Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 9723/16.1BCLSB |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 12/16/2020 |
| Relator: | MARIA CARDOSO |
| Descritores: | IRC 1996 ANULAÇÃO PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO JUROS INDEMNIZATÓRIOS ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS |
| Sumário: | I - Os Tribunais Superiores têm vindo a afirmar que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, pelo que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto, isto é quando haja apenas uma ilegalidade parcial. II - Os juros indemnizatórios são devidos quando o contribuinte reclamou graciosamente ou impugnou judicialmente e viu a sua pretensão atendida e na liquidação houve erro imputável aos serviços do qual resultou o pagamento de imposto indevido, conforme decorre do n.º 1, do artigo 43.º da LGT. III - A lei ao usar a expressão "erro", e não "vício" ou "ilegalidade", para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, e que são, o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. IV- Quando se impõe à AT a rectificação da liquidação do ano de 1996, com a realização das operações quantificação do imposto, pela consideração do reporte de prejuízos dos anos de 1993 e 1995, nos termos referidos, o pagamento dos juros indemnizatórios deverá ser feito, na estrita medida do pagamento em excesso do imposto efectuado pelo contribuinte. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - RELATÓRIO
1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 18/02/2016, no âmbito da impugnação judicial deduzida por S... - A..., Lda, na qualidade de incorporante da sociedade S... S..., SA, contra o acto de liquidação adicional de IRC n.º 8... referente ao exercício de 1996 no valor de Esc. 31.416.184$00, com data limite de pagamento em 10/9/2001. 2. O presente processo de impugnação judicial foi alvo de reforma dos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 959.º a 962.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Civil (CPPT) – cfr. sentença de fls. 450 a 452 da numeração dos autos de suporte físico). 3. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I. A impugnante, S... - A..., Lda., NIPC 5... veio deduzir impugnação judicial da liquidação adicional de IRC nº 8... referente ao exercício de 1996, no montante de 31.416.184$00. II. Fundamentalmente, alega a impugnante que o acto objecto de impugnação padece de erro sobre os pressupostos de facto, porquanto se alicerça em correcções efectuadas aos resultados fiscal dos exercícios de 1993 a 1995 que ainda se encontravam controvertidos. III. Relativamente ao exercício de 1993 em que a AT alterou os prejuízos declarados pela impugnante de 150.814.882$00 para 116.253.614$00, por decisão em sede de reclamação graciosa foi alterado o montante dos prejuízos fixando-se o seu valor em 124.495.837$00 (€620.982,62), ou seja houve um deferimento parcial da pretensão da reclamante, ora impugnante. IV. Relativamente ao exercício de 1995, foi emitida liquidação de IRC nº 89... devido a correcções aritméticas à matéria tributável no valor de 118.329.807,00 dos prejuízos fiscais declarados. Não se conformando com a correcção e respectiva liquidação a impugnante deduziu impugnação judicial onde obteve ganho de causa. V. Por sentença datada de 18-02-2016, ora recorrida, veio a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, conceder provimento à impugnação apresentada e, consequentemente, anular a liquidação impugnada e condenar a Fazenda Publica no pagamento dos prejuízos incorridos pela impugnante com a prestação de garantia para a suspensão da execução fiscal a liquidar em execução de sentença. VI. Entende a AT que a liquidação subjacente aos presentes autos não pode ser anulada na totalidade, na senda do douto parecer do Ministério Publico: "Pelo exposto, emite-se parecer no sentido da anulação parcial do ato de liquidação impugnado, por força da anulação e consequente desaparecimento jurídico do ato de liquidação do ano de 1995 e improcedência na parte respeitante aos prejuízos fiscais de 1993, fixados na reclamação graciosa no valor de €620.982,62, porque, tanto quanto se alcança, o deferimento parcial da reclamação graciosa terá estabilizado na ordem jurídica, na medida em que não existe notícia de impugnação judicial subsequente do despacho proferido nessa sede graciosa". VII. Relativamente à condenação da AT no pagamento dos prejuízos incorridos pela impugnante com a prestação de garantia para a suspensão da execução fiscal a liquidar em execução de sentença, não se conforma igualmente a fazenda Publica.
