Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:979/12.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRC
CUSTOS
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
Sumário:I - Para que as despesas possam ser dedutíveis à matéria colectável, é necessário que esteja demonstrado que tais despesas se reportavam ou tinham como causa, duma forma substancial, qualquer acção relevante relacionada e indispensável à prossecução da actividade da empresa, isto é, à realização dos seus objectivos sociais.
II - No que respeita às despesas de representação, o legislador estabeleceu limitações à dedutividade de certas custos, já previamente admitidos pelo artigo 23.º do CIRC, mas sujeitando-as a tributação autónoma, nos termos do artigo 81.º, n.ºs 3, alínea a) e 7, do CIRC.
III - As despesas de representação, a que se refere o n.º 7, do artigo 81.º do CIRC, são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde esta não se encontra presente, logo, fora da sua actividade principal.
IV - As despesas elencadas no artigo 81.º, n.º 7 do CIRC configuram despesas de representação, caso não se destinem a assegurar o normal desenvolvimento do objecto social da empresa, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida em 23/06/2021, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por F.... – C....., LDA, tendo por objeto a liquidação adicional, com o nº ……171, do IRC referente ao ano de 2010.

2. A Recorrente, inconformada, interpõe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o qual decide julgar, por decisão sumária, a verificação de excepção de incompetência absoluta em razão da hierarquia, e determina que o tribunal competente para conhecer do recurso interposto, será este Tribunal Central Administrativo Sul.

3. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso reage contra a douta sentença proferida nos presentes autos que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial apresentada por F.... – C....., LDA, da liquidação adicional de IRC do ano de 2010 com o nº ……171, da qual resultou a pagar, após compensação, a quantia de € 106.182,98.

B. O objeto do presente recurso incide sobre o segmento que tributou autonomamente os encargos que qualificou como despesas de representação, no valor de € 980.010,28 – sem desconsiderar o gasto deduzido pelo sujeito passivo.

C. Os SIT entenderam tributar autonomamente aquele tipo de despesa em particular sem desconsiderar a sua dedução, porque, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo – só a distinção entre a dedução do gasto e a tributação autónoma deste permite respeitar o princípio da legalidade em face daquela que foi a vontade do legislador em diferenciar, precisa e ontologicamente, os referidos regimes.

D. O motivo pelo qual se deduz o gasto, tido por indispensável à luz do art. 23º do CIRC (ou, no prisma oposto, se desconsidera a sua dedução que aqui não ocorreu), não se confunde com a razão pela qual o legislador entendeu tributar autonomamente determinado tipo de despesa, enunciada no art. 81º, do CIRC, e, nas circunstâncias factuais dadas por provadas.

E. Em termos tributários, tem vindo a ser reconhecido, nomeadamente, por este Tribunal Superior e pela Doutrina nesta matéria que, as despesas de representação (à semelhança, das ajudas de custo, por exemplo) são gastos que se confundem ou vivem na fronteira do que é despesa pessoal (suscetível de constituir rendimento de outrem) e/ou societária, e, que, nesse particular, tende a prosseguir a atividade económica da empresa obrigando o legislador à criação um mecanismo assente na tributação autónoma, que dissuada os agentes económicos de realizar dispêndios que, sob a capa da indispensabilidade do gasto está a real atribuição de uma vantagem em espécie a terceiro que, dada a sua feição pessoal – fosse atribuída em termos pecuniários teria sido tributada.

F. Quando o tribunal a quo inicia o seu discurso afirmando: “A questão essencial que se coloca nos presentes autos consiste em saber se os custos contabilizados pela ora impugnante com viagens, artigos para ofertas, deslocações e estadas, publicidade e propaganda e alugueres de equipamentos, e que foram considerados pelos serviços de inspeção tributária (SIT) como despesas de representação, são, efetivamente, custos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, enquadráveis no art.º 23.º do CIRC, “ou” despesas de representação, nos termos do então art.º 81.º, n.º 7, do CIRC (atualmente, art.º 88.º). (negrito e sublinhado nosso) – está, na ótica da Fazenda Pública, a cometer um erro de apreciação jurídica, que é o de afastar a possibilidade deste tipo de despesas poderem ser indispensáveis à luz do art. 23º do CIRC (e como tal dedutíveis) e, constituírem, concomitantemente, despesas de feição pessoal que visam a atribuição de vantagens, sobretudo em espécie a terceiros/clientes – que o legislador visou dissuadir através do regime da tributação autónoma.

G. Não é, pois, contraditória a coexistência de despesas de representação que face à natureza dos custos e ao tipos de destinatários em causa (distribuidores e comissionistas desses mesmos distribuidores que adquiriam o produto à Impugnante, qualificados, e bem, como clientes ou terceiros – FACTO PROVADO B) possam ser tributadas autonomamente, nos termos do art. 81º do CIRC (à data dos factos) – que possam ser, paralelamente, indispensáveis, pois que destinadas à manutenção da fonte produtora ou à formação dos proveitos – e, dedutíveis como tal, à luz do art. 23º, do CIRC.

H. Diríamos mais, precisamente porque poderão (ainda que em abstrato como parece entender a sentença recorrida…) ser indispensáveis, por um lado, e, por outro, associadas a vantagens de feição pessoal (viagens, refeições, automóveis) parcial ou integralmente atribuídas - é que o legislador sentiu a necessidade de, sem desconsiderar a despesa, tributar alguns tipos de encargos que coexistem na zona híbrida do que é a esfera pessoal e empresarial. Contrariamente ao que entende o tribunal a quo, só o montante dessa tributação constitui gasto.

I. É cristalino que o Tribunal a quo simplesmente se alicerçou na indispensabilidade do gasto (não desconsiderado pelos SIT) para anular o segmento da correção que se limitou a tributar autonomamente a despesa empreendendo uma ilegal interpretação dos regimes à luz da jurisprudência já citada.

J. Quando a sentença recorrida cita e sublinha a parte da doutrina citada pelo Tribunal Constitucional no acórdão identificado supra, afirmando: «Como referido por Rui Duarte Morais [Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 202 e 203], nas tributações autónomas “…está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários. // (…) O objectivo parece ser o de tentar evitar (…) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes” (sublinhados nossos) - aparentemente olvidou sublinhar a parte em que se afirma que esses bens “(…) geraram custos fiscalmente dedutíveis”.

K. O Tribunal a quo a jurisprudência em que se alicerça confundem a despesa (que não é um custo pois que dedutível), com o custo que, aqui sim, a tributação dessa despesa impõe e que não pode ser deduzida.

L. O artigo 81º do CIRC (atualmente art. 88º) funciona como um segundo crivo relativamente a um tipo custos fiscais que embora considerados admissíveis à luz do artigo 23° do CIRC se confundem com a esfera pessoal do cliente ou terceiro.

M. Só assim os dois regimes se podem compatibilizar. Doutro modo o que temos é um regime geral de dedução do gasto que anula os efeitos fiscais pretendidos pelo legislador quando por via da tributação autónoma procura dissuadir a distribuição camuflada de lucros ou vantagens em espécie (na esfera do terceiro beneficiário), a fraude e a evasão fiscal. O que não é aceitável.

