo consubstanciado no ofício da CGA de 26 de Janeiro de 2012, Ref. UAC321DA466547-00 - na parte em que, cumulativamente, determinou ao ora A. a reposição da quantia de € 32 085,33, relativa às pensões que lhe foram abonadas de 07/11/2005 a 31/12/2010, enquanto esteve em acumulação de funções públicas, na redação dada aos art.°s 78.° e 79.° do EA, pelo DL n.°
2°) Muito em síntese, entendeu o tribunal a quo que “(...) no que ao ato aqui considerado concerne, consubstanciado no ofício da CGA de 22/02/2011 (cfr. al. I) do probatório), pode- se já concluir que não enferma aquele de nenhum dos vícios que lhe foram assacados pelo ora A., devendo manter-se, qua tale, na ordem jurídica. (...) uma vez verificados os pressupostos de que os art.s 78° e 79° do EA (redação do DL 137/2010), fazem depender a suspensão da pensão de aposentação ou da remuneração, não podia a CGA deixar de suspender a pensão de aposentação do A:, pois tal ato traduz o exercício de poderes vinculados e, não o fazendo, estaria a atuar em desconformidade com a lei, violando-a (desde logo, o princípio da legalidade a que está adstrita), não se verificando o vício de violação de lei, em qualquer das vertentes aqui consideradas, nem o alegado vício de forma (sequer sendo de considerar, aqui, a prescrição do art. 40.°/1 do DL n.°155/92, de 28/07 - cfr. als. F) e I) do probatório - que o A. invocou, aliás, relativamente ao segundo ato - de 26/01/2012)’’ - Cfr. pág. 18 e 19 da douta sentença de fls.
Entende o Recorrente, salvo o devido respeito, que mal andou a Mma. Juiz a quo, porquanto,
3°) Sobre os factos provados, não bastasse a circunstância de se ter dado por provado que a lei existe (Cfr. pontos D) e O), ainda se teve por provado que o Autor requereu a ampliação da instância à impugnação do ato consubstanciado no ofício da CGA de 26 de Janeiro de 2012 (Cfr. ponto M), como se de matéria controvertida ou assente por acordo se tratasse.
4°) Curiosamente, não se deu por provado o que mais resulta evidente, a Ré não se opôs ou contestou a impugnação que resulta da admitida ampliação da instância. Com efeito, a Ré jamais exigiu ao Autor, em sede judicial, a devolução de quaisquer quantias, razão pela qual, entre o mais que resulta da decisão recorrida (prescrição e violação de lei), sequer o Autor veio ou podia vir condenado na devolução do que quer que fosse.
5°) Porém, outro facto alegado pelo Autor, ora recorrente, merecia acolhimento no rol dos factos provados, designadamente,
- Que não decorre do contrato de trabalho que celebrou que o mesmo tenha sido elaborado ao abrigo de qualquer “lei especial” ou sequer autorizado “...pelos 20 membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública” (Cfr. artigo 21° da petição inicial)
6°) Mais se impondo que do aludido facto tivesse retirado as devidas conclusões. É que,
7°) Enquanto empresa pública, a I........ S.A., entidade patronal dos Apelantes, haveria de ter cumprido, obrigatória e necessariamente, com os formalismos e pressupostos impostos para a contratação de pessoal a termo a que estava obrigada, determinados pela Lei n.° 23/2004, de 22 de junho. Com efeito,
8°) Por um lado, e desde logo, para a contratação do apelante, estava a I........ S.A. obrigada a realizar um processo em que se assegurasse a divulgação da oferta de emprego e a fundamentação da escolha realizada (artigo 9.°, n°4 da Lei n.° 23/2004);
9°) Por outro lado, a celebração do contrato com o Recorrente sempre careceria da prévia autorização do Ministro das Finanças e do membro do Governo responsável pela Administração Pública (artigo 9°, n°1 da Lei n.° 23/2004); sendo certo que,
10°) Os contratos a termo celebrados pela Administração Pública têm de ser obrigatoriamente publicitados em Diário da República (artigo 34° do Dec.Lei n°427/89, de 7 de Dezembro).
11°) Não há registo de qualquer um dos pressupostos de que dependeria a contratação do Recorrente caso se tratasse de um contrato de trabalho a termo resolutivo com empresa pública.
12°) Jamais o nome do Recorrente foi referenciado em qualquer Diário da República, ou sequer foi alvo de qualquer decisão ministerial para o exercício da atividade profissional.
13°) O Recorrente jamais foi informado sobre o facto de se achar a prestar serviços a uma empresa pública.
14°) Do contrato de trabalho (-Cfr. ponto D) dos factos provados e documentos 4 e 5 juntos do r.i. do processo cautelar) não decorre, de qualquer linha, um único elemento indiciador que o determinasse a indagar sobre a possibilidade de, enquanto aposentados que sabiam ser, cumular o recebimento da pensão de aposentação com a retribuição pelo seu trabalho. Mais,
15°) Ainda que pudesse, por hipótese meramente académica, achar-se obrigado a consultar junto do registo comercial, a natureza jurídica da sua entidade patronal, da mesma apenas resulta que presta serviços a uma sociedade anónima (-cfr. doc. n°21 junto à p.i.).
16°) Ora, não tendo apreciado a questão supra, sempre a sentença recorrida enferma de nulidade, nos termos do artigo 615°, n°1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia.
17°) O facto de o contrato de trabalho do Autor não ter sido precedido de qualquer autorização foi alegado nos artigos 20°, 21° e 22° da petição inicial. O facto de o contrato de trabalho do Autor não ter sido precedido de qualquer autorização foi alegado, densificado e fundamentado ao longo dos artigos 4°, 5°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11° e 12° do admitido pedido de modificação objetiva da instância, sendo certo que a prova documental é abundante quanto a essa matéria.
18°) O que decorre da douta sentença recorrida é que o Estado não pode, por força do Estatuto da Aposentação, suportar ambas as retribuições do Apelante, a que recebe por via da aposentação e a que recebe no exercício de funções públicas.
19°) O Estado que só em 2011 se apresentou como entidade patronal ao Recorrente, através da Recorrida CGA... tanto que, conforme por esta alegado:
Em 7 de Janeiro de 2011 a I........ comunicou à CGA (...) a lista de aposentados ao seu serviço, dela constando o nome do Autor, cfr. art. 8° d da contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20°) Enquanto empresa pública, a entidade patronal do Recorrente estava obrigada a abonar um terço das retribuições, ou a Recorrida, dois terços da pensão de aposentação, conforme o que se verificasse mais favorável (-cfr. art. 79° do DL 179/2005, de 02.11), o que jamais sucedeu! De tal facto também se escusou a Mma. Juíza a quo retirar qualquer conclusão.
21°) O princípio legal da boa-fé impõe que, no exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé (artigos 266° da CRP e 10° do CPA, 6-A/DL96 ).
22°) Assim, devem ser ponderados os valores fundamentais do direito relevantes em face das situações consideradas e, em especial, a confiança suscitada na contraparte através de determinada atuação e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida.
23°) Ora, o Recorrente, aposentado desde 1994 no quadro de excedentes da extinta INDEP (aposentação obrigatória - cfr. ponto A) dos factos provados), regressado ao mercado de trabalho em Fevereiro de 2004 ao serviço da N........, LDA (Cf. art. 3° pi) e em Novembro de 2004 ao serviço da I........, S.A., mediante a outorga de um contrato de trabalho (cfr. ponto D) dos factos provados) por lhe ser mais vantajoso financeiramente, apostado numa vida ativa, seduzido pela ideia de uma melhoria do seu rendimento, jamais contou ou sequer poderia ter contado com a possibilidade de, no ano de 2011, regressar ao status quo que julgava ultrapassado.
24°) A Administração Pública criou no Recorrente a firme e fundada convicção de se achar arredado do regime imposto pelos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, porquanto, na veste de uma sociedade anónima comum, o contratou, em 2004, para o exercício de funções públicas sem de tanto lhes dar conhecimento, informando-os de tal facto já corria o ano de 2011.
25°) Note-se que o Recorrente nunca viu abonada a sua retribuição ou pensão de aposentação, tão pouco o contrato de trabalho foi objeto de qualquer autorização ministerial.
