Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3068/23.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
SUBSTITUIÇÃO DA PETIÇÃO
Sumário:I - Cabe a quem se pretenda valer da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, a demonstração da verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, a qual deve assentar em factos cuja alegação se lhe impõe.
II - Para o efeito, deve o autor descrever uma situação factual de “lesão iminente e irreversível” dos direitos que invoca, não lhe bastando afirmar uma mera lesão dos mesmos.
III - O estrangeiro que não se encontre nem resida em Portugal não goza do direito de se deslocar e fixar livremente em qualquer parte do território nacional, nos termos do artigo 44.º da Constituição, por não beneficiar da extensão prevista no artigo 15.º da mesma lei.
IV - O deferimento tácito do pedido de autorização de residência apenas está previsto na Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, para a autorização de residência para reagrupamento familiar, e não para a autorização de residência para actividade de investimento.
V - A substituição da petição por requerimento de providência cautelar, prevista no n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA, pressupõe, não só que se revele indispensável uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, mas também que seja possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

F…, nacional da China, residente na China, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Ministério da Administração Interna. Pede que o Tribunal proceda, “(…) em substituição do SEF, à indicação, até 30.09.2023, de uma data/agendamento de marcação para o Requerente, destinada à recolha de dados biométricos e entrega de documentação original do ora requerente para a subsequente emissão do respetivo título de residência, (…) condenando o Requerido a assegurar que o SEF receba o Requerente na data a ser agendada para a marcação de recolha de dados biométricos (…).” Alega, para tanto e em síntese, que: (i) Requereu autorização de residência para investimento, ao abrigo do n.º 1 do artigo 90.°-A da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 29.03.2021, tendo apresentado para o efeito, nesse mês de Março, os documentos legalmente previstos; (ii) Tal pedido já se encontra deferido desde Maio de 2021, mas o SEF ainda não agendou a recolha dos dados biométricos do autor e dos seus familiares, com vista à concessão da autorização de residência requerida, assim pondo em causa os seus direitos à circulação (em Portugal e no espaço Schengen) sem necessidade de visto e à fixação de residência em território nacional, nos termos dos artigos 15.º, n.º 1, e 44.º da Constituição, os quais dependem da emissão do seu título de residência, que, por sua vez, pressupõe a recolha de dados biométricos; (iii) Necessita de sair do seu país de origem, que se prepara para novas restrições à emissão de vistos – COVID, sendo do conhecimento público que o Governo Chinês continua a adoptar uma política “agressiva” de combate ao COVID, e que, em breve, irá encerrar a saída de nacionais para o estrangeiro, à semelhança do que fez em 2022, impedindo que o autor possa sair do país com visto normal; (iv) Não se perspectivando a libertação de vaga para a recolha de dados biométricos, a presente intimação revela-se indispensável por não ser suficiente, nas circunstâncias do caso, o mero decretamento provisório de uma providência cautelar, não podendo o direito à circulação esperar por uma decisão de uma acção administrativa; (v) Considerando que o autor não reside a tempo inteiro em Portugal e se encontra ausente do território nacional, deve o agendamento ser feito com a devida antecedência, de acordo com critérios de razoabilidade, face às possibilidades e à necessidade de deslocação do autor, ou serem apresentadas datas alternativas.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por o autor não ter cumprido o ónus de alegar factos aptos a concluir pela carência de uma decisão urgente definitiva com vista à concessão da autorização de residência requerida, mais se tendo entendido que inexistem razões para conferir ao autor a protecção dispensada pelo artigo 15.º da Constituição.
O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
A. A ora recorrente - ao contrário do referido no despacho liminar - solicita, no pedido da intimação apresentada, o seguinte: “Proceder, em substituição do SEF, à indicação, até 30.09.2023, de uma data/ agendamento de marcação para o Requerente, destinada à recolha de dados biométricos e entrega de documentação original do ora requerente para a subsequente emissão do respetivo título de residência (…).”
B. O recorrente utiliza como argumentos os seguintes factos:
- O recorrente é requerente de uma autorização de residência para investimento (ARI), ao abrigo do exposto no n.° 1 do artigo 90.°-A da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, que estabelece o Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros doravante designada, abreviadamente, por Lei dos Estrangeiros, e da alínea d) do artigo 3.° da mesma Lei.
-E nessa conformidade, o recorrente (requerente) já é titular do pedido de ARI, que já foi aceite (e deferido pela Lei), pelo SEF, motivo pelo qual resta apenas uma mera formalidade do SEF, que se traduz na recolha de dados biométricos da pessoa, ora recorrente.
C. No entanto, salvo o devido respeito, e erradamente, o despacho liminar de que se recorre “seleciona” as matérias, factos e legislação que permitam, apenas, indeferir o pedido apresentado em juízo, referindo que: “Para aferir da propriedade do presente meio processual o tribunal abstrai-se do mérito da pretensão e indaga se. na hipótese de o requerente ter razão, a tutela dos seus direitos pode ser assegurada através de uma ação principal. Assim, não basta que seja alegada a violação de direitos com respaldo na Constituição nem que o pedido careça de provisoriedade para se admitir o recurso ao meio processual do artigo 109.°. pertencendo ao requerente o ónus de alegar os factos que. a provarem-se. permitem concluir que carece de uma decisão urgente definitiva para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos. No caso concreto o requerente não cumpre este ónus. Das alegações veitidas no requerimento inicial não se retira que caso o pedido fosse concedido em sede de ação administrativa o requerente não retiraria utilidade na tutela, na medida em que nada é alegado sobre os concretos motivos pelos quais não podem aguardar o desfecho de urna ação principal.”
D. Ora, padece, ab inicio de um erro de julgamento o despacho liminar - sentença, de que ora se recorre, na medida em “ficciona” sem qualquer argumentação ou justificação legal que: ''Das alegações vertidas no requerimento inicial não se retira que caso o pedido fosse concedido em sede de ação administrativa o requerente não retiraria utilidade na tutela, na medida em que nada é alegado sobre os concretos motivos pelos quais não podem aguardar o desfecho de uma ação principal.”
E. Segundo o tribunal a quo, “não se retira que caso o pedido fosse concedido em sede de ação administrativa o requerente não retiraria utilidade na tutela”, e conclui, sem mais, nada é alegado sobre os concretos motivos pelos quais não podem aguardar o desfecho de uma ação principal.