N. Alude-se à premissa de que nem todos os encargos com viagens, refeições, etc…, se podem qualificar como despesas de representação, o que é verdade e por isso os SIT chamam a atenção na sua fundamentação para o facto destas despesas terem sido incorridas em benefício de clientes (exteriores à empresa) e cumprindo a norma de incidência, para se afirmar laconicamente a necessidade de ficar demonstrada a representação da sociedade onde ela não se encontra, sem se justificar, económica ou legalmente, donde provém essa exigência ou sequer a sua relevância.

O. A jurisprudência em que se alicerçou o Tribunal a quo é manifestamente insatisfatória face às dúvidas ontológicas suscitadas no § 67º do recurso, e, sem a preocupação de se densificar a posição sufragada.

P. Encontrar na finalidade da despesa de representação o critério que permite impedir a tributação autónoma de certos encargos tipificados pelo legislador, (facilmente confundida com a finalidade subjaz à indispensabilidade do gasto ao ponto de se reconhecer que nem todas as despesas elencadas no art. 81º, nº 7, do CIRC configuram despesas de representação) - é permitir que o regime do art. 23º do CIRC revogue o disposto no art. 81º do CIRC apesar de se aceitar que a teleologia de cada um desses regimes é diferenciada. Isso não é aceitável e colide com aquele que é o desejo do legislador.

Q. Precisamente porque as despesas de representação poderão ser indispensáveis (ainda que em abstrato como parece entender a sentença recorrida) e associadas a vantagens de feição pessoal (viagens, refeições, automóveis) parcial ou integralmente atribuídas - é que o legislador sentiu a necessidade de, não desconsiderando o gasto – o poder tributar relativamente aquele tipo de encargos elencados no art. 81º do CIRC.

R. Paradoxalmente, face aos factos que são dados por provados, nem o Tribunal a quo nem a Impugnante negam que subjacente à despesa incorrida com viagens, alimentação, espetáculos e receções está (para além do não verificado incremento do proveito) a confessada intenção de atribuir uma vantagem em espécie a clientes e terceiros não colaboradores da Impugnante no sentido de remunerar a sua disponibilidade.

S. Não há aqui apenas uma ideia de pretender aumentar as vendas (sendo que nesse particular a despesa foi deduzida). Não. Estes gastos foram incorridos no sentido de premiar e/ou remunerar o terceiro/cliente, por via da atribuição de uma vantagem em espécie exata medida da despesa incorrido – e que, se fosse pecuniária seria tributada na esfera do beneficiário.

T. desloca-se a despesa para a esfera fiscal da Impugnante que assim a pode deduzir ao lucro tributável, precisamente a realidade que o Tribunal Constitucional no acórdão citado na sentença recorrida identificou como uma das finalidades que está por detrás da introdução da tributação autónoma, ou seja, incentivar os contribuintes a reduzirem tanto quanto possível certo tipo de despesas que afetem negativamente o lucro tributável (logo, a receita fiscal).

U. Dando por provado que a motivação que estava por detrás do incorrer da despesa não se cingiu apenas à formação dos proveitos e à manutenção da fonte produtora, e, reconhecendo que houve um intuito de atribuir vantagens em espécie à clientela – tinha de ter concluído, à luz da jurisprudência citada pela Recorrente inegavelmente mais adequada ao objeto dos autos, que a qualificação deste tipo de encargos (receções, refeições, viagens, passeios, etc..) era legal pelo que a correção assim se devia manter.

V. Por assim não entender, a sentença recorrida enferma dos seguintes erros de julgamento:

- erro de apreciação jurídica por incorreta sistematização dos regimes do art. 23º e 81º do CIRC em manifesto rota de colisão com a jurisprudência produzida pelo Tribunal Constitucional, por este Colendo STA e pela jurisprudência do TCA Sul que segue orientação divergente, citada aqui pela Recorrente;

- Contradição insanável entre os factos H) e J) o enquadramento jurídico que presidiu à fundamentação que realizou, pois que perante os factos que deu por provados tinha de concluir pela legalidade da dedução da despesa (não desconsiderada) sem colocar em causa a tributação autónoma de certos tipos de encargos que comprovadamente visaram premiar em espécie, terceiros beneficiários.

W. Mostra-se violado o disposto nos art. 8º da LGT, 23.º e 81º, ambos do CIRC.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso, como é de Direito e de Justiça, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância para apreciação da invocada preterição do direito de audição.»

3. A recorrida, F.... – C....., Lda., apresentou contra-alegações, cujas conclusões se reproduzem ipsis verbis:

«1) A Recorrente interpôs o presente recurso apenas com referência ao artigo 282.º, n.º 3 do CPPT;

2) Nas suas alegações de recurso, discorda a Recorrente da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do processo 979/12.0BESNT, que julgou inteiramente procedente a impugnação do acto de liquidação adicional, apresentada pela Recorrida;

3) A Recorrente acredita que a Sentença da qual ora recorre enferma “erro de apreciação jurídica por incorreta sistematização dos regimes dos artigos 23.º e 81.º do CIRC “em manifesta rota de colisão com jurisprudência produzida pelo” Tribunal Constitucional, pelo Supremo Tribunal Administrativo e TCA Sul, indicando as seguintes decisões proferidas por Tribunais Tributários: Acórdão do STA de 06 de Abril de 2016, no âmbito do processo n.º 0363/15; Acórdão do STA de 27 de Setembro de 2017, no âmbito do processo n.º 0146/2016; Acórdão do TCA Sul de 02 de Fevereiro de 2010, no âmbito do processo 3669/09;

4) Adicionalmente, entende que a sentença recorrida enferma “Contradição Insanável entre os factos H) e J) o enquadramento jurídico que presidiu à fundamentação que realizou, pois que perante os factos que deu por provados tinha de concluir pela legalidade da dedução da despesa (não desconsiderada sem colocar em causa a tributação autónoma de certos tipos de encargos que comprovadamente visaram premiar em espécie, terceiros beneficiários.”;

5) Para o efeito refere que a Sentença recorrida interpretou a aplicação dos regimes dispostos nos artigos 23.º e 81.º (actual artigo 88.º), ambos do CIRC, de forma alternativa, isto é, a aplicação de um dos regimes implica obrigatoriamente a exclusão da aplicação do outro;

6) Neste mesmo sentido, afirma ter a Sentença recorrida ignorado jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, Tribunal Central Administrativo do Sul e Tribunal Constitucional, nesta matéria, violando o artigo 8.º da LGT que contempla o Princípio da Legalidade Tributária;

7) Defende que a sentença ignorou completamente os fins que o instituto das tributações autónomas pretende alcançar, bem como a ratio legis por detrás das normas do anterior artigo 81.º do CIRS (actual artigo 88.º), concluindo que ao “Encontrar na finalidade da despesa de representação o critério que permite impedir a tributação autónoma de certos encargos tipificados pelo legislador (…) é permitir que o regime do artigo 23.º do CIRC revogue o disposto no art.81.º do CIRC apesar de se aceitar que a teleologia de cada um desses regimes é diferenciada. Isso não é aceitável e colide com aquele que é o desejo do legislador.”;

8) Não pode a Recorrida concordar com a interpretação que a Recorrente faz do instituto das tributações autónomas, e muito menos com a forma como interpôs o presente recurso, ora veja-se;