VIII. Ora, tal como é objecto de apreciação na douta sentença, a liquidação em causa foi paga e tendo sido a liquidação anulada parcialmente defende a M. Juiz que ocorreu erro sobre os pressupostos de facto pelo que se verificam os requisitos previstos para a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios na proporção do valor pago em excesso. IX. Assim, para além de esta apreciação nunca poderia levar àquela parte decisória, também não se encontram preenchidos os requisitos para a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios. X. Pois, a lei não previu uma responsabilidade objectiva, mas antes uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços. Esta culpa (a imputabilidade dos serviços) - a título de dolo ou negligência - tem que ser alegada e provada, e não resulta automaticamente de qualquer ilegalidade. XI. Pelo que, o douto Tribunal a quo, ao ter decidido da forma como decidiu, lavrou em erro de aplicação do direito aos factos bem como da violação do art. 43°, nº 1° da LGT. Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada justiça!»
3. A recorrida S... - A..., LDA, devidamente notificada para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes: «A) A Fazenda Pública recorreu da douta Sentença proferida, no dia 18 de fevereiro de 2016, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada pela Recorrida contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») n.º 8..., relativo ao exercício de 1996 e, cm consequência: (i) anulou totalmente este ato de liquidação; (ii) condenou a Administração tributária a indemnizar a Recorrida pelos danos causados pela prestação de garantia indevida; e (iii) condenou a Administração tributária a reembolsar à Recorrida o valor de € 109.463,16, pago cm 27 de dezembro de 2002, acrescido de juros indemnizatório; B) O ato de liquidação adicional de IRC anulado pelo Tribunal Tributário de Lisboa reflete urna única correção à matéria coletável da Recorrida, consubstanciada na desconsideração de parte dos prejuízos de anos anteriores, concretamente dos prejuízos do exercício de 1993 e de 1995, no valor global de € 304.064,34 [cf. pontos G) e H) do probatório]. C) A Recorrente não se conforma com esta decisão judicial, peticionando a sua revogação com os seguintes fundamentos: (i) O Tribunal a quo não podia ter anulado totalmente o ato impugnado, devendo limitar-se a removê-lo da ordem jurídica numa parte proporcional ao montante dos prejuízos que haviam sido anulados e acabaram por ser repostos; (ii) O Tribunal a quo não podia ter condenado a Administração tributária a pagar juros indemnizatórios à Recorrida, porque não se comprovou que tivesse ocorrido erro imputável aos serviços; e que (iii) O Tribunal a quo não podia ter condenado a Administração tributária a pagar à Recorrida uma indemnização por garantia indevidamente prestada, porque não foi prestada qualquer garantia para suspensão do processo de execução fiscal. D) Acontece que, como a Recorrida passará a demonstrar, a Sentença recorrida não padece dos erros de julgamento indicados nas alíneas (i) e (ii), supra, devendo, em qualquer caso, ser mantida na ordem jurídica, quer quanto à extensão da anulação do ato impugnado, quer ainda quanto à condenação de pagamento de juros indemnizatórios; E) Quanto ao primeiro erro apontado pela Fazenda Pública, importa ter em consideração que, de acordo com a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, «Se o juiz reconhecer que o ato tributário está inquinado de ilegalidade que só uma parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o sobreviver no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira. O critério jurisprudencial para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa, pois, por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso cm que o ato deve ser total mente anulado (...) ou apenas em parte, caso em que se justifica a sua anulação parcial» (cf., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no Recurso n.º 0298/12, de 10 de abril de 2013, disponível cm www.dgsi.pt); F) Este critério é um critério substantivo e não meramente formal ou quantitativo - para conservar na ordem jurídica uma parte de um ato ilegal, não basta que o Tribunal conclua que a Administração tributária devia ter liquidado imposto (em montante inferior, igual ou superior) ao que apurou; é também necessário que o Tribunal assevere que, na sua fundamentação, a liquidação é parcialmente válida; G) Assim, admite-se que, num caso em que um determinado ato de liquidação reflete duas ou mais correções ao lucro tributável do sujeito passivo, a ilegalidade de uma dessas correções não implicará a anulação total do ato de liquidação, mas apenas a sua anulação parcial, salvando-se o mesmo no(s) segmento(s) que não reflete(m) a correção ilegal; H) Todavia, o mesmo não sucede quando, muito embora se forme no Tribunal a convicção de que, na situação de facto que lhe compete analisar, o sujeito passivo devia ser chamado a pagar imposto, a fundamentação subjacente ao ato impugnado está integralmente viciada e não o pode sustentar a sua manutenção total ou parcial na ordem jurídica; I) É o que acontece quando - como sucede no presente caso - o ato impugnado reflete uma única correção e se sustenta, portanto, numa única fundamentação de facto e de direito, ele não pode ser cindido para efeitos da sua anulação parcial (cf., neste sentido, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 10 de outubro de 2012, no âmbito do Recurso n.