Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 266/14.9BEFUN |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/31/2019 |
Relator: | ANA PINHOL |
Descritores: | IRS |
Sumário: | I. Os rendimentos provenientes de dividendos, associados às carteiras de acções detidas pelo sujeito passivo constituem rendimentos da categoria E (Rendimentos de Capitais), por constituírem frutos de vantagens económicas, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, de natureza mobiliária, estando contemplados na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
I.RELATÓRIO Nos presentes autos, vindos do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO FUNCHAL em que são recorrentes FAUSTO .............................................. e mulher MARIA .............................................. vem interposto recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, dos anos de 2010, 2011 e 2012 e coimas fiscais, tudo no montante global de 28.727,00€.
Os Recorrentes terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I. O presente recurso tem por objecto a douta Sentença de fls. 150-159, que julgou a presente acção (impugnação judicial) improcedente e assim manteve na ordem jurídica os actos tributários de liquidação de IRS dos anos de 2010, 2011 e 2012, que constituíam o objecto da impugnação; II. O presente recurso tem ainda como fundamentos específicos de recorribilidade: - A nulidade da douta Sentença do Tribunal a quo resultante, por um lado, da falta de indicação dos factos não provados relevantes para a boa decisão da causa, que se invoca nos termos do artigo 615º, nº1, al. b), do CPC, e, por outro lado, ao não fazer uma análise crítica das provas, antes se limitando a remeter para “os documentos juntos aos autos”, sem os relevar com os depoimentos testemunhais (cfr. artigo 607º, nº 4, do CPC); - O erro de julgamento, em virtude de (i) terem sido dados como assentes factos controversos – cfr. factos 12 a 14 da matéria de facto – e de (ii) não terem sido seleccionados outros factos relevantes para a boa decisão da causa, apesar de se encontrarem provados nos autos, indo assim impugnada a matéria de facto e pretendendo-se que seja reapreciada a prova gravada a fim de serem aditados novos factos à matéria assente; - O erro de aplicação do Direito, por entendermos, s.m.o, que a douta Sentença fez uma errada interpretação e de aplicação do direito aplicável ao presente caso, mais precisamente do disposto nos artigos 3º, nº1, al. a) e 29º, do Código do IRS, assim como fez tabua rasa da invocada violação dos princípios constitucionalmente consagrados nos artigos 103º e 104º, da CRP, da legalidade, da boa-fé, da proporcionalidade, da justiça e da capacidade contributiva; III. São, portanto, estes os fundamentos do recurso apresentado e que, na nossa modesta opinião, levam a que a douta Sentença seja substituída por outra que julgue a presente acção totalmente procedente, anulando-se os actos tributários objecto de impugnação, como é de inteira justiça; IV. No que respeita à impugnação da matéria de facto, os Recorrentes entendem, desde logo, que os pontos 12 a 14 da matéria de facto devem ser eliminados, por não constituírem factos alegados pelas partes, nem factos provados, face à impugnação das liquidações e sua fundamentação, bem como por aplicação das regras de repartição do ónus da prova previstas no artigo 75º, da LGT e no artigo 100º, do CPPT; V. Pelo contrário, entendem ainda os Recorrentes que devem ser aditados os seguintes novos factos à matéria de facto, os quais se encontram provados através dos documentos de fls. 48-63, 105-120, 147-165, do processo administrativo, dos documentos de fls. 69, 76 e 85 do processo principal, e do depoimento testemunhal de Pedro ...................., aos minutos 03:00, 08:20 e 16:31: 1. Nos anos de 2010 a 2012, o Impugnante – Fausto .............................................. – imputou à sua actividade profissional e assim registou na sua contabilizada, para efeitos de apuramento da matéria colectável, com recurso ao regime da contabilidade organizada, ao nível da Categoria B, do IRS, rendimentos auferidos pela distribuição de dividendos de acções, assim como contabilizou gastos inerentes a estes rendimentos, nomeadamente juros de empréstimos, imposto do selo, perdas por imparidade, entre outros; 2. O Impugnante – Fausto .............................................. – acumula a actividade profissional de advogado com a actividade de compra, venda e gestão de títulos de acções de empresas cotadas em mercados regulamentados, desde o ano 2000, registando na sua contabilidade organizada os ganhos e as despesas de ambas essas