9) Ao não referir base legal suficiente no seu requerimento de interposição de recurso (enunciando apenas o artigo 282.º, n.º 3 do CPPT), a Recorrente pôs flagrantemente em causa o direito de defesa da Recorrida, apresentando requerimento de interposição de recurso ininteligível, por aplicação do disposto no artigo 637.º do CPC, aplicável ex vi pelo artigo 281º do CPPT, não podendo o Supremo Tribunal Administrativo conhecer do presente recurso;

10) Posta esta dúvida insanável, e por falta de identificação de base legal aplicável, é-nos impossível ter a certeza quanto ao recurso que pretende interpor, pelo que se pronuncia quanto à admissibilidade dos recursos que em abstracto podem ser admissíveis no caso concreto, ressalvando não ter obrigação de adivinhar a vontade da Recorrente, podendo ser possível que esta pretendesse interpor outra espécie de recurso;

11) Na eventualidade de ter sido vontade da Recorrente interpor recurso conforme dispõe o artigo 280.º, n.º 1 do CPC, o Supremo Tribunal Administrativo não é competente em razão de hierarquia para conhecer do presente litígio, na medida em que alega a Recorrente no ponto V. das suas conclusões, existir “Contradição insanável entre os factos H) e J) o enquadramento jurídico que presidiu à fundamentação que realizou (…)”;

12) Ora, atento ao artigo 280.º, n.º 1 do CPPT, não conhece o Supremo Tribunal Administrativo de matéria de facto, pelo que deverá o Digníssimo Tribunal declararse incompetente com este fundamento, atendendo ao disposto nos artigos 12.º n.º 5, 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do ETAF, conjugados com o artigo 280.º n.º 1 CPPT, não conhecendo da matéria do presente recurso;

13) Na eventualidade de ter sido vontade da Recorrente interpor recurso de “contradição de julgados”, conforme dispõe o artigo 280.º, n.º 3 do CPPT, sempre se dirá que este não será admissível por falta de demonstração dos requisitos que o permitem;

14) Neste sentido, indica a Recorrente apenas 3 (três) acórdãos e não mais de três, quando a norma aplicável, exige mais de três, ou seja, pelo menos 4 (quatro), entendimento este já confirmado por decisão do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido no âmbito do processo 0525/19.4BEAVR;

15) Mais se adianta, os acórdãos enunciados não constituem “decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito”;

16) Os primeiros dois acórdãos solucionam a problemática da própria dedução do valor pago a título de tributação autónoma (isto é, a percentagem aplicável por aplicação do artigo 81.º do CIRC, actual artigo 88.º, e não a dedução do custo total da despesa, enquanto encargo susceptível de dedução para aferição do Lucro Tributável nos termos do artigo 23.º do CIRC, que diga-se de passagem, não é sequer a questão avaliada pela sentença recorrida, que apenas se debruçou quanto à legalidade da caracterização das despesas enquanto tributações autónomas;

17) Quanto à último acórdão enunciado, a base legal deste não é idêntica à base legal discutida no caso sub judice;

18) Por tudo o supra exposto, facilmente se conclui a ausência de verificação dos requisitos necessários para que seja admissível recurso nos termos do artigo 280.º, n.º 3, não sendo o recurso admissível, devendo o Digníssimo Tribunal superior abster-se de apreciar o mesmo;

19) Quanto ao alegado erro de sistematização jurídica por incorrecta sistematização dos regimes do artigo 23.º e 81.º, n.º 3 do CIRC (actual artigo 88.º, n.º 7 do CIRC), conforme já indicado, não será certamente procedente;

20) Ambas as partes concordaram com a dedutibilidade do custo incorrido pela Recorrida no montante de € 425.393,37, para efeitos de cálculo do lucro tributável com recurso ao artigo 23.º do CIRC;

21) A dissidência está no facto de a AT ter considerado essas despesas como tributação autónoma para efeitos do disposto no artigo 81.º do CPPT, por entender constituírem despesas de representação;

22) A sentença da qual se recorre nunca assumiu a alternatividade na aplicação de ambos os regimes. Apenas aferiu, no caso concreto e por comparação e sistematização de ambos os regimes, que os custos que a AT assume enquadráveis nos termos do artigo 23.º do CIRC, não podem nunca preencher o conceito de “despesas de representação”, atendendo à forma como a AT, a Recorrente e a própria Lei os concebem;

23) A Recorrente não alegou, nem provou que as referidas despesas foram incorridas para “representação” da Recorrente ou que eram gastos limítrofes entre a esfera pessoal e societária;

24) Aliás, a mesma fundamentação é adoptada por este Supremo Tribunal, na decisão proferida no âmbito do Processo 1374/08.0BELRS, em 07-05-2020, recorrendo também, na sua fundamentação ao disposto no artigo 23.º do CIRC; 25) Acresce que ficou mais que provado, que esses gastos, atendendo à estrutura de negócio da Recorrida, quase inteiramente dependente do desempenho dos comissionistas/vendedores, foram incorridos para potenciar o aumento do volume de negócios;

25) Acresce que ficou mais que provado, que esses gastos, atendendo à estrutura de negócio da Recorrida, quase inteiramente dependente do desempenho dos comissionistas/vendedores, foram incorridos para potenciar o aumento do volume de negócios;

26) Neste sentido, veja-se o ponto III, 1. A), B), H), I), J), K), L), M) e O da sentença recorrida, percebendo-se facilmente que as despesas enunciadas são essenciais à manutenção do negócio e despendidas tão e somente em prol deste (servem propósitos diversos: formação dos colaboradores, incentivos dados tão e somente a quem alcança determinado volume de vendas, acções publicitárias, dinamização da marca, etc), como se encontra bem fundamentado na sentença, e suportado pela prova testemunhal produzida em sede de audiência;

27) Pelo que conclui a sentença recorrida, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, em decisão proferida no âmbito do processo 1374/08.0BELRS, em 07-05-2020, que para caracterizar uma determinada despesa de representação como tal, tem-se sempre que atender à finalidade desta, isto é, se serviu para representar a Recorrente onde esta não se encontrava;

28) Aceitando a AT que as despesas não foram despendidas com finalidade de representação, mas sim como forma de incrementar o volume de negócios, e nestes termos obviamente dedutível nos termos do artigo 23.º do CIRC, não pode querer enquadrá-las como tributação autónoma nos termos do artigo 81.º do CIRC, actual artigo 88.º;

29) Da análise dos factos H) e J) em conjugação com a prova testemunhal, não se percebe a contradição enunciada pela Recorrente, na medida em que ambos os factos são complementares, não se excluindo.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. Juízes Conselheiros, devem:

a) Julgar o requerimento de interposição de recurso inepto por inteligível, abstendo-se de conhecer do objecto do recurso, por aplicação do artigo 637.º do CPC, aplicável ex vi pelo artigo 281.º do CPPT; e, subsidiariamente,

b) Julgar-se incompetente em razão de hierarquia face ao disposto nos artigos 12.º nº 5, 26.º alínea b) e 38.º alínea a) todos do ETAF, conjugados com o artigo 280.º n.º 1 CPPT, não conhecendo da matéria do presente recurso; Alternativamente,

c) Julgar inadmissível o presente requerimento de interposição de recurso, nos termos do artigo 280.º, n.º 3 do CPC, por não verificação dos requisitos que permitem interposição de recurso na modalidade de “contradição de julgados”;

d) Julgar o presente recurso totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se, em tudo, o douto Despacho recorrido.»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Importa apreciar e decidir as questões previas, suscitadas pela Recorrida, da ineptidão do requerimento de interposição de recurso e da sua inadmissibilidade legal por não se verificarem os pressupostos para o recurso por oposição de julgados, previsto no n.º 3, do artigo 280.º do CPPT.