26°) O Recorrente, tal como todos os cidadãos de um Estado de Direito democrático, carece de segurança para poder planificar e conformar de forma autónoma e responsável a sua vida, o que fez, na base de um rendimento mensal composto pela pensão de aposentação (a que se viu obrigado) e pela retribuição auferida pelo seu trabalho.
27°) Os autos tratam de saber se o interesse público tutelado pela norma em crise tem ou não que ceder em face da concreta situação do Recorrente, um cidadão que ignorava e não 23 tinham como não ignorar que poderia ser afetado pela reforma do EA.
28°) O peso do reconhecimento da violação do princípio da confiança para o erário público é imensamente inferior ao peso que o não reconhecimento impõe à concreta situação do Recorrente. Note-se que está em causa uma pensão no valor de €706,77 (-Cfr. ponto C) dos factos provados).
29°) o Apelante não tinha uma expectativa de cumular os montantes remuneratórios pelo exercício de funções públicas com a pensão de aposentação.
30°) O facto é que o Apelante cumulou (não esperou cumular), durante mais de sete anos tais montantes remuneratórios sem qualquer redução. Não havia qualquer expetativa, havia uma certeza que tinha por inabalável, indestrutível, um direito legitimamente adquirido, por jamais se ter a prestar funções públicas (facto omitido pelo Estado, sua, afinal, entidade patronal), o que se tem por consolidado na ordem jurídica. O Estado tem que ser consequente com as suas ações!
31°) Ao Apelante jamais foi dado a saber que a entidade patronal ao serviço de quem exercia as funções de operário fabril era uma empresa pública, pelo que, a manutenção do ato impugnado será uma forma de arbítrio.
32°) Para a justa decisão da causa impunha-se que a Mma. Juíza a quo tivesse regressado ao momento da celebração do contrato de trabalho do Apelante e aí chegada observado a veste envergada pelo Estado, dissimulado de entidade privada, omitindo a qualidade que verdadeiramente possuía, admitindo a consolidação da situação que concebeu e criou ao longo de mais de sete anos na relação contratual que mantinha com o Apelante e, aí chegada, questionado:
Á luz do princípio da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança é admissível que um particular, determinado a uma realidade imposta pelo Estado, se veja agora privado do recebimento da pensão de aposentação porque o mesmo Estado se decidiu, quando entendeu conveniente, revelar como sua entidade patronal e por via disso, considerar ser-lhe aplicável normas de um Estatuto de Aposentação que nunca vigorou na relação entre as partes?
33°) É que, não se trata apenas, com rigor, da concreta aplicação da alteração operada pelo Decreto-Lei 137/2010, de 28 de dezembro, que presidiu à prolação do ato impugnado.
34°) O Estado, na qualidade de entidade patronal, nunca aplicou ao Apelante o Estatuto da Aposentação, conforme resultou provado (-Cfr. ponto M) dos factos provados).
35°) Tal circunstancialismo consolidou-se na relação entre as partes, afigurando-se intolerável, na convicção do mais humilde dos administrados, aí se incluindo o operário fabril (a exercer funções em paióis (leia-se, barracões) em campo aberto de Alcochete) ora Apelante, a aplicação de uma norma que altera de forma ostensiva e violenta a convicção sólida, fundada e firme de lhe ser absolutamente impossível a aplicação do EA para os efeitos previstos nos artigos 78° e 79°.
36°) Sublinhe-se que, a ser de aplicar o Estatuto da Aposentação, o Estado (Entidade Patronal) teria que: Ter requerido autorização ministerial para a contratação; ter abonado parte da retribuição do apelante.
37°) O que se verificou foi que: Não foi requerida qualquer autorização; Jamais foram abonados quaisquer rendimentos.
38°) A aplicação retroativa que a Ré pretendia com a notificação do segundo ato administrativo para reposição da quantia de 32.085,33€ é tão violadora do princípio da não retroatividade das leis, da proteção da confiança e da segurança jurídica, incorrendo, por essa via, em vício de violação de lei, quanto é o primeiro ato impugnado que determina a aplicação ao Autor de um Estatuto que jamais teve aplicação na sua relação jurídica de emprego, facto que se consolidou na ordem jurídica.
39°) Donde, ao Autor jamais poderia ter sido negada a cumulação do recebimento da pensão com o salário pelo desempenho das funções que julgava, não tendo outra forma de obter entendimento diverso, terem natureza privada.
40°) A Ré, a considerar a existência de prejuízo só tem um único responsável pela eventual compensação: A ENTIDADE PATRONAL DO AUTOR, empresa pública que não deu cumprimento às disposições legais aplicáveis e que a Ré sequer chamou à ação.
41°) O Autor impugnou o ato de 26/01/2012 em sede de alegações, requerendo a 25 modificação objetiva da instância com a ampliação do objeto à impugnação de novo ato administrativo praticado no âmbito do mesmo procedimento. Ato que visava a interpelação do Autor para a devolução de quantias alegadamente indevidas.
42°) No entanto, a Ré não se opôs, contestou ou sequer requereu a condenação do Autor na devolução de tais quantias, que estão prescritas, nos termos do art. 40°, n°1 do Decreto- lei n.°155/92, de 28.07 volvidos que se acham mais de 5 anos sobre o recebimento de todas elas.
43°) Da anulação parcial do ato administrativo consubstanciado no ofício da CGA de 26 de Janeiro de 2012, Ref.ª UAC321DA466547-00 - na parte em que, cumulativamente, determinou ao ora A. a reposição da quantia de € 32 085,33, relativa às pensões que lhe foram abonadas de 07/11/2005 a 31/12/2010, enquanto esteve em acumulação de funções públicas, na redação dada aos art.°s 78.° e 79.° do EA, pelo DL n.° 179/2005 - não pode resultar o entendimento do dever de restituir à CGA os valores da pensão que lhe foram indevidamente abonados a partir de 1 de Janeiro de 2011 uma vez que, até ao presente, a CGA jamais exigiu judicialmente o pagamento de tais quantias, nem nesta nem noutra qualquer ação judicial - pois que tal sempre redundaria na nulidade da sentença nos termos do artigo 615°, n°1, al. e) do CPC.
44°) Donde, não bastasse o que se deixou alegado (e aqui se deixa reproduzido) quanto aos vícios de que padecem os atos emanados pela Recorrida, o certo é que já decorreram muito mais do que cinco anos após o recebimento das quantias pelo Recorrente, verificando-se a prescrição da obrigatoriedade de reposição de todas quantias recebidas nos termos do disposto no artigo 40°, n°1 do Decreto-lei n.°155/92, de 28.07, o que se argui expressamente para todos os legais efeitos.
Pelo exposto e concluído, Ao decidir-se como se decidiu, foram violadas por erro de julgamento (a douta sentença deu relevância a certos factos sobre os demais, designadamente ao ponto N) dos factos provados) e omissão de pronúncia (não apreciou a factualidade vertida no artigo 20°, 21° e 22° da petição inicial e 4° a 12° do admitido pedido de ampliação da instância), a disciplina processual prevista no artigo 607°, 608° e 615°, n°1, al. d) do CPC, e bem assim os artigos 2° e 266° da CRP e artigo 10° do CPA, 6°-A/DL96.
Pelo que, Como se requer, julgando-se procedente a presente apelação, deverá revogar-se a douta decisão recorrida, aditando-se ao rol dos factos provados “- Que não decorre do contrato de trabalho que celebrou que o mesmo tenha sido elaborado ao abrigo de qualquer "lei especial” ou sequer autorizados “...pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública” (Cfr. artigo 21° da petição inicial), e, em consequência, determinada a anulação ou declaração de nulidade do ato que suspendeu o pagamento das pensões de aposentação do Recorrente com efeitos retroativos a 01.01.2011 e bem assim, condenar a Recorrida a restituir aos Recorrentes as quantias a cuja entrega procederam e bem assim as que, até final, tiverem deixado de receber.
Mais requer a anulação total do ato administrativo consubstanciado no ofício da CGA de 26 de Janeiro de 2012, Ref.ª UAC321DA466547-00 uma vez que a prescrição de verifica, na presente data, em relação a todas as quantias aí pedidas uma vez que a condenação do Autor no seu pagamento jamais foi requerida pela Ré.
E o que, com o douto suprimento que se pede, se espera, por ser de JUSTIÇA“

