Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2437/07.5BELSB |
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Secção: | CTV |
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Data do Acordão: | 11/10/2022 |
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Relator: | MARIA CARDOSO |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL FUNDAMENTOS ILEGALIDADE DO ACTO TRIBUTÁRIO FUNDAMENTOS NÃO INVOCADOS NA IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA |
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Sumário: | I - Decorre do teor do artigo 99.º do CPPT que é admitido como fundamento de impugnação qualquer ilegalidade que afecte a validade ou existência do acto, não se fazendo qualquer restrição relativamente aos vícios do acto de liquidação que podem ser invocados. II - Não resulta da lei que a impugnação judicial fique condicionada ou limitada aos fundamentos invocados nos meios graciosos. III - Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre recurso hierárquico interposto do indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra liquidação de IRC, podem e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substancia que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as Juízas que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - RELATÓRIO
1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 13/07/2020, que julgou procedente a impugnação apresentada por BANCO E....... S.A., contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.º …..037, referente ao exercício de 1999, no montante de € 90.231,83. 2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial, que teve por objeto a liquidação adicional de IRC n.º ….037, referente ao exercício de 1999, no montante de €90.231,83. B. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice, porque entendemos atendendo a factualidade dada como provada na decisão ora em crise – factualidade essa que a Fazenda Pública não coloca em questão mas apenas se insurge pela apreciação efetuada pela Tribunal a quo – é entendimento da Representação da Fazenda Pública que, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, o Ilustre Tribunal “a quo” não poderia concluir pela improcedência da Impugnação sobre a liquidação adicional de IRC em apreço, e anulando-a com as legais consequências, C. Ora, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, veio a Impugnante apresentar o libelo conhecido, em que para além de vir novamente atacar com o fundamento sobre a não constar na lei a exigência de despachos superiores de autorização, assim como da necessidade de proceder a identificação das entidades com quem as despesas de representação foram suportadas, começa por vir alocar, nos seus art.11.º e 12.º da petição, um novo argumento sobre a análise dos documentos efetuada pela Autoridade Tributária ter sido por amostragem, o que constitui uma ilegalidade. D. Portanto, verificamos que a Impugnante vem impugnar o ato de indeferimento do recurso hierárquico, que decorre do indeferimento da reclamação graciosa, com um fundamento que extravasa o ato administrativo em matéria tributária, ora impugnando. E. O quid coloca-se na questão invocada sobre a amostragem, como fundamento de impugnação do ato de indeferimento do recurso hierárquico. F. Assim, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, para além de decorrer de toda uma tramitação contencioso-administrativa, constitui um balizamento do ato em si mesmo, ou seja, a decisão poderá ser atacada quanto as suas vicissitudes formais e quanto às questões de mérito, apenas sobre as quais recaiu a apreciação administrativa e se consolidou a decisão, como ato administrativo em matéria tributária. G. O objeto mediato não pode sobrepor-se ao objeto imediato, e dessa forma uma impugnação assente no objeto imediato, não pode ab initio servir para o Impugnante atacar o objeto mediato, assim como, não pode a apreciação jurisdicional recair única e exclusivamente sobre essa alegação quando ao objeto mediato. H. Caso assim fosse aceitável, e como não destrinçou o Tribunal a quo, estamos a permitir que ao abrigo do prazo de impugnação para a decisão do recurso hierárquico vir a Impugnante apresentar uma impugnação com fundamentos que em nada contendem com o ato que lhe abriu as portas ao seu presente impulso impugnatório, I. O que espelha um aproveitamento processual para vir invocar algo, de forma extemporânea, que nunca o fez, que não é referente aos critérios da aceitação das despesas de representação e dos requisitos da demonstração da sua indispensabilidade, e acima de tudo, que não contende com o ato que impugna! J. Dessa forma, a alegação em torno da amostragem não poderá a ser assentida na presente impugnação judicial, por constitui uma nova alegação que extravasa o procedimento administrativo, e por não integrar o próprio