Em caso de improcedência das questões prévias cabe, então, apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 8.º da LGT e 23.º e 81.º do CIRC.


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III – QUESTÕES PRÉVIAS

A Recorrida nas suas contra-alegações termina pedindo que o requerimento de interposição de recurso seja julgado inepto por inteligível, e, alternativamente julgar-se inadmissível o recurso por não se verificarem os requisitos que permitem a interposição de recurso na modalidade de “contradição de julgados” ao abrigo do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.

Vejamos.

Lidas as conclusões da alegação de recurso, supra transcritas, constata-se que se mostram formuladas de forma clara e que respeitam as especificações a que alude o n.º 2, do artigo 639.º do CPC. Prova disso é que a Recorrida não manifesta qualquer dificuldade em identificar o objecto do recurso, reagindo de forma eficaz aos argumentos invocados.

Por outro lado, ao contrário do alegado pela Recorrida, o recurso não foi interposto ao abrigo do n.º 3, do artigo 280.º, do CPPT, não obstante ser invocado no recurso a não observância de doutrina e jurisprudência do STA.

Assim, não se vislumbra fundamento legal que justifique a rejeição imediata do recurso, nem deficiências para formular convite ao aperfeiçoamento das conclusões (artigo 639.º, n.º 3 do CPC), visto que também não são complexas.

Termos em que, sem mais, por despiciendo, improcedem as questões prévias de rejeição do recurso formuladas pela Recorrida.


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IV - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«A) A Impugnante é a representante em Portugal da marca de aspiradores “R…..”, consistindo a sua atividade essencialmente na compra de aspiradores à “R…..”, fabricante mundial da R…., com sede nos E.U.A., e respetiva venda, em exclusivo, aos distribuidores distritais, sociedades independentes da “F…., Lda.”, não dispondo de qualquer estabelecimento de venda ao público – facto não controvertido, cf. pág. 9 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) a fls. 340 e sgts. do Processo Administrativo Tributário (PAT) apenso e prova testemunhal.

B) As demonstrações dos aspiradores “R…..”, e respetiva venda ao público, são efetuadas pelos denominados agentes, que são comissionistas dos distribuidores distritais e auferem rendimentos da categoria B – facto não controvertido e cf. pág. 9 do RIT a fls. 340 e sgts. do PAT apenso.

C) A Impugnante, no exercício de 2010, encontrava-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável e em sede de IVA no regime normal de periocidade mensal, pelo exercício da atividade de comércio por grosso não especializado, com o CAE 046900 – facto não controvertido e cf. o ponto “II2.2” RIT a fls. 340 e sgts. do PAT apenso.

D) Em 25.05.2011 e em 16.09.2011, a impugnante apresentou, respetivamente, a declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2010 e a Declaração Anual - IES do mesmo exercício – cf. docs. 2 e 3 juntos com a petição inicial.

E) A modelo 22 de IRC referida em D) deu origem à liquidação n.º 2011 2510152592, com reembolso no montante de € 337,61 – cf. fls. 3 do doc. 1 junto com a petição inicial.

F) Durante o exercício de 2010, a Impugnante registou custos, além do mais, relacionados com Deslocação e Estadas - Viagens: € 10.793,18; Artigos para ofertas - Competições: € 994.588,89; Publicidade e propaganda: € 255.165,40; subconta 622881 – outros – aceite pela totalidade: € 2.923,00, bem como proveitos suplementares - não especificadas inerentes ao valor acrescentado: € 280.475,52 – facto não controvertido e cf. mapas discriminativos anexos ao RIT.

G) A impugnante contabilizou como custos do exercício de 2010 as faturas abaixo discriminadas, no valor total de € 22.051,51, que não se referem ao exercício da sua atividade societária:

– facto admitido por acordo.

H) Durante os exercícios de 2009 e 2010 a ora Impugnante suportou despesas com viagens, artigos para ofertas, deslocações e estadas, publicidade e propaganda e alugueres de equipamentos que visaram comparticipar nas despesas dos agentes e dos distribuidores com viagens, festivais, festas e outros eventos de incentivo e motivação, com o objetivo de premiar os agentes/vendedores e distribuidores que mais se destacam comercialmente, bem como a proporcionar o treino e formação em vendas de modo uniforme e apresentação de novos produtos – prova testemunhal.

I) Nos eventos e viagens mencionados em H) participavam representantes da Impugnante, de outras empresas do grupo e do fabricante da Rainbow – prova testemunhal.

J) A oferta de viagens, como forma de reconhecimento do desempenho dos agentes que procediam à venda direta da máquina Rainbow aos consumidores, abrangia, regra geral, os respetivos cônjuges, como forma de compensar a família pela frequente ausência do agente nos horários do final de dia e fins de semana, aqueles em que decorrem, na sua maioria, as demonstrações das máquinas – prova testemunhal.

K) Relativamente às viagens de reconhecimento de desempenho dos agentes, regra geral, o respetivo custo era suportado em partes iguais pela impugnante e pelo respetivo distribuidor, sendo as restantes despesas relacionadas com as mesmas suportadas pelo fabricante Rexair – prova testemunhal.

L) As viagens que se destinavam à participação em eventos internacionais organizados pelo fabricante, Rexair, eram contratadas com agências de viagens com larga antecedência pelo número de pessoas que envolvia, sendo os respetivos custos imputados no exercício da aquisição das mesmas, mesmo que a viagem só ocorresse no exercício seguinte, ficando o mesmo evidenciado, até emissão da respetiva fatura, por documento interno, o que aconteceu com a viagem a Orlando – prova testemunhal.

M) Os prémios atribuídos aos agentes e distribuidores eram-no, em regra, em eventos organizados para o efeito, nos quais participavam os distribuidores e os agentes qualificados em função dos objetivos de venda fixados, efetuando-se a gravação do evento, através do aluguer de equipamentos para o efeito, para divulgação pelos agentes não presentes como forma de criar motivação acrescida e propiciar o aumento das vendas e ainda para apresentação a novos colaboradores – prova testemunhal.

N) Nos eventos organizados pela impugnante, referidos em H), eram servidas refeições e/ou coffee break e era organizado pela impugnante o transporte coletivo, em autocarros, dos participantes para o local do evento – prova testemunhal.

O) Todas as competições com vista a incentivar o aumento do número de vendas eram discutidas entre a impugnante e os respetivos distribuidores, que decidiam sobre os objetivos a alcançar e prémios a atribuir, normalmente com base em inquéritos anteriormente efetuados aos agentes sobre o tipo de presentes que gostariam de receber, sendo os respetivos encargos relativos aos prémios e organização do evento para a respetiva entrega suportados pela impugnante – prova testemunhal.

