Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:266/14.9BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:01/31/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS
Sumário:I. Os rendimentos provenientes de dividendos, associados às carteiras de acções detidas pelo sujeito passivo constituem rendimentos da categoria E (Rendimentos de Capitais), por constituírem frutos de vantagens económicas, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, de natureza mobiliária, estando contemplados na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO

Nos presentes autos, vindos do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO FUNCHAL em que são recorrentes FAUSTO .............................................. e mulher MARIA .............................................. vem interposto recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, dos anos de 2010, 2011 e 2012 e coimas fiscais, tudo no montante global de 28.727,00€.

Os Recorrentes terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso tem por objecto a douta Sentença de fls. 150-159, que julgou a presente acção (impugnação judicial) improcedente e assim manteve na ordem jurídica os actos tributários de liquidação de IRS dos anos de 2010, 2011 e 2012, que constituíam o objecto da impugnação;

II. O presente recurso tem ainda como fundamentos específicos de recorribilidade:

- A nulidade da douta Sentença do Tribunal a quo resultante, por um lado, da falta de indicação dos factos não provados relevantes para a boa decisão da causa, que se invoca nos termos do artigo 615º, nº1, al. b), do CPC, e, por outro lado, ao não fazer uma análise crítica das provas, antes se limitando a remeter para “os documentos juntos aos autos”, sem os relevar com os depoimentos testemunhais (cfr. artigo 607º, nº 4, do CPC);

- O erro de julgamento, em virtude de (i) terem sido dados como assentes factos controversos – cfr. factos 12 a 14 da matéria de facto – e de (ii) não terem sido seleccionados outros factos relevantes para a boa decisão da causa, apesar de se encontrarem provados nos autos, indo assim impugnada a matéria de facto e pretendendo-se que seja reapreciada a prova gravada a fim de serem aditados novos factos à matéria assente;

- O erro de aplicação do Direito, por entendermos, s.m.o, que a douta Sentença fez uma errada interpretação e de aplicação do direito aplicável ao presente caso, mais precisamente do disposto nos artigos 3º, nº1, al. a) e 29º, do Código do IRS, assim como fez tabua rasa da invocada violação dos princípios constitucionalmente consagrados nos artigos 103º e 104º, da CRP, da legalidade, da boa-fé, da proporcionalidade, da justiça e da capacidade contributiva;

III. São, portanto, estes os fundamentos do recurso apresentado e que, na nossa modesta opinião, levam a que a douta Sentença seja substituída por outra que julgue a presente acção totalmente procedente, anulando-se os actos tributários objecto de impugnação, como é de inteira justiça;

IV. No que respeita à impugnação da matéria de facto, os Recorrentes entendem, desde logo, que os pontos 12 a 14 da matéria de facto devem ser eliminados, por não constituírem factos alegados pelas partes, nem factos provados, face à impugnação das liquidações e sua fundamentação, bem como por aplicação das regras de repartição do ónus da prova previstas no artigo 75º, da LGT e no artigo 100º, do CPPT;

V. Pelo contrário, entendem ainda os Recorrentes que devem ser aditados os seguintes novos factos à matéria de facto, os quais se encontram provados através dos documentos de fls. 48-63, 105-120, 147-165, do processo administrativo, dos documentos de fls. 69, 76 e 85 do processo principal, e do depoimento testemunhal de Pedro ...................., aos minutos 03:00, 08:20 e 16:31:

1. Nos anos de 2010 a 2012, o Impugnante – Fausto .............................................. – imputou à sua actividade profissional e assim registou na sua contabilizada, para efeitos de apuramento da matéria colectável, com recurso ao regime da contabilidade organizada, ao nível da Categoria B, do IRS, rendimentos auferidos pela distribuição de dividendos de acções, assim como contabilizou gastos inerentes a estes rendimentos, nomeadamente juros de empréstimos, imposto do selo, perdas por imparidade, entre outros;

2. O Impugnante – Fausto .............................................. – acumula a actividade profissional de advogado com a actividade de compra, venda e gestão de títulos de acções de empresas cotadas em mercados regulamentados, desde o ano 2000, registando na sua contabilidade organizada os ganhos e as despesas de ambas essas actividades, para efeitos de IRS;

3. Com respeito aos anos de 2010, 2011 e 2012, o Impugnante – Fausto .............................................. – era detentor de uma carteira de títulos das empresas “R....................”, “I....................”, “S....................”, “G....................”, “Z....................”, “S....................”, “B…” e “D....................”, no valor total de:

EUR 902.673, em 31.05.2010 (cfr. fls. 69)

EUR 873.631, em 31.05.2011 (cfr. fls. 76)

EUR 653.262, em 30.04.2012 (cfr. fls. 85)

4. Os referidos títulos foram adquiridos e devidamente registados na escrita organizada do Impugnante – Fausto .............................................. –, durante os últimos 15 anos, estando registados e reflectidos no Balanço do Impugnante que apresentava, na rúbrica do activo “Outros activos financeiros”, um saldo correspondente ao valor de aquisição de EUR 3.762.524,15; (cfr. fls. 50)

5. O balanço do Impugnante – Fausto .............................................. –, reportado a 31.12.2010, apresentava ainda um total do capital próprio de EUR 2.134.930, influenciado pelo valor da referida carteira de títulos e pelos ganhos e perdas da actividade de advocacia e de compra, venda e gestão de títulos; (cfr. fls. 50)

6. No referido balanço encontram-se ainda registados os activos fixos tangíveis, saldos de clientes e saldos de fornecedores inerentes à actividade de advocacia do Impugnante; (cfr. fls. 50)

7. Assim como na respectiva “Demonstração de Resultados” se encontram registados os ganhos e gastos inerentes à actividade de advocacia e de compra, venda e gestão da carteira de títulos; (cfr. fls. 49)

8. No ano de 2010, o Impugnante auferiu e registou na sua contabilidade organizada proveitos financeiros (dividendos de acções da referida carteira de títulos), no montante total de EUR 38.845, tendo ainda registado gastos associados aos dividendos de acções, nomeadamente com juros de financiamentos obtidos, perdas por imparidades e imposto do selo, no montante total de EUR 2.909.253,85; (cfr. fls. 48-63, do processo administrativo)