º 0533/12, também disponível em www.dgsi.pt); J) Assim, se concluir que a fundamentação de tal ato padece de erro sobre os respetivos pressupostos de facto e/ou de direito, o Tribunal deve anulá-lo totalmente, abstendo-se de corrigir essa fundamentação única; K) É que, sublinhe-se, não cabe aos tribunais tributários substituir a Administração tributária no apuramento da matéria tributável, da matéria coletável ou do imposto, mas sim verificar se o apuramento previamente feito pelos serviços padece ou não de ilegalidade; L) Transpondo estas considerações para o presente caso, impõe-se concluir que o Tribunal a quo andou bem ao anular o ato de liquidação adicional de IRC impugnado na sua totalidade, porquanto, como resulta do probatório, este ato reflete uma única correção à matéria coletável da Recorrida, consubstanciada na desconsideração de um determinado volume de prejuízos fiscais de anos anteriores; M) Neste contexto, e tendo concluído que a correção realizada pela Administração tributária é ilegal, cabia ao Tribunal a quo anular totalmente o ato impugnado, estando-lhe absolutamente vedado - sob pena de violação dos limites da jurisdição tributária - apurar, qual o montante de prejuízos que devia efetivamente ter sido desconsiderado e, por essa via, (re)fundamentar, motu proprio, aquele ato, substituindo-se à Administração tributária; N) Quanto ao suposto erro na condenação da Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, a Recorrida sublinha que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária cm montante superior ao legalmente devido». O) Ora, «Fora dos casos cm que é o contribuinte a determinar o montante do imposto a pagar, a liquidação é feita pelos serviços e, por isso, os erros de direito, consubstanciados na aplicação da lei a determinados factos, serão imputáveis à Administração Tributária» (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado e comentado, 6ª edição, Lisboa: 2011, página 536); P) Para além disso, ao contrário do que sustenta a Recorrida, esta «imputabilidade dos erros à Administração Tributária é independente da prova da existência de culpa concreta de qualquer dos seus órgãos, funcionários ou agentes, ou mesmo da prova da culpa global dos serviços. (...) Trata-se de uma responsabilidade objetiva, não dependente de culpa» (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado e comentado, 6ª edição, Lisboa: 2011, pp. 537-538); Q) É neste sentido, aliás, que se tem pronunciado a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, da qual resulta, de forma inequívoca, que a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios decorre (automaticamente) da decisão anulatória, quando esta se fundamente na existência de erro sobre os pressupostos de facto e/ou de direito, sem necessidade de se comprovar a existência de culpa subjetiva dos serviços (cf. por exemplo, o Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido cm 10 de março de 2004, no âmbito do Recurso n.º 0463/03, o Acórdão de 21 de janeiro de 2015, proferido no Recurso n.º 0632/14 e o Acórdão de 4 de novembro de 2009, proferido no Recurso n.º 0665/09, todos disponíveis cm www.dgsi.pt); R) Assim, o Tribunal a quo decidiu bem ao considerar que o ato anulado foi emitido está viciado de erro sobre os respetivos pressupostos de facto e, nessa medida, padece de erro imputável aos serviços; S) Com efeito, ao corrigir os prejuízos de anos anteriores declarados pela Recorrida na declaração modelo 22 referente ao exercício de 1996 cabia à Administração tributária verificar se os dados constantes do seu próprio sistema informático estavam corretos ou se, como sempre defendeu a Recorrida, aqueles dados refletiam correções ilegais ao lucro dos exercícios de 1993 e de 1995 e estavam, portanto, viciados; T) Como não o fez e se veio a verificar, em sede judicial, que a Recorrida tinha razão e que os dados registados no sistema informático eram incorretos, os serviços praticaram um erro que lhes é total e exclusivamente imputável e para o qual a Recorrida não concorreu; U) Ao exposto acresce que, ainda que se considere - como parece ter feito o Tribunal a quo - que a correção relativa ao exercício de 1996 é meramente consequente das correções aos exercícios de 1993 e de 1995, o certo é que essas correções (contestadas com sucesso pela Recorrida) também são exclusivamente imputáveis à Administração tributária, que as realizou - oficiosamente e com erro - no âmbito das inspeções relativas àqueles dois exercícios [cf. pontos A) a F) do probatório]; V) Finalmente, no que concerne à indemnização dos danos associados à garantia, a Recorrida reconhece, naturalmente, que a Sentença padece de um erro, o qual, no entanto, não tem qualquer efeito material e não justifica, portanto que a mesma não seja mantida na ordem jurídica. W) Em face do exposto, conclui-se que a Sentença recorrida não padece de qualquer erro que determine a sua revogação global e, nessa medida, deve ser negado provimento ao presente recurso, por ser infundado. TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, MANTER-SE NA ORDEM JURÍDICA A DECISÃO RECORRIDA, QUER NO QUE SE REFERE À ANULAÇÃO DO ATO IMPUGNADO, QUER NO QUE CONCERNE À CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA A PAGAR À RECORRIDA JUROS INDEMNIZATÓRIOS SOBRE O VALOR INDEVIDAMENTE PAGO EM 27 DE DEZEMBRO DE 2002.» 4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi oferecido parecer no sentido da improcedência do recurso, por não padecer dos vícios que a Recorrente que aponta. 5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.
II – QUESTÕES A DECIDIR: O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se incorre em erro de julgamento a sentença do tribunal a quo (i) ao anular a totalidade da liquidação de IRC do ano de 1996, e não parcialmente; (II) em condenar a AT ao pagamento dos prejuízos incorridos pela impugnante com a prestação de garantia para a suspensão da execução fiscal; e, (iii) por não se encontrarem preenchidos os requisitos para a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios. * III - FUNDAMENTAÇÃO 1. DE FACTO A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: «A) Em 5/11/1998 foi emitida a liquidação n.º 891... referente ao exercício de 1993 que alterou os prejuízos declarados pela Impugnante de Esc. 150.814.882$00 para Esc. 116.253.614$00 na sequência de acção de inspecção - cf. fls. 154; B) A Impugnante deduziu reclamação que correu termos com o n.º 50/ 99 (1503-9….5) que veio a ser deferida parcialmente fixando-se os prejuízos fiscal de 1993 em € 620.982,62 que correspondem a Esc. 124.495.837$00 - cf. fls. 177 e 318; C) Através do ofício datado de 28/9/2000 a Impugnante foi notificada do relatório da inspecção efectuada pelos serviços da Inspecção Tributaria da Direcção-Geral dos Impostos relativamente ao exercício de 1995, propondo correcções aritméticas à matéria tributável no valor de Esc. 118.329.807$00 dos prejuízos fiscais declarados - cf. fls. 139; D) Na sequência de tal acção inspectiva foi emitia a liquidação de IRC n.º 89... - cf. fls. 244; E) Não se conformando com a referida liquidação deduziu impugnação que correu termos com o n.º 136/2001- cf. fls. 244; F) No mencionado processo de impugnação foi proferida decisão anulando o acto de liquidação impugnado, referente ao IRC de 1995 por ter considerado que não foi validamente notificado dentro do prazo de caducidade - cf. fls. 472 dos autos; G) Através de ofício datado de 16/5/2001 a Impugnante foi notificada do relatório da inspecção efectuada pelos serviços da Inspecção Tributaria da Direcção-Geral dos Impostos relativamente ao exercício de 1996, propondo a correcção técnica dos prejuízos fiscais declarados no valor de Esc. 60.959.427$00 - cf. fls. 139; H) As referidas correcções tiveram como fundamento o facto de a Administração Tributária considerar que a Impugnante apenas tinha direito a reportar prejuízos no valor de Esc. 18.543.452$00 - cf. fls. 142; I) Em resultado das correcções identificadas na alínea anterior, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 8... referente ao exercício de 1996 no valor de Esc. 31.416.184$00 que corresponde a € 156.703,26 - cf. fls. 136; J) Não se conformando com tal liquidação a Impugnante deduziu a presente impugnação - cf. fls. 95 e 288; K) Em 27/12/ 2002 a Impugnante efectuou o pagamento do valor de € 109.463,16 referente à liquidação identificada em I) -cf. fls. 312 e 313. * Factos não provados Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
Motivação da Decisão de Facto A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento da testemunha, considerada credível. * 2. ADITAMENTO OFICIOSO À DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO Por ser relevante para a decisão da causa, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, importa aditar oficiosamente ao probatório os seguintes facto, os quais resultam provados por documentos junto aos autos: L) As correcções referidas na alínea G) respeitam a correcções efectuadas aos resultados fiscais dos exercícios de 1993 a 1995, relativas a reajustamentos de prejuízos (cfr. fls. 150 e 151). M) A impugnante conformou-se com a correcção de reporte do prejuízo relativo ao exercício de 1994 (cfr. fls. 142 e pontos 19 e 20 da p.i.). * 3. DE DIREITO 3.1. Do erro de julgamento atinente à anulação da liquidação adicional de IRC do ano de 1996 O presente recurso jurisdicional vem interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, proferida na impugnação judicial que a Recorrida havia deduzido contra a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 1996, tendo, a final, determinando a sua anulação. A Fazenda Pública discorda da decisão da primeira instância, alegando, em síntese, que a liquidação subjacente aos presentes autos não pode ser anulada na totalidade, atenta a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa estabilizada na ordem jurídica, aderindo ao parecer do Ministério Público emitido na primeira instância (conclusão VI da alegação de recurso). A Recorrente não coloca, portanto, em causa a anulação do reporte de prejuízos do ano de 1993 que no procedimento de reclamação graciosa foi deferida parcialmente, nem dos referentes ao exercício de 1995, por força da anulação da liquidação do ano de 1995, pretendendo apenas a revogação da decisão recorrida na parte que anula totalmente a liquidação e a sua substituição por outra que ordene a anulação parcial da liquidação n.