A Autor, enquanto Recorrido veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 9 de março de 2022, concluindo:
“1°) Conforme resulta dos autos, por requerimento de 13/02/2012 o Autor, ora Recorrido, requereu a ampliação do objeto à impugnação de novo ato administrativo, que veio a ser admitida em janeiro de 2022.
2°) Ora, conforme resulta dos autos, devidamente notificado em 16/02/2018 para se pronunciar sobre a modificação requerida pelo Autor a Ré CGA, ora Recorrente, respondeu, em 02/03/2018 "nada tem a por à ampliação da instância e da intervenção provocada de terceiros”.
3°) A Ré CGA não exigiu nestes autos ou em qualquer outra instância judicial o pagamento do valor de €32.085,33, não se compreendendo o objeto do recurso dado que, ainda que fosse declarada a validade do ato administrativo impugnado tal não poderia redundar numa decisão de condenação de pagamento pois que tal sempre constituiria uma decisão surpresa.
4°) Com efeito, a Recorrente CGA escamoteia a circunstância de jamais ter exigido do Recorrido o valor de que se arroga agora credora, VOLVIDOS MAIS DE 10 ANOS sobre o pedido de devolução de um valor que não lhe é nem era devido! É indubitável que o valor
reclamado pela Recorrente se acha prescrito, na totalidade, o que se deixou arguido e reitera para todos os legais efeitos.
5°) A impugnação do ato administrativo não impedia a Recorrente CGA de exigir do Recorrido o pagamento daquela importância (o que fez, aliás, a muitos outros visados pelas alterações do Estatuto da Aposentação que, tal como o Autor, descobriram em 2011 que eram funcionários públicos), mas não o fez, talvez por então se achar consciente da sua ilegalidade.
6°) Alega a Recorrente, por um lado, que não se verifica a violação do princípio da não retroatividade das leis pois que ao período de 11/2005 a 12/2010 se aplica o DL 179/2055, de 2 de novembro.
7°) Por outro, que não se vislumbra a violação do princípio da confiança e segurança jurídica porque a Recorrente CGA só descobriu em 2011 que o Recorrido se encontrava a desempenhar funções públicas, tudo sem exigir qualquer pagamento ou responsabilidade a quem competia prestar tal informação.
8°) Curioso que o Recorrente só se apoquente com essa circunstância da sua perspetiva. É que o Recorrido também só tomou conhecimento de tal facto na mesma ocasião.
9°) Em todo o caso, a aplicação do regime do DL 179/2005, de 02.12 sempre seria de afastar-se, em virtude de a sua aplicação se revelar inconstitucional, por contrariar o princípio de Estado de Direito consagrado no art. 2° da CRP. Com efeito,
10°) O princípio de Estado de Direito, consagrado no art.2° da CRP como conceito constitucionalmente caracterizado, concretiza-se através da consideração de outros princípios como seus elementos constitutivos (os princípios da legalidade da administração, da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, da proporcionalidade e da proteção jurídica e das garantias processuais) - cfr. Gomes Canotilho, in "Direito Constitucional”, 5a ed., pgs. 375 e segs. É que,
11°) Pese embora a não retroatividade da lei só esteja consagrada na CRP em matéria penal (art. 29°), e quanto às leis restritivas de direitos liberdades e garantias (n° 3 do art. 18°), deve-se entender que, por aplicação do princípio da confiança inerente à própria ideia do Estado de Direito, é inconstitucional a norma retroativa (aqui se incluindo a que tenha apenas efeitos retrospetivos, por atribuir efeitos jurídicos futuros a situações subsistentes constituídas no passado) que afete de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos.
12°) Ora, in casu, a aplicação retroativa do regime instituído pelo DL 179/2005, de 02.12, no que apenas se concede por mero dever de patrocínio, atingiria de forma inadmissível, intolerável, arbitrária e demasiado onerosa as legítimas expectativas do Autor, o qual considerava estar, legitimamente e de boa fé, arredado de qualquer aplicação do regime de cumulação de pensão e remuneração.”
13°) Quanto à violação do disposto no artigo 40° do Decreto-Lei n°155/92, de 28 de Julho é falso o que alega a Recorrente.
14°) Na verdade, a Recorrente bem sabe e tem obrigação de saber o que sobre a matéria já expendeu e vem expendendo o Supremo Tribunal Administrativo.
15°) Com efeito, a propósito do recurso interposto pela CGA no Proc. n.° 0562/14.5BEBRG, sobre a mesma questão de direito, resumiu com acerto o Ac. do STA de 28/10/2020, disponível em www.dgsi.pt para cuja fundamentação se remete, donde resulta, em síntese, ser aplicável o regime legal aplicado na douta sentença recorrida.
Pelo exposto e concluído, deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente CGA por infundado, quer de facto quer de direito, mantendo-se quanto ao objeto do mesmo o decidido na douta sentença recorrida.
E o que, com o douto suprimento que se pede, se espera, por ser de JUSTIÇA!”