9. No ano de 2011, o Impugnante auferiu e registou na sua contabilidade organizada proveitos financeiros (dividendos de acções da referida carteira de títulos), no montante total de EUR 38.370, tendo ainda registado gastos associados aos dividendos de acções, nomeadamente com juros de financiamentos obtidos, perdas por imparidades e imposto do selo, no montante total de EUR 543.341,22; (cfr. fls. 105-120, do processo administrativo)

10. No ano de 2012, o Impugnante auferiu e registou na sua contabilidade organizada proveitos financeiros (dividendos de acções da referida carteira de títulos), no montante total de EUR 146.020, tendo ainda registado gastos associados aos dividendos de acções, nomeadamente com juros de financiamentos obtidos, perdas por imparidades e imposto do selo, no montante total de EUR 99.188,19; (cfr. fls. 147-165, do processo administrativo)

11. A escrita dos Impugnantes, nos anos de 2010, 2011 e 2012, foi devidamente organizada e executada, de acordo com as regras e procedimentos de normalização contabilística vigentes em Portugal;

VI. Finalmente, no que respeita às conclusões de direito, os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito ao entender que os rendimentos registados pelo Recorrente há mais de 15 anos consecutivos – i.e., dividendos e gastos associados –, relacionados com uma actividade de compra, venda e gestão de uma carteira de títulos / acções de empresas cotadas em bolsa, num valor superior a um milhão de euros, não são passíveis de ser englobados na “Categoria B”, do IRS, conforme determina o artigo 3º, n.º1, do respectivo Código;

VII. E ao confirmar a posição da autoridade tributária, que reclassificou esses rendimentos para a Categoria E, do IRS, fazendo “tábua rasa” a todo o histórico aceite pela própria Autoridade Tributária ao longo de mais de 15 anos, conseguiu, agora, com efeitos circunscritos aos anos de 2010 a 2012, eliminar o impacto fiscal dos gastos inerentes à referida carteira de títulos, relacionados com juros de financiamento, perdas por imparidades e imposto do selo, determinando que os Recorrentes sejam tributados pelo seu “rendimento bruto” obtido nestes três anos (2010 a 2012), ao invés de ter relevado o seu “rendimento líquido” ou “lucro real”, como seria correto e como seria e é da mais elementar justiça;

VIII. O que consubstancia, desde logo, uma violação do princípio da boa-fé por parte da Autoridade Tributária que, entre os anos de 2000 e 2009, aceita e reconhece o direito de o Recorrente adquirir, registar e sujeitar a tributação no âmbito da sua escrita organizada (Cat. B, do IRS), toda a sua carteira de títulos, respectivos ganhos e despesas associadas, abstendo-se sempre de fazer qualquer correcção fiscal, para, numa surpreendente aparição e sem sequer propor ou realizar alguma correcção à escrita organizada do Recorrente, se limitar a desconsiderar tais ganhos e despesas nos anos de 2010 a 2012, sujeitando a tributação os ganhos de acções, enquanto rendimentos da Categoria E, do IRS, permitindo que essas mesmas acções continuem afectadas à actividade empresarial do Recorrente!?

IX. Bem pelo contrário, os Recorrentes entendem que a opção de exercício de uma actividade empresarial tal como é o caso da compra, venda e gestão de uma carteira de títulos de acções configura uma opção pessoal e absolutamente legítima, no quadro da iniciativa privada, enquanto direito e liberdade de consagração constitucional; Actividade essa que se traduziu, como referiu a testemunha Pedro ...................., na análise e prospecção recorrente do mercado, na compra e venda de acções, exercendo tal actividade “diariamente, sistematicamente e de hora em hora”, afectando a essa actividade todos os seus recursos financeiros e uma grande parte do seu tempo diário e tendo um volume de negócio que chegou, inclusive, a superar os 15 milhões de euros, tornando assim este tipo de rendimentos predominantemente da Categoria B, do IRS;

X. Tudo isto conforme melhor fundamentado nas alegações acima apresentadas, concluindo-se que, a manutenção da decisão proferida pelo Tribunal a quo constituirá uma violação dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da justiça e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 103º, nº1, e 104º, nº1, da Constituição da República Portuguesa (CRP);

XI. Em conclusão, os Recorrentes entendem que a douta sentença de que se recorre padece de um erro de aplicação do Direito, consubstanciado na errada interpretação das normas previstas nos artigos 3º, nº1, al. a) e 29º, do Código do IRS, que, ao contrário da posição do Tribunal a quo, devem ser interpretados no sentido de a actividade desenvolvida pelo Recorrente, iniciada há mais de 15 anos, relacionada com a compra, venda e gestão de uma carteira de títulos compostos por acções de empresas cotadas em bolsa, e com recurso a financiamentos bancários, configurar o exercício de uma actividade empresarial e, assim, os respectivos rendimentos devem ser enquadrados e englobados como rendimentos da Categoria B, do IRS, para todos os efeitos legais;

XII. Devendo assim a douta Sentença ser substituída por outra que, com maior rigor de análise e de selecção de factos concretos e objectivos, e fazendo a melhor aplicação do direito aplicável ao presente caso, julgue a presente acção totalmente procedente, por provada, como é da mais elementar Justiça!

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida e proferindo-se douta decisão que, alterando a matéria de facto, julgue totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pelos ora Recorrentes e, nessa medida, determine a anulação dos respectivos actos tributários, com respeito pelos princípios da legalidade, boa-fé, proporcionalidade, justiça e capacidade contributiva, como é de elementar Justiça!»


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Notificada da admissão de recurso a FAZENDA PÚBLICA, contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

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Junto deste Tribunal Central Administrativo, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, emite douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Em face do conteúdo das conclusões das alegações dos Recorrentes, enquanto delimitadoras do objecto do recurso, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

I) nulidade da sentença por falta de fundamentação e exame crítico da prova, nos termos do artigo 125.º do CPPT e alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC;

II) impugnação da matéria de facto;

III) erro na interpretação e aplicação da alínea a), do n.º1 do artigo 3.º e artigo 29º, ambos do CIRS;

IV) violação dos princípios constitucionalmente consagrados nos artigos 103.º e 104º, da CRP, da legalidade, da boa-fé, da proporcionalidade, da justiça e da capacidade contributiva.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1. O Impugnante Fausto .............................................. (SP “A”), nos anos de 2010 a 2012, encontrava-se colectado na actividade “Advogados”, com o CIRS: 6010, enquadrado em sede de IRS no regime da contabilidade organizada por opção [acordo].