F. Ora, perante o exposto o tribunal conclui, sem mais que o requerente deveria ter avançado para uma ação comum administrativa, pese embora conclua o mesmo tribunal que o requerente/recorrente não alegue factos concretos que permitam concluir que não pode aguardar por uma ação principal. Salvo o devido respeito, o tribunal a quo subverte negativamente quer o ónus da prova, quer os fundamentos legais que subjazem à intimação em discussão nos autos.
G. Na situação referida, estamos perante uma situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito na ação principal, que, pode contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20. da CRP), pois ao requerente/recorrente é impossível demonstrar aquele facto negativo através de factos positivos.
H. Acresce que o requerente/recorrente provou e demonstrou - como se demonstrará - que a inércia do SEF, através da não marcação de um agendamento, impede de forma clara os seguintes direitos de que já é titular- fruto/em virtude de ter já ocorrido o deferimento tácito da autorização de residência que requereu, a saber:
- a sua livre circulação no espaço Schengen; que decorre do facto de já ser titular de uma autorização de residência pese embora ainda não disponha do cartão dado que o mesmo só pode ser emitido após a tomada/recolha dos dados biométricos - que recorde-se ainda não aconteceu por mera deficiência do sistema no agendamento da recolha dos mesmos.
- impede o requerente do uso e fruição do investimento realizado em Portugal, e
- impede, indiretamente, o ora requerente possa sair da China em tempo útil, e bem assim,
- coloca em causa e viola vários direitos fundamentais, além do referido no artigo 15.° da CRP, ao qual o tribunal a quo se “amarra” para inferir o pedido dos autos, como se esse fosse o único preceito constitucional violado e, também o único que careceria de protecção e tutela por este tribunal.
I. Se o tribunal a quo não admite que as situações alegadas (e provadas) em sede de intimação permitem concluir que a situação concreta, carece de uma decisão urgente e definitiva para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos direitos do requerente/recorrente, estamos, assim, perante uma verdadeira prova diabólica.
J. O tribunal a quo não refere uma única vez quais as provas, nem quais os factos concretos insuficientes, dos autos que lhe permitem concluir pelo indeferimento liminar, parecendo inclusive ao recorrente que se está perante uma decisão que permita apenas “deitar por terra” as intimações como a do ora requerente/recorrente, o que não escapará à sindicância dos Venerandos Juízes.
K. Para esse facto ressalta a passagem do despacho de que se recorre, quando refere, por exemplo: “A verificação do requisito da indispensabilidade é feita em concreto, pelo que o apelo a decisões anteriores, nos termos em que os requerentes o fazem, tem um alcance limitado, uma vez que têm o ónus de alegar os contornos factuais da sua situação para habilitar o tribunal a valorar a similitude das situações e, logo, apreciar da aplicabilidade da fundamentação e sentido decisório.”
L. Em primeiro lugar não existem requerentes (apenas um requerente!), em segundo lugar o requerente nunca alegou decisões anteriores no pedido dos autos... não se compreende pois esta referencia na sentença... Questiona-se o recorrente se a Juíza dos autos não terá confundido o processo Processo n.° 2868/23.3BELSB (que não é o caso do recorrente) com o processo dos autos Processo n.° 3068/23.8BELSB!
M. O facto é que o despacho de que se recorre não tem correspondência com os factos concretos alegados e provados pelo requerente. A prova disso é a parca fundamentação do despacho e a alusão a questões que nada têm que ver nem se coadunam com o caso do ora recorrente, conforme se alegou supra.
Da suposta (in)adequação do meio processual utilizado (intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias) - referido no despacho liminar/sentença de que se recorre.
Explicitando:
N. O recorrente submeteu toda a documentação requerida pelo SEF em 29/3/2021 e nessa mesma data pagou a taxa de análise no montante de 533,00, tendo a candidatura sido considerada e validada pelo SEF, constando como ARI Aceite no portal do ARI.
O. Ora de acordo com a lei, as decisões negativas de concessão de autorização de residência necessitam sempre de fundamentação, permitindo o contraditório. Ora no caso a mesma foi aceite após analise, faltando apenas a emissão do titulo (cartão) que apenas é emitido após a dita recolha de biométricos - que como se viu ainda não ocorreu.
P. Assim temos que, pese embora titular de uma autorização de residência válida, pois foi aceite e deferida pelo SEF , não pode o ora recorrente gozar os seus diretos pois sem titulo não pode entrar no espaço Schengen. Entendemos assim que esta situação consubstancia uma violação do direito de entrada e circulação no espaço europeu por um cidadão estrangeiro titular de autorização de residência mas... sem título!
Q. Se estar impedido de gozar o seu direito fundamental a entrar e circular no espaço europeu não é suficiente, o que será. Por outro lado, como quer o tribunal que o requerente esteja em Portugal ou aqui organize a sua vida se - pese embora detentor de autorização de residência aceite desde 23/6/2021 (ainda sem cartão !!!!!!!!!), está impedido de entrar em território nacional por não ter o famigerado título.
R. Pergunta o requerente como pode ser Portugal o centro da sua vida se aqui não pode entrar, embora já tenha a autorização de residência aceite. Fez o investimento (tendo imobilizado o capital que não pode movimentar até ao final do período do visto, supostamente cinco anos mas que pelo andar da carruagem sete não irão chegar)
-Apresentou toda a documentação que lhe foi requerida à data:
-Pagou a taxa de analise - 533 euros - também em tempo.
-Foi aceite a autorização de residência, mas como não se recolheram os biométricos não tem cartão e por isso não pode entrar e sair livremente do território nacional.
Da nulidade da sentença: Da não inclusão de factos (não) alegados/provados pelo Tribunal (erro de julgamento) e excesso de pronúncia:
- Do excesso de pronúncia
S. Erradamente, na página 3, do despacho liminar/sentença que se recorre, refere o Tribunal a quo: “A verificação do requisito da indispensabilidade é feita em concreto, pelo que o apelo a decisões anteriores, nos termos em que os requerentes o fazem, tem um alcance limitado, uma vez que têm o ónus de alegar os contornos factuais da sua situação para habilitar o tribunal a valorar a similitude das situações e, logo, apreciar da aplicabilidade da fundamentação e sentido decisório”
T. A Senhora Juiz do Tribunal recorrido decidiu conhecer questões que nem se colocaram no caso concreto. A saber:
- O recorrente nunca referiu decisões anteriores na intimação que originou o processo;
- O recorrente é apenas um (singular), pelo que a referência a: “os requerentes” não se coaduna com o caso concreto;
U. Estamos assim, perante um nítido caso de excesso de pronuncia pois que o Tribunal recorrido procede ao “conhecimento” de questões não suscitadas pela parte (e não se diga que é um assunto de conhecimento oficioso).
V. Concluindo estamos perante uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia, pois que a Juiz apenas corrige o número do processo e não o conteúdo do despacho liminar que se recorre (vide despacho com a ref 009276776 de 14.09.2023)