A CGA, enquanto Recorrida veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 17 de junho de 2022, concluindo:
“1ª Como resulta da letra do artigo 78° do EA, o conceito de exercício de funções públicas abrange todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração, e todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços e traduz o exercício de funções em ou para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas.
2ª O recorrente encontra-se aposentado antecipadamente desde 1994.
3ª Desde 1 de Novembro de 2004 que o recorrente trabalha para a I........ - Industria de Desmilitarização e Defesa, SA, mediante um contrato de trabalho a termo certo.
4ª A I........ é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
5ª Subsumindo tais factos ao direito, ter-se-á de considerar, como considerou a sentença impugnada, que, obrigada ao princípio da legalidade, perante a redação dos artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, estava a Caixa Geral de Aposentações obrigada a suspender a pensão de aposentação do recorrente.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”

O Ministério Público, notificado em 8 de setembro de 2022, nada veio dizer, Requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa verificar os vícios suscitados em ambos os Recursos apresentados, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
A) Em 23 de Março de 1994, o ora A. requereu a aposentação antecipada, ao abrigo do artigo 11.° do DL n.° 363/91, de 3 de Outubro (cfr. Doc. 1 do requerimento inicial - r.i. - do processo cautelar. Nota Biográfica junta com a oposição; PA apenso e por acordo das partes).
B) A requerida aposentação antecipada foi-lhe concedida pela Caixa Geral de Aposentações (CGA), encontrando-se o A. aposentado desde Dezembro de 1994 (cfr. Doc. 1 do r.i. do processo cautelar apenso, fls. 1 a 22 do PA e por acordo das partes).
C) Auferindo o A. desde aquela data, a pensão de aposentação ilíquida de € 706,77, e líquida de € 690,58 (cfr. Doc. 2 do r.i. do processo cautelar; PA apenso e por acordo das partes).
D) Desde 1 de Novembro de 2004 que o ora A. trabalha para a I........, SA, mediante a outorga de um contrato de trabalho a termo certo, auferindo mensalmente a importância líquida de € 1 008,37 (cfr. Docs. 4 e 5 do r.i. do processo cautelar, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido; PA apenso e por acordo das partes).
E) Em 29 de Dezembro de 2010, entrou em vigor o DL n.° 137/2010, de 28/12, diploma legal que veio alterar, designadamente, a redação dada aos artigos 78.° e 79.° do Estatuto de Aposentação - cfr. respetivo artigo 6.° (por acordo das partes).
F) Em 7 de Janeiro de 2011, o Presidente do Conselho de Administração da I........, SA, enviou ao Presidente da ora demandada CGA, a comunicação prevista no artigo 79.°/4 do Estatuto de Aposentação, do qual se extrai o seguinte (cfr. Doc. 3 junto com a oposição do
processo cautelar, cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra; fls. 34 do PA e por acordo): «(...) Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 79º0 do Estatuto da Aposentação, cumpre-me transmitir a V. Exa que exercem funções nesta empresa os seguintes aposentados:
(...)
E....... Com os melhores cumprimentos,
G) Mediante ofício da CGA, datado de 28/01/2011, Ref.ª SAC5 12LA466547-00, foi solicitada ao Presidente da I........, SA, a seguinte informação (cfr. Doc. 4 da oposição do P.° cautelar; fls. 35 do PA apenso e por acordo das partes):
«(...)
Assunto: Exercício de funções públicas por pensionista da CGA - Artigos" 78" e 79". do Estatuto da Aposentação
Em referencia ao ofício acima mencionado, e tendo em conta o que sobre a matéria dispunham os artigos 78" c 79" do Estatuto da Aposentação, na redação do Decreto-lei n." 179/2005, de 2 de Novembro, agradeço informação sobre a data de início de funções, nesse Serviço, do aposentado n" 466547-00, E........, bem como as correspondentes remunerações liquidadas a partir de Fevereiro de 2006, e se as mesmas correspondem ao valor por inteiro ou reduzidas a um terço.
H) E obteve resposta, em ofício datado de 09/02/2011, Ref.ª CA-005/2011, como segue (cfr. Doc. 5 da oposição do P.° Cautelar apenso, fls. 36 do PA apenso e por acordo das partes):
«(...) Assunto: Exercício de funções públicas por pensionistas da CGA
- Artigos 78° e 79° do Estatuto da Aposentação
Exmos Senhores, ■
Em resposta ao V/ oficio acima mencionado, informamos sobre a situação dos seguintes aposentados que exercem funções nesta Empresa:
Nome Data de inicio de funções
E....... O Prestação de serviços de 01/11/2004 a 31/03/2006.
01/11/2004
Mais se informa que as remunerações liquidadas sempre corresponderam ao valor por inteiro. Com os melhores cumprimentos,
I) Mediante o oficio da CGA Ref.a SAC5 12LA466547-00, datado de 22 de Fevereiro de 2011, foi o ora A. informado do seguinte (cfr. Doc. 6 do r.i. e Doc. 6 da oposição, juntos ao P.° Cautelar, fls. 38 do PA apenso e por acordo das partes):
«(...) Assunto: Exercício de funções públicas por pensionista da CGA - Artigos 78" e 79". do Estatuto da Aposentação
Em referencia ao documento acima mencionado, informo de que foi tomada devida nota da opção deduzida por V.Exa, nos termos dos artigos 78“ e 79“ do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo artigo 6° do Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de Dezembro, traduzida na suspensão do pagamento da pensão de aposentação que lhe compete a partir de 1 de Janeiro corrente.
Deste modo, torna-se necessária a restituição à Caixa Geral de Aposentações da quantia de € 1 385,54 indevidamente recebida de 01 de Janeiro a 28 de Fevereiro corrente. Para o efeito, junta-se guia processada por aquele valor, cujo pagamento deverá ser efetuado cm qualquer Agência da Caixa Geral de Depósitos no prazo máximo de 30 dias contados da data de receção da presente notificação, nos termos do n." 1 do artigo 42" do DL n.° 155/92, de 28 de Julho (regime de reposição de dinheiros públicos), lindo o qual passarão a vencer-se os consequentes juros de mora.
Efetuada que seja a reposição em apreço, agradece-se que do facto seja dado conhecimento a este Serviço, com remessa de cópia certificada de uma das vias daquele documento.
J) Em 11 de Março de 2011, o ora A. intentou o processo cautelar que correu termos junto deste Tribunal sob o n.° 664/11.0BELSB, no qual foi proferida sentença em 13/12/2011, recusando a adoção da providência cautelar ali requerida contra a CGA, de suspensão de eficácia do ato contido no oficio da CGA de 22/02/2011, supra reproduzido (cfr. respetivos autos no SITAF).
K) Não obstante, por força da suspensão automática do ato suspendendo, operada pelo art.° 128.° do CPTA (redação antes da revisão de 2015), a partir da citação, que teve lugar em 18/03/2011, o ora A. continuou a receber a pensão de aposentação paga pela CGA, ou seja, até à decisão cautelar, notificada às partes em 16/12/2011 (idem - P.° no SITAF).
L) A presente Acão deu entrada em juízo em 27/05/2011 (cfr. registo da p.i. no SITAF).
M) Em sede de alegações escritas, veio o ora A. requerer a ampliação da instância à impugnação do ato consubstanciado no ofício da CGA de 26 de Janeiro de 2012, Ref.ª UAC321DA466547-00, cujo teor aqui se reproduz (cfr. Doc. de fls. 101 e segs. do SITAF, junto com as alegações do Autor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; por acordo das partes):
(Dá-se por reproduzido o Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância)
N) A I........, SA, constituída em 1997, é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - do Estado -, que foi participada pela E........, SA, constituída pelo DL n.° 235-B/96, de 12/12, a qual tem por objeto a gestão de participações sociais detidas pelo Estado em sociedades ligadas direta ou indiretamente às atividades de defesa, como forma indireta de exercício de atividades económicas e o seu capital encontra-se integralmente subscrito e realizado pelo Estado (cfr. Cláusulas 3.a e 4.a dos Estatutos da E........- Doc. 7 junto com a oposição do processo cautelar apenso; Docs. 7, 8 e 9 do r.i. e Docs. 8 e 9 juntos com a oposição do processo cautelar e PA apenso).
O) Pelo Despacho n.° 786/2020, de 30/12/2019, do Ministro da Defesa Nacional e do Secretário de Estado do Tesouro, publicado no DR n.° 14/2020, Série II, de 21/01/2020, procedeu-se à liquidação da E........SGPS - Reestruturação das Participações Públicas na Economia de Defesa, decidindo-se, mormente «(...)
2 - Determinar que seja aferido o interesse e a viabilidade económico-financeira da I........ - Plataforma das Indústrias de Defesa Nacionais, S. A. (I........, S. A.), e dos respetivos recursos, em razão do modelo de negócio projetado, devendo a Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM) emitir o respetivo parecer prévio, no prazo máximo de 45 dias, tendo também em conta elementos de política setorial, devendo o mesmo conter recomendações, se apropriadas, sobre ajustamentos ao Plano de Negócios daquela Sociedade.
3 - Em todo caso, desde já se determina a reestruturação da I........, S. A., até fevereiro de 2020, nesta reestruturação se incluindo a transmissão do Estado para esta empresa, por aumento de capital em espécie, das participações por este detidas no setor da Defesa, nas seguintes sociedades em concreto: (.. ,)»-facto que não carece de alegação (cfr. art.° 412.°/1/CPC).”