2. A Impugnante mulher (SP “B”) nos anos de 2010 a 2012, encontrava-se colectada na actividade “Médicos de outras especialidades”, com o CIRS: 7024, enquadrado em sede de IRS no regime da contabilidade organizada por opção [acordo].

3. Os impugnantes são casados, entre si, no regime de comunhão de adquiridos [acordo].

4. O Impugnante apresentou declaração de rendimentos para os exercícios 2010, 2011 e 2012 em 31/05/2011, 30/05/2012 e 31/05/2013, respectivamente. [Cfr. doc. de fls. do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

5. Por ordem de serviço nºOI...................., foi ordenada a inspecção aos Impugnantes, em sede em IRS do exercício de 2010 [Cfr. doc. de fls. 49 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

6. Por ordem de serviço n.ºOI...................., foi ordenada a inspecção aos Impugnantes, em sede em IRS do exercício de 2011 [Cfr. doc. de fls. 105 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

7. Por ordem de serviço n.ºOI...................., foi ordenada a inspecção aos Impugnantes, em sede em IRS do exercício de 2012 [Cfr. doc. de fls. 147 do processo instrutor junto (original), cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

8. Em 05/08/2013, os Impugnantes foram notificados para apresentar documentos comprovativos dos valores constantes nas declarações de rendimentos, modelo 3 de IRS. [Cfr. doc. de fls. 64 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

9. Em 07/02/2014, os Impugnantes apresentaram declarações de substituição para os períodos de 2010, 2011 e 2012.

10. Por ofícios datados de 14/03/2014, foram os Impugnantes notificados para exercerem o direito de audição prévia. [Cfr. doc. de fls. do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

11. Em sequência das referidas inspecções tributárias, foram elaborados relatórios finais que propuseram a correcção aos rendimentos dos impugnantes, [Cfr. doc. de fls. 48 a 182 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

12. Consta do relatório relativo ao ano de 2010, entre o mais:

(…)

Verificamos que os sujeitos passivos (SP´s) consideraram indevidamente no âmbito da sua actividade profissional com contabilidade organizada, rendimentos de capitais (categoria “E”) sujeitos a retenção na fonte a taxas liberatórias, provenientes de dividendos de acções, bem como contabilizaram indevidamente gastos respeitantes a juros de empréstimos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros, não relacionados com a actividade desenvolvida pelos contribuintes e por conseguintes não aceites fiscalmente, nos termos dos artigos 18.º e 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas colectivas (CIRC), por remissão do artigo 32.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)

(…)

Imposto em falta 7928,20

(…)

No âmbito do procedimento de inspecção (…) verificou-se que os SP`s praticaram diversas inexactidões na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2010.

(…)

O SP “A”, imputou à sua actividade profissional de advocacia, rendimentos de capitais auferidos pela distribuição de dividendos de acções, bem como, contabilizou todos os gastos inerentes a estes rendimentos, nomeadamente juros de empréstimos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros.

Verificamos ainda que os SP´s não dispõem de uma conta bancária exclusivamente afecta à sua actividade empresarial, com o registo dos movimentos de pagamentos e recebimentos, conforme estavam obrigados pelo artigo 63.º-C da Lei Geral Tributária (LGT).

Os SP´s foram notificados pessoalmente (…) para apresentar os documentos comprovativos dos valores constantes da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS do ano de 2010, bem como colocar à disposição o dossier fiscal designado na Portaria nº359/2000, de 20 de Junho e exigível nos termos do nº1 do artigo 130º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), extractos contabilísticos de todas as subcontas do razão e todos os documentos de suporte legalmente exigidos nos termos da alínea a) do nº2 e nº4 do artigo 123º do CIRC, por remissão do artº32º do CIRS, nomeadamente facturas, recibos e respectivos meios de pagamento (extratos bancários e cópias dos cheques/transferências bancárias), duplicados das declarações e guias comprovativos dos pagamentos de impostos;

Os SP´s cumpriram (…) mediante a apresentação de todos os elementos solicitados (…)

3.1. - Análise ao Anexo C do S P “A” – Actividade de Advocacia

(…) o contribuinte apurou no anexo “C” da atividade exercida de advocacia, um prejuízo fiscal no montante de € 2 883 904,35 (…) tendo-se verificado a nível dos proveitos e dos gastos as situações irregulares (…)

3.1.1 - Proveitos

O SP contabilizou proveitos financeiros na conta 7921 no montante global de € 38 845,00, respeitante a dividendos de acções (rendimentos de capitais), conforme quadro:

Quadro- II (Dividendos contabilizados)

    Conta
        Descrição
Valor Contabilizado
    ..................
        R...................................................
4 151,40
    .................
        B......................
2 660,00
    .................
        Z..........................
27 353,60
    .................
        D.............................
4 680,00
    Total
                38 845,00
O SP declarou (nos campos 808, 809 e 810, do quadro 8 do) anexo “C”, retenções na fonte a taxas liberatórias, associados aos rendimentos de dividendos de acções referidos no quadro anterior no montante global de € 7 769,00

(…)

Por consulta efetuada às obrigações acessórias, nomeadamente à declaração modelo 39 nº.................. (rendimentos e retenções a taxas liberatórias) declarado em nome do SP “A”, verificou que foram comunicados os seguintes rendimentos de capitais no ano de 2010:

Quadro - IV (Retenções de rendimentos de capitais - Modelo 39 do SP “A”) (Unidade: €)

Quadro - IV (Retenções de rendimentos de capitais - Modelo 39 do SP “A”) (Unidade: €)

    Enti dade Mobiliaria
    NIPC
    Código do Rendimento
Rendimento
    IRS Retido
    B.....................
    ...................
    Lucros e adiantamento de lucros
17 121,02
    3 424,20
    B......................
    ...................
    Rend. valores mobiliários devidos por não Residentes
2 340,00
    468,00
    B.....................
    ...................
    Juros de depósitos à ordem
471,14
    97,51
    Total
    ---
    -----
19 932,16
    3 989,71