Da não inclusão de factos (não) alegados/provados pelo Tribunal (erro de julgamento):
W. Além do referido supra, o tribunal a quo demonstra uma perceção absolutamente ab- rogatória da Lei e dos factos, face ao pedido e causa de pedir do presente processo e demonstra uma visão apressada da questão, pois não cuidou de fazer uma correta seleção dos factos alegados (e provados) o que traduz a nulidade da sentença por erro de julgamento, ao referir que: “Assim, não basta que seja alegada a violação de direitos com respaldo na Constituição nem que o pedido careça de provisoriedade para se admitir o recurso ao meio processual do artigo 109.°, pertencendo ao requerente o ónus de alegar os factos que, a provarem-se, permitem concluir que carece de uma decisão urgente definitiva para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos. No caso concreto o requerente não cumpre este ónus. Das alegações vertidas no requerimento inicial não se retira que caso o pedido fosse concedido em sede de ação administrativa o requerente não retiraria utilidade na tutela, na medida cm que nada é alegado sobre os concretos motivos pelos quais não podem aguardar o desfecho de uma ação principal.”
X. Sucede que tal não corresponde à realidade, e, além do mais, não existe uma seleção da matéria de facto provada, ou não provada no despacho de que se recorre. Acresce que não se consegue perceber quais os factos concretos, nem quais as provas que não demonstram, no caso concreto, os motivos pelos quais não existe urgência. Aliás resulta claro, que o impedimento do gozo dos direitos fundamentais que o ora recorrente tem fruto da titularidade da autorização de residência - demonstram de forma cabal que existe urgência na solução do caso.
Y. Além disso, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, o recorrente alegou, demonstrou e provou que a inexistência de atuação do SEF, e a inexistência de marcação/agendamento, coloca em causa gravemente a tutela de vários direitos liberdades e garantias do ora recorrente (vide docs. juntos com a intimação - 1 a 3 e o alegado nos artigos 9 a 40 da intimação do requerente), e atente-se no exposto antes sobre o tema. A inércia do SEF fere direta e irremediavelmente os direitos fundamentais do ora recorrente na medida em que este - pese embora já detenha autorização de residência valida e deferida, não pode (por inoperabilidade do SEF) há mais de 2 ANOS, proceder, por exemplo:
À sua entrada e saída do espaço schenghen
Ao reagrupamento familiar
À educação e ensino sua e dos seus familiares
Ao exercício de uma atividade profissional subordinada
Ao exercício de uma atividade profissional independente
À orientação, à formação, ao aperfeiçoamento e à reciclagem profissionais
Ao acesso à saúde
Ao acesso ao direito e aos tribunais
Z. Consequentemente os direitos fundamentais que já existem na esfera do recorrente - pelo facto da autorização de residência se encontrar validada aceite e deferida - e a ela inerentes estão pura e simplesmente a serem denegados pela simples falta de não marcação de recolha de dados biométricos. Trata-se de uma violação grosseira e gritante com contornos Kafkianos da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, baseada numa mera preterição de formalidade legal pelo estado - a recolha dos biométricos e consequente emissão do cartão de residência.
AA. Não se concebe que o Tribunal recorrido não reconheça como urgente e imediatamente tutelável o facto de existir na esfera jurídica do recorrente um direito de residência (em Portugal) e o direito de circulação (entre outros), que depende há mais de 24 meses (2 ANOS) da emissão do seu título de residência (sendo necessária a recolha de dados biométricos), pelo SEF.
BB. Mais, recorde-se que se trata de um processo em que o investimento e a imobilização do capital a ele atinente têm de estar congelados até ao final do mesmo, inicialmente seriam 5 anos mas, com este atraso serão pelo menos 5 mais 2 (Sete no total!!!!). estando o recorrente impedido e impossibilitado de utilizar as suas verbas ou fundos pois se o fizer, a sua autorização de residência não é renovada.
CC. Diga-se que, o Tribunal faz uma errada subsunção dos factos ao direito, e ainda uma omissão de pronúncia (sobre os direitos à circulação e os direitos civis - vide páginas 6 e 7 da intimação do recorrente - que não foram sequer referidos no despacho de que se recorre): Para tanto, e em síntese, o requerente alega que: i) em 03/2021 apresentou candidatura para obtenção de autorização de residência para investimento, a qual foi aceita; ii) o SEF não permite o agendamento da sua deslocação presencial aos serviços, para efeitos de recolha de dados biométrico e entrega de documentação, pelo que o título a que tem direito não é emitido; iv) a conduta do SEF viola o artigo 44.° da CRP, o qual lhe é aplicável por extensão do artigo 15.° da CRP.
DD. O Recorrente nunca referiu na sua peça/intimação que o artigo 44 da CRP lhe seria aplicável por extensão do artigo 15 da CRP. Muito se estranha que tal seja imputado como uma alegação do recorrente, pelo Tribunal, quando tal não foi sequer alegado pelo próprio requerente. Nem tampouco, o recorrente faz depender os artigos 44° e 15°, ambos da CRP, de uma aplicação cumulativa, como pretende fazer crer - erradamente - o despacho de que se recorre.
EE. Quem o faz é unicamente o tribunal a quo, com uma interpretação da Lei Fundamental completamente ab-rogatória, que choca com os princípios constitucionais, como se demonstrará.
FF. Salvo o devido respeito que, merece opinião do tribunal recorrido, a interpretação efetuada dos artigos 44 e 15 da CRP, ao caso concreto do recorrente, ofendem o princípio da igualdade (artigo 13.0 da CRP) projetado na garantia de acesso aos tribunais previsto no artigo 20o da Constituição, na medida em que, sem visar a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, restringem o direito de acesso à justiça e aos tribunais.
GG. Por outro lado, o tipo de autorização de residência requerida não obriga à residência em Portugal, pelo que este argumento não deveria nunca ser levantado. E a ser, recorde-se que seria sempre imputável aos serviços (SEF) ou mesmo ao estado português - a não residência do ora requerente - , pois foi este mesmo Estado (como já se referiu antes) que não recolheu os biométricos nem emitiu o cartão, este ónus é do estado não do requerente que tudo fez para que esta recolha fosse marcada mas, como sempre o SEF não responde a ninguém, nem por telefone, nem tão pouco se digna a responder aos e- mails que lhe são enviados (como se demonstrou em sede de intimação - vide docs. juntos) .
HH. A realização do direito ao agendamento do SEF - que impõe o controlo judicial da inércia do SEF- e o acesso aos tribunais - integra o núcleo irredutível do princípio da equiparação de tratamento entre nacionais e estrangeiros e apátridas, estabelecido no artigo 15°, n.° 1, da Constituição.
II. Ora o direito ao acesso aos tribunais é um direito não apenas dos cidadãos, mas também de quem tem uma autorização de residência. Ou pretende-se que a justiça e os meios de aplicação da mesma sejam privativos dos residentes em Portugal? É que se assim for mais vale rever toda a constituição no que se refere a estes direitos fundamentais.