ato administrativo em matéria tributária, que ficou balizado aos fundamentos que foram sendo apresentados e contraditados pela Impugnante e pela Autoridade Tributária, K. Podendo apenas o Tribunal a quo apreciar os fundamentos impugnatórios que estejam relacionados com o ato administrativo em matéria tributária, vulgo, decisão de indeferimento da Recurso hierárquico. L. Por isso, é que o ato administrativo, na sua órbitra garantística, a sua fundamentação visa assegurar a formação legal da vontade da administração e garantir os direitos dos cidadãos, possibilitando o exercício do controlo em via de recurso, seja este administrativo ou judicial. M. Nessa senda, na análise jurisdicional, a impugnação só pode apreciada à luz do que compõe o ato administrativo em matéria tributária, vulgo despacho de indeferimento do recurso hierárquico. N. Tudo o que extravase este ato, jamais pode ser apreciado e atendido pelo Tribunal, ao invés do caminho trilhado pelo Tribunal a quo, e acrescido de ter decidido pela procedência da impugnação apenas com base na sua apreciação sobre amostragem. O. Por tudo o que ficou exposto, e tendo por base os factos dados como provados na douta sentença recorrida, teremos necessariamente que concluir que o alegado sobre a amostragem não poderia ter sido apreciado por ser uma novação dos fundamentos, por não estar relacionado com os critérios de apreciação das despesas de representação e os requisitos da indispensabilidade como custo, e acima de tudo, de não integrar o ato administrativo em matéria tributária, vulgo despacho de indeferimento do recurso hierárquico, em que assenta o impulso impugnatório, objeto da decisão jurisdicional, que ora se recorre. P. Portanto, pelas razões elencadas, nas suas várias perspetivas, entendemos que mal andou o douto Tribunal “a quo”, com o devido respeito, incorrendo em erro de julgamento, ao apreciar o argumento sobre a amostragem e vir a considerar que não estão reunidos os pressupostos legais para a desconsideração dos custos com despesas de representação, porque, em suma, esse não era o objeto do ato administrativo impugnado, vulgo, despacho de indeferimento do recurso hierárquico. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!» 3. O Recorrido, Banco E......., S.A., cuja posição processual passou a ser ocupada pelo N......., S.A. em razão da Medida de Resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao Banco E….., S.A., nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 145º-C (atual artigo 145.º-E) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: «1ª) A AT não aceitou como custo fiscal despesas de representação incorridas e, como tal contabilizadas, pela ora recorrida; 2ª) A AT fundamentou essa não aceitação numa análise por si feita, por “amostragem” dessas despesas de representação, tendo concluído que a “maioria” dessas despesas assim analisadas, não cumpririam os requisitos estabelecidos no CIRC para a sua aceitação como custo; 3ª) Como é dito na douta sentença recorrida, não tendo a AT aplicado métodos indirectos de determinação do rendimento colectável, não podia a AT validar os valores contabilizados a título de despesas de representação a partir de uma verificação por amostragem, nem o poderia fazer com base numa consideração genérica de que a “maioria” dos documentos não cumpririam os requisitos legais; 4ª) E como se reafirma na douta sentença recorrida, a AT “para proceder à correcção aferida teria de analisar todos e cada um dos documentos que suportavam os custos que pretendiam desconsiderar”; 5ª) Bem vistas as coisas, a Fazenda Pública, no seu recurso, não contesta este entendimento da sentença; 6ª) A Fazenda Pública no recurso considera ser ilegal a apreciação feita pela sentença desta questão da verificação por amostragem, porque ela não foi suscitada pelo contribuinte, nem na reclamação graciosa, nem no recurso hierárquico, mas apenas na impugnação judicial; 7ª) Ora, quer a jurisprudência (entre outros, Acórdão do STA de 18/5/2011, Processo nº 0156/11 e Acórdão do Pleno da Secção do STA de 3/6/2015, Processo nº 793/14 e do TCASul de27/4/2017, Processo nº 08958/15) quer a doutrina (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, Vol. II, p. 127) são muito claros na consideração de que na impugnação se podem invocar vícios do acto de liquidação que não tenham sido aduzidos na reclamação ou no recurso hierárquico; 8ª) Por tudo isto, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura; 9ª) Em qualquer caso, sempre a liquidação impugnada é ilegal, porque a exigência feita pela AT de haver “despachos superiores de autorização” para a realização das despesas de representação, é requisito ou pressuposto “criada” pela AT, não constando de qualquer norma jurídica; 10ª) O mesmo se diga do requisito exigido pela AT da indicação das pessoas com quem foram feitas as despesas de representação, porque tal também não é exigido na lei. 11ª) A douta sentença recorrida deve, assim, manter-se. Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida e, portanto, ser julgada procedente a impugnação, como é de Justiça.» 4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, foi apresentado parecer no sentido da improcedência do recurso. 5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento. * II – QUESTÃO A DECIDIR: O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na medida em que apreciou e julgou procedente questão que não integrava os fundamentos do recurso hierárquico. Melhor concretizando, a questão a apreciar é a de saber se a sentença apenas podia apreciar os fundamentos impugnatórios que estejam relacionados com a decisão de indeferimento do recurso hierárquico ou, podia apreciar e julgar procedente, além daqueles, outro fundamento de ilegalidade do acto tributário não invocado na impugnação administrativa. * III - FUNDAMENTAÇÃO 1. DE FACTO A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto: «A) Em cumprimento da ordem de serviço n.º 12/2001, de 1/02, a Direção dos Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária (DSPIT) procedeu a inspeção à Impugnante (conforme resulta de fls. 48 do PAT em apenso); B) A ação teve início em 2/02/01, tendo sido interrompida em 23/10/01 (conforme resulta de fls. 48 do PAT em apenso); C) A Impugnante foi selecionada, de acordo com os critérios de seleção utilizados para as empresas do cadastro especial de contribuintes, de modo a que fosse efetuada uma ação inspetiva de âmbito geral ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e IVA, com incidência nos exercícios de 1997, 1998 e 1999 (conforme resulta de fls. 48 do PAT em apenso); D) O Banco E……, S.A. (adiante designado Banco ou B….) é um banco comercial com sede em Portugal. As suas origens remontam ao último quartel do século XIX, tendo iniciado a atividade como banco comercial em 1937, altura em que ocorreu a fusão do Banco Espírito Santo com o Banco Comercial de Lisboa da qual resultou o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. Por escritura pública de 6 de julho de 1999 passou a adotar a firma Banco E…., S.A. (conforme resulta de fls. 48 do PAT em apenso); E) A DSPIT, em 12/12/2001, elaborou o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que constitui fls. 36 e segs. do PAT em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido. F) Com interesse para decisão resulta do RIT a que se refere a alínea anterior: III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria coletável (…) 111.3. Exercício de 1999 111.3.1. imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (…) 111.3.1.5. Despesas de Representação A fim de se validarem os valores contabilizados a título de despesas de representação procedeu-se a uma verificação, por amostragem, dos documentos justificativos daqueles custos. Da análise exaustiva aos referidos elementos constatou-se que, na sua maioria, não reúnem as condições estabelecidas no nº 3 do art.º 41º do CIRC e necessárias para serem classificadas como despesas de representação, ou seja, não estão de molde a que se conclua que as despesas em causa foram suportadas, em representação do banco, com clientes ou fornecedores ou quaisquer outras pessoas ou entidades. Com efeito não nos foram apresentados quaisquer despachos superiores de autorização para que as mesmas se realizassem para esse fim, nem se identifica as entidades com quem as despesas em apreço foram suportadas. Por outro lado, como não consubstanciam custos ou perdas comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para a manutenção de fonte produtora conforme estipulado no art.º 23º do CIRC, as mesmas não serão aceites fiscalmente. O anexo 25 A apresenta alguns exemplos de documentação. Desta forma vai-se proceder à respetiva correção, conforme anexo 25, no montante de 44.235.325$00. De salientar que o sujeito passivo tinha acrescido ao lucro tributável, no Q07cp219 da declaração de rendimentos mod. 22, os 20% do saldo da conta 74123 — “FST — despesas de representação”, conforme estipulado na alínea g) do nº 1 do art.º 41º do CIRC, pelo que, ao montante total das nossas correções foi necessário deduzir esse valor. G) Em matéria de exercício do direito de audição, com interesse para a decisão, resulta do RIT: IX. Direito de audição Veio o sujeito passivo requerer, ao abrigo do n.º 5 do art.