Ainda por consulta efectuada às declarações emitidas pelas entidades que colocaram os rendimentos de dividendos à disposição do SP “A” no ano de 2010, verificamos que consta dessas declarações que foram pagas e retidas as seguintes importâncias:
    Entidade Mobiliária
NIPC
    Quantidade de Ações
    Dividendo Ilíquido
    Imposto

    Retido (20%)

    Dividendo Líquido
    B......................
...................
    140000
    2 660,00
    532,00
    2 128,00
    R..............
...................
    25160
    4 201,72
    840,34
    3 361,38
    Z.........................
...................
    170960
    27 353,60
    5 470,72
    21 882,88
    D.....................
-----
    6000
    4 680,00
    936,00
    3 744,00
    Total
---
    342120
    38 895,32
    7 779,06
    31 116,26

3.1.2 Gastos

(…) contabilização indevida de variados gastos com morada pessoal, no montante de €1.758,38, nomeadamente com honorários, conservação e reparação, ferramentas e utensílios, electricidade, rendas e telecomunicações. Constatamos ainda a contabilização de gastos associados aos dividendos de acções, nomeadamente com juros de financiamento obtidos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros, no montante global de €2.909.253,85.

Estes gastos não são aceites fiscalmente, pelo exposto no artigo 23º do CIRC, por remissão do artigo 32.º do CIRS, pois não são indispensáveis para a realização dos rendimentos ou manutenção da fonte produtora, isto é, na primeira situação trata-se de gastos pessoais fora do âmbito da atividade desenvolvida e, relativamente aos restantes gastos são imputáveis aos rendimentos da categoria “E” e não fraccionados para a categoria “B”:(…)

3.1.3 – Enquadramento dos Rendimentos de Capitais (dividendos) - Categoria “E”.

A questão que se coloca é saber se o investimento efectuado pelo SP nas carteiras de acções, enquanto rendimento de capitais, contemplada na alínea h) do nº2 do artigo 5º do CIRS, poderá ser atraído e imputado à atividade profissional exercida por este, e por conseguinte, tributado pelas regras da categoria “B”.

O SP exerce a actividade de advocacia tendo, no ano de 2010, declarado, um volume de prestações de serviço no montante de € 9.863,50. No entanto, declarou um prejuízo fiscal no montante de € 2.883.904,35. Verificamos de resto que este prejuízo declarado não esta relacionado com a actividade exercida pelo contribuinte, mas sim resultou de gastos relacionados com a carteira de acções que detém.

Ora, os rendimentos provenientes de dividendos de acções são considerados rendimentos de capitais, estando tipificados na aliena h) do nº2 do artigo 5º do CIRS. No entanto, o legislador veio introduzir a alínea b) do nº2 do artigo 3º do CIRS, dando a possibilidade dos rendimentos de capitais serem eventualmente imputáveis a uma actividade geradora de rendimentos profissionais ou empresariais, mas no caso de este tipo de rendimentos estarem em conexão com a actividade geradora de rendimentos da mesma natureza, ou seja, perante a actividade desenvolvida possibilitar o investimento em valores mobiliários, através dos excedentes de tesouraria obtidos.

(…)

Deste modo, os rendimentos de capitais auferidos pelo contribuinte só se forem obtidos no âmbito de uma actividade empresarial ou profissional, é que poderão ser considerados os proveitos e os gastos na actividade e incluídos na categoria “B”, não tendo o contribuinte no decurso da acção de inspecção comprovado tal situação.

Pelo exposto, os rendimentos de dividendos, descritos e contabilizados no quadro II, bem como, todos os gastos associados a estes, descritos no ponto 3.1.2, não podem ser imputáveis à actividade exercida pelo SP “A” (Advocacia), pelo facto de não existir qualquer conexão com a actividade desenvolvida pelo contribuinte. Por conseguinte, as retenções na fonte referidas no quadro III do ponto 3.1.1 não serão consideradas no apuramento do imposto.

3.1.4 – Resumo das correcções

Relativamente aos proveitos respeitantes aos rendimentos de capitais contabilizados pelo SP “A”, descritos no quadro II do ponto 3.1.1, no montante de € 38 845,00, deveriam ter sido deduzidos no campo 457, do anexo “C”. No que respeita aos gastos descritos no ponto 3.1.2, no montante global de € 2 911 012,10 (€ 1 758,38 + €2.909.253,85) deveriam ter sido acrescidos ao quadro 4 do anexo “C” no campo 438.

(…)

C) Da análise dos fundamentos do direito de audição

(…)

Por outro lado, o facto da AT não considerar os rendimentos e os gastos com os investimentos em acções na categoria B, nada tem a ver com a actividade exercida pelos SP´s, limitou -se sim a enquadrar os rendimentos na categoria correta, pois a natureza deste tipo de rendimentos é efectivamente rendimentos de capitais, havendo contudo a possibilidade de atraí-los para a categoria B nas condições referias anteriormente, o que não se verificou no decurso da acção de inspecção.

(…)

Salienta-se ainda o facto de que os investimentos efectuados pelos SP´s em acções, tratam-se de investimentos efectuados na bolsa de valores, através das corretoras. Estas podem ser entendidas como instituições financeiras, que operam no mercado de valores e títulos, comprando, vendendo e administrando esses valores como representantes dos investidores. São instituições típicas do mercado accionário, operando com a compra, venda e a distribuição de títulos de valores mobiliários por conta de terceiros, fazendo a intermediação com a bolsa de valores e de mercadorias.

Neste contexto, os rendimentos auferidos com os rendimentos de acções, têm a natureza de rendimentos de capitais e não empresariais, enquadráveis na categoria E.

Por tudo o exposto, o enquadramento dado aos rendimentos de dividendos afigura-se legítimo e correto, pelo que não se coloca em causa se estes rendimentos podem constituir actos de negócios ou empresariais, pois em sede de IRS, foi criada uma categoria específica para declarar tais rendimentos, que é a categoria E.

No que respeita à utilização da mesma conta bancária para efectuar movimentos da conta pessoal dos contribuintes e da sua actividade profissional, ao contrário do que os SP´s alegam no direito de audição, não foi possível distinguir quais as rúbricas respeitantes à actividade profissional da esfera pessoal. Ainda para mais, o artigo 63º C da LGT menciona que os SP´s que disponham de contabilidade organizada estão obrigados a possuir uma conta bancária através da qual movimentem exclusivamente operações respeitantes à actividade profissional.(…)

D) Da Conclusão

(…)

No que concerne à incompatibilidade entre a actividade de advocacia com o investimento em acções, invocado pelo SP´s, não houve qualquer presunção por parte da AT de que a actividade de advogado é fazer exclusivamente atos próprios, apenas limitou-se a considerar que os rendimentos de dividendos não são imputáveis à categoria B.