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão Recorrida:
“(…) O processo de aposentação está regulado nos artigos 84° a 111° do Estatuto da Aposentação.
Segundo o artigo 73° do Estatuto da Aposentação, a passagem do interessado à situação de aposentação verifica-se, em regra, no primeiro dia do mês seguinte ao da publicação oficial da lista de aposentados em que se inclua o seu nome (n° 1) ou, excecionalmente, na data em que deva considerar-se desligado do serviço (n° 2).
«A partir do momento em que o facto constitutivo de tal relação jurídica de aposentação produz efeitos, nasce a situação jurídica correspondente, verificando-se então a concessão ao aposentando de uma nova “qualidade” ou “status” que lhe atribui o complexo de direitos, deveres e incompatibilidades que formam a situação jurídica da aposentação».
Entre esse complexo de direitos, sobressai o direito a auferir uma pensão mensal vitalícia, fixada pela Caixa, em função da remuneração mensal e do número de anos e meses de serviço do subscritor, bem como, se for caso disso, do seu grau de incapacidade (artigo 46° do Estatuto da Aposentação). (...)».
Ora, o Autor aposentou-se (antecipadamente) em Dezembro de 1994 (cfr. als. A) e B) do probatório), momento a partir do qual se iniciou a relação jurídica de aposentação, daí decorrendo o direito do A. a auferir uma prestação pecuniária mensal vitalícia (a pensão), tal como lhe foi fixada (cfr. al. C) do probatório) - art.° 46.°/EA -, mas também deveres e incompatibilidades.
(…)
Ainda no que concerne à aplicação das leis no tempo, dispõe o art.° 12.° do C. Civil, sob a epígrafe “Princípio geral”, que A lei só dispõe para o futuro, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que foram ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular, atento o previsto no art.° 13.°/1 do C. Civil, relativamente às “leis interpretativas”, o que também não é o caso das referidas normas dos DL’s 179/2005 e 137/2010.
O vício de violação de lei consiste, como é consabido, na discrepância entre o objeto ou o conteúdo do ato e as normas jurídicas com que estes deveriam conformar-se. (cfr. João Caupers in Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Ed., p. 192), sendo, por via de regra, gerador da mera anulabilidade do ato. Aliás, «o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito) como o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto) entram no vício de violação de lei» - vide Marcello Caetano in Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina. Coimbra, p. 502, citando jurisprudência do STA.
Também incorre em vício de violação de lei o ato administrativo que seja praticado em violação de princípios gerais do direito administrativo, com assento constitucional, como seja a invocada violação do princípio da boa-fé (art.° 6.°-A do CPA/96), cabendo aqui referir que se trata de um princípio geral de direito que atua, não só no campo do direito privado, como também no do direito público, como é o caso do direito administrativo (maxime nos contratos administrativos) e, apesar de o princípio da boa-fé ser dotado de inúmeras potencialidades jurídicas, é possível, com Rui de Alarcão, resumi-las a dois vetores básicos: um, de sentido negativo, em que se visa impedir a ocorrência de comportamentos desleais e incorretos (obrigação de lealdade), e um de sentido positivo, mais exigente, em que se intenta promover a cooperação entre os sujeitos (obrigação de cooperação). Naquele primeiro sentido, podem subsumir-se certas exigências típicas da boa-fé, tais como a inadmissibilidade, em certas condições, da invocação de vícios formais, a proibição de venire contra factum proprium (...). Por sua vez, no segundo sentido apontado - sentido positivo - pode integrar-se o princípio da colaboração mútua entre as “‘partes” intervenientes (...) - cfr. Mário Esteves de Oliveira e Outros in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.a Ed., Almedina, p. 110-, e o princípio da proteção da confiança, dizemos nós (vide art.° 6.°-A/2/CPA de 96 - antes de revisto, em 2015).
Adianta-se que este vício não se verifica, desde logo, porque o conteúdo do primeiro ato aqui em crise (de 22/02/2011) se conforma com o bloco legal aplicável.
Com efeito, dúvidas não subsistem de que o ora A., na situação de aposentado da CGA, iniciou funções (sem para tal estar autorizado, nos termos legais aplicáveis, sequer o alegou), mediante contrato de trabalho a termo certo, na I........, SA, sociedade de capitais exclusivamente públicos (senão ab initio, pelo menos, muito antes da entrada em vigor do DL n.° 137/2010, em 29/12/2010 - cfr. als. B), C), D), E), N) e O) do probatório), pelo que, não tendo o A. optado, nos termos do art.° 79.72/EA, na dada redação do DL 137/2010 (por alegado desconhecimento da incompatibilidade), na sequência da comunicação prevista no art.° 79.74/EA, redação do DL 137/2010 (obrigatória para a I........, SA, como se refere expressamente na norma, sob pena de incorrer em responsabilidade solidária, nos termos do n.° 5 daquele art.° 79.°) - vide als. F), G) e H) do probatório, não podia a CGA deixar de cumprir com o legalmente determinado (nos termos conjugados dos art.°s 78.°/1 e 3 e 79.°/1 e 2 do EA), de acordo com os art.°s 6.°/2 e 8.°/5 do referido DL, e porque aquele DL só dispunha para o futuro, com efeitos a partir de 1/Jan./2011, determinou a suspensão da pensão de aposentação do A. e a restituição do indevidamente abonado, desde essa data que, em virtude do processo cautelar interposto pelo A. e de ter continuado a ser abonado da pensão, na sua pendência (cfr. als. J) e K) do probatório), se apurou na importância expressa no segundo ato aqui impugnado, de 26/01/2012 (em € 10 225,79 - cfr. al. M) do probatório).
Acresce que aquele ato (de 22/02/2011) se encontra suficientemente fundamentado, de facto e de direito, nos termos previstos nos art.°s 123.°/1-d), 124.° e 125.° do CPA/96 (à data vigente, antes de revisto pelo DL 4/2015, de 07/01), permitindo ao A. apreender perfeitamente o iter cognoscitivo, de tal forma que o veio impugnar judicialmente (cfr. al. L) do probatório), pelo que também não se verifica o alegado vício de forma.
Ademais, como se extrai do sumário do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/05/2014 (Proc. n.° 714/11.0TTALM.L1-4), tirado em matéria similar à que nos ocupa:
1- Verificando-se que a apelada, à data dos factos, era constituída por capitais maioritariamente públicos dever-se-á qualificar como empresa pública sob a forma privada (e não empresa participada).
2- O 78º, n°1 do Estatuto da Aposentação (na redação dada pelo Decreto-Lei n° 137/2010, de 28 de Dezembro) alude, de forma clara e inequívoca, às “empresas pública” e não exige para efeitos de integração no referido preceito legal que os estatutos da empresa ou a lei prevejam que o capital social da empresa deva pertencer exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas.
3- Esta interpretação não viola os princípios da segurança jurídica e da igualdade.
4- O art. 78º, n°3 do Estatuto da Aposentação (na redação dada pelo Decreto- Lei n° 137/2010) adota um conceito amplo de “funções públicas”, no qual estão incluídos todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração e todas as modalidades de contratos ( de natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços).
4- A interpretação do regime de incompatibilidades constante dos arts. 78° e 79° do Estatuto da Aposentação (na redação indicada) da qual resulte a aplicação deste regime ao ora recorrente não contraria os princípios da confiança (art. 2º da Constituição da República Portuguesa), da segurança no emprego e da proibição de despedimento sem justa causa ( art. 53° da CRP), da irredutibilidade da retribuição, do trabalho igual salário igual (art. 59°da CRP), da igualdade e da livre concorrência.
Mutatis mutandis, in casu não se mostram violados os alegados princípios, nem o art.° 46.° do EA, sequer se verifica erro sobre os pressupostos de facto e/ou de direito, que inquine o ato administrativo sub judice.
Aqui chegados, no que ao ato aqui considerado concerne, consubstanciado no ofício da CGA de 22/02/2011 (cfr. al. I) do probatório), pode-se já concluir que não enferma aquele de nenhum dos vícios que lhe foram assacados pelo ora A., devendo manter-se, qua tale, na ordem jurídica.
Assim, atento o exposto, e uma vez verificados os pressupostos de que os art.°s 78.° e 79.° do EA (redação do DL 137/2010), fazem depender a suspensão da pensão de aposentação ou da remuneração, não podia a CGA deixar de suspender a pensão de aposentação do A., pois tal ato traduz o exercício de poderes vinculados e, não o fazendo, estaria a atuar em desconformidade com a lei, violando-a (desde logo, o princípio da legalidade a que está adstrita), não se verificando o vício de violação de lei, em qualquer das vertentes aqui consideradas, nem o alegado vício de forma (sequer sendo de considerar, aqui, a prescrição do art.° 40.°/1 do DL n.° 155/92, de 28/07 - cfr. als. F) a I) do probatório - que o A. invocou, aliás, relativamente ao segundo ato - de 26/01/2012).
Já quanto à determinada reposição dos valores das pensões abonadas ao A. em sede de vigência do regime anterior (do EA, na versão do DL 179/2005), a solução que se impõe é diversa.
O DL n.° 155/92, de 28/07, diploma que estabelece o regime da administração financeira do Estado (alterado, mais recentemente, pelo DL 85/2016, de 21/12, que lhe aditou um n.° 3) e, para o que aqui releva, a reposição de dinheiros públicos (cfr. art.°s 36.° e segs.), prevê um prazo de prescrição de 5 anos, como segue:
1 - A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2 - O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição. (cfr. art.°s 318.° a 327.° do C. Civil).
Considerando o que vimos de expor, impõe-se também, desde já, concluir que o ato administrativo praticado pela CGA, em 26/01/2012, na parte em que determinou ao ora A. a reposição da quantia de €32.085,33 - cfr. al. M) do probatório, relativa às pensões abonadas ao A. de 07/11/2005 a 31/12/2010, enquanto esteve em acumulação de funções públicas, na redação dada aos art.°s 78.° e 79.° do EA pelo DL n.° 179/2005, se encontra ferido do vício de violação de lei, na medida em que, foi já (e apenas) em sede de vigência do DL 137/2010 (que alterou aquelas normas do EA, com efeitos a partir de 1/Jan./2011, reitera-se), que veio notificar o A. para a dita reposição, ao abrigo de um regime já alterado e sem aplicação retroativa, violando, destarte, os princípios da não retroatividade das leis, da proteção da confiança e da segurança jurídica, incorrendo, por essa via, em vício de violação de lei, pelo que tal ato deve ser parcialmente anulado.
Ademais, também se verifica a prescrição do art.° 40.°/1 do DL 155/92, decorridos mais de 5 anos desde o recebimento das pensões (desde logo, as relativas a 2005, 2006 e 2007), dado que o A. apenas foi notificado do ato consubstanciado no ofício da CGA de 26 de Janeiro de 2012, Ref.ª UAC321DA466547-00, em 1/Fev./2012.
Em suma, o Autor apenas tem a restituir à CGA os valores da pensão que lhe foram indevidamente abonados a partir de 1 de Janeiro de 2011 e, ainda assim, pode requerer a relevação, total ou parcial da reposição dessas quantias, nos termos do art.° 39.° do DL 155/92 (face ao alegado desconhecimento de que eram indevidas), ou requerer a reposição em prestações, nos termos previstos no art.° 38.° do referido DL 155/92, atento o seu n.°3.
Nestes termos, impõe-se julgar parcialmente procedente o pedido de anulação do ato administrativo contido no ofício da CGA de 26/Jan./2012, na parte em que determina a reposição de €32.085,33, e improcedentes os demais pedidos formulados pelo A. (também o de condenação da entidade demandada a pagar-lhe quaisquer quantias e/ou juros de mora vencidos e vincendos).”