P) Toda a forma de organização da atividade da impugnante, nomeadamente o modo como operam as vendas e a política motivacional dirigida aos respetivos agentes e distribuidores, corresponde àquela que é praticada pelo fabricante da máquina Rainbow, a “Rexair”, sendo organizados encontros internacionais como forma de dar a conhecer os produtos que vão surgindo e de uniformização das técnicas de demonstração e venda – prova testemunhal.

Q) A factura n.º 75/1009584, de 16.07.2010, emitida pela TopAtlântico, relativamente a viagem Lisboa-Londres-Singapura-Londres-Lisboa, refere-se à deslocação de M... à Conferência Mundial da Rainbow, onde participou como orador – prova testemunhal e cf. anexo 40 ao RIT, fls. 270 e 316 a 318 dos autos.

R) A impugnante alvo de inspeção tributária externa, de âmbito polivalente, aos exercícios de 2009 e 2010, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI 201102824/5, no âmbito da qual foram efetuadas as seguintes correções em sede de IRC:

– cf. pág. 5 do RIT a fls. 340 e sgts. do PAT apenso.

S) Em 30.03.2012 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária referente à ação de inspeção referida em Q), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tal como os respetivos documentos anexos, do qual, no que ao caso mais releva, resulta o seguinte:

«[…]

II.3. Outras Situações

II.3.1. Caracterização do sujeito passivo

[…]

c) Enquadramento fiscal

A F….., Lda, nos exercícios de 2009 e 2010, encontra.se enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável e em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal pelo exercício da atividade de comércio por grosso não especializado a que corresponde a CAE 046900.

[…]

II. 3.5.2 Análise dos elementos e Factos Obtidos


“(texto integral no original; imagem)”

[…]

- EXERCÍCIO DE 2010

II.3.5.2.4 – Despesas de representação – tributação autónoma e IVA não dedutível

[…]

Quadro resumo dos custos erradamente classificados pela Fénix, Lda que consubstanciam na realidade despesas de representação:

[…]

[…]

II.3.5.2.5-CUSTOS NÃO ACEITES FISCALMENTE

[…]

III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

III.1 – Em sede de IRC


“(texto integral no original; imagem)”

[…]

IX – Direito de Audição – Fundamentação

[…]

O direito de Audição não foi exercido […].

[…]» - cf. O RIT a fls. 340 e sgts. Do PAT.

T) Em 12.03.2012 a impugnante foi notificada o projeto de relatório de inspeção para efeitos de audição prévia – cf. o doc. 4 junto com a p.i. (fls. 110/111 dos autos).

U) Em 12.04.2012 a impugnante foi notificada do relatório final de inspeção – cf. fls. 362 a 364 do PAT apenso.

V) Ato impugnado: Em 18.04.2012, e com base nas correções refletidas no RIT levado à alínea que antecede, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º …..171, relativa ao exercício de 2010, que apurou de imposto e juros compensatórios no valor total de € 105.845,37, apurando a pagar, após compensação com a liquidação referida em E), a quantia de € 106.182,98, com data limite de pagamento voluntário em 30.05.2012 – cf. doc. 1 junto à p.i.

W) A presente impugnação judicial deu entrada nos serviços da administração tributária em 29.08.2012 – cf. fls. 3 dos autos.


*

Factos não provados

Não resultam dos autos outros factos com relevo para a decisão do mérito da causa que importe julgar como não provados.


*

A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, bem como na posição assumida pelas partes nos autos e, ainda, com base no depoimento da testemunha inquirida (A..... , Contabilista da impugnante) e declarações de parte da sócia gerente, F...... , que, por se terem revelado objetivos e isentos, denotando conhecimento direto dos factos, foram determinantes para a perceção do tribunal sobre o modo de organização do negócio da impugnante e de dinamização das vendas, principalmente no que se refere à forma como a impugnante procurava manter os agentes/vendedores motivados e empenhados na realização do maior número de vendas possíveis, criando sucessivas competições, nomeadamente associadas a datas festivas, e atribuindo prémios aos vencedores, ou aos que atingiam os objetivos propostos (aos que se qualificavam, como foi afirmado), e que podiam ir de pequenos artigos/bens a viagens. A testemunha A..... , referiu mesmo que, sem as viagens, que tinham o “efeito cenoura”, não se alcançaria o volume de vendas declarado. Mais se esclareceu, em audiência de julgamento, que os referidos prémios eram normalmente entregues em eventos organizados para o efeito, nos quais participavam os agentes que se qualificavam e que, para esses eventos, era garantido o transporte coletivo dos participantes, bem como refeições/coffee break, era alugado o espaço e feita a gravação em vídeo (que serviria para posterior divulgação entre os não presentes, para efeitos de formação e motivação), sendo as despesas inerentes a estes eventos, na sua globalidade, suportados pela impugnante. Relativamente às viagens, atribuídas aos agentes e distribuidores que se qualificavam para o efeito (em função do número de vendas estipulado), serviam não só como reconhecimento do emprenho das pessoas qualificadas, que estimuladas para o efeito realizavam o necessário número de vendas, como também para compensar os cônjuges pelo acompanhamento das vendas e prejuízo da vida familiar relacionado com o horário das demonstrações da máquina Rainbow, que ocorriam, na sua maioria, ao final do dia e aos fins de semana.»

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2. DE DIREITO

O objecto do presente recurso é a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou a impugnação procedente e, em consequência, determinou a anulação parcial da liquidação adicional de IRC do exercício de 2010 e respectiva liquidação de juros compensatórios, no entendimento que os custos contabilizados pela Impugnante não se tratam de despesas de representação.

A Recorrente, Fazenda Pública, insurge-se contra o entendimento vertido na sentença recorrida quanto à anulação parcial da liquidação respeitante à correcção que tributou autonomamente, nos termos da alínea a), do n.º 3, do artigo 81.º do CIRC, os custos contabilizados pela ora Recorrida com viagens, artigos para ofertas, deslocações e estadas publicidade e propaganda e alugueres de equipamento, que os serviços de inspecção tributária (SIT) qualificaram como sendo despesas de representação, no valor de € 980,010,28, alegando, em suma, que as despesas de representação poderão ser indispensáveis ainda que associadas a vantagens de feição pessoal, sendo tributados os encargos elencados no artigo 81.º do CIRC, e que, conforme decorre dos factos constantes das alíneas H) e J) para além do incremento dos proveitos houve também uma motivação em premiar e/ou remunerar o terceiro, o que vai ao encontro dos fins visados pelo regime da tributação autónoma.

Mais alega que o tribunal a quo e a jurisprudência em que se alicerça confundem a despesa com o custo, em colisão com a doutrina citada pelo acórdão do Tribunal de Contas e jurisprudência do STA

Vejamos.

De acordo com o artigo 23. °, n.º 1, do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, os custos ou perdas relevam se forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos correspondentes, enunciando-se desde logo, nas diversas alíneas deste normativo, certas despesas que assim devem ser consideradas.