(…)

Deste modo, conclui-se que a autuação da AT, ao não considerar na categoria B os investimentos em acções não merece qualquer censura, pelo que, as correcções efectuadas afiguram-se corretas.

[Cfr.doc. de fls. 48 a 102 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

13. Consta do relatório relativo ao ano de 2011, entre o mais:

“(…)Verificamos que os sujeitos passivos (SP´s) consideraram indevidamente no âmbito da sua actividade profissional com contabilidade organizada, rendimentos de capitais (categoria “E”) sujeitos a retenção na fonte a taxas liberatórias, provenientes de dividendos de acções, bem como contabilizaram indevidamente gastos respeitantes a juros de empréstimos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros, não relacionados com a actividade desenvolvida pelos contribuintes e por conseguintes não aceites fiscalmente, nos termos dos artigos 18.º e 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas colectivas (CIRC), por remissão do artigo 32º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)

(…)

Imposto em falta 8.283,49

[Cfr. doc. de fls. 105 a 144 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

14. Consta do relatório relativo ao ano de 2012, entre o mais:

(…) Verificamos que os sujeitos passivos (SP´s) consideraram indevidamente no âmbito da sua actividade profissional com contabilidade organizada, rendimentos de capitais (categoria “E”) sujeitos a retenção na fonte a taxas liberatórias, provenientes de dividendos de acções, bem como contabilizaram indevidamente gastos respeitantes a juros de empréstimos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros, não relacionados com a actividade desenvolvida pelos contribuintes e por conseguintes não aceites fiscalmente, nos termos dos artigos 18º e 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas colectivas (CIRC), por remissão do artigo 32º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)

(…)

Imposto em falta 5.273,69

[Cfr. doc. de fls.147 a 182 do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

15. Em resultado das correcções efectuadas, em 25/07/2014 foi emitida a liquidação adicional com o nº.........................., relativa ao ano de 2010, com o montante a pagar de 3002,30€ [Cfr. doc. de fls. 102 dos autos, do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

16. Em resultado das correcções efectuadas, em 25/07/2014 foi emitida a liquidação adicional com o nº.........................., relativa ao ano de 2011, com o montante a pagar de 8630,73€ [Cfr. doc. de fls. 60 dos autos, do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

17. Em resultado das correcções efectuadas, em 25/07/2014 foi emitida a liquidação adicional com o n.º.........................., relativa ao ano de 2012, com o montante a pagar de 3.383,36€ [Cfr. doc. de fls. 104 dos autos, do processo instrutor junto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

Os factos provados assentam dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme consta de cada um dos pontos do probatório.

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.

Como testemunhas, foram arrolados e prestaram depoimento o filho dos impugnantes e o inspector tributário. Prestaram depoimento, eminentemente, sobre questões técnicas e conclusões de direito.

O filho dos Impugnantes, economista e contabilista, referiu, entre o mais, que o pai é advogado e a mãe é médica. E que o pai exerce uma actividade empresarial paralela, que só a ele está afecta, desde 2000. Actividade essa que consiste na compra e venda de acções. O pai está enquadrado na contabilidade organizada, regime geral. As demonstrações financeiras, desde 2000, estão separadas. No regime de contabilidade organizada o pai inclui quer a actividade de advogado e os respectivos custos, quer os resultados da actividade de compra e venda de acções.»


**

B. DO DIREITO

Ø DA NULIDADE DA SENTENÇA

A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC.

O artigo 125.º do CPPT comina com a nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão e a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, com base no disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, nos termos da qual a sentença é nula quando « (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

E isto porque, ainda segundo afirmam, é patente a falta de indicação dos factos não provados relevantes para a boa decisão da causa, e, por outro lado, ao não fazer uma análise crítica das provas, antes se limitando a remeter para «os documentos juntos aos autos», sem os relevar com os depoimentos testemunhais (cfr. artigo 607.º, nº 4, do CPC).

Não merece controvérsia que esta nulidade abrange não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123.º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC). (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 7 ao artigo 127.º, pág. 906, fonte citada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21.01.2010, proferido no processo n.º 00623/08.6BEBRG - disponível no endereço http://www.gde.mj.pt/).

Mais detidamente sobre o “exame crítico” das provas, disse o Supremo Tribunal de Justiça: «O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» (Acórdão de 16.02.2005, proferido no processo n.º 05P662, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Esta exigência legal de fundamentação da matéria de facto provada e não provada respeita à possibilidade de controlo da decisão do julgador, a viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua compreensibilidade pelos destinatários directos e da comunidade em geral, como elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação. No fundo, na necessidade de pormenorizar o processo lógico, racional e esclarecedor, por parte do julgador, que o levou a determinada solução, por forma a tornar a sua decisão controlável.

Com efeito, é incontestável que as decisões judiciais devem ser fundamentadas, nomeadamente no plano dos factos; que a Constituição eleva a princípio constitucional a fundamentação das decisões judiciais (artigo 205º), e que a fundamentação desempenha simultaneamente uma função de demonstração da sua própria coerência, de persuasão dos destinatários e de possibilidade de controlo pelas partes e pelos tribunais superiores, mas também de legitimação do exercício do poder judicial.

No caso, como se alcança da sentença, o Tribunal em sede de “fundamentação fáctica”, elencou quais os factos que considerou provados (com base em admissão por acordo e documentos), não deixando contudo de proceder à análise crítica dos depoimentos prestados.

Reitera-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma.

Assim, e sendo certo que, conforme tem sido entendido pacificamente na jurisprudência, apenas a absoluta falta de fundamentação que não a fundamentação deficiente ou incompleta constitui causa da referida nulidade, há, assim, que indeferir a invocada nulidade.

Improcedendo nesta parte as conclusões do recurso.