actividades, para efeitos de IRS; 3. Com respeito aos anos de 2010, 2011 e 2012, o Impugnante – Fausto .............................................. – era detentor de uma carteira de títulos das empresas “R....................”, “I....................”, “S....................”, “G....................”, “Z....................”, “S....................”, “B…” e “D....................”, no valor total de: EUR 902.673, em 31.05.2010 (cfr. fls. 69) EUR 873.631, em 31.05.2011 (cfr. fls. 76) EUR 653.262, em 30.04.2012 (cfr. fls. 85) 4. Os referidos títulos foram adquiridos e devidamente registados na escrita organizada do Impugnante – Fausto .............................................. –, durante os últimos 15 anos, estando registados e reflectidos no Balanço do Impugnante que apresentava, na rúbrica do activo “Outros activos financeiros”, um saldo correspondente ao valor de aquisição de EUR 3.762.524,15; (cfr. fls. 50) 5. O balanço do Impugnante – Fausto .............................................. –, reportado a 31.12.2010, apresentava ainda um total do capital próprio de EUR 2.134.930, influenciado pelo valor da referida carteira de títulos e pelos ganhos e perdas da actividade de advocacia e de compra, venda e gestão de títulos; (cfr. fls. 50) 6. No referido balanço encontram-se ainda registados os activos fixos tangíveis, saldos de clientes e saldos de fornecedores inerentes à actividade de advocacia do Impugnante; (cfr. fls. 50) 7. Assim como na respectiva “Demonstração de Resultados” se encontram registados os ganhos e gastos inerentes à actividade de advocacia e de compra, venda e gestão da carteira de títulos; (cfr. fls. 49) 8. No ano de 2010, o Impugnante auferiu e registou na sua contabilidade organizada proveitos financeiros (dividendos de acções da referida carteira de títulos), no montante total de EUR 38.845, tendo ainda registado gastos associados aos dividendos de acções, nomeadamente com juros de financiamentos obtidos, perdas por imparidades e imposto do selo, no montante total de EUR 2.909.253,85; (cfr. fls. 48-63, do processo administrativo) 9. No ano de 2011, o Impugnante auferiu e registou na sua contabilidade organizada proveitos financeiros (dividendos de acções da referida carteira de títulos), no montante total de EUR 38.370, tendo ainda registado gastos associados aos dividendos de acções, nomeadamente com juros de financiamentos obtidos, perdas por imparidades e imposto do selo, no montante total de EUR 543.341,22; (cfr. fls. 105-120, do processo administrativo) 10. No ano de 2012, o Impugnante auferiu e registou na sua contabilidade organizada proveitos financeiros (dividendos de acções da referida carteira de títulos), no montante total de EUR 146.020, tendo ainda registado gastos associados aos dividendos de acções, nomeadamente com juros de financiamentos obtidos, perdas por imparidades e imposto do selo, no montante total de EUR 99.188,19; (cfr. fls. 147-165, do processo administrativo) 11. A escrita dos Impugnantes, nos anos de 2010, 2011 e 2012, foi devidamente organizada e executada, de acordo com as regras e procedimentos de normalização contabilística vigentes em Portugal; VI. Finalmente, no que respeita às conclusões de direito, os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito ao entender que os rendimentos registados pelo Recorrente há mais de 15 anos consecutivos – i.e., dividendos e gastos associados –, relacionados com uma actividade de compra, venda e gestão de uma carteira de títulos / acções de empresas cotadas em bolsa, num valor superior a um milhão de euros, não são passíveis de ser englobados na “Categoria B”, do IRS, conforme determina o artigo 3º, n.º1, do respectivo Código; VII. E ao confirmar a posição da autoridade tributária, que reclassificou esses rendimentos para a Categoria E, do IRS, fazendo “tábua rasa” a todo o histórico aceite pela própria Autoridade Tributária ao longo de mais de 15 anos, conseguiu, agora, com efeitos circunscritos aos anos de 2010 a 2012, eliminar o impacto fiscal dos gastos inerentes à referida carteira de títulos, relacionados com juros de financiamento, perdas por imparidades e imposto do selo, determinando que os Recorrentes sejam tributados pelo seu “rendimento bruto” obtido nestes três anos (2010 a 2012), ao invés de ter relevado o seu “rendimento líquido” ou “lucro real”, como seria correto e como seria e é da mais elementar justiça; VIII. O que consubstancia, desde logo, uma violação do princípio da boa-fé por parte da Autoridade Tributária que, entre os anos de 2000 e 2009, aceita e reconhece o direito de o Recorrente adquirir, registar e sujeitar a tributação no âmbito da sua escrita organizada (Cat. B, do IRS), toda a sua carteira de títulos, respectivos ganhos e despesas associadas, abstendo-se sempre de fazer qualquer correcção fiscal, para, numa surpreendente aparição e sem sequer propor ou realizar alguma correcção à escrita organizada do Recorrente, se limitar a desconsiderar tais ganhos e despesas nos anos de 2010 a 2012, sujeitando a tributação os ganhos de acções, enquanto rendimentos da Categoria E, do IRS, permitindo que essas mesmas acções continuem afectadas à actividade empresarial do Recorrente!? IX. Bem pelo contrário, os Recorrentes entendem que a opção de exercício de uma actividade empresarial tal como é o caso da compra, venda e gestão de uma carteira de títulos de acções configura uma opção pessoal e absolutamente legítima, no quadro da iniciativa privada, enquanto direito e liberdade de consagração constitucional; Actividade essa que se traduziu, como referiu a testemunha Pedro ...................., na análise e prospecção recorrente do mercado, na compra e venda de acções, exercendo tal actividade “diariamente, sistematicamente e de hora em hora”, afectando a essa actividade todos os seus recursos financeiros e uma grande parte do seu tempo diário e tendo um volume de negócio que chegou, inclusive, a superar os 15 milhões de euros, tornando assim este tipo de rendimentos predominantemente da Categoria B, do IRS; X. Tudo isto conforme melhor fundamentado nas alegações acima apresentadas, concluindo-se que, a manutenção da decisão proferida pelo Tribunal a quo constituirá uma violação dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da justiça e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 103º, nº1, e 104º, nº1, da Constituição da República Portuguesa (CRP); XI. Em conclusão, os Recorrentes entendem que a douta sentença de que se recorre padece de um erro de aplicação do Direito, consubstanciado na errada interpretação das normas previstas nos artigos 3º, nº1, al. a) e 29º, do Código do IRS, que, ao contrário da posição do Tribunal a quo, devem ser interpretados no sentido de a actividade desenvolvida pelo Recorrente, iniciada há mais de 15 anos, relacionada com a compra, venda e gestão de uma carteira de títulos compostos por acções de empresas cotadas em bolsa, e com recurso a financiamentos bancários, configurar o exercício de uma actividade empresarial e, assim, os respectivos rendimentos devem ser enquadrados e englobados como rendimentos da Categoria B, do IRS, para todos os efeitos legais; XII. Devendo assim a douta Sentença ser substituída por outra que, com maior rigor de análise e de selecção de factos concretos e objectivos, e fazendo a melhor aplicação do direito aplicável ao presente caso, julgue a presente acção totalmente procedente, por provada, como é da mais elementar Justiça! Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida e proferindo-se douta decisão que, alterando a matéria de facto, julgue totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pelos ora Recorrentes e, nessa medida, determine a anulação dos respectivos actos tributários, com respeito pelos princípios da legalidade, boa-fé, proporcionalidade, justiça e capacidade contributiva, como é de elementar Justiça!» ** Notificada da admissão de recurso a FAZENDA PÚBLICA, contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado. ** Junto deste Tribunal Central Administrativo, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, emite douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. ** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência. ** II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Em face do conteúdo das conclusões das alegações dos Recorrentes, enquanto delimitadoras do objecto do recurso, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer: I) nulidade da sentença por falta de fundamentação e exame crítico da prova, nos termos do artigo 125.º do CPPT e alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC; II) impugnação da matéria de facto; III) erro na interpretação e aplicação da alínea a), do n.º1 do artigo 3.º e artigo 29º, ambos do CIRS; IV) violação dos princípios constitucionalmente consagrados nos artigos 103.º e 104º, da CRP, da legalidade, da boa-fé, da proporcionalidade, da justiça e da capacidade contributiva. ** III. FUNDAMENTAÇÃO A. DOS FACTOS Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos: «1. O Impugnante Fausto .............................................. (SP “A”), nos anos de 2010 a 2012, encontrava-se colectado na actividade “Advogados”, com o CIRS: 6010, enquadrado em sede de IRS no regime da contabilidade organizada por opção [acordo]. 