JJ. Recordamos que só falta um proforma (recolha de dados biométricos) para se efetivar e reconhecer-se o seu direito à residência, na qualidade de residente por investimento em Portugal. Sendo que este proforma já foi pedido várias vezes pelo requerente e pelos seus representantes, mas sempre sem sucesso pois foi o SEF que não respondeu - nem responde - aos apelos que lhe são feitos! Assim demonstra-se que este proforma depende do SEF e não do recorrente que não se pode substituir ao SEF no agendamento.
KK. O raciocínio do tribunal a quo, assim, limita gravemente a capacidade de circulação do recorrente, bem como a capacidade de exercício de todos os seus direitos existentes, e limita, inclusivamente, o investimento efetuado pela recorrente em Portugal - que poderá não conseguir manter os requisitos impostos pela Lei dos Estrangeiros, por inércia do SEF - no simples agendamento de uma data para desempenho de uma mera formalidade obrigação do SEF.
LL. Além de mais, sempre se dirá que no que à Constituição Portuguesa diz respeito, há um triângulo normativo que, não circunscreve o âmbito de titularidade dos direitos fundamentais e que é composto pelos artigos 12°, 14° e 15° da Constituição. O princípio da universalidade está consagrado no primeiro enunciado da Constituição dedicado aos Direitos e Deveres Fundamentais - artigo 12°, que reza assim: “Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.” Sendo entendimento comum da doutrina que este princípio tem uma vocação abrangente, pretendendo afirmar os direitos fundamentais como direitos de todos - e não apenas dos nacionais.
MM. É o caso do ora recorrente, que pretende obter a simples emissão do cartão/autorização (emissão, e não deferimento) mas pela inércia do SEF, não consegue. Pese embora já ter o processo de ARI e candidatura aceite e deferida (por força da Lei e como explicitado em sede de intimação).
NN. Importa ainda elucidar que, a nosso ver, sendo as entidades públicas as primeiras destinatárias das normas constitucionais nesta matéria, independentemente do modo e do lugar de atuação escolhido, esta vinculação impõe-se e por isso o artigo 18°, n° 1, da CRP, na parte em que prevê a vinculação das entidades públicas aos direitos fundamentais como direitos de todos, foi alegado e demonstrado, na medida em que incumbe ao SEF atuar, nos termos da Lei e em prazo razoável (o que não fez).
Dos pressupostos da intimação dos autos - “urgência” e tutela “urgente” - artigo 109.° do CPTA:
OO. Prossegue o Tribunal recorrido dizendo: Assim, é manifesta a falta de verificação dos pressupostos do artigo 109.° do CPTA..”
PP. Erigir a urgência como pressuposto autónomo do meio processual em apreço implica ignorar as “circunstâncias do caso”, designadamente, o tipo de direito ameaçado por um prejuízo irreparável, o tipo de ameaça (iminente actual ou iminente latente), a ocorrência de factos lesivos supervenientes; Mais lamentável é o Tribunal recorrido ignorar, ainda, se a lesão do direito causa prejuízo apenas a esse direito ou se produz consequências danosas noutros direitos (ou seja, a lesão de um direito pode ocasionar a lesão de outros direitos, o que também terá repercussão numa “contagem de tempo” entre o acto lesivo e a propositura da acção).
QQ. Em síntese, o despacho liminar recorrido assentou o seu julgamento numa interpretação do artigo 109.° do CPTA que não corresponde inteiramente ao nele preceituado, conduzindo a uma errada perspectivação dos pressupostos previstos nesse preceito.
RR. Ademais, o investimento efetuado pela Recorrente - e consequente verificação dos requisitos para a autorização de residência de investimento - pode assim ficar comprometido, irremediavelmente, com a inércia do SEF, podendo, no limite perder a sua autorização de residência deitando por “terra” todo o processo e recursos nele investidos.
SS. Senão vejamos, o recorrente investiu - como a lei prevê - num fundo de capital de risco, e tem que manter esse investimento pelo prazo de duração do seu processo de Autorização de residência para investimento, tendo que comprovar aquando das renovações que o investimento se mantém.
TT. Ora existem duas renovações do cartão de residência a saber:
2° ano 4° ano
Em cada uma delas o investimento tem que se manter ...
O fundo tem uma duração de sete anos, findo este período é - ou pode ser - extinto.
Ora o requerente investiu em 2021 e só conseguirá o titulo em 2023 (se este Tribunal condenar o SEF na marcação de biométricos) o que significa que terminará em 2028/9 e nessa altura provavelmente já o fundo foi extinto, não podendo o recorrente provar que manteve o investimento - lembre-se que a manutenção do mesmo é requisito fundamental para a concessão do ARI.
Da violação do disposto no artigo 110-A do CPTA.
UU. A acrescer, e mais preocupante, num estado de direito, é o facto do Tribunal recorrido, (através de uma questão puramente processual/formal - e que viola o artigo 110- A do CPTA, como veremos) não vislumbrar como urgente (e erradamente) que esteja a ser violado o artigo 45o da carta dos direitos Fundamentais da EU, no seu n° 2 quando refere que: “Pode ser concedida liberdade de circulação e de permanência, de acordo com os Tratados, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado-Membro.”
VV. Estamos efetivamente, perante uma situação civil e pessoal da Recorrente e dos seus familiares e que carece (urgentemente) de tutela requerida, ao contrário do alegado no despacho liminar. A não emissão atempada do seu título de residência, compromete (irremediavelmente) e coloca em causa, (alegado e provado) o direito da recorrente em se deslocar para entrar em território nacional e circular no Espaço Schengen.
WW. Mais grave ainda é o facto do Tribunal a quo incorrer em erro de julgamento manifesto, ao não ponderar sequer a convolação da intimação em processo cautelar, pois que, nos termos do CPTA tal é um dever do Juiz (vide n° 2 do artigo 110-A do CPTA) - não uma mera faculdade como a Juiz de turno quer fazer crer no seu despacho liminar.
XX. O despacho liminar recorrido violou o disposto nos arts. 109° e 110°-A do CPTA, arts. 13.° 15.° 20°, n.° 5, 26° e 44° da CRP e art. 3.°, n.°s 1 e 2 do CPC.
YY. Quando, seja de reconhecer que existe uma situação de especial urgência que o justifique, o juiz deve, no mesmo despacho liminar, e sem quaisquer outras formalidades ou diligências, decretar provisoriamente a providência cautelar que julgue adequada, sendo, nesse caso, aplicável o disposto no artigo 131.° CPTA;
ZZ. No mesmo sentido v. o acórdão do STA, [in www.dgsi.pt]. de 23.4.2020, no processo n° 0740/19.0BEPRT, de cujo sumário se extrai: “(...) // IV - A «inadequação» do uso deste meio processual não implica o fim da instância, mas antes o convite ao autor para substituir a petição inicial por pertinente requerimento cautelar, tendo tal convite por momento processual adequado o da apreciação liminar.”
AAA. Nesta conformidade, por se encontrarem verificados os pressupostos de recurso ao presente processo de intimação, aplicando o disposto no n.° 1 do artigo 110.°-A do CPTA, seria de julgar verificada, no mínimo, a possibilidade de aproveitamento ou convolação da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar, nos termos do art. 110°-A do CPTA.