Vejamos:
Do Recurso da CGA
O presente recurso vem interposto da sentença do TAC de Lisboa que, admitindo a ampliação da instância, julgou parcialmente procedente a ação administrativa apresentada pelo Autor, anulando parcialmente o ato constante do ofício da Caixa Geral de Aposentações de 26 de Janeiro de 2012, na parte em que, por acumulação da pensão de aposentação com a remuneração auferida pelo desempenho de funções na I........, SA, determinou a reposição da quantia de €32.085,33, respeitante às pensões indevidamente abonadas entre 7 de Novembro de 2005 a 31 de Dezembro de 2010.

O TAC de Lisboa entendeu que o ato administrativo parcialmente anulado, “(...) se encontra ferido do vício de violação de lei, na medida em que foi na vigência do DL 137/2010 , que veio notificar o A. para a determinada reposição, ao abrigo de um regime já alterado e sem aplicação retroativa, violando os princípios da não retroatividade das leis, da proteção da confiança e da segurança jurídica incorrendo, por essa via, em vício de violação de lei.”

Sobre o referido ato, o tribunal a quo julgou ainda que “Ademais, também se verifica a prescrição do art.° 40.°/1 do DL 155/92, decorridos mais de 5 anos desde o recebimento das pensões (desde logo, as relativas a 2005, 2006 e 2007), dado que o A. apenas foi notificado do ato consubstanciado no ofício da CGA de 26 de Janeiro de 2012, Ref.ª UAC321DA466547-00, em 1/Fev./2012.”

No que aqui releva, foram considerados provados os seguintes factos:
- O recorrido encontra-se aposentado desde 1994 (alínea B) da Fundamentação);
- O recorrido, desde Novembro de 1994, mediante contrato a termo certo, trabalha para a I........ (alínea D) da Fundamentação);
- Em 7 de Janeiro de 2011, através de ofício daquela entidade, a Caixa Geral de Aposentações tomou conhecimento de que o recorrido desempenhava funções naquela entidade, auferindo desde Fevereiro de 2006, a remuneração poo inteiro (alíneas F) e H) da Fundamentação);
- Por ofício de 22 de Janeiro de 2012, com fundamento no regime previsto no Decreto-Lei n° 179/2005, de 2 de Novembro, a Caixa Geral de Aposentações comunicou ao recorrido, relativamente ao período corrido entre Novembro de 2005 e Dezembro de 2010, por acumulação indevida da aposentação com a remuneração devida pelo exercício de funções públicas, a obrigação de restituir a quantia total de €32.085,33 (alínea M) da Fundamentação).

Vejamos:
Da Violação do princípio da não retroatividade das leis
Mostra-se provado que o Autor, entre Novembro de 2005 e Dezembro de 2010, encontrando-se aposentado, exerceu funções na I........, auferindo simultaneamente a totalidade da pensão e a totalidade da remuneração.

No período em causa, encontrava-se em vigor o Decreto-Lei n° 179/2005 que impedia a referida acumulação e, nos casos em que a mesma fosse autorizada, determinava que fosse abonada uma terça parte da remuneração base que competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida.

Entendeu o Tribunal a quo que, em 22 de Janeiro de 2012, data do ato objeto de impugnação, o Decreto-Lei n° 179/2005, já não se encontrava em vigor, razão pela qual não podia a CGA, como base em tal regime, requerer a restituição das pensões indevidamente auferidas.

Resulta do n.° 2 do art.° 12° do Código Civil que se a lei nova dispuser “sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos” aplica-se a lei antiga; “mas quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem” aplicar-se-á já a lei nova.

No presente caso, o Decreto-Lei n° 137/2010, que alterou a redação do artigo 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, veio regular os efeitos de determinado facto jurídico, a saber, o exercício de funções públicas por aposentados.

Assim, o regime previsto no Decreto-Lei n° 137/2010 não pode ser aplicável à acumulação de remuneração com pensão de aposentação ocorrida no período em causa: Novembro de 2005 a Dezembro de 2010, o que determina a aplicabilidade do Decreto-Lei n° 179/2005, de 2 de Novembro.

Da Violação do princípio da confiança e segurança jurídica
O TAC de Lisboa decidiu conclusivamente que o ato administrativo em causa violou o princípio da confiança e segurança jurídica, sendo que não justificou fundadamente o seu entendimento.

Sobre esta matéria, referencie-se o constante do Acórdão do STA de 14-5-96 - Rec. 37684:
“Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança,..., estruturantes do princípio do estado de direito..., constituem postulados ou normas de atuação a serem observados no exercício da atividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando pois como limites internos dessa atividade, não relevando assim no domínio da atividade vinculada..., consistente esta na simples subsunção de um dado concreto à previsão normativa dos comandos legais vigentes.”

No caso em apreço, foi o Autor, em violação, designadamente do artigo 78° e 79° do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo Decreto-Lei n° 179/2005, quem, apesar de aposentado antecipadamente, acumulou a totalidade da sua pensão de aposentação com a remuneração auferida pelo desempenho de funções na I........, em face do que se não vislumbra nem reconhece que a CGA ao ter atuado como atuou tivesse violado o principio da Confiança e da Segurança Jurídica, até por estar em causa um procedimento vinculado, mostrando-se procedente o Recurso da CGA neste particular.

Da Violação do disposto no artigo 40° do Decreto-Lei n° 155/92
Foi pelo tribunal de 1ª Instância declarada a prescrição do art.° 40.°/1 do DL 155/92, por terem decorrido mais de 5 anos sobre o recebimento das pensões relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007, dado que o Autor foi notificado do ato constante do ofício da CGA, de 26 de Janeiro de 2012, em 1/Fev./2012.

Dispõe o art. 79° do Estatuto da Aposentação, na versão introduzida pelo D.L. 179/2005, de 02.11, que:
"1-Quando aos aposentados e reservistas, ou equiparados, seja permitido, nos termos do artigo anterior, exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, é-lhes mantida a respetiva pensão ou remuneração na reserva, sendo-lhes, nesse caso, abonada uma terça parte da remuneração base que competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida.
2-As condições de cumulação referidas no número anteriores são fixadas pela decisão prevista na al. b) do n.°1 do artigo anterior.”
Quanto à violação do disposto no artigo 40° do Decreto-Lei n°155/92, de 28 de Julho já o STA se pronunciou, mormente no Acórdão n.° 0562/14.5BEBRG, onde se afirmou:
“A questão colocada nos presentes autos já não é nova e já mereceu anteriormente resposta por parte deste Supremo Tribunal em sentido contrário ao defendido pela recorrente, cfr. entre outros, acórdão do Pleno da secção do contencioso tributário datado de 03.07.2019, recurso n.° 01541/14.8BESNT e acórdãos da secção datados de 06.06.2018, recurso n° 01614/15, de 21.11.2019, recurso n° 01213/15.6BELRS e de 19.02.2020, recurso n.° 01811/12.0BELRS.
Porque não se vislumbram, agora, razões de facto e de direito para decidir de modo divergente seguiremos de perto o que se deixou escrito neste último acórdão, por referência à doutrina emanada do Pleno:”