2. A Impugnante mulher (SP “B”) nos anos de 2010 a 2012, encontrava-se colectada na actividade “Médicos de outras especialidades”, com o CIRS: 7024, enquadrado em sede de IRS no regime da contabilidade organizada por opção [acordo]. 3. Os impugnantes são casados, entre si, no regime de comunhão de adquiridos [acordo]. 4. O Impugnante apresentou declaração de rendimentos para os exercícios 2010, 2011 e 2012 em 31/05/2011, 30/05/2012 e 31/05/2013, respectivamente. [Cfr. doc. de fls. do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 5. Por ordem de serviço nºOI...................., foi ordenada a inspecção aos Impugnantes, em sede em IRS do exercício de 2010 [Cfr. doc. de fls. 49 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 6. Por ordem de serviço n.ºOI...................., foi ordenada a inspecção aos Impugnantes, em sede em IRS do exercício de 2011 [Cfr. doc. de fls. 105 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 7. Por ordem de serviço n.ºOI...................., foi ordenada a inspecção aos Impugnantes, em sede em IRS do exercício de 2012 [Cfr. doc. de fls. 147 do processo instrutor junto (original), cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 8. Em 05/08/2013, os Impugnantes foram notificados para apresentar documentos comprovativos dos valores constantes nas declarações de rendimentos, modelo 3 de IRS. [Cfr. doc. de fls. 64 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 9. Em 07/02/2014, os Impugnantes apresentaram declarações de substituição para os períodos de 2010, 2011 e 2012. 10. Por ofícios datados de 14/03/2014, foram os Impugnantes notificados para exercerem o direito de audição prévia. [Cfr. doc. de fls. do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 11. Em sequência das referidas inspecções tributárias, foram elaborados relatórios finais que propuseram a correcção aos rendimentos dos impugnantes, [Cfr. doc. de fls. 48 a 182 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 12. Consta do relatório relativo ao ano de 2010, entre o mais: (…) Verificamos que os sujeitos passivos (SP´s) consideraram indevidamente no âmbito da sua actividade profissional com contabilidade organizada, rendimentos de capitais (categoria “E”) sujeitos a retenção na fonte a taxas liberatórias, provenientes de dividendos de acções, bem como contabilizaram indevidamente gastos respeitantes a juros de empréstimos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros, não relacionados com a actividade desenvolvida pelos contribuintes e por conseguintes não aceites fiscalmente, nos termos dos artigos 18.º e 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas colectivas (CIRC), por remissão do artigo 32.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) (…) Imposto em falta 7928,20 (…) No âmbito do procedimento de inspecção (…) verificou-se que os SP`s praticaram diversas inexactidões na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2010. (…) O SP “A”, imputou à sua actividade profissional de advocacia, rendimentos de capitais auferidos pela distribuição de dividendos de acções, bem como, contabilizou todos os gastos inerentes a estes rendimentos, nomeadamente juros de empréstimos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros. Verificamos ainda que os SP´s não dispõem de uma conta bancária exclusivamente afecta à sua actividade empresarial, com o registo dos movimentos de pagamentos e recebimentos, conforme estavam obrigados pelo artigo 63.º-C da Lei Geral Tributária (LGT). Os SP´s foram notificados pessoalmente (…) para apresentar os documentos comprovativos dos valores constantes da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do ano de 2010, bem como colocar à disposição o dossier fiscal designado na Portaria nº359/2000, de 20 de Junho e exigível nos termos do nº1 do artigo 130º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), extractos contabilísticos de todas as subcontas do razão e todos os documentos de suporte legalmente exigidos nos termos da alínea a) do nº2 e nº4 do artigo 123º do CIRC, por remissão do artº32º do CIRS, nomeadamente facturas, recibos e respectivos meios de pagamento (extratos bancários e cópias dos cheques/transferências bancárias), duplicados das declarações e guias comprovativos dos pagamentos de impostos; Os SP´s cumpriram (…) mediante a apresentação de todos os elementos solicitados (…) 3.1. - Análise ao Anexo C do S P “A” – Actividade de Advocacia (…) o contribuinte apurou no anexo “C” da atividade exercida de advocacia, um prejuízo fiscal no montante de € 2 883 904,35 (…) tendo-se verificado a nível dos proveitos e dos gastos as situações irregulares (…) 3.1.1 - Proveitos O SP contabilizou proveitos financeiros na conta 7921 no montante global de € 38 845,00, respeitante a dividendos de acções (rendimentos de capitais), conforme quadro: Quadro- II (Dividendos contabilizados)