Um custo, para ser considerado como fiscalmente relevante, tem de ser afeto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Porém, isso não quer dizer que essa relação tenha de ser uma relação de causalidade necessária ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

Por sua vez, a alínea a) do n.º 3 do artigo 81.º do CIRC (na redacção aplicável aos factos dos autos; atual artigo 88.º), preceituava que são tributados autonomamente, à taxa de 10%, além do mais, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação.

O n.º 7 da referida norma dispunha: “Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

Assim, basicamente, as despesas de representação são aquelas que são efectuadas para representação da empresa junto de terceiros.

No caso dos autos, a questão é a de saber, em face da prova produzida e constante do probatório, se as despesas em questão – viagens, artigos para ofertas, deslocações e estadas, publicidade e propaganda e alugueres de equipamento, constituem um custo elegível como tal definido na lei, por se destinarem a assegurar o normal desenvolvimento do objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, ou despesas de representação.

A Recorrida na conclusão 29 da contra-alegação refere que «Da análise dos factos H) e J) com a prova testemunhal, não se percebe a contradição enunciada pela Recorrente, na medida em que ambos os factos são complementares não se excluindo.»

Tem razão a Recorrida quando afirma que os factos constantes das identificadas alíneas do probatório não se excluem, mas labora em erro de interpretação quanto à alegada contradição entre factos constantes das alíneas H) e J) pela Recorrente.

Como decorre dos pontos 39, 97 e 98 e 107 da alegação de recurso e da conclusão V (que revela um lapso de escrita), a Recorrente apenas invoca contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação expendida.

Portanto, a questão, como já se disse, é a de saber se em face dos factos provados a Mma. Juíza a quo podia concluir, como concluiu, que as despesas em causa, designadamente as referidas nas alíneas H) e J) do probatório, tratam-se de despesas de representação.

Prosseguindo.

Os custos elegíveis estão previstos, designadamente, no artigo 23.º CIRC, que preceitua: Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes ...”

Assim, dado que o elenco legal não é taxativo, outros encargos poderão ser aceites e elegíveis como custos de um exercício desde que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.

Se não forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora não são considerados custos do exercício.

Nesta conformidade, para que as despesas possam ser dedutíveis à matéria colectável, é necessário que esteja demonstrado que tais despesas se reportavam ou tinham como causa, duma forma substancial, qualquer acção relevante relacionada e indispensável à prossecução da actividade da empresa, isto é, à realização dos seus objectivos sociais.

No que respeita às despesas de representação, o legislador estabeleceu limitações à dedutibilidade de certas custos, já previamente admitidos pelo artigo 23.º do CIRC, mas sujeitando-as a tributação autónoma, nos termos do artigo 81.º, n.ºs 3, alínea a) e 7, do CIRC.

Importa, antes de mais, atentar no conceito de despesas de representação.

Por uma questão de aproveitamento de meios, trazemos à colação o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 07/05/2015, proferido no processo n.º 08534/15 (também citado na sentença recorrida) cujo discurso fundamentar transcrevemos:

«O Código do I.R.C., aprovado pelo Dec.lei 442-B/88, de 30/11, na redacção originária do artº.41, nº.1, al.g), passou a determinar que as despesas de representação não são custos fiscais, sendo escrituradas a qualquer título, na parte em que a Direcção Geral dos Impostos as repute exageradas.

Em qualquer dos normativos mencionados o “quantum” das despesas de representação não se encontrava vertido na lei e dependia da subjectividade de interpretação da D.G.I. Deste modo, o quantitativo das despesas de representação que não era aceite fiscalmente sujeitava-se ao poder discricionário da Administração Fiscal, podendo o sujeito passivo recorrer hierarquicamente para o Ministro das Finanças, no caso de não concordar com a decisão da D.G.I.

Com a Lei 39-B/94, de 27/12 (Lei do OE/95), regime em vigor a partir de 1/1/1995, o artº.41, nº.1, al.g), do C.I.R.C., passou a não considerar como custo fiscal as despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%. Com esta alteração legislativa, a quantificação em 20% da não consideração como custo fiscal das despesas de representação, o legislador visou resolver os ditos problemas subjectivos inerentes ao critério de razoabilidade a analisar pela Administração Fiscal.

Como já referimos, o P.O.C. não conceptualizava as despesas de representação, pelo que, para a sua relevação contabilística, tem sido considerado o conceito previsto no C.I.R.C. Assim, o artº.41, nº.3, do referido diploma, prescrevia que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

Posteriormente, o artº.41, nº.5, da Lei 3-B/2000, de 4/4 (OE/2000), veio revogar, além do mais, o artº.41, nºs.3 e 4, do C.I.R.C., integrando essas despesas no artº.4, do dec-lei 192/90, de 9/6, mais estabelecendo, no seu nº.3, que as despesas de representação são tributadas autonomamente em I.R.S. ou I.R.C., consoante os casos, a uma taxa de 6,4%. Com a Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro (a designada “Lei da Reforma Fiscal”), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, no seu artº.6, aditou o artº.69-A, ao C.I.R.C., sendo que no nº.3 deste novo preceito, passam a ser tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação. Por último, através do dec.lei 198/2001, de 3/7, que procedeu à renumeração dos artigos do C.I.R.C., a tributação autónoma das despesas de representação passou a ser incluída no artº.81, nº.3, do mesmo diploma, mantendo-se a taxa de tributação autónoma em 20%. Desta forma, é assegurada uma maior receita fiscal em I.R.C., pois que a tributação autónoma de tais despesas se caracteriza pelo facto de a empresa pagar imposto, independentemente da obtenção de lucro ou prejuízo fiscal.

É que, recorde-se, a sujeição a tributação autónoma de tais gastos implica que cada acto de despesa se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em I.R.C. no fim do período contabilístico respectivo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/2/2013, rec.1375/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13).

Por último, refira-se que apenas são dedutíveis como despesas de representação os custos devidamente documentados e escriturados, assim devendo satisfazer o requisito de indispensabilidade previsto no citado artº.23, do C.I.R.C. para que sejam como tal considerados (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.346).

Ainda no que diz respeito ao conceito de despesas de representação, atento o disposto no artº.81, nº.7, do C.I.R.C. (cfr.anteriormente o artº.4, nº.6, do dec.lei 192/90, de 9/6; actual 88, nº.7, do C.I.R.C.), devem considerar-se como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc. 6754/13; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.202 e seg.).

No caso "sub judice", do exame da factualidade provada (cfr.nºs.3 e 4 do probatório), deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do nº.4 do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade, conforme se entendeu na decisão recorrida, nenhum relevo tendo, para o efeito, o regime previsto no dec.lei 176/2006, de 30/08 (regime jurídico relativo aos medicamentos de uso humano).» (vide, entre outros, no mesmo sentido, Acs. do TSAS de 07/05/2020, processo 1374/08.0BELRS e de 07/04/2022, processo n.º 20035/16.0BCLSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Transportando esta jurisprudência para o caso dos autos, as despesas de representação, a que se refere o n.º 7, do artigo 81.º do CIRC, são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde esta não se encontra presente, logo, fora da sua actividade principal.