Como se discorreu a este respeito lapidarmente no Acórdão do STA de 21 de Novembro de 2019, com o n.° 1213/15.6BELRS:
«3.1. As questões aqui em apreço - determinação das normas, do prazo e do momento inicial para a contagem do prazo de prescrição aplicável a quantias indevidamente recebidas a título de pensão de reforma, pagas pela Caixa Geral de Aposentações - não são novas na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, pois sobre elas já se pronunciou o acórdão de 6 de Junho de 2018 (processo n.° 01614/15), em sentido do qual aqui não iremos divergir.
3.2. No referido acórdão de 6 de Junho de 2018 (processo n.° 01614/15) firmou-se a seguinte doutrina:
“I - A obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, que devam reentrar nos cofres do Estado, prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento (artigo 40.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de Julho);
II - O referido prazo de prescrição interrompe-se nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art. 323.°, n.° 1, do CC)”.
3.3. O mencionado acórdão analisou a questão da aplicabilidade ou não do regime jurídico do Decreto-Lei n° 155/92 à obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas a título de reforma, pagas pela Caixa Geral de Aposentações, concluindo a este respeito que:
“O Decreto-Lei n.° 155/92, enquanto diploma regulador do novo regime de administração financeira do Estado, tem um âmbito de aplicação mais vasto [que o anterior o Decreto-Lei n.° 324/80, de 25 de Agosto], e integra na sua Secção IV um capítulo relativo à «reposição de dinheiros públicos», nele se referindo «à reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado», e não, expressa e unicamente, à reposição de quantias «recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado».
Assim, dispõe o artigo 36.° daquele diploma legal que «1- A reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado pode efetivar-se por compensação, por dedução não abatida ou por pagamento através de guia. 2- As quantias recebidas pelos funcionários ou agentes da Administração Pública que devam reentrar nos cofres do Estado serão compensadas, sempre que possível, no abono seguinte de idêntica natureza. 3- Quando não for praticável a reposição sob as formas de compensação ou dedução, será o quantitativo das reposições entregue nos cofres do Estado por meio de guia» (...) Em suma, resulta daquele regime legal de prescrição, que, estando em condições de ser exercido o direito à reposição de verbas, o mesmo se aplica a qualquer montante de dinheiro público indevidamente recebido que deva reentrar nos cofres do Estado, quer resulte de meros atos jurídicos de pagamento, quer resulte de atos administrativos, definidores de qualquer relação jurídica obrigacional com as pessoas a quem o pagamento indevido foi dirigido, nomeadamente beneficiários de pensões, funcionários ou agentes do Estado". Assim, no entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo, o novo âmbito de aplicação definido para o regime jurídico de administração financeira do Estado, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 155/92, passou a abranger a devolução de pensões indevidamente pagas pela Caixa Geral de Aposentações.
Da aplicação deste entendimento à factualidade dos presentes autos, resulta que o regime jurídico aplicável à devolução das quantias que tenham sido indevidamente recebidas pelo Oponente é o estipulado no já mencionado Decreto-Lei n.° 155/92.
3.3.1. Em aditamento e reforço da fundamentação expendida no acórdão de 6 de Junho de 2018 (processo n.° 01614/15), que se centra essencialmente no teor literal do Decreto-Lei n.° 155/92, acrescentamos alguns argumentos de natureza sistemática e teleológica. Primeiro para destacar - no plano da interpretação sistemática - que o artigo 74.°, n.° 1 do Estatuto da Aposentação da Caixa Geral de Aposentações (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 498/72 e atualizado por diversas vezes, a última em 24 de Maio de 2019) dispõe expressamente que “o aposentado, além de titular do direito à pensão de aposentação, continua vinculado à função pública, conservando os títulos e a categoria do cargo que exercia e os direitos e deveres que não dependam da situação de atividade" e que o artigo 79.°, n.° 1 do mesmo Estatuto acrescenta ainda que “no período que durar o exercício das funções públicas autorizadas, os aposentados, reformados, reservistas fora de efetividade e equiparados auferem a remuneração que está definida para as funções ou cargo que desempenham ou para o trabalho prestado, mantendo o direito à respetiva pensão, quando esta seja superior, e no montante correspondente à diferença entre aquela e esta" (sublinhados nossos). Destas normas resulta que existe um continuum entre o estatuto de funcionário público ou trabalhador em funções públicas e o de aposentado da Caixa Geral de Aposentações, pelo que, na falta de disposição que especificamente indique um prazo de prescrição para o exercício do direito à devolução das quantias indevidamente pagas aos aposentados da Caixa Geral de Aposentações, deve ser-lhes aplicável o regime jurídico a que se subordinam os funcionários do Estado (ou seja, o do Decreto-Lei n.° 155/92).
Segundo, para salientar - agora no plano da interpretação teleológica - que são diferentes, no plano orçamental e financeiro, os fundos da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social. Com efeito, e não obstante as inúmeras modificações legislativas que têm vindo a aproximar os dois regimes em termos de estrutura orgânico-funcional, a verdade é que o fundo da Caixa Geral de Aposentações continua a inscrever-se orçamentalmente (v., por exemplo, os mapas I e VI anexos à Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2019, Lei n.° 71/2018, de 31 de Dezembro) no perímetro das receitas e despesas do Orçamento do Estado (serviços e fundos autónomos), ao passo que o fundo da Segurança Social se inscreve no respetivo Orçamento Autónomo (v., por exemplo, os mapas X e XIV anexos à Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2019, Lei n.° 71/2018, de 31 de Dezembro). Acresce que os financiamentos da Caixa Geral de Aposentações (incluindo as prestações contributivas dos diversos serviços a que os beneficiários estão vinculados) são todos decorrentes de dinheiros públicos - incluindo, em certa aceção, as contribuições dos funcionários e trabalhadores em funções públicas, pois também elas resultam de operações de retenção na fonte de remunerações pagas ou suportadas por dinheiros públicos, como o acórdão do Tribunal Constitucional n.° 396/2011 destacou, ao analisar a diferença de tratamento decorrente da medida das reduções remuneratórias consagrada na Lei do Orçamento do Estado para 2011 - ao passo que os financiamentos do Fundo da Segurança Social são mais diversificados, incluindo, entre outras receitas, contribuições de trabalhadores e empregadores privados. O que significa que a reposição de quantias indevidamente pagas e recebidas consubstancia, no primeiro caso, uma “reposição de dinheiros públicos que devem reentrar nos cofres do Estado" e, no segundo caso (na reposição de prestações indevidamente recebidas da Segurança Social), a “reposição de dinheiros sob gestão pública, que devem reentrar no Fundo da Segurança Social" - uma diferente natureza jurídica dos financiamento que pode justificar, também, uma diferença de tratamento no regime da reposição das verbas indevidamente recebidas.
3.4. Quanto ao prazo prescricional e à sua contagem, afirma-se ainda no referido acórdão de 6 de Junho de 2018 (processo n.° 01614/15) o seguinte: “No que se refere à obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado (art.° 36.°, n.° 1), o art.° 40.° n° 1 do referido diploma estabelece um prazo de prescrição de cinco anos (n.° 1), prazo que não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro, aditado com “natureza interpretativa”, pelo artigo 77.° da Lei n.° 55-B/2004, de 30 de Dezembro (n.° 3)
(...) A este propósito, sublinhou a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que o sentido normativo deste n° 3, introduzido pela Lei n.° 55-B/2004, era o de que a previsão legal do n.° 1 - de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento - não é prejudicada ou de alguma forma condicionada pelo regime de revogação dos catos administrativos inválidos fixado no artigo 141.° do CPA (neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do Pleno da SCA do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Junho de 2008, recurso 1212/06, e da 2.a Subsecção de 30 de Outubro de 2007 - Rec. 86/07). Tendo-se uniformizado jurisprudência no sentido de que «[o] despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do artigo 40.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de Julho, não viola o artigo 141.° do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no n.° 3 do artigo 40.° do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo artigo 77.° da Lei n.° 55-B/2004, de 30 de Dezembro» - cf. o supracitado Acórdão 1212/06 e bem assim os Acórdãos que se lhe seguiram, de 17 de Março de 2010 [Proc. n.° 0413/09], de 22 de Novembro de 2011 [Proc. n.° 0547/11], e de 29 de Outubro de 2015 [Proc. n.° 0183/15] (...) Parece pois claro que no regime de administração financeira do Estado regulado pelo Decreto-Lei n.° 155/92 se prevê um prazo de prescrição de cinco anos quer para a obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos, quer para o direito de restituição de receitas, o que bem se compreende e a que não será, seguramente, alheia a ponderação de valores como a segurança e a certeza jurídicas.
Daí que se entenda que o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 40.° n.° 1 do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de Julho, constitui norma especial e derroga a norma geral do artigo 309.° do Código Civil (...) Importa, pois, proceder à contagem do prazo de prescrição de cinco anos tendo em conta que, como resulta inequivocamente do n.° 1 do referido artigo 40.°, a data do recebimento constitui o seu termo inicial. Sendo que tal prazo se interrompe nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art.° 323.°, n.° 1, do CC)”.