(…) Por consulta efetuada às obrigações acessórias, nomeadamente à declaração modelo 39 nº.................. (rendimentos e retenções a taxas liberatórias) declarado em nome do SP “A”, verificou que foram comunicados os seguintes rendimentos de capitais no ano de 2010: Quadro - IV (Retenções de rendimentos de capitais - Modelo 39 do SP “A”) (Unidade: €) Quadro - IV (Retenções de rendimentos de capitais - Modelo 39 do SP “A”) (Unidade: €)
Ainda por consulta efectuada às declarações emitidas pelas entidades que colocaram os rendimentos de dividendos à disposição do SP “A” no ano de 2010, verificamos que consta dessas declarações que foram pagas e retidas as seguintes importâncias:
3.1.2 Gastos (…) contabilização indevida de variados gastos com morada pessoal, no montante de €1.758,38, nomeadamente com honorários, conservação e reparação, ferramentas e utensílios, electricidade, rendas e telecomunicações. Constatamos ainda a contabilização de gastos associados aos dividendos de acções, nomeadamente com juros de financiamento obtidos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros, no montante global de €2.909.253,85. Estes gastos não são aceites fiscalmente, pelo exposto no artigo 23º do CIRC, por remissão do artigo 32.º do CIRS, pois não são indispensáveis para a realização dos rendimentos ou manutenção da fonte produtora, isto é, na primeira situação trata-se de gastos pessoais fora do âmbito da atividade desenvolvida e, relativamente aos restantes gastos são imputáveis aos rendimentos da categoria “E” e não fraccionados para a categoria “B”:(…) 3.1.3 – Enquadramento dos Rendimentos de Capitais (dividendos) - Categoria “E”. A questão que se coloca é saber se o investimento efectuado pelo SP nas carteiras de acções, enquanto rendimento de capitais, contemplada na alínea h) do nº2 do artigo 5º do CIRS, poderá ser atraído e imputado à atividade profissional exercida por este, e por conseguinte, tributado pelas regras da categoria “B”. O SP exerce a actividade de advocacia tendo, no ano de 2010, declarado, um volume de prestações de serviço no montante de € 9.863,50. No entanto, declarou um prejuízo fiscal no montante de € 2.883.904,35. Verificamos de resto que este prejuízo declarado não esta relacionado com a actividade exercida pelo contribuinte, mas sim resultou de gastos relacionados com a carteira de acções que detém. Ora, os rendimentos provenientes de dividendos de acções são considerados rendimentos de capitais, estando tipificados na aliena h) do nº2 do artigo 5º do CIRS. No entanto, o legislador veio introduzir a alínea b) do nº2 do artigo 3º do CIRS, dando a possibilidade dos rendimentos de capitais serem eventualmente imputáveis a uma actividade geradora de rendimentos profissionais ou empresariais, mas no caso de este tipo de rendimentos estarem em conexão com a actividade geradora de rendimentos da mesma natureza, ou seja, perante a actividade desenvolvida possibilitar o investimento em valores mobiliários, através dos excedentes de tesouraria obtidos. (…) Deste modo, os rendimentos de capitais auferidos pelo contribuinte só se forem obtidos no âmbito de uma actividade empresarial ou profissional, é que poderão ser considerados os proveitos e os gastos na actividade e incluídos na categoria “B”, não tendo o contribuinte no decurso da acção de inspecção comprovado tal situação. Pelo exposto, os rendimentos de dividendos, descritos e contabilizados no quadro II, bem como, todos os gastos associados a estes, descritos no ponto 3.1.2, não podem ser imputáveis à actividade exercida pelo SP “A” (Advocacia), pelo facto de não existir qualquer conexão com a actividade desenvolvida pelo contribuinte. Por conseguinte, as retenções na fonte referidas no quadro III do ponto 3.1.1 não serão consideradas no apuramento do imposto. 3.1.4 – Resumo das correcções Relativamente aos proveitos respeitantes aos rendimentos de capitais contabilizados pelo SP “A”, descritos no quadro II do ponto 3.1.1, no montante de € 38 845,00, deveriam ter sido deduzidos no campo 457, do anexo “C”. No que respeita aos gastos descritos no ponto 3.1.2, no montante global de € 2 911 012,10 (€ 1 758,38 + €2.909.253,85) deveriam ter sido acrescidos ao quadro 4 do anexo “C” no campo 438. (…) C) Da análise dos fundamentos do direito de audição (…) Por outro lado, o facto da AT não considerar os rendimentos e os gastos com os investimentos em acções na categoria B, nada tem a ver com a actividade exercida pelos SP´s, limitou -se sim a enquadrar os rendimentos