Como decorre do RIT e é realçado na sentença recorrida «(…) em momento algum os SIT põem em causa que os valores contabilizados pela impugnante como custos do exercício com viagens e eventos, neste caso os relativos a aluguer de material audiovisual, alimentação, aluguer de viaturas, aluguer de salas, serviço de animação, decoração, reportagem fotográfica, se tenham destinado, quer ao reconhecimento do trabalho desempenhado pelos comissionistas (agentes) e distribuidores, quer a atividades relacionadas com eventos organizados pela impugnante no âmbito da sua atividade comercial, nos quais participaram os distribuidores e os agentes/comissionistas. Apenas considera que tais despesas não podem ser qualificadas como custos fiscais, devendo ser qualificadas como “despesas de representação”, sujeitas a tributação autónoma nos termos legalmente previstos, porque os beneficiários de tais prémios e participantes em tais eventos não são trabalhadores da impugnante.»

E, mais à frente refere-se na sentença recorrida:

«(…) a intervenção e atuação da sociedade impugnante, que compra as máquinas à fabricante americana, Rexair, vendendo-as depois aos distribuidores exclusivos em Portugal, não terminava com essa venda, existindo um modelo de atuação deste a importação até à venda ao consumidor final, que era todo ele dinamizado pela impugnante, em conjunto com os distribuidores, com base naquilo que era feito internacionalmente e de acordo com as diretrizes do próprio fabricante, procurando meios de atuação e técnicas de venda (incluindo as demonstrações do equipamento aos potenciais clientes – o que era feito pelos ditos “agentes”, que eram remunerados como prestadores de serviços) uniformes a nível mundial. Mais tendo ficado esclarecido que, sendo a venda direta ao consumidor efetuada pelos agentes, dependendo a mesma da formação desses agentes sobre as técnicas de venda a utilizar – através das demonstrações das respetivas funcionalidades aos interessados –, era condição essencial aos sucesso das vendas, não só a formação mas também todo o tipo de ação destinada a estimular o emprenho dos agentes e o reconhecimento do mesmo, razão pela qual, e para potenciar o desempenho comercial dos agentes, determinante para – pelo menos em abstrato – incrementar os proveitos da impugnante, eram organizados (com prévia discussão com os distribuidores) concursos para estimular a atuação dos agentes, que seriam premiados com viagens ou outros/ofertas de menor valor, nomeadamente equipamentos eletrónicos, desde que atingissem determinados números de vendas e/ou demonstrações, sendo esses concursos muitas vezes temáticos, associados a determinadas épocas festivas (ex. o Dia dos Namorados, Festival da primavera), sendo os prémios, por regra, entregues em eventos organizados para o efeito, onde estavam presentes os distribuidores e agentes, sendo providenciado pela impugnante o respetivo transporte e refeições /coffee break, bem como os meios necessários à gravação do evento com vista à sua divulgação aos agentes não qualificados, como forma de criar neles a vontade de serem tão bons quanto os premiados e, dessa forma, serem mais empenhados nas ações de demonstração do equipamento com vista ao aumento do número de vendas.

As viagens oferecidas aos agentes como reconhecimento do respetivo desempenho, eram suportadas, regra geral, na proporção de 50% pela impugnante e pelos distribuidores, e quando destinadas a participar em eventos internacionais da marca, as restantes despesas eram suportadas pelo fabricante. Além disso, abrangiam, muitas vezes, os respetivos cônjuges como forma de compensar a família pela frequente ausência do agente nos horários do final de dia e fins de semana, aqueles em que decorrem, na sua maioria, as demonstrações das máquinas. E, mesmo quando não abrangiam os cônjuges, e os mesmos acompanhavam o agente na viagem, a compra dos bilhetes de avião era efetuada, para o conjunto das pessoas, pela impugnante, que depois debitava o valor em causa, através de notas de débito, a quem tinha de suportar o respetivo custo, anulando, desta forma, o gasto incorrido.

Ficou ainda claro, da prova testemunhal produzida em audiência, que as viagens eram a maior motivação das vendas e os eventos relacionados com as mesmas serviam não só para aproximação dos diversos distribuidores e venadores internacionais, criando o espírito de grupo e de pertença, mas também para dar a conhecer os produtos que vão surgindo e uniformizar técnicas de demonstração e venda.»

Resulta da factualidade assente, não impugnada, que a AT não coloca em dúvida a necessidade do custo contabilizado pela Impugnante, nem a indispensabilidade das despesas em questão.

Assim, mostra-se provado a efectividade, regularidade e indispensabilidade destes custos na esfera da Impugnante.

Nas palavras de Rui Duarte Morais «Se à assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial – no entendimento dos sócios e/ou gestores, os únicos a quem cabe decidir do interesse social -, o custo é indispensável.» (in Apontamentos ao IRC, Almedina, 1997, pág.87).

Defende a Recorrente que embora tais despesas sejam indispensáveis à luz do artigo 23.º são concomitantemente despesas de feição pessoal que visam a atribuição de vantagens que o legislador visou dissuadir através do regime da tributação autónoma (cfr. conclusões F., G. e H. da alegação de recurso).

Não tem razão a Recorrente por tudo o que já se deixou expresso.

A Recorrente não concorda com a decisão da primeira instância alicerçada em jurisprudência dos tribunais superiores, que qualifica de insatisfatória por não responder às dúvidas que suscita (cfr. conclusão O. Da alegação de recurso).

Embora a Recorrente afirme que a sentença entrou em rota de colisão com a jurisprudência do STA e TCAS que segue orientação divergente, limita-se a contrapor a sua própria interpretação afirmando que os acórdãos estão «em linha com aquela que foi a fundamentação do RIT e com a intenção do legislador».

Tais acórdãos, diga-se, não se tratam de acórdãos uniformizadores de jurisprudência.

Contudo, embora os acórdãos de uniformização de jurisprudência tenham uma especial força indicativa, devendo ser acatados em decisões posteriores, nem o CPPT, nem o CPTA, nem o CPC conferem aos acórdãos de jurisprudência carácter vinculativo fora do processo em que são proferidos.

Porém, lidos os acórdãos citados pela Recorrente não se vislumbra na fundamentação dos mesmos qualquer doutrina jurisprudencial em sentido diferente da propugnada na sentença recorrido. Na verdade, apreciam e pronunciam-se por problemáticas diferentes da dos presentes autos.

Ao contrário do alegado, a sentença recorrida apreciou de forma profícua a questão que lhe foi colocada, não concordando a Recorrente com o entendimento vertido, apoiado na citada jurisprudência deste TCAS, de que as despesas elencadas no artigo 81.º, n.º 7 do CIRC configuram despesas de representação, caso não se destinem a assegurar o normal desenvolvimento do objecto social da empresa, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta.

A Mma. Juiza a quo expendeu a seguinte fundamentação na apreciação da natureza das tributações autónomas:

Seguimos aqui, na parte que ao caso releva, a fundamentação jurídica que consta do Acórdão do TCA Sul de 07.05.2020, proc. n.º 1374/08.0BELRS, que, com a devida vénia, nos permitimos transcrever. Assim:

«Como referido por Rui Duarte Morais [Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 202 e 203], nas tributações autónomas “…está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários. // (…) O objectivo parece ser o de tentar evitar (…) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes…” (sublinhados nossos).

