Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:816/15.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/22/2018
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:IMI
PARQUE EÓLICO
CONCEITO DE PRÉDIO PARA EFEITOS DE IMI
LISTA DE PRÉDIOS SUJEITOS A ESPECIAIS OPERAÇÕES DE AVALIAÇÃO
Sumário:I – Para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis, “prédio” é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência (elemento físico), que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico) – artigo 2.º do CIMI.
II – As alterações introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março no que respeita às operações de avaliação (aditamento dos n.ºs 3 e 4 ao artigo 38.º do CIMI) e a lista de prédios que devem ser sujeitos ao procedimento de avaliação previsto no artigo 46.º do CIMI, aprovada pela Portaria n.º 7/11, de 9 de Janeiro, não introduziram, nem pretenderam introduzir qualquer alteração ao conceito de prédio previsto no artigo 2.º do CIMI, como claramente resulta do seu teor, permanecendo este conceito e a verificação dos pressupostos aí previstos como condição dessa qualidade de prédio e, consequentemente, de legalidade do próprio procedimento avaliativo e do valor patrimonial tributário que venha a ser fixado.
III – Os elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não podem, de per si, ser considerados como prédios urbanos da espécie “outros” nos termos do preceituado no artigo 2.º do CIMI.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira vem recorrer da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por Eólica ..., S.A.” contra os actos de fixação do valor patrimonial, em segunda avaliação, dos prédios inscritos oficiosamente na matriz predial sob os artigos 5222, 5223, 5224 e 5225, da freguesia da ...; 2809, 2810, 2811, 2812, 2813, 2814, 2815 e 2816, da freguesia de ...; e 2487, 2488, 2489, 2490, 2491, 2492 e 2493 da freguesia de ..., todas freguesias do concelho de ..., no valor global de €6.018.440,00 e que correspondem aos dezanove aerogeradores que compõem o Parque Eólico de ....

Nas alegações apresentadas, em que fundamenta a sua pretensão revogatória, conclui nos seguintes termos:

«I. Através da sentença ora sob recurso, o Tribunal “a quo” julgou procedente a presente impugnação judicial e anulou os atos de fixação de valor patrimonial tributário dos 19 prédios em causa;

II. Para decidir pela procedência da presente impugnação, e consequente anulação dos atos de avaliação impugnados, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” apoiando-se num acórdão proferido no Processo n.º0140/15, em 15-03-2017, pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) entendeu que demonstra-se ilegal e inaceitável, por violação do princípio da legalidade, a inscrição oficiosa destas realidades na matriz predial como prédios urbanos, encontrando-se, consequentemente, feridas de ilegalidade as respetivas avaliações e atos de fixação dos VPTs;

III. Salvo o devido respeito por diferente entendimento, a Fazenda Pública entende que esta decisão não pode manter-se na ordem jurídica, nos termos em que foi proferida porque resulta de um errado julgamento de facto e de direito;

IV. Da matéria de facto dada como provada nos presentes autos não se pode retirar a conclusão que ali se deixou expressa, a de que a um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injeção de energia elétrica na rede pública não tem valor económico próprio;

V. Em nenhuma das alíneas do probatório fixado na sentença ora sob recurso se encontra provado que, cada um dos 19 aerogeradores instalados no concelho de ..., e que integram o Parque Eólico de ..., não tem aptidão suficiente para, por si só, produzir e injetar energia elétrica na rede pública;

VI. Não se encontra provado nestes autos que os aerogeradores avaliados dependam uns dos outros, nem de qualquer outro que integre o referido parque eólico para produzir e injetar na rede pública a energia elétrica que produzem;

VII. Também não se encontra provado nos presentes autos se o parque eólico tem subestação própria nem de que forma os aerogeradores se encontram ligados à subestação que o serve;

VIII. Sem a prova destes factos, não podia o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” concluir pela falta de autonomia económica dos aerogeradores avaliados, como concluiu na sentença ora sob recurso;