º a liquidação adicional de IRC n.º 8..., referente ao exercício de 1996, por se manter na parte respeitante aos prejuízos fiscais de 1993, fixados na reclamação graciosa no valor de € 620.982,62. De salientar que embora a identificada liquidação adicional assente na correcção dos prejuízos fiscais dos anos de 1993 a 1995, reportados pela ora Recorrida, no exercício de 1996, apenas impugnou as correcções referentes ao reporte dos prejuízos dos anos de 1993 e 1995, tendo-se conformado com o valor da correcção efectuada ao exercício de 1994 (pontos L) e M) do probatório ora aditados). Vejamos. Diga-se, em boa verdade, que do discurso fundamentador da sentença recorrida não se alcança a motivação para anular totalmente a liquidação impugnada. Com efeito, escreveu-se na sentença recorrida: A questão a decidir nos presentes autos é a de saber se se pode manter a liquidação impugnada que resultou de correcções efectuadas aos prejuízos fiscais dos anos de 1993 e 1995, tendo em conta que a primeira foi parcialmente anulada em sede de reclamação graciosa e a segundo foi anulada na sua totalidade. Considerando que a liquidação adicional de IRC objecto de impugnação nos presentes autos, referente ao exercício de 1993 no valor de € 156.703,27 teve como pressupostos de facto as correcções efectuada nos exercícios de 1993 a 1995, encontram-se numa relação de dependência. A liquidação referente ao exercício de 1995 foi anulada conforme resulta da alínea F) do probatório. A liquidação referente ao exercício de 1993 foi parcialmente anulada em resultado do deferimento parcial da reclamação graciosa que a impugnante deduziu. A referida decisão fixou os prejuízos fiscais declarados pela Impugnante em € 620.982,62, pelo que, a liquidação impugnada terá de ser anulada na parte em que traduz ou reflecte os prejuízos fiscais anulados. Por força da anulação e consequente desaparecimento da ordem jurídica do acto de liquidação de 1995, também os seus reflexos no acto de liquidação de 1996, na parte em que nele se baseia é ilegal, não se podendo manter.(…) E termina com o seguinte segmento decisório: Termos em que se anulam as liquidações impugnadas (…). Sem custas por delas se encontrar isenta a Fazenda Pública Assim, dúvida não restam que a anulação da liquidação decidida em primeira instância refere-se à totalidade da liquidação. E a questão que se coloca a seguir é a de saber se o deferimento parcial do procedimento de reclamação graciosa do ano de 1993 e a anulação da liquidação do exercício de 1995, correcções contempladas na liquidação adicional de 1996 dos autos pode ter como consequência a anulação desta liquidação na sua totalidade ou só parcialmente. A resposta a esta questão não é unívoca, passa pela análise da questão da admissibilidade da anulação parcial no caso em apreço, e quanto a ela a sentença é totalmente omissa. Passamos, assim, a apreciar da admissibilidade da anulação parcial do acto tributário de liquidação do imposto. Ora, tal anulação parcial é consensualmente aceite, quer à luz da lei, como se dispunha no artigo 145.º do CPT (actuais artigos 79.º e 100.º da LGT e 112.º do CPPT), quer pela jurisprudência, quer pela doutrina. A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis, os Tribunais Superiores têm vindo a afirmar que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, pelo que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto, isto é quando haja apenas uma ilegalidade parcial (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2006, I volume, nota 4 ao artigo 100.º, págs. 720 a 721; Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 1991, pág.1396; José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, n.º 7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.). Neste sentido, entre muitos outros, decidiu o STA em acórdão do Pleno do CT, de 10/04/2013, proc. n.º 0298/12, cujo sumário, com a devida vénia, se transcreve: «I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. III - Sendo legal o recurso ao método indirecto previsto no n.º 4 do artigo 89.º-A e verificando-se que a ilegalidade da quantificação operada pela Administração tributária se circunscreve à desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna no cálculo do rendimento padrão - ilegalidade esta que se verifica apenas na medida da não justificação, que não no demais, e corrigível mediante mera operação aritmética que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matéria colectável fixada o valor justificado -, haverá lugar à anulação apenas parcial do acto sindicado, que não à sua anulação total.» (vide no mesmo sentido acórdão do TCAS, de 03/07/2012, proc. n.