º 60º da Lei Geral Tributária, a prorrogação do referido prazo para o limite dos 15 dias previsto naquela disposição legal, tendo sido deferido. (…) 2. Quanto à não aceitação como custo fiscal de Despesas de Representação, o sujeito passivo não apresenta novos elementos nem argumentação relevante, pelo que se mantém a correção efetuada no valor de 59.302.613$00 no exercício de 1998 e de 44.235.325$00 no exercício de 1999. H) Sobre o RIT recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 36 do PAT apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos. I) Em 18/06/2002, foi elaborada a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1999 (conforme resulta de fls. 47 do processo de reclamação graciosa em apenso). J) O prazo para pagamento voluntário terminou em 31/07/2002. K) Em 22/07/2002 a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação impugnada (conforme resulta de fls. 51 o processo de reclamação graciosa em apenso); L) Em apreciação da reclamação a que se refere a alínea anterior, a Divisão de Justiça Administrativa elaborou a informação de fls. 61 a 66 do processo de reclamação graciosa em apenso, que aqui se dá por reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão: III - ANÁLISE DO PEDIDO (…) 4 - Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades. 5 - A reclamante alega que “em parte nenhuma da lei se exige despacho superior de autorização para a realização” de despesas de representação, e que quanto à identificação das entidades com quem as despesas foram suportadas, se este fosse um requisito exigível, facilmente se aporiam nas faturas os nomes dos clientes ou dos fornecedores. 6 - De facto, a lei não exige nenhum despacho de autorização, nem a fiscalização se refere a esse facto como fundamento da correção. Os serviços justificaram a não aceitação dos custos, tendo em conta que os documentos não reuniam as condições estabelecidas no n.º 3 do artigo 41º do CIRC, ou seja, não estavam nos moldes que permitisse concluir que as despesas em causa foram suportadas, em representação do banco, com clientes, fornecedores ou outras entidades. Desta forma, uma vez que as despesas não se consubstanciavam em custos que fossem comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos, conforme estipulado no artigo 23º do CIRC, as mesmas não foram aceites como custos fiscais. A menção efetuada relativamente ao despacho superior de autorização, teria como finalidade indicar, a título exemplificativo, um documento que pudesse comprovar a natureza das despesas, tendo em conta que o sujeito passivo não tinha em seu poder quaisquer elementos que justificassem o destino de tais custos. 7 - Os custos são aceites em termos fiscais apenas se cumprirem os requisitos do artigo 23º do CIRC. Este artigo regulamenta os custos e perdas aceites fiscalmente, e refere que são aceites apenas aqueles que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Desta forma são dois os requisitos indispensáveis para que os custos sejam aceites para efeitos fiscais - que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos. A ausência de qualquer destes requisitos implica a sua não consideração, pelo que as respetivas importâncias serão adicionadas ao resultado contabilístico. 8 - Em termos práticos, os custos têm que estar suportados por documento justificativo da sua ocorrência, assim como representarem despesas em que se incorre na laboração normal da entidade. Caso se esteja perante documentos não válidos, em que não são cumpridos os requisitos de identificação dos intervenientes da operação, então, estamos perante despesas não documentadas. 9 - A reclamante vem apenas colocar em causa a fundamentação utilizada pela inspeção, o que, conforme exposto anteriormente, encontra-se corretamente efetuada, não fazendo qualquer prova da natureza das despesas em causa. Nos termos do disposto no art.º 74º da Lei Geral Tributária o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoca. IV - INFORMAÇÃO SUCINTA Realizada a instrução do processo, foi elaborado o projeto de decisão o qual foi comunicado à reclamante, através do ofício n.º 28930 de 06-07-2004. Mediante esse ofício, a reclamante foi notificada para exercer, no prazo de 15 dias, o direito de audição previsto no artigo 60º da L.G.T. Aos 23 de julho de 2004, através da entrada n.º 447479, veio o sujeito passivo exercer o seu direito a audição, referindo que discorda com os argumentos invocados no projeto de decisão. A reclamante alega que, nem o artigo 23º, nem o n.º 3 do artigo 41º do CIRC, estabelecem quaisquer condições especiais para que os documentos de suporte de despesas de representação possam consubstanciar custos comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos. Considera que não é exigível que os documentos sejam acompanhados de despacho de autorização ou identifiquem os clientes com os quais as despesas de representação foram incorridas. Ora, tal como fundamentação apresentada no ponto III, os documentos apresentados pela reclamante não estavam nos moldes que permitisse concluir que as despesas em causa foram suportadas, em representação do banco, com clientes, fornecedores ou outras entidades. Sendo as faturas em causa classificadas como “Despesas de Representação”, cabe ao sujeito passivo ter em sua posse os elementos necessários para demonstrar que as despesas foram suportadas em representação do Banco, e que são indispensáveis para a realização dos proveitos, conforme estipulado no artigo 23º do CIRC, seja através de um despacho, ou de um mapa que permita efetuar uma conexão direta entre os intervenientes e a despesa em causa. Face ao exposto, e tendo em conta que em sede de audição prévia, a reclamante não apresentou quaisquer novos elementos que pudessem alterar o sentido do projeto de decisão, mantém-se a proposta de INDEFERIMENTO, com base nos fundamentes apresentados no ponto III. (…) M) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaíram os pareceres e o despacho de concordância de fls. 60 do processo de reclamação graciosa em apenso e que aqui se dão por integralmente reproduzidos; N) O despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado à Impugnante em 15/10/2004 (conforme resulta de fls. 67 e 68 do processo de reclamação graciosa em apenso); O) A Impugnante, inconformada interpôs recurso hierárquico em 15/11/2004 (conforme resulta de fls. 3 do processo de recurso hierárquico em apenso). P) Em apreciação do recurso hierárquico foi elabora a informação de fls. 24 a 31 do processo de recurso hierárquico em apenso, que aqui se da por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos e donde resulta com interesse para a decisão: «(…) Face ao exposto, e compulsados os elementos dos autos, cumpre informar que: a) Na lei vigente à data dos factos, 1999, o nº 3 do artº 41º do CIRC, definia como despesas de representação, os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras entidades; b) Por sua vez, no nº 1 alínea g) do referido artº 41º do CIRC, dispunha-se que ainda que contabilizadas como custos do exercício, não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, as despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%; c) Significa isto, que as despesas de representação constituíam custos fiscalmente dedutíveis, exceto na parte de 20% do valor escriturado; d) No entanto, é a norma do artº 23º do CIRC que vem dizer que se consideram custos ou perdas do exercício, aqueles que comprovadamente forem indispensáveis à realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora, tipificando-os nas alíneas do seu nº 1; e) Por isso, integrando-se as despesas de representação no conceito de encargos de natureza administrativa exemplificados na alínea d) do nº 1 do artº23º do CIRC, elas podem constituir custos fiscalmente dedutíveis com a observância dos requisitos do artº 23º e a limitação do artº 41º ambos do CIRC; f) E os requisitos para a dedutibilidade dos custos são, por um lado a sua comprovação com documentos emitidos nos termos legais, e por outro, que a realização de tais despesas seja indispensável à realização de proveitos; g) No que se refere à comprovação documental, mais do que documentos emitidos nos termos legais, aqui remetendo-se inevitavelmente para o disposto no nº 5 do artº 35º do CIVA relativamente a faturas ou documentos equivalentes, devem existir documentos idóneos comprovativos da realização efetiva da despesa; h) Ou seja, devem existir faturas ou documentos equivalentes por força do disposto no nº 1 alínea b) do artº 28º do CIVA, que contenham os elementos descritos no nº 5 do artº 35º do mesmo diploma, que titulem uma despesa efetivamente realizada; i) Já quanto à indispensabilidade do custo, deverá verifica-se se os gastos foram contraídos no interesse da empresa e visando a obtenção de lucro; j) Feito o enquadramento legal das despesas de representação, importa então aferir da legalidade da correção e da legitimidade das alegações da recorrente; k) Ora, na fundamentação da correção, no relatório da fiscalização (a fls. 36 e 37 dos autos do processe de reclamação) retira-se que, na base da não aceitação dos custos esteve o facto dos documentos de suporte não reunirem as condições para que as despesas pudessem ser consideradas efetuadas em representação do banco; l) E, as condições não reunidas apontadas pela fiscalização foram, a inexistência de despachos superiores de autorização das mesmas, e a não identificação nos documentos das entidades com que as despesas tinham sido efetuadas; m) Ora. alegando a recorrente que da lei aplicável não constam tais exigências, deve salientar-se que; n) Relativamente aos despachos superiores de autorização para a efetivação das despesas, deve dizer-se que, de facto, da lei vigente, não consta qualquer alusão à sua necessidade; o) Mas, já quanto à identificação nos documentos das entidades com quem as despesas foram efetuadas, não sendo uma exigência taxativamente consagrada na lei, é de facto uma formalidade que deve ser observada para que a despesa possa ser qualificada como de representação; p) Ou seja, deve saber-se com quem