Como sumariado igualmente no Acórdão do TCAN nº 923/14.0BEVIS, de 05.03.2021, relatado pelo aqui Igualmente relator, aqui aplicado, mutatis mutandis:
1 – Uma vez que a controvertida resolução da Direção da CGA que decidiu que a aqui Recorrida deveria efetuar a regularização da situação, através da reposição das pensões abonadas, por compensação, nos termos do artigo 36.º, n.º 1, do decreto-lei n.º 155/92, de 28 de julho, não sendo um ato discricionário, não poderia ser anulada com fundamento na mera violação do princípio da boa-fé.
2- Com efeito, sempre se dirá que tendo os atos que determinaram os controvertidos reembolsos objeto de impugnação, sido praticados no exercício de poderes vinculados, não poderiam enfermar de violação do princípio da Boa-fé, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários.
3 - O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
4 - O novel nº 3 do Artº 40º do DL nº 155/92 não visou outro objetivo que não fosse estabelecer que a previsão legal do nº 1, de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento, não é prejudicada pelo regime de revogação dos atos administrativos inválidos fixado no art. 141º do CPA.

Com efeito, depois de alguma divergência interpretativa, é incontornável aquilo que ficou dito pelo STA, designadamente no seu acórdão nº 01212/06, de 22.01.2009, o que uniformizou a jurisprudência, nos seguintes termos:
«O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro.»”

Aqui chegados, importa concluir que o direito da CGA a exigir as quantias indevidamente pagas ao Oponente prescreve no prazo de cinco anos após a data do respetivo recebimento, em face do que se reconhece a verificação da prescrição declarada em 1ª Instância, o que aqui releva relativamente ao período de 2005, 2006 e 2007.

Do Recurso Do Autor
O presente recurso vem interposto da sentença que decidiu julgar improcedentes os vícios imputados pelo recorrente ao ato administrativo proferido em 22 de Fevereiro de 2011, o qual, nos termos do artigo 78° do Estatuto da Aposentação, determinou a suspensão do abono da sua pensão de aposentação.

Em 29 de Dezembro de 2010, entrou em vigor o Decreto-Lei n.° 137/2010, de 28 de Dezembro, cujo art.° 6.° veio introduzir mudanças no quadro legal vigente, alterando, designadamente a redação dos art.°s 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação.
De acordo com a sua nova redação, os n.°s 1 e 3 do art.° 78.° estabeleceram o seguinte:
“1 - Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
(...)
3 - Consideram -se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:
a) Todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.”

Por outro lado, prescreveram os n.°s 1 e 2 do art.° 79.° que:
“1- Os aposentados, bem como os referidos no n.° 6 do artigo anterior, autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções.
2 - Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado.”

A redação do artigo 78° do Estatuto da Aposentação, introduzida pelo Decreto-Lei n° 137/2010, de 28 de Dezembro, foi entretanto alterada pelo artigo 4° da Lei n° 11/2014, de 6 de Março, mantendo-se a regra de acordo com a qual, nomeadamente os aposentados não podem exercer funções públicas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.

Do artigo 78° do Estatuto da Aposentação resulta que a impossibilidade de exercer funções públicas remuneradas junto de quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entre outras, tem como destinatários diretos os aposentados.

Como se discorreu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17 de Junho de 2016, proferido no âmbito do processo n° 1287/11 BEPRT, no qual o aqui Relator foi Adjunto, “(...) O conceito de exercício de funções públicas é um conceito abrangente e que vai para além do conceito de função pública, considerado este como um conjunto de indivíduos que de forma subordinada e hierarquizada prestam o seu trabalho, como profissionais especializados, no desempenho de funções próprias e permanentes dos serviços e pessoas coletivas que integram a Administração Pública (Paulo Veiga e Moura, in, Função Pública, 1° vol. 2ª edição, pág.17). Função Pública tem a ver com emprego público e a forma desse exercício. É um conceito mais restrito em contraposição com o exercício de funções públicas, abrangendo este um maior número de situações. O exercício de funções públicas, por contraposição com funções privadas, encontra-se ligado aos fins prosseguidos com o que se denomina por administração pública em contraponto com a administração privada. Exercício de funções públicas diferencia-se, assim, pelos fins que prossegue e pelos meios que utiliza. O exercício de funções públicas tem como objetivo essencialmente promover a satisfação das necessidades coletivas e terá como finalidade a prossecução de um interesse público. O exercício de funções privadas incidirá maioritariamente sobre necessidades individuais, ou de um grupo, mas que não atingem a generalidade de uma coletividade. Estarão neste caso em causa interesses individuais.”

O Decreto-Lei n° 137/2010, de 28 de Dezembro adotou o conceito “funções públicas” no sentido amplo.

Resulta do n° 3 do artigo 78° do Estatuto da Aposentação que deverão ser consideradas abrangidas pelo conceito de exercício de funções:
a) todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração e
b) todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.

Assim, atenta a amplitude do exercício de funções públicas estabelecida pelo legislador, a delimitação normativa deverá ser norteada pela entidade no seio da qual serão exercidas tais funções. Esta entidade deverá estar abrangida pelo n° 1 do citado artigo 78° do Estatuto da Aposentação.

Por outro lado, o próprio diploma referido prevê situações diversas e alude de forma expressa, no artigo 78°, n°3, alínea b) ao exercício de funções públicas em “Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços”.

Finalmente, o preâmbulo do Decreto-Lei n° 137/2010, de 28 de Dezembro, refere que a finalidade destas alterações é a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.

A expressão “vencimentos públicos” abrange todas as situações contempladas no n°1 do artigo 78° do Estatuto da Aposentação, percecionando-se, portanto, a intenção legislativa de abarcar todas as situações de cumulação de pensão de aposentação e recebimento da natureza do título que legitima o citado exercício.

Aqui chegados, importa evidenciar que, e no que aqui releva, que a sentença Recorrida deu como provados os seguintes factos:
- O recorrente encontra-se aposentado antecipadamente desde 1994 - alínea B) da fundamentação de facto;
- Desde 1 de Novembro de 2004 que o recorrente trabalha para a I........, SA, mediante um contrato de trabalho a termo certo - alínea D) da fundamentação de facto;
- A I........ é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - alínea N) da fundamentação de facto).

Assim, e incontornavelmente, tal como se refere na sentença objeto de impugnação, “(...) uma vez verificados os pressupostos de que os art.°s 78.° e 79.° do EA (redação do DL 137/2010), fazem depender a suspensão da pensão de aposentação ou da remuneração, não podia a CGA deixar de suspender a pensão de aposentação do A., pois tal ato traduz o exercício de poderes vinculados e, não o fazendo, estaria a atuar em desconformidade com a lei, violando-a (desde logo, o princípio da legalidade a que está adstrita), não se verificando o vício de violação de lei, em qualquer das vertentes aqui consideradas, nem o alegado vício de forma.”

Acompanhando-se o sentido do descrito, improcederá o Recurso do Autor
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, Subsecção Social do presente Tribunal Central Administrativo Sul:
i) Conceder parcial provimento ao Recurso da CGA, anulando-se o ato constante do ofício da CGA de 26 de Janeiro de 2012, Ref.ª UAC321DA466547-00, circunscrito ao período considerado prescrito (anos de 2005, 2006 e 2007);
ii) Negar Provimento ao Recurso do Autor;
iii) Confirmar, no demais, o sentido da Decisão Recorrida.

Custas por ambos os Recorrentes em função do decaimento.
Lisboa, 25 de janeiro de 2024
Frederico de Frias Macedo Branco

Rui Pereira

Carlos Araújo