na categoria correta, pois a natureza deste tipo de rendimentos é efectivamente rendimentos de capitais, havendo contudo a possibilidade de atraí-los para a categoria B nas condições referias anteriormente, o que não se verificou no decurso da acção de inspecção. (…) Salienta-se ainda o facto de que os investimentos efectuados pelos SP´s em acções, tratam-se de investimentos efectuados na bolsa de valores, através das corretoras. Estas podem ser entendidas como instituições financeiras, que operam no mercado de valores e títulos, comprando, vendendo e administrando esses valores como representantes dos investidores. São instituições típicas do mercado accionário, operando com a compra, venda e a distribuição de títulos de valores mobiliários por conta de terceiros, fazendo a intermediação com a bolsa de valores e de mercadorias. Neste contexto, os rendimentos auferidos com os rendimentos de acções, têm a natureza de rendimentos de capitais e não empresariais, enquadráveis na categoria E. Por tudo o exposto, o enquadramento dado aos rendimentos de dividendos afigura-se legítimo e correto, pelo que não se coloca em causa se estes rendimentos podem constituir actos de negócios ou empresariais, pois em sede de IRS, foi criada uma categoria específica para declarar tais rendimentos, que é a categoria E. No que respeita à utilização da mesma conta bancária para efectuar movimentos da conta pessoal dos contribuintes e da sua actividade profissional, ao contrário do que os SP´s alegam no direito de audição, não foi possível distinguir quais as rúbricas respeitantes à actividade profissional da esfera pessoal. Ainda para mais, o artigo 63º C da LGT menciona que os SP´s que disponham de contabilidade organizada estão obrigados a possuir uma conta bancária através da qual movimentem exclusivamente operações respeitantes à actividade profissional.(…) D) Da Conclusão (…) No que concerne à incompatibilidade entre a actividade de advocacia com o investimento em acções, invocado pelo SP´s, não houve qualquer presunção por parte da AT de que a actividade de advogado é fazer exclusivamente atos próprios, apenas limitou-se a considerar que os rendimentos de dividendos não são imputáveis à categoria B. (…) Deste modo, conclui-se que a autuação da AT, ao não considerar na categoria B os investimentos em acções não merece qualquer censura, pelo que, as correcções efectuadas afiguram-se corretas. [Cfr.doc. de fls. 48 a 102 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 13. Consta do relatório relativo ao ano de 2011, entre o mais: “(…)Verificamos que os sujeitos passivos (SP´s) consideraram indevidamente no âmbito da sua actividade profissional com contabilidade organizada, rendimentos de capitais (categoria “E”) sujeitos a retenção na fonte a taxas liberatórias, provenientes de dividendos de acções, bem como contabilizaram indevidamente gastos respeitantes a juros de empréstimos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros, não relacionados com a actividade desenvolvida pelos contribuintes e por conseguintes não aceites fiscalmente, nos termos dos artigos 18.º e 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas colectivas (CIRC), por remissão do artigo 32º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) (…) Imposto em falta 8.283,49 [Cfr. doc. de fls. 105 a 144 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 14. Consta do relatório relativo ao ano de 2012, entre o mais: (…) Verificamos que os sujeitos passivos (SP´s) consideraram indevidamente no âmbito da sua actividade profissional com contabilidade organizada, rendimentos de capitais (categoria “E”) sujeitos a retenção na fonte a taxas liberatórias, provenientes de dividendos de acções, bem como contabilizaram indevidamente gastos respeitantes a juros de empréstimos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros, não relacionados com a actividade desenvolvida pelos contribuintes e por conseguintes não aceites fiscalmente, nos termos dos artigos 18º e 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas colectivas (CIRC), por remissão do artigo 32º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) (…) Imposto em falta 5.273,69 [Cfr. doc. de fls.147 a 182 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 15. Em resultado das correcções efectuadas, em 25/07/2014 foi emitida a liquidação adicional com o nº.........................., relativa ao ano de 2010, com o montante a pagar de 3002,30€ [Cfr. doc. de fls. 102 dos autos, do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 16. Em resultado das correcções efectuadas, em 25/07/2014 foi emitida a liquidação adicional com o nº.........................., relativa ao ano de 2011, com o montante a pagar de 8630,73€ [Cfr. doc. de fls. 60 dos autos, do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. 17. Em resultado das correcções efectuadas, em 25/07/2014 foi emitida a liquidação adicional com o n.º.........................., relativa ao ano de 2012, com o montante a pagar de 3.383,36€ [Cfr. doc. de fls. 104 dos autos, do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]. Os factos provados assentam dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme consta de cada um dos pontos do probatório. Não se provaram outros factos com interesse para a decisão. Como testemunhas, foram arrolados e prestaram depoimento o filho dos impugnantes e o inspector tributário. Prestaram depoimento, eminentemente, sobre questões técnicas e conclusões de direito. O filho dos Impugnantes, economista e contabilista, referiu, entre o mais, que o pai é advogado e a mãe é médica. E que o pai exerce uma actividade empresarial paralela, que só a ele está afecta, desde 2000. Actividade essa que consiste na compra e venda de acções. O pai está enquadrado na contabilidade organizada, regime geral. As demonstrações financeiras, desde 2000, estão separadas. No regime de contabilidade organizada o pai inclui quer a actividade de advogado e os respectivos custos, quer os resultados da actividade de compra e venda de acções.» ** B. DO DIREITO Ø DA NULIDADE DA SENTENÇA A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC. O artigo 125.º do CPPT comina com a nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão e a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer. Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, com base no disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, nos termos da qual a sentença é nula quando « (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão». E isto porque, ainda segundo afirmam, é patente a falta de indicação dos factos não provados relevantes para a boa decisão da causa, e, por outro lado, ao não fazer uma análise crítica das provas, antes se limitando a remeter para «os documentos juntos aos autos», sem os relevar com os depoimentos testemunhais (cfr. artigo 607.º, nº 4, do CPC). Não merece controvérsia que esta nulidade abrange não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123.º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC). (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 7 ao artigo 127.º, pág. 906, fonte citada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21.01.2010, proferido no processo n.º 00623/08.6BEBRG - disponível no endereço http://www.gde.mj.pt/). Mais detidamente sobre o “exame crítico” das provas, disse o Supremo Tribunal de Justiça: «O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» (Acórdão de 16.02.2005, proferido no processo n.º 05P662, disponível em texto integral em www.dgsi.pt). Esta exigência legal de fundamentação da matéria de facto provada e não provada respeita à possibilidade de controlo da decisão do julgador, a viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua compreensibilidade pelos destinatários directos e da comunidade em geral, como elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação. No fundo, na necessidade de pormenorizar o processo lógico, racional e esclarecedor, por parte do julgador, que o levou a determinada solução, por forma a tornar a sua decisão controlável. Com efeito, é incontestável que as decisões judiciais devem ser fundamentadas, nomeadamente no plano dos factos; que a Constituição eleva a princípio constitucional a fundamentação das decisões judiciais (artigo 205º), e que a fundamentação desempenha simultaneamente uma função de demonstração da sua própria coerência, de persuasão dos destinatários e de possibilidade de controlo pelas partes e pelos tribunais superiores, mas também de legitimação do exercício do poder judicial. No caso, como se alcança da sentença, o Tribunal em sede de “fundamentação fáctica”, elencou quais os factos que considerou provados (com base em admissão por acordo e documentos), não deixando contudo de proceder à análise crítica dos depoimentos prestados. Reitera-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma. Assim, e sendo certo que, conforme tem sido entendido pacificamente na jurisprudência, apenas a absoluta falta de fundamentação que não a fundamentação deficiente ou incompleta constitui causa da referida nulidade, há, assim, que indeferir a invocada nulidade. Improcedendo nesta parte as conclusões do recurso. Ø IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Lisboa, 31 de Janeiro de 2019. [Ana Pinhol] [Jorge Cortês]
[Benjamim Barbosa] |