A entidade recorrida não respondeu à alegação do recorrente.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso, sustentando que o recorrente incumpriu o ónus de alegação dos factos cuja demonstração permitiria, em abstrato, concluir pela necessidade de obtenção de uma decisão urgente definitiva para a prevenção ou repressão de uma ameaça iminente dos seus direitos, que ao mesmo incumbia por força do princípio do dispositivo. Mais aduz que o recorrente não é titular do direito que invoca, previsto no artigo 44.º da Constituição, uma vez que tal norma apenas é extensível aos estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, de acordo com o artigo 15.º do CRP, não sendo esse o caso. Conclui que, por não se verificar a violação de qualquer direito, liberdade e garantia, nem a necessidade e indispensabilidade da presente intimação para a sua defesa, o meio processual utilizado pelo recorrente é inadequado, assim afastando o invocado erro de julgamento.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

As questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença recorrida:
a) Padece de nulidade por:
i. Não conter a selecção da matéria de facto provada e não provada;
ii. Analisar a invocação de decisões anteriores ao pedido, bem como a alegação da aplicabilidade do artigo 44.º da Constituição por extensão do artigo 15.º do mesmo diploma, sem que tais invocação e alegação constem da p.i.;
b) Padece de erro de julgamento por:
i. Ter considerado não verificados os pressupostos de que depende o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
ii. Restringir o direito de acesso do recorrente aos tribunais;
iii. Não ter ponderado a convolação da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, em processo cautelar, nos termos do artigo 110.º-A do CPTA.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida não fixou factos.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A. Da nulidade da sentença

Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Alega o recorrente que a sentença é nula por não conter a selecção da matéria de facto provada e não provada.
Vejamos.
Nos termos da citada alínea b), a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e não quando não especifique fundamentos de facto que não a justificam. Visando a fundamentação a exteriorização das razões, de facto e de direito, que determinaram certa decisão, só faz sentido que constem da sentença os fundamentos que a justificam, e não quaisquer outros. Assim, assentando a decisão na falta de alegação de factos, inexistem factos passíveis de serem enunciados para sustentarem tal decisão, porquanto se os mesmos não foram alegados, muito menos se têm por provados. É esse o caso dos presentes autos, em que a decisão de rejeitar liminarmente a petição se baseou na circunstância de o autor não ter cumprido o ónus de alegar factos aptos a concluir pela carência de uma decisão urgente e definitiva para tutela de um direito do recorrente, enquanto pressuposto do meio processual utilizado.
Neste contexto, se é certo que a sentença recorrida não fixou factos, tal não consubstancia qualquer nulidade na medida em que a decisão naquela contida não assenta em factos, antes na falta de alegação de factos concretizadores de um dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias – a urgência na tutela definitiva de um direito.

Mais invoca o recorrente a nulidade da sentença por se reportar à invocação, por parte do autor, de decisões anteriores ao pedido, bem como por analisar a alegação de que o artigo 44.º da Constituição lhe seria aplicável por extensão do artigo 15.º do mesmo diploma, sem que tais invocação e alegação constem da p.i., incorrendo, assim, em excesso de pronúncia.
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia tem a ver com o conhecimento de questões de que não se poderia ter conhecido, por não terem sido invocadas e não serem de conhecimento oficioso.
No caso em apreço, a sentença determinou a rejeição liminar da petição por o autor não ter cumprido o ónus de alegar factos materializadores de uma situação de urgência na tutela de um direito, enquanto pressuposto do recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Deste modo, a sentença não chegou a conhecer qualquer questão invocada, quedando-se pela análise dos pressupostos de utilização do referido meio processual, que julgou não verificados, pelo que é evidente que não se verifica a invocada nulidade por excesso de pronúncia.
Sem embargo, sempre se dirá que a sentença se refere ao “apelo a decisões anteriores” por parte do autor para afirmar que o mesmo é insuficiente para concluir pela “verificação do requisito da indispensabilidade”, e, embora tal “apelo” não tenha sido feito pelo recorrente, tal referência não inquina a sentença de nulidade, nos termos referidos. Quanto à aplicação ao recorrente do disposto no artigo 44.º da Constituição, o que resulta da sentença é que a sua argumentação assenta na titularidade do direito previsto naquele artigo 44.º, que não lhe assiste, nos termos do artigo 15.º, uma vez que o mesmo não se encontra em território nacional, sendo certo que, no art. 52 da p.i., o recorrente alega que é titular daquele direito.


B. Do erro de julgamento

Alega o recorrente que a sentença recorrida, ao assentar num ónus do autor de demonstrar que não retiraria utilidade na tutela em acção administrativa, lhe impõe a “prova diabólica” de factos impossíveis, não referindo quais as provas e os factos concretos que seriam aptos a demonstrar a urgência, cuja falta sustentou o indeferimento liminar. Porém, insurge-se contra o afastamento da verificação de uma situação urgente com a circunstância de o autor não estar em Portugal nem aqui organizar a sua vida, não só porque o autor não pode estar em Portugal precisamente em virtude da falta de título de residência - falta essa imputável aos serviços da entidade recorrida, que não o emitiram -, mas também porque o tipo de autorização requerida não obriga à residência em Portugal. Aduz ainda que se impõe, no caso, uma decisão urgente e definitiva por estarem em causa os seus direitos a circular livremente no espaço Schengen e usar e fruir do investimento que fez em Portugal, dos quais já é titular em virtude do deferimento tácito da autorização de residência que requereu e do n.º 2 do artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

A sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição por o autor não ter alegado factos aptos a concluir pela carência de uma decisão urgente de concessão da autorização de residência requerida, designadamente que o território nacional é o centro da sua vida e que aqui a organizou - admitindo que não se encontra território nacional -, ou que a inércia do SEF o impede de levar uma vida normal, antes decorrendo da sua alegação que o autor conduz a sua vida pessoal e familiar no local. Mais precisamente, consta o seguinte da sentença recorrida:
“Das alegações vertidas no requerimento inicial não se retira que caso o pedido fosse concedido em sede de ação administrativa o requerente não retiraria utilidade na tutela, na medida em que nada é alegado sobre os concretos motivos pelos quais não podem aguardar o desfecho de uma ação principal. A alegação dos requerentes é insuficiente para concluir pela indispensabilidade do recurso à intimação do artigo 109.º.
A verificação do requisito da indispensabilidade é feita em concreto, pelo que o apelo a decisões anteriores, nos termos em que os requerentes o fazem, tem um alcance limitado, uma vez que têm o ónus de alegar os contornos factuais da sua situação para habilitar o tribunal a valorar a similitude das situações e, logo, apreciar da aplicabilidade da fundamentação e sentido decisório.
O requerente alega que não se encontra território nacional, consequentemente não alega que aqui tenha organizado a sua vida, nem alega factos dos quais decorra que o projeto de vir a residir em tribunal merece a tutela dispensada pelo artigo 109.º da IDLG.
Dito de outro modo, o requerente não alega que o território nacional é o centro da sua vida, não alega factos que permitam concluir que a putativa inércia do SEF o coloca numa situação de tamanha incerteza que se encontrem impedidos de levar uma vida privada, profissional ou familiar normal. Aliás, o que decorre da argumentação vertida no requerimento inicial é que o requerente conduz a sua vida pessoal e familiar no local onde reside e que projeta/almeja que a mesma se possa vir a desenvolver em Portugal, sem, contudo, explicar a urgência na realização de tal projeto para a tutela dos direitos fundamentais.
A argumentação do requerente está estrutura em torno da ideia de que é titular do direito previsto no artigo 44.º da CRP. Porém, tal norma apenas é extensível aos estrangeiros que se encontrem em território nacional, de acordo com o artigo 15.º do CRP, inexistindo razões para conferir ao requerente a proteção dispensada pelo artigo 15.º da CRP.
Com efeito, a relação de domínio do Estado sobre o espaço geográfico delimitado como seu território, constitui o fundamento para o estabelecimento de restrições às liberdades de circulação e de residência de indivíduos estrangeiros, nomeadamente, por razões de ordem e segurança públicas. Neste sentido o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem afirma constituir “direito internacional consolidado o direito de os Estados controlarem a entrada, a residência e a expulsão de estrangeiros” [tradução da signatária a partir da versão inglesa do §160 do Ac. Z.A. e outros c. Rússia, processos n.ºs 61411/15, 61420/15, 61427/15 e 3028/16, de 21/11/2019].
Assim, inexiste com carácter jusfundamental um direito de ingresso de cidadãos de Estados terceiros no território de um Estado-Membro da EU, tal direito depende da obtenção de um título para o efeito. Deste modo, a inércia do SEF em dar impulso ao procedimento relativo ao pedido de concessão de autorização de residência apresentado pelo requerente não pode ferir direitos [direito de circulação em território nacional, o direito de sair de território nacional para efeitos de emigração e nele reentrar – artigo 44.º da CRP] que o ordenamento jurídico só estende ao requerente após a emissão e tal autorização.
A inércia do SEF poderá ferir o direito do requerente ver decidido em prazo razoável um pedido que apresentou perante a administração, o qual pode ser instrumental da proteção de outros direitos, porém, como supra explicado, para que o requerente possa legitimamente aceder à intimação do artigo 109.º teria que aportar factos que permitissem ao tribunal concluir que a proteção de tal ou tais direitos perderia a sua utilidade caso fosse concedida através da ação administrativa.”

Vejamos.

A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva, recortado para “situações de especial urgência (lesão iminente e irreversível de DLG)” e “destinado a conferir protecção qualificada aos direitos, liberdades e garantias, no âmbito da concretização do comando constitucional consignado no n.º 5 do artigo 20.º da CRP.” – cfr. FERNANDA MAÇÃS, “Meios Urgentes e Tutela Cautelar”, «A Nova Justiça Administrativa», Centro de Estudos Judiciários, 2006, Coimbra Editora, pp. 94 e 95. Por isso mesmo, esta intimação tem carácter excepcional, só se justificando se constituir o único meio para obstar à violação de um direito, liberdade e garantia, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a satisfazer a pretensão deduzida em juízo.
Nestes termos, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, apenas pode ser utilizada quando se verifiquem os referidos pressupostos; ou seja, não só (i) que a célere emissão de uma decisão de mérito se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, mas também (ii) que, nas circunstâncias do caso, não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, de modo a demonstrar que a situação concreta reclama uma decisão judicial definitiva e urgente.
No que concerne ao primeiro pressuposto – o da indispensabilidade da emissão de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia -, como escrevem Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883, o seu preenchimento“(…) pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”
Quanto ao segundo pressuposto – o da impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar -, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53.

Considerando o descrito enquadramento jurídico, cumpre aferir se se mostram verificados no caso os pressupostos de recurso ao meio processual utilizado pelo autor.