º 4397/10; de 16/10/2014, proc. n.º 7660/14; de 03/12/2015, proc. n.º 7421/14, e de 08/06/2017, processo n.º 06112/12, todos disponíveis em www.dgsi.pt/). Não se concorda com a Recorrida, na parte em que invoca nas suas contra-alegações que o acto impugnado reflecte uma única correcção, pelo que não pode cindido, por entendermos que na situação concreta a correcção respeitar a reporte de prejuízos com aspectos quantitativos pecuniários a ter em conta no cômputo de todos os elementos que integram a liquidação adicional de IRC de 2006, e, por isso, está em causa uma anulação parcial (reporte parcial de 1993 e total de 1995), não tendo aplicação ao caso dos autos o ac. do STA referido na conclusão I) da contra-alegação de recurso. A Recorrida não impugnou a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa relativa à liquidação de IRC do ano de 2003, nem o reporte do prejuízo do exercício de 1994, pelo que, quanto a eles formou-se caso decidido ou caso resolvido, de efeitos similares aos do caso julgado, o qual se consolidou na ordem jurídica. Em face dos elementos disponíveis (cfr. alíneas A), B) C), G), H), L) e M) do probatório) e do discurso fundamentador da sentença recorrida, forçoso é concluir que assiste razão à Recorrente e que o tribunal deveria ter antes anulado parcialmente a liquidação, permitindo à AT reformular a mesma, realizando os cálculos aritméticos com o reporte de prejuízos que deveria atender e apurando, assim, novamente o imposto, uma vez que, as correcções aritméticas mostram-se devidamente identificadas e quantificadas, por anos, no relatório de inspecção tributária e decisão do procedimento de reclamação graciosa. Incorreu, assim, em erro de julgamento o Tribunal a quo ao anular a liquidação de IRC na totalidade. Pelo exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso, mas alterar somente o efeito jurídico decorrente da consideração do prejuízo fiscal de 1993 fixado na reclamação graciosa e a totalidade do prejuízo fiscal de 1995 na liquidação de IRC de 1996, anulando parcialmente a liquidação adicional de 1996. Nesta conformidade, determinamos a anulação parcial da liquidação adicional n.º 8..., relativa a IRC do exercício de 1996, na parte dos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1993, considerando-se o valor fixado na reclamação graciosa, e na parte em que não acresceu o valor anulado na liquidação do exercício de 1995, impondo-se à AT, nestes termos, a reformulação da liquidação.
3.2. Erro de julgamento no tocante à condenação da AT ao pagamento dos prejuízos incorridos pela impugnante com a prestação de garantia para a suspensão da execução fiscal Insurge-se a Recorrente contra a condenação da AT ao pagamento dos prejuízos incorridos pela impugnante com a prestação de garantia para a suspensão da execução fiscal, por a liquidação em causa ter sido paga (conclusões VII e VIII da alegação de recurso). Vejamos. O artigo 53.º da LGT preceitua «1. O devedor que, para suspender a execução ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. 2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.» Ora, só faz sentido falar da atribuição da indemnização prevista nesta norma quando tenha sido prestada garantia para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança de divida tributária. Acontece que, no caso dos autos, não resultou provado que tenha sido prestada qualquer garantia para suspensão da execução fiscal, não obstante os autos evidenciarem pedido nesse sentido. Conforme resulta da alínea K do probatório a Impugnante, embora não tenha procedido ao pagamento da liquidação até à data limite de pagamento constante da liquidação (fls. 136), efectuou o pagamento da liquidação adicional de IRC do ano de 2006, em 27/12/2002 Por outro lado, no discurso fundamentar da sentença recorrida também não se lê qualquer motivação para a condenação da AT no pagamento dos prejuízos incorridos pela impugnante na prestação de qualquer garantia. Assim se vê, sem mais argumentos, por despiciendos, que a sentença recorrida incorreu em erro ao condenar a Fazenda Pública no pagamento de tais prejuízos. Com o que de resto a Recorrida está de acordo ao reconhecer que a sentença padece de erro quanto à indemnização dos danos associados à garantia (conclusão V) da contra-alegação de recurso). Nesta conformidade, impõe-se conceder provimento, nesta parte, ao recurso e revogar a sentença na parte recorrida.