Ø IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nas alegações e respectivas conclusões do recurso que os Recorrentes interpõem, pedem, entre o mais, a reapreciação da matéria de facto, pugnando para que este Tribunal Central Administrativo elimine da matéria de facto provada os pontos 12 a 14, por não constituírem factos alegados pelas partes, nem factos provados e por outro lado que seja aditada, ao conjunto de factos assentes, a materialidade que expressamente indica, no ponto V. das Conclusões, que diz suportada nos documentos de fls. 48-63, 105-120, 147-165, do processo administrativo, dos documentos de fls. 69, 76 e 85 do processo principal, e do depoimento testemunhal de Pedro ...................., aos minutos 03:00, 08:20 e 16:31:
Como nota introdutória, importa clarificar, tal como já afirmámos no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 23.04.2015, proferido no processo n.º 4223/10, quando ao valor probatório do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), cabe notar que o artigo 76º nº 1 da LGT aponta que «(…) as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei», sendo que o artigo 115º nº 2 do CPPT dispõe que «as informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos», respeitando a aludida fundamentação a elementos objectivos e exteriores que comprovam as asserções produzidas pela inspecção tributária. (Neste sentido vide, Acórdão do TCA Sul de 26.06.2014 proferido no processo n.º 07148/13 e Acórdão do TCA Norte de 14.07.2014, proferido no processo n.º 02390/09, ambos disponíveis no endereço www.dgsi.pt)
E, como se ditou no primeiro dos acórdãos citados: «(…)o valor probatório do relatório de inspecção está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório, sob pena de directa violação do art.º 20.º, n.º 4, da CRP, que postula um processo judicial tributário equitativo e subordinado a critérios de legalidade (due process of law), o que requer plena igualdade de armas entre ambas as partes, como de resto é reconhecido pelo art.º 98.º da LGT.
Actuado esse princípio e não sendo o relatório impugnado, este passa a ter força probatória plena. Sendo impugnado o que sucede?
Valem para esta situação as judiciosas palavras de Manuel de Andrade: “Se a parte a quem incumbe o ónus probandi fizer prova de per si suficiente (prova principal) o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa). Não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva); cfr. artigo 346.º do Código Civil”»
Baixando agora ao caso concreto, o que claramente verificamos é que o facto de o Tribunal levar ao probatório o Relatório de Inspecção, não significa que os factos descritos ou alegados naquela declaração se mostrem provados.
Pelo que, o teor da declaração corporizada no Relatório de Inspecção levado aos pontos 12 a 14 do probatório deve ser aferido da prova tenha sido realizada.
Efectivamente, ainda que se pudesse conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, o que se admite por necessidade de raciocínio, então ela não poderia ser alterada uma vez que nenhuma prova foi apresentada pelo Recorrente que impusesse decisão diversa da proferida na sentença recorrida.
Assim sendo, deverá ser indeferida a pretendida eliminação da matéria fr facto constante nos pontos 12 e 14 da matéria assente.
Os Recorrentes impugnam ainda a decisão da matéria de facto, tal como já afirmámos, indicando para fundamentar a pretendida alteração os meios probatórios, constantes do processo administrativo documentos de fls. 48-63, 105-120, 147-165, documentos fls. 69, 76 e 85 dos autos e depoimento prestado pela Testemunha, Pedro .................... (cujo depoimento identificou aos minutos 03:00, 08:20 e 16:31).
Ora em primeira linha cumpre assinalar que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, bem assim, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cfr. artigo 640.º do CPC)
Na situação concreta, a simples leitura da alegação dos Recorrentes permite concluir, com toda a evidência, que foram integralmente cumpridos os ónus referidos no aludido preceito. Com efeito, como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões, os Recorrentes deram i cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 alíneas a), b) e c) do CPC, pois que fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgado, indicando-se, os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados, a decisão que no seu entender deveria sobre ele ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (cfr.nº 2 al. a) do citado normativo).
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, vejamos, o que se nos oferece dizer acerca da impugnação da matéria de facto neste particular segmento.
Percorrendo a “alegada” factualidade que os Recorrentes pretendem ver aditada, de imediato se constata que o teor do ponto 11 (A escrita dos Impugnantes, nos anos de 2010, 2011 e 2012, foi devidamente organizada e executada, de acordo com as regras e procedimentos de normalização contabilística vigentes em Portugal) é constituído por evidentes juízos conclusivos.
Ora, como é sabido a decisão sobre a matéria de facto deve incidir sobre factos. É certo que, como refere ALBERTO AUGUSTO VICENTE RUÇO não obstante a referência constante nas leis processuais a factos, estas não definem o que são os factos. Mas, continua este autor: «No entanto, quando aludimos a factos, o senso comum, diz-nos que nos referimos a algo que aconteceu ou está acontecendo na realidade que nos envolve e percecionamos.» (Prova e Formação da Convicção do Juiz”, Almedina-Coletânea de Jurisprudência”, 2016, pág. 55).
Neste quadro, improcede o aditamento identificado no ponto 11. da Conclusão V. No que concerne aos pontos 1, 3, 8, 9 e 10 por constarem do Relatório de Inspecção Tributária reflectido em C. e D. do probatório. E, sendo assim como é, nada justificando o pretendido aditamento. Quanto ao ponto 2 «O Impugnante – Fausto .............................................. – acumula a actividade profissional de advogado com a actividade de compra, venda e gestão de títulos de acções de empresas cotadas em mercados regulamentados, desde o ano 2000, registando na sua contabilidade organizada os ganhos e as despesas de ambas essas actividades, para efeitos de IRS;» (sublinhado nosso), não pode integrar a matéria de facto, por intimamente ligado com o objectivo dos autos, pois que, o cerne da questão consistir em determinar se o Recorrente para alem da actividade profissional de advogado exerce uma actividade empresarial. Com efeito, « (…) devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo» (Abrantes Geraldes, in "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, Coimbra, 1997, pág. 138).
Por último, quanto aos pontos 5, 6 e 7 não se justifica, por não revestir qualquer utilidade, a ampliação da decisão de facto pretendida e quanto ao ponto 4 constitui um juízo conclusivo (devidamente registados).
Improcede, nesta parte o recurso.
Estabilizada matéria de facto, cabe agora enfrentar as restantes questões concretas controvertidas que deixamos enunciadas em III) e IV).
No âmbito da acção de inspecção levada a efeito aos Impugnantes (aqui Recorrentes) com incidência nos anos de 2010 a 2012. Verificaram os Serviços de Inspecção que fora imputado à actividade profissional de advocacia exercida pelo Recorrente os rendimentos de capitais auferidos pela distribuição de dividendos de acções, bem como a contabilização de todos os gastos inerentes a estes rendimentos, nomeadamente juros de empréstimos, perdas por imparidades, imposto de selo, entre outros. Na sequência das correcções efectuadas foram emitidas, em sede de IRS as liquidações sindicadas.
Entendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que « (…) a alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º do CIRS, dá a possibilidade dos rendimentos de capitais serem eventualmente imputáveis a uma atividade geradora de rendimentos profissionais ou empresariais, mas no caso de este tipo de rendimentos estarem em conexão com a atividade geradora de rendimentos da mesma natureza, ou seja perante a atividade desenvolvida possibilitar o investimento em valores mobiliários, através dos excedentes de tesouraria obtidos.
Deste modo, os rendimentos de capitais auferidos pelo contribuinte só se forem obtidos no âmbito de uma atividade empresarial ou profissional, é que poderão ser considerados os proveitos e os gastos na atividade e incluídos na categoria “B”.
E o contribuinte não comprovou tal situação. O que declarou e o que refere é que exerce a atividade de advocacia.».
Com suporte à fundamentação transcrita, o Tribunal a quo, decidiu que «(…) os proveitos contabilizados com as carteiras de ações, descritos e contabilizados nos relatórios de inspeção tributária, não podem ser imputáveis à atividade exercida pelo Impugnante, de advocacia, pelo facto de não existir qualquer conexão com a atividade desenvolvida pelo contribuinte. Ou com a atividade da sua mulher. E, assim, as retenções na fonte efetuadas, não serão consideradas no apuramento do imposto.».
Contudo, é entendimento dos Recorrentes que a tese daquele Tribunal não pode colher. Com efeito, como resulta da leitura das alegações de recurso e respectivas é firme entendimento dos Recorrentes, no sentido de que a sentença sob recurso incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito ao entender que os rendimentos registados por si há mais de 15 anos consecutivos relacionados com uma actividade de compra, venda e gestão de uma carteira de títulos / acções de empresas cotadas em bolsa, num valor superior a um milhão de euros, não são passíveis de ser englobados na “Categoria B”, do IRS.
Desde já se diga, antecipando a decisão, que não tem razão.
Vejamos de perto as razões porque assim entendemos.
A incidência da “Categoria B” vem definida nos artigos 3.º, e 4.º do CIRS.
De acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 3.º do CIRS (Rendimentos da categoria B) consideram-se rendimentos empresariais e profissionais os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária. E, no nº 2 daquele preceito legal, domina, um princípio de atracção ou de predominância da categoria B (ficam abrangidos nesta categoria rendimentos previstos noutras categorias, desde que esses mesmos rendimentos sejam conexos com a actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola, pecuária ou profissional, pelo que o lucro para este efeito relevante assentará no resultado global daquela actividade empresarial, perdendo, portanto, autonomia os diversos tipos de proveitos que contribuem para a respectiva formação) que segundo JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO constitui a característica especial desta categoria. (Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 169). O mesmo autor afirma, mais adiante: «No dizer de Manuel Faustino, que escolheu antes a designação “ preponderância “ para qualificar esta particular característica dos rendimento “empresariais”, o fenómeno traduz-se na atracção pelas categorias empresariais “ de rendimentos que, em rigor, noutras deveriam integrar-se. (…) A preponderância significa pois que todos os rendimento, de todas as naturezas, que se possam imputar à actividade profissional ou empresarial acabam por ser qualificados como rendimentos da categoria, integrando-se na respectiva conta de exploração para efeitos de cálculo do lucro tributável que constitui, em principio, a matéria tributável da categoria » (ob.cit. págs.169 e 170) .
Por seu turno, o artigo 29.°, n.º 1 do CIRS, dispõe «Na determinação do rendimento só são considerados proveitos e custos os relativos a bens ou valores que façam parte do activo da empresa individual do sujeito passivo ou que estejam afetos às actividades empresariais e profissionais por ele desenvolvidas».
O legislador considerou, pois que na determinação do rendimento dos sujeitos passivos só dão origem aos proveitos e custos os bens que estiverem afectos as actividades empresariais e comerciais desenvolvidas ou que façam parte do activo imobilizado da empresa ou estabelecimento individual, nunca os bens pessoais do contribuinte, que fazem parte do seu património familiar.
Uma última nota, para referir que o artigo 5.º, n.º1 do CIRS define rendimentos de capitais do seguinte modo: «Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.» noção que foi aditada ao CIRS pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12.
Por outro lado, é inequívoco, que os rendimentos provenientes de dividendos, associados às carteiras de acções detidas pelo sujeito passivo constituem rendimentos da categoria E (Rendimentos de Capitais), por constituírem frutos de vantagens económicas, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, de natureza mobiliária, estando contemplados na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.
No entanto, não nos podemos aqui esquecer que estes rendimentos poderão ser atraídos e imputados à actividade profissional/empresarial exercida pelos sujeitos passivos, por força do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º do CIRS, no caso de serem imputáveis a uma actividade geradora de rendimentos profissionais ou empresariais e estes rendimentos estarem em conexão com a actividade geradora de rendimentos da mesma natureza, ou seja perante a actividade desenvolvida possibilitar o investimento em valores mobiliários, através dos excedentes de tesouraria obtidos.
Existindo contabilidade organizada, há uma obrigação de explícita separação patrimonial, que habilite a determinar quando um rendimento de capital é imputável a actividade geradora de rendimentos profissionais e empresariais.
No caso vertente, conforme resulta do probatório, nos anos de 2010 a 2012, o Recorrente encontrava-se colectado na actividade “Advogados”, com o CIRS: 6010, enquadrado em sede de IRS no regime da contabilidade organizada por opção [1. do probatório] e sua mulher na actividade “Médicos de outras especialidades”, com o CIRS: 7024, enquadrado em sede de IRS no regime da contabilidade organizada por opção [2. do probatório].
Daí que, não tendo ficado demonstrado que os questionados rendimentos de capitais foram obtidos no âmbito de uma actividade empresarial ou profissional, não podem ser considerados os proveitos (rendimentos de dividendos) e os gastos associados incluídos na Categoria “B”.
Assim sendo, como bem decidiu a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo os rendimentos de dividendos e gastos associados não podem ser imputáveis à actividade (de advocacia) exercida pelo Recorrente, atenta a ausência de qualquer conexão com a actividade desenvolvida.