Em primeiro lugar, ao contrário do que defende o recorrente, e conforme bem se afirmou na sentença recorrida, àquele que lança mão de uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, cabe alegar factos que traduzam uma situação de indispensabilidade de uma tutela definitiva urgente, o que, naturalmente, se associa à demonstração da insuficiência de tutela através de uma acção administrativa, de natureza não urgente, ainda que associada ao decretamento de uma providência cautelar. Dependendo a utilização de tal meio processual da verificação de pressupostos legalmente definidos, a demonstração dessa verificação cabe a quem do mesmo se pretenda valer, devendo tal revelação assentar em factos cuja alegação se lhe impõe. Tal ónus que sobre o mesmo impende não o coloca, de modo algum, perante uma situação de “prova diabólica”, pois está em causa a alegação de factos, e não a prova dos mesmos, sendo equacionáveis variadíssimas situações de facto de carácter urgente, que podem ser alegadas para o efeito. Aliás, a sentença recorrida até alvitra situações de facto que poderiam ter sido alegadas na p.i., como, por exemplo, que o território nacional era o centro da sua vida e que aqui a organizou, ou que a inércia do SEF o impedia de levar uma vida normal. Contudo, o recorrente limita-se a alegar que tem pressa na saída do seu país de origem (China) porquanto o Governo Chinês continua a adoptar um política “agressiva” de combate ao COVID e que, em breve, irá encerrar a saída de nacionais para o estrangeiro, à semelhança do que fez em 2022, impedindo que o autor possa sair do país com visto normal, referindo que tal situação é do conhecimento público, o que não corresponde à verdade. Por outro lado, reconhece que não reside em Portugal e pretende um agendamento que considere a necessidade da sua deslocação e as suas possibilidades, com datas alternativas, donde se retira – como o faz a sentença recorrida - que o autor conduz a sua vida pessoal e familiar no seu país de origem. Efectivamente, o autor recorrente não descreve uma situação factual de “lesão iminente e irreversível” dos direitos que invoca – necessária ao preenchimento dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias -, limitando-se a afirmar uma mera lesão dos mesmos, não sendo possível extrair da sua alegação qualquer urgência para o recorrente na concessão de autorização de residência.
Em segundo lugar, e também diferentemente do que o recorrente pretende fazer crer, a sentença recorrida não afastou a existência de indispensabilidade de tutela de mérito urgente com a circunstância de o autor não estar em Portugal nem aqui organizar a sua vida; antes, a urgência foi afastada pela falta de alegação de uma situação de facto reveladora de uma “lesão iminente e irreversível” dos direitos que invoca.
Em terceiro lugar, não basta estar em causa um direito, liberdade e garantia, sendo ainda necessário demonstrar que é urgente a sua tutela, o que o recorrente, nos termos expostos, não fez.
Em quarto lugar, não assiste ao recorrente o direito que invoca, de circular livremente em Portugal. É verdade que o artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa garante a todos os cidadãos o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional e que o artigo 15.º estende o gozo dos direitos do cidadão português aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal. Sucede que o recorrente nem se encontra nem reside em Portugal, como, além do mais, o próprio admite na p.i., pelo que, não beneficiando de tal extensão, não lhe assiste aquele direito de livre circulação em território nacional. De igual modo, o n.º 2 do artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ao estabelecer que “Pode ser concedida liberdade de circulação e de permanência, de acordo com os Tratados, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado-Membro.”, não é aplicável ao recorrente, pois que o mesmo não reside legalmente em Portugal. Contrapõe o recorrente que lhe assiste tal direito de livre circulação em Portugal uma vez que o seu pedido de autorização de residência foi tacitamente deferido. Mas não tem razão, precisamente porque o deferimento tácito do pedido de autorização de residência apenas está previsto na Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho – que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, e ao abrigo da qual o recorrente requereu autorização de residência –, para a autorização de residência para reagrupamento familiar, prevista nos artigos 98.º e ss., e não para a autorização de residência para actividade de investimento, prevista no artigo 90.º-A, ao abrigo do qual o recorrente apresentou o seu pedido.

Ante o exposto, concluímos que não foi alegada uma situação de facto carente de tutela definitiva urgente de um direito, liberdade e garantia, pelo que não se mostra verificado o primeiro dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.

O recorrente alega ainda que a sentença recorrida, ao rejeitar liminarmente a sua petição de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, restringe o seu direito de acesso aos tribunais.
Porém, antes de mais, tal alegação não se mostra minimamente consubstanciada, não se vislumbrando em que termos é que a recusa de utilização de um meio processual urgente contende com o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição. Ademais, face ao decidido, o recorrente pode sempre aceder à justiça por outra via não urgente para obter a tutela pretendida, deste modo estando assegurado o seu direito de acesso aos tribunais.

Finalmente, o recorrente alega que a sentença recorrida padece de erro de julgamento porquanto não procedeu à convolação da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar, nos termos do artigo 110.º-A do CPTA.
Mas também neste ponto não lhe assiste razão.
Nos termos do n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA, “Quando verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.” Como notam Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 903, prevendo o n.º 1 do artigo 110.º a rejeição liminar da petição por falta de verificação dos pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não é possível convolação quando não esteja preenchido o primeiro dos pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 109.º, o da indispensabilidade de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia. Quer dizer, a convolação apenas pode operar se, estando preenchido tal pressuposto – ou seja, revelando-se indispensável uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia -, se concluir que é possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar. No mesmo sentido, decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 07.04.2022, proferido no processo n.º 036/22.0BALSB (in www.dgsi.pt), no qual se conclui que, quando o uso da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se revele indispensável, o artigo 110.º-A do CPTA não impõe a convolação do processo numa providência cautelar.
Retornemos ao caso em apreço.
Ainda que a sentença não se refira expressamente a esse ponto, aflora-o na citação que faz de passagem do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.04.2023, proferido no processo n.º 036/22.0BALSB, a saber: «…não resulta uma obrigação de convolação do processo de intimação numa providência cautelar, mas apenas uma possibilidade de o fazer, quando o Tribunal entenda que a tutela requerida se basta com a adoção da mesma providência.», a qual não opera quando os requerentes «… não alegam factos que demonstrem a indispensabilidade, nem tão pouco a urgência da intimação – e por maioria de razão de uma providência cautelar - para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias.».
Esta fundamentação vai de encontro àquilo que acaba de se expor, no sentido em que obstam à convolação as circunstâncias de o autor não ter alegado uma situação de facto carente de tutela urgente, e de não lhe assistir o direito que invoca, de livre circulação em Portugal, não se mostrando, assim, verificado o primeiro dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.
Não estando demonstrada a indispensabilidade de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, impõe-se a rejeição liminar da petição, não tendo lugar o convite à substituição da petição nos termos previstos no n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA, pelo que bem andou a sentença recorrida ao assim determinar.

Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados.
*
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Sem custas.


Lisboa, 19 de Março de 2024

Joana Costa e Nora (Relatora)
Pedro Nuno Figueiredo
Carlos Araújo