e com que objetivo foram contraídas as despesas, pois caso contrário, poderão ser considerados como custos do exercício toda e qualquer despesa sem qualquer nexo com a atividade desenvolvida; q) E, como se dispõe no artº 23º do CIRC, são custos do exercício aqueles que comprovadamente forem indispensáveis à realização de proveitos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora do rendimento; r) No caso em apreço, existem faturas ou documentos equivalentes que demonstram que a recorrente adquiriu bens e fez determinadas despesas, mas tais documentos nada demostram quanto ao fim específico que lhes foi dado, de molde a permitir concluir que os mesmos foram indispensáveis para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora; s) Sendo que tal ónus cabia à recorrente; t) Por conseguinte, ainda que se tenha verificado o requisito para a dedutibilidade do custo inerente à sua comprovação documental, não foi observado o requisito da indispensabilidade do custo, uma vez que não ficou provado que tais despesas fossem indispensáveis à “vida social* da recorrente; u) Nestes termos, será de manter a decisão recorrida. (…)» Q) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 23 do processo de recurso hierárquico em apenso e que aqui se dão por integralmente reproduzidos; R) O despacho de indeferimento do recurso hierárquico foi notificado à Impugnante em 07/05/2007 (conforme resulta de fls. 32 e 33 do processo de recurso hierárquico em apenso); S) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 03/09/2007 (Conforme resulta de fls. 30). * 2.2 FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. * 2.3 FACTOS NÃO PROVADOS Com interesse para a decisão inexistem factos invocados que devam considerar-se como não provados.» * 2. DE DIREITO O objecto do presente recurso é a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou a impugnação procedente e, em consequência, determinou a anulação parcial da liquidação adicional de IRC do exercício de 1999, no entendimento que a correcção relativa à desconsideração dos custos com despesas de representação, não podia ser levada a cabo por amostragem, o que apenas é legalmente permitido nos estritos termos estatuídos no artigo 87.º da LGT. A Recorrente, Fazenda Pública, insurge-se contra a apreciação feita na sentença sobre o novo fundamento alegado na petição inicial relativo à analise dos documentos efectuada pela AT por amostragem, por no seu entendimento extravasar o acto de indeferimento do recurso hierárquico impugnado, que constitui um balizamento do acto em si mesmo, não podendo o acto mediato sobrepor-se ao objecto imediato. Mais invocou que, caso fosse aceitável a impugnação do objecto imediato com novos fundamentos permitia-se que ao abrigo do prazo de impugnação para a decisão do recurso hierárquico a Impugnante possa vir a apresentar uma impugnação com fundamentos que em nada contendem com o acto que lhe abriu as portas ao seu presente impulso impugnatório. A Recorrente defende, em síntese, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento na medida em que apreciou e julgou procedente questão que não integrava os fundamentos do recurso hierárquico. A única questão que importa, então, decidir é a de saber se a impugnação judicial intentada na sequência de uma decisão de impugnação graciosa tem o seu âmbito limitado aos fundamentos invocados em sede de impugnação graciosa ou se, ao invés, podem ser invocados na impugnação judicial outros fundamentos além daqueles. Com o devido respeito, adianta-se, desde já, que a Recorrente não tem razão. O artigo 99.º do CPPT, com a epígrafe “Fundamentos da impugnação”, preceitua o seguinte: Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente: a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários; b) Incompetência; c) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigidos; d) Preterição de outras formalidades legais. Decorre do teor do artigo 99.º do CPPT que é admitido como fundamento de impugnação qualquer ilegalidade que afecte a validade ou existência do acto, não se fazendo qualquer restrição relativamente aos vícios do acto de liquidação que podem ser invocados. O processo de impugnação judicial instaurado na sequência e por causa de indeferimento expresso de um recurso hierárquico tem por objecto imediato esse mesmo indeferimento e por objecto mediato o acto de liquidação cuja anulação se pretende. A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT, e do indeferimento total ou parcial desta cabe recurso hierárquico ou impugnação judicial (cfr. artigos 76.º, n.º 1 e 102.º, n.º 2, ambos do CPPT). A decisão administrativa é passível de recurso contencioso (cfr. artigo 76.º, n.º 2 do CPPT). Porém, não resulta da lei que a impugnação judicial fique condicionada ou limitada aos fundamentos invocados nos meios graciosos. Pelo contrário, é a reclamação graciosa que não pode ser deduzida quando tiver sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento (cfr. artigo 68.