Chegados aqui, verifica-se que o Tribunal recorrido qualificou correctamente os factos provados, pelo que improcedem nesta parte respectivas as conclusões de recurso.
Por outro lado, não se entende, contrariamente ao alegado, que a interpretação adoptada seja violadora dos princípios da legalidade, da justiça, da capacidade contributiva, ou sequer da proporcionalidade.
Senão vejamos.
O Princípio da legalidade concretizado no dever de a Administração Tributária actuar em obediência à lei e ao Direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos (cfr.artigo 266.º nº.2, da CRP e artigo 55.º, da LGT), não pode deixar de se considerar respeitado no caso concreto pelos fundamentos anteriormente escritos.
Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, « (…) o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que "a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto". E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cfr. o acórdão 187/2013 e a jurisprudência aí citada)( Acórdão n.º 197/2016, de 3 de Abril, disponível em texto integral em www.tribunalconstitucional.pt).
E adverte JOSÉ CASALTA NABAIS, «[c]onfigurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é, pois, o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva "constituição fiscal" e não qualquer outro. » (Manual de Direito Fiscal, cit., pág. 153). Constitui, assim, o pressuposto, o limite e o critério da tributação (SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, cit., pág. 296)
Também este Tribunal Central Administrativo tem enveredado pelo mesmo entendimento, no sentido de que o Princípio da Capacidade Contributiva «Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exacção do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to spend). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical). Outro dos corolários deste princípio é precisamente a tributação do rendimento líquido do contribuinte, de onde deflui uma exigência de dedução das despesas necessárias à angariação do próprio rendimento (cfr.acórdão do T.Constitucional 601/2004, de 12/10/2004, proc.793/03; acórdão do T.Constitucional 197/2013, de 9/04/2013, proc.602/12; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.227 e seg.). ( Acórdão de 27.10.2016, proferido no processo n.º 7347/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Pois bem, no caso, a questionada correcção encontra-se suficientemente justificada, visto que, os rendimentos auferidos com os dividendos de acções, têm a natureza de rendimentos de capitais e não empresariais, enquadráveis na categoria E.
Não haverá, como se conclui pelo que fica dito, a invocada violação dos princípios da justiça, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
Por outro lado, também se não pode retirar dos autos, a apontada violação ao Princípio da Boa Fé, que na óptica dos Recorrentes se verifica, porquanto, a Administração Tributária « (…) entre os anos de 2000 e 2009, aceita e reconhece o direito de o Recorrente adquirir, registar e sujeitar a tributação no âmbito da sua escrita organizada (Cat. B, do IRS), toda a sua carteira de títulos, respectivos ganhos e despesas associadas, abstendo-se sempre de fazer qualquer correcção fiscal, para, numa surpreendente aparição e sem sequer propor ou realizar alguma correcção à escrita organizada do Recorrente, se limitar a desconsiderar tais ganhos e despesas nos anos de 2010 a 2012, sujeitando a tributação os ganhos de acções, enquanto rendimentos da Categoria E, do IRS, permitindo que essas mesmas acções continuem afectadas à actividade empresarial do Recorrente!?» [ Conclusão VIII].
Ora, como a jurisprudência tem afirmado « (…) é inquestionável a aplicação do princípio da boa-fé em sede da actividade administrativa tributária, (…), sendo que pese embora esse princípio não esteja expressamente referido no art. 55.º da Lei Geral Tributária, a sua aplicabilidade resulta, em primeira linha, do disposto no art. 266.º da Constituição da República (…)» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.02.2012, proferido no processo n.º 089/12, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Tal princípio (da boa fé) é concretizado em dois subprincípios sendo um deles o da tutela da confiança legítima que «(...) se traduz na impossibilidade de a administração ou o contribuinte poderem mudar o critério da sua actuação de forma injustificada. Este subprincípio tem como pressupostos a existência de uma situação de confiança subjectiva, devidamente justificada e fundamentada em elementos objectivos, com investimento dessa confiança no desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas» (José Maria Fernandes e outros, in "Lei Geral Tributária" anotada, Almedina, 2015, pp. 602). Contudo, «(…) só haverá lugar à tutela da confiança do contribuinte na actuação da Administração de acordo com os ditames da boa fé quando o princípio da legalidade seja assegurado. Ou seja, não será merecedora de tutela a confiança suscitada nos contribuintes de uma determinada actuação ilegal da Administração. Assim, por exemplo, caso a Administração Tributária proceda todos os anos a inspeções tributárias à mesma empresa, admitindo sempre como custo determinada despesa, no ano em que alterar esta decisão, considerando que a mesma despesa não pode ser admitida como custo, há que determinar se a actuação anterior da Administração era legal ou não. Isto é, se a Administração ao considerar aquela despesa como custo estava a actuar no cumprimento da lei, não há dúvida que o contribuinte poderá invocar a ilegalidade da correção por vício de violação de lei e não por contrariedade com o princípio da boa fé. Pelo contrário, se a Administração estava a actuar ilegalmente ao considerar aquelas despesas como custos, o contribuinte não poderá invocar o princípio da boa fé, exigindo que a Administração continue a proceder de forma ilegal. O princípio da legalidade limita assim o princípio da boa-fé e da tutela da confiança dos contribuintes» (Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade in "Contencioso Tributário", Almedina 2017, Vol. I, pp. 163 e 164).
Isto tudo significa que a circunstância de a Administração Tributária não ter procedido em anos anteriores à análise das declarações de rendimentos do Recorrente e ter procedido a subsequentes correcções o princípio da confiança não tem força invalidante no caso, pois que, como já como já deixamos referido e aqui reiteramos, aquela exerceu a sua função subordinada ao princípio da legalidade.
Em razão de tudo quanto atrás se afirmou, improcede o recurso.

IV.CONCLUSÕES
I. Os rendimentos provenientes de dividendos, associados às carteiras de acções detidas pelo sujeito passivo constituem rendimentos da categoria E (Rendimentos de Capitais), por constituírem frutos de vantagens económicas, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, de natureza mobiliária, estando contemplados na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.

V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo dos Recorrentes.


Lisboa, 31 de Janeiro de 2019.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Benjamim Barbosa]