3.3. Erro de julgamento por não se encontrarem preenchidos os requisitos para a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios. A última questão a apreciar respeita à verificação dos requisitos para a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios. Alega a Recorrente que não se verificam os requisitos previstos para a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios na proporção do valor pago em excesso, em suma, por a lei não prever uma responsabilidade objectiva, mas antes uma responsabilidade ligada à culpa dos serviços, e não tendo sido alegado e provado a culpa dos serviços, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o artigo 43.º, n.º 1 da LGT (conclusões VIII a XI da alegação de recurso). A Recorrida, por sua vez, sustenta, em síntese, que a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios decorre automaticamente da decisão anulatória quando esta se fundamente na existência de erro sobre os pressupostos de facto e/ou de direito, sem necessidade de se provar a existência de culpa subjectiva dos serviços (conclusões N) a U) da contra-alegação de recurso). Vejamos, então. Os juros indemnizatórios são devidos quando o contribuinte reclamou graciosamente ou impugnou judicialmente e viu a sua pretensão atendida e na liquidação houve erro imputável aos serviços do qual resultou o pagamento de imposto indevido, conforme decorre do n.º 1, do artigo 43.º da LGT. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no citado artigo 43.°, n° 1, da LGT, são os seguintes: (1) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; (2) que o erro seja imputável aos serviços; (3) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; (4) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.158; Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.530). A lei ao usar a expressão "erro", e não "vício" ou "ilegalidade", para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, e que são, o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma, vício procedimental e a incompetência do autor, pelo que a utilização daquela expressão "erro" têm um âmbito mais restrito do que a expressão "vício". Quanto ao segundo requisito, a lei exige que o erro de facto ou de direito terá de ser imputável aos serviços. Mais se exige, ainda em relação ao erro, que o mesmo seja reconhecido em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial. O direito a juros indemnizatórios decorre da lei e vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.155 e seg.). Não olvidamos que alguma doutrina entende que o legislador na LGT e no CPPT não distingue os conceitos de “erro” e de “vício” quanto se refere à relação tributária, a erro proferido pelos serviços no procedimento, ou mesmo como fundamento à indemnização por prestação de garantia, defendendo, assim, que para efeitos do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios ao contribuinte, não haverá que distinguir as situações de erro ou de vício (cfr. neste sentido José Maria Fernandes Pires e Outros, in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2015, Almedina, notas 18, 19 e 22 ao artigo 43.º, págs. 363 a 365). Porém, não é este o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em abundante jurisprudência sobre a questão, designadamente, em acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, sem dissidência, de que são exemplos os recentíssimos acórdãos de 30/09/2020, proferido no proc. n.º 2009/18.9BALSB e de 04/11/2020, proferido no processo n.º 037/19.7BALSB (disponíveis em www.dgsi.pt/). Com a devida vénia, transcrevemos o sumário do acórdão do STA do Pleno do Contencioso Tributário, de uniformização de jurisprudência, citado em último lugar: «I - Há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. II - Quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou …) não fica demonstrado que tenha sido exigido, ao sujeito passivo, o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas, apenas, que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.» Impõe-se, agora, relembrar o que sobre a matéria a Mma. Juíza a quo expôs sobre esta questão: A Impugnante peticiona a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios. Os juros indemnizatórios a favor do contribuinte apenas são devidos quando, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, se apure que houve erro imputável aos serviços, tendo-se liquidado uma dívida tributária superior à legal, sendo que tal erro é independente da prova da existência de culpa concreta de qualquer dos seus órgãos, funcionários ou agentes, ou mesmo da prova da culpa global dos serviços, conforme resulta do artigo 43.º, n.º 1da LGT. Como refere J. Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 61º do CPPT (vide, CPPT anotado, Editores Vislis, 4ª edição, 2003, pág. 295) "A utilização da expressão "erro" e não "vício" ou "ilegalidade" para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão "erro" tem um âmbito mais restrito do que a expressão "vício". No caso dos autos, a liquidação em causa foi paga, resultando dos autos que, a acção foi julgada parcialmente procedente por se ter demonstrado que ocorreu erro sobre os pressupostos de facto pelo que se verificam os requisitos previstos para a condenação da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios na proporção do valor pago em excesso. Ora, na linha de orientação da jurisprudência do STA, que sufragamos, acompanhamos a conclusão a que a Mma. Juiz a quo chegou de que no caso dos autos se verificam os requisitos previstos para a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios. Com efeito, importa relembrar que no caso dos autos não estão em causa as liquidações de 1993 e 1995, mas a liquidação de IRC, do ano de 1996, a qual reflecte a desconsideração de prejuízos fiscais dos anos de 1993 e de 1995, por uma acção oficiosa da Administração Tributária. Dito por outras palavras, a correcção da liquidação de 1996 efectuada pela AT é um acto consequente, designadamente, das correcções aos exercícios de 1993 e 1995, sendo que a primeira foi anulada parcialmente (deferimento da reclamação graciosa) e a segunda totalmente (por decisão judicial de anulação). Tais anulações têm repercussões na liquidação impugnada nos autos, através do aumento dos prejuízos fiscais, por dever ter-se em conta a transmissão de prejuízos de 1993 e 1995, na estrita medida da anulação operada, pelo que é de considerar que o respectivo erro da liquidação do exercício de 1996 é imputável aos serviços. Nesta medida tais desconsiderações impõem e determinam a rectificação da liquidação do exercício de 1996, por haver quanto a esta a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, devendo ser atribuída uma indemnização (no caso sob a forma de juros). Assim, no caso dos autos, estão preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, por nos autos ter ficado demonstrado que o acto de liquidação de 1996 está afectado por erro imputável aos serviços, na estrita medida da desconsideração dos prejuízos fiscais dos exercícios de 1993 e de 1995. Porém, é de salientar que, dos autos resultou apenas o pagamento parcial da liquidação de 1996, pela Recorrida. Quando se impõe à AT a rectificação da liquidação do ano de 1996, com a realização das operações de quantificação do imposto, pela consideração do reporte de prejuízos dos anos de 1993 e 1995, nos termos referidos, o pagamento dos juros indemnizatórios deverá ser feito, na estrita medida do pagamento em excesso do imposto efectuado pelo contribuinte. Pelo exposto, tem de concluir-se que o recurso, neste segmento, não merece provimento. * Conclusões/Sumário: I - Os Tribunais Superiores têm vindo a afirmar que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, pelo que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto, isto é quando haja apenas uma ilegalidade parcial. II - Os juros indemnizatórios são devidos quando o contribuinte reclamou graciosamente ou impugnou judicialmente e viu a sua pretensão atendida e na liquidação houve erro imputável aos serviços do qual resultou o pagamento de imposto indevido, conforme decorre do n.º 1, do artigo 43.º da LGT. III - A lei ao usar a expressão "erro", e não "vício" ou "ilegalidade", para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros indemnizatórios, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, e que são, o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. IV- Quando se impõe à AT a rectificação da liquidação do ano de 1996, com a realização das operações quantificação do imposto, pela consideração do reporte de prejuízos dos anos de 1993 e 1995, nos termos referidos, o pagamento dos juros indemnizatórios deverá ser feito, na estrita medida do pagamento em excesso do imposto efectuado pelo contribuinte. * IV – DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte em que decidiu anular na totalidade o acto tributário de liquidação adicional de IRC de 1996 e condenou a AT no pagamento dos prejuízos incorridos com a prestação de garantia, substituindo-a por decisão de procedência parcial da impugnação, e, consequentemente, de anulação parcial da liquidação adicional de IRC do ano de 1996 (na parte correspondente aos prejuízos fiscais ocorridos no exercício de 1993, considerando-se o valor fixado na reclamação graciosa, por deferimento parcial, e na parte em que não acresceu o valor anulado na liquidação do exercício de 1995), e confirmar o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, na estrita medida do pagamento do imposto efectuado em excesso. Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias na proporção do decaimento. Sem custas por parte da Fazenda Pública, por esta gozar de isenção subjectiva. Notifique. Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. Maria Cardoso - Relatora Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta (assinaturas digitais) |