º, n.º 2, do CPPT); e apresentada reclamação graciosa e desta recurso hierárquico, fica aberta a possibilidade de ser apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento ou fundamento diverso (cfr. artigo 111.º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPPT), devendo os procedimentos de reclamação gracioso e de recurso hierárquico serem apensados à impugnação judicial e, no caso da reclamação graciosa ter sido apresentada posteriormente à impugnação judicial relativamente ao mesmo acto e com diverso fundamento, deve ser considerada para todos os efeitos no âmbito do processo de impugnação (cfr. n.º 4). Como se realçou no acórdão do STA de 18/05/2011, proferido no processo n.º 0156/11 «(…) E, sendo assim, não se compreende que se admita a apresentação de reclamação graciosa e impugnação judicial com fundamento diverso quando o contribuinte opte por impugnar primeiro e reclamar depois, e já se não admita o mesmo quando se reclame primeiro e impugne posteriormente.» (disponível em www.dgsi.pt/). A questão colocada no presente recurso tem sido apreciada pela doutrina e jurisprudência em sentido unânime e reiterado. Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa «Na impugnação judicial subsequente a reclamação graciosa ou recurso hierárquico interposto da respectiva decisão, poderão ser invocados quaisquer vícios do acto de liquidação e não apenas os invocados na reclamação ou no recurso hierárquico. Desde logo, o art. 99.º do CPPT ao proclamar que «constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade», aponta no sentido de não haver qualquer restrição relativamente aos vícios do acto de liquidação que podem ser invocados. É certo que poderia aventar-se que, não tendo o contribuinte invocado em reclamação graciosa, no prazo respectivo, vícios geradores de mera anulabilidade, teria caducado o direito de os invocar. Porém, no tortuoso regime da impugnabilidade dos actos de liquidação, em que se viabiliza que, depois de perdido por caducidade o direito de impugnação judicial directamente o acto de liquidação ele possa ser obtido através da apresentação tempestiva de reclamação graciosa, cujo prazo é mais longo do que o de impugnação judicial, será de entender que enquanto o contribuinte estiver em tempo de impugnar judicialmente o acto de liquidação (seja directamente através de impugnação judicial, seja através de impugnação de decisão de indeferimento de reclamação graciosa ou recurso hierárquico interposto da respectiva decisão), poderá discutir a sua legalidade sem qualquer restrição.» (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, II Vol., pág. 127). O STA em acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 03/06/2015, proferido no processo n.º 0793/14, pronunciou-se sobre esta questão nos seguintes termos: «Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litigio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.» (disponível em www.dgsi.pt/). Totalmente transponível para o caso dos autos em que a impugnação foi apresentada na sequência do indeferimento do recurso hierárquico deduzido do indeferimento da reclamação graciosa que foi apresentada contra a liquidação de IRC do ano de 1999. Portanto, a impugnação judicial não está limitada ou condicionada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa e no recurso hierárquico, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário (vide Ac. do STA de 18/05/2011, processo n.º 0156/11 e Ac. do TCAN de 17/12/2015, processo n.º 0369/04, disponíveis em www.dgsi.pt/). Pelo exposto, a sentença não errou no julgamento que fez, pelo que, improcedem as conclusões da alegação de recurso. E não vindo imputado qualquer outro vício à sentença recorrida, nega-se provimento ao recurso. * Conclusões/Sumário: I - Decorre do teor do artigo 99.º do CPPT que é admitido como fundamento de impugnação qualquer ilegalidade que afecte a validade ou existência do acto, não se fazendo qualquer restrição relativamente aos vícios do acto de liquidação que podem ser invocados. II - Não resulta da lei que a impugnação judicial fique condicionada ou limitada aos fundamentos invocados nos meios graciosos. III - Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre recurso hierárquico interposto do indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra liquidação de IRC, podem e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substancia que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio * IV – DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Notifique. Lisboa, 10 de Novembro de 2022. Maria Cardoso - Relatora Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta Ana Cristina Carvalho– 2.ª Adjunta (assinaturas digitais) |