Sendo certo que estas tributações autónomas são objeto de liquidação em paralelo com a tributação em sede de IRC, a verdade é que se pode distinguir, de um lado, o rendimento, de formação sucessiva, que constitui o facto tributário deste imposto (cf. o art.º 1.º, do CIRC) e o facto tributário subjacente às tributações autónomas. Com efeito, tal facto tributário não constitui qualquer rendimento, mas sim, como referido supra, despesas que, pelas suas caraterísticas, o legislador entendeu deverem ter algum tipo de norma “disciplinadora”.

Daí que tais despesas, tal como referido por Rui Morais, constituam factos tributários.

A este propósito, refere Clotilde Celorico Palma [em «As tributações autónomas vistas pelo Tribunal Constitucional. Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, de 20 de junho de 2012», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano V, Número 2 – verão, 2012, pp. 247 e 248]:

“Em nosso entendimento, as tributações autónomas são impostos indirectos e instantâneos que tributam a despesa e não o rendimento e que se distinguem claramente do IRC enquanto imposto directo, periódico, que tributa o rendimento, apurando-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo.

Na realidade, os factos sujeitos a tributação autónoma são distintos dos que se encontram sujeitos a IRC stricto sensu. A sua inserção no Código do IRC deve-se, assim, a motivos meramente pragmáticos, desvirtuando o carácter único do imposto.

Enquanto que o lucro tributável sujeito a IRC é de formação sucessiva, as despesas sobre as quais incide a tributação autónoma constituem factos tributários instantâneos ou de obrigação única.

(…) Assim, o facto tributário verifica-se no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma” (sublinhados nossos).

Como referido no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, n.º 617/2012, de 19.12.2012:

“…Com este tipo de tributação [autónoma abrangendo despesas de representação e despesas com viaturas] teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, (…) bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem (…).

(…) Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (…) e impostos de obrigação única (…).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa” (sublinhados nossos).

Esta posição tem sido também a seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo, chamando-se, à colação, a este propósito, v.g., os Acórdãos de 23.10.2019 (Processos: 01682/11.3BELRS 0690/18 e 02651/10.6BELRS 0903/16), 27.09.2017 (Processo:0146/16), 21.01.2015 (Processo: 0470/14), 22.01.2014 (Processo: 01714/13), 17.04.2013 (Processo: 0166/13), 14.02.2013 (Processo: 01375/12), 14.06.2012 (Processo: 0757/11) e 06.07.2011 (Processo: 0281/11).

Adere-se inteiramente a este entendimento, no sentido de as despesas sujeitas a tributação autónoma constituírem, elas próprias, factos tributários instantâneos.

Assim, como resulta do enquadramento referido, a previsão das tributações autónomas afigura-se como norma disciplinadora, com vista a penalizar comportamentos potencialmente reveladores de evasão ou de uso particular de bens empresariais.»

Por sua vez, as despesas de representação, são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde ela não se encontra – cf. neste sentido os Acórdãos do TCA Sul, de 12.01.2017 (Processo: 09894/16) e de 07.05.2015 (Processo: 08534/15).

Ora, como também se refere no Acórdão do TCA Sul acima referenciado, a propósito de despesas de representação, «nem todos os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades são necessariamente despesas de representação, porquanto tem de lhes estar subjacente a finalidade de tais despesas, ou seja, a representação da sociedade onde ela não se encontra. Assim, se um determinado custo, com viagens, passeios, espetáculos, etc., tiver natureza promocional, afasta-se a sua qualificação como despesa de representação, justamente por lhe estar inerente a tal finalidade promocional [aliás, nesse sentido vai a informação vinculativa com despacho de 28 de junho de 2017, da subdiretora geral do IR (Proc. n.º 1519/17) (Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/rendimento/circ/Documents/FD_CIRC_1519_2017.pdf.)].», passando a estar em causa, desde que verificados os pressupostos previstos no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, um custo com relevância fiscal.

Como já referimos acima, o conceito fiscal de custo consta do art.º 23.º do CIRC que, de forma ampla, define como custos ou perdas todas as despesas efetuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, devendo atender-se, para a respetiva qualificação à necessária conexão objetiva entre a atividade do sujeito passivo e as despesas por ele suportadas para obtenção dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, sendo que, na falta da referida conexão, os custos não podem ter relevância fiscal, deixando, assim de influenciar o cálculo do lucro tributável.

A indispensabilidade de um custo encerra, pois, um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Tributária atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo, não lhe cabendo, além do mais, avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios de oportunidade e mérito da despesa.

Após analise do enquadramento legal da questão, a Mma. Juiz a quo passou à subsunção da factualidade provada ao direito, tendo concluído nos seguintes termos:

Assim, estamos perante uma atuação da impugnante, enquanto representante da marca Rainbow em Portugal, que confere dinamismo à atividade de divulgação e venda da máquina/aspirador, investindo na formação e incentivo do respetivos distribuidores e agentes para que sejam alcançados determinados resultados, do ponto de vista das vendas e, consequentemente, dos lucros (objeto de tributação em sede de IRC), pelo que, casuisticamente analisada a situação fática em apreço, na perspetiva económicaempresarial própria da aqui impugnante, existe uma relação de causalidade económica entre a assunção dos encargos em apreço e a realização dos proveitos, enquadrando-se os mesmos no âmbito do exercício da atividade da F….., Lda., o que não é posto em causa no RIT sendo, aliás, aceite como bom, razão pela qual não se pode falar-se aqui em despesas de representação.

Acompanhamos o entendimento vertido na sentença recorrida, que com o devido respeito por opinião contrária, decidiu, face à factualidade provada, interpretando e aplicando o direito em consonância com a jurisprudência citada, que, por isso, não nos merece qualquer censura.

Deste modo, julga-se, tal como decidido pela primeira instância, que os custos referentes às despesas com viagens, artigos para ofertas, deslocações e estadas publicidade e propaganda e alugueres de equipamento, como bem foi exposto na sentença recorrida, enquadram-se no âmbito do exercício da actividade da Recorrente, pelo que não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento do objecto social da Impugnante, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta.

Pelo exposto, a sentença não errou no julgamento que fez, pelo que, o recurso não merece provimento.


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Conclusões/Sumário:

I - Para que as despesas possam ser dedutíveis à matéria colectável, é necessário que esteja demonstrado que tais despesas se reportavam ou tinham como causa, duma forma substancial, qualquer acção relevante relacionada e indispensável à prossecução da actividade da empresa, isto é, à realização dos seus objectivos sociais.

II - No que respeita às despesas de representação, o legislador estabeleceu limitações à dedutividade de certas custos, já previamente admitidos pelo artigo 23.º do CIRC, mas sujeitando-as a tributação autónoma, nos termos do artigo 81.º, n.ºs 3, alínea a) e 7, do CIRC.

III - As despesas de representação, a que se refere o n.º 7, do artigo 81.º do CIRC, são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde esta não se encontra presente, logo, fora da sua actividade principal.

IV - As despesas elencadas no artigo 81.º, n.º 7 do CIRC configuram despesas de representação, caso não se destinem a assegurar o normal desenvolvimento do objecto social da empresa, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam as juízas da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença na parte recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 27 de Outubro de 2022.


Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho – 2.ª Adjunta
(assinaturas digitais)