IX. Não estando provado nos presentes autos que aqueles 19 aerogeradores não injetam a eletricidade que produzem diretamente na rede pública de modo individualizado, não podia concluir-se que não têm valor económico próprio como concluiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”;

X. A legislação recentemente aprovada (Os nºs 3 e 4, do artigo 38.º do CIMI, aditados pela Lei nº7-A/2016, de 30 de março e a Portaria n.º11/2017, de 9 de janeiro), é bem demonstrativa de que o entendimento resultante do acórdão do STA proferido no Processo n.º0140/15, em 15-03-2017, se apresenta incorreto, pois dela resulta, claro, por exemplo, que as instalações de transformação de eletricidade (leia-se transformadores e subestações) são ali qualificadas como prédios urbanos;

XI. Mesmo que se entenda que aqueles 19 aerogeradores do Parque Eólico de ... são partes componentes do parque eólico, isso não constituirá impedimento para que se lhes reconheça a autonomia económica necessária ao preenchimento do conceito de prédio estabelecido no artigo 2º, do CIMI;

 XII. Qualquer aerogerador, sem outros equipamentos (postos de transformação, esteiras de cabos e outros equipamentos) não cumpre a função para que foi concebido (produção de eletricidade), nem injeta na rede pública a eletricidade que produz, mas essa não pode ser considerada uma circunstância normal;

XIII. Em circunstâncias normais, um aerogerador reúne todas as condições para produzir energia elétrica e não precisa de estar integrado num parque eólico para a produzir, já que entre os aerogeradores de um mesmo parque eólico não tem que existir, e regra geral não existe, qualquer ligação;

XIV. Cada aerogerador é uma máquina que produz energia elétrica a partir do vento de modo completamente autónomo e independente e não depende de outros aerogeradores para cumprir essa sua função;

XV. Um aerogerador é uma unidade de produção de energia elétrica completamente independente e a comprová-lo está, por exemplo, o facto de o Parque Eólico de ... ser constituído por um único aerogerador;

XVI. Para produzir energia elétrica um aerogerador também não necessita de estar, obrigatoriamente, instalado no topo de uma torre eólica, embora essa seja a situação mais comum;

XVII. O que um aerogerador necessita, para colocar a energia que produz na rede de distribuição pública, é estar ligado a essa rede, porventura, através de uma subestação que até pode não integrar o parque eólico de que faz parte;

XVIII. Sendo certo que, em regra, e num primeiro momento, a construção de uma torre eólica tem por finalidade a instalação, no topo, de uma máquina para a produção de energia elétrica (o aerogerador), nada impede que a essa mesma construção seja dada uma utilização diferente, dependendo essa utilização, apenas, da imaginação de cada um;

XIX. Tal como os tradicionais moinhos de vento, também aos parques eólicos e às torres eólicas que os integram podem ser dadas diversas utilizações, para além daquela para que foram inicialmente concebidas;

XX. Os aerogeradores, individualmente considerados, e em circunstâncias normais, têm valor económico próprio, já que não dependem de outros aerogeradores para cumprir a função para que foram instalados;

XXI. Nos termos do artigo 2º, nº1, do CIMI, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico;

XXII. Para J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas (op. cit.), “O requisito do valor económico, encontra-se naturalmente associado ao requisito de patrimonialidade, decorrendo daí a suscetibilidade de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular.”;

XXIII. Na qualificação de uma determinada realidade como prédio, deve ter-se presente que o elemento económico resulta do facto de essa realidade possuir, em circunstâncias normais, valor económico, independentemente da suscetibilidade de produzir ou não rendimento, podendo esse valor económico resultar das utilidades que gera para o seu proprietário;

XXIV. A utilidade das torres eólicas é óbvia, já que estas permitem aos respetivos proprietários colocar os aerogeradores nas alturas mais adequadas para um melhor aproveitamento do vento em cada local;

XXV. As torres que suportam os aerogeradores são construções dotadas de autonomia económica em relação ao terreno em que se encontram implantadas;

XXVI. Vasco Branco Guimarães (op. cit.) não tem dúvidas em afirmar que “Uma torre eólica tem autonomia económica…”;

XXVII. Em face da autonomia jurídica e económica de cada aerogerador, as torres eólicas (ou o conjunto formado por estas e pelas sapatas/fundações, por serem construções) devem ser individualmente consideradas como prédios urbanos, e ser sujeitas à competente inscrição matricial nos termos do CIMI;

XXVIII. A valoração económica dos aerogeradores e das torres eólicas resulta, também, do valor de troca subjacente à sua produção e existência;

 XXIX. O facto de o aerogerador constituir um produto comercializável a título unitário pelos fabricantes justifica a sua objetivação individual para efeitos do direito de propriedade;

XXX. Mesmo que se entenda que as torres e as sapatas são partes componentes de um equipamento – o aerogerador lato sensu, devemos ter presente que existem inúmeros exemplos de realidades que não sendo, inicialmente, concebidas para uma função predial, por força das circunstâncias, ou da vontade dos respetivos proprietários, são submetidas a funcionalidades que determinam a sua qualificação como prédio para efeitos fiscais, atento o critério da permanência que resulta do artigo 2º, nº 3, do CIMI;

XXXI. Um parque eólico (ou central eólica) não é uma realidade estabilizada já que nada impede que o seu proprietário diminua o número de aerogeradores do seu parque sem que a sua capacidade de produção de energia elétrica, apesar de diminuída com essa operação, seja de algum modo posta em causa;

XXXII. A designação de parque eólico (ou central eólica) não é, por si só, condição suficiente para preencher o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º, do CIMI, já que, em muitos casos, os parques eólicos encontram-se implantados em várias frações de território sem que, entre elas, exista qualquer complementaridade espacial;

XXXIII. Um parque eólico (ou central eólica) localizado em mais do que um concelho não pode ser qualificado como prédio nos termos do CIMI já que carece de tantas licenças de construção quantos forem os concelhos em que se encontra instalado;

XXXIV. Contrariamente ao entendimento vertido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” na sentença ora sob recurso, tem que admitir-se que os aerogeradores reúnem os três elementos constitutivos do conceito de prédio previsto no artigo 2º, nº1, do CIMI (elemento físico, elemento jurídico e elemento económico) e que sua qualificação como prédios, e consequente inscrição matricial, por parte da AT, está correta e é legal;

XXXV. Não pode a douta sentença ora recorrida manter-se na ordem jurídica já que, com ela, se violou o disposto no artigo 2º, nº1, do CIMI;

XXXVI. Assim sendo como de facto é, e está devidamente provado nos presentes autos, tendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, incorrido em erro de julgamento de facto e de direito, impõe-se a revogação da sentença ora sob recurso, com todas as devidas e legais consequências.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação, por não provada, com todas as devidas e legais consequências.

Mais se requer a V.as Ex.as que, a final, atendendo ao facto do valor da causa ser superior a € 275 000,00, determinem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, devida pelo presente recurso, nos termos do disposto no nº7, do artigo 6º, do RCP.

A Sociedade Impugnante, ora Recorrida, notificada da admissão do recurso interposto, apresentou contra-alegações, e, prevenindo a hipótese de o Tribunal conceder provimento ao recurso, requereu a título subsidiário e no uso da faculdade consentida pelo artigo 636º do CPC, a ampliação do objecto do recurso, tudo com base no seguinte quadro conclusivo [ordenadas a partir da IX., por iniciativa nossa]

I.            Contrariamente ao alegado pela Fazenda Pública, a sentença recorrida não merece qualquer reparo ao ter considerado que os aerogeradores, se considerados isoladamente, não têm per se autonomia funcional que permita que sejam destacados da estrutura em que estão inseridos e portanto inexiste o elemento económico para que se possa considerar, isoladamente, um aerogeradores como “prédio” para efeitos de IMI.

II. As afirmações em que a Fazenda Pública baseia a sua discordância com a argumentação do tribunal a quo são, de uma leviandade técnica que só poderão ser totalmente afastadas pelo tribunal de recurso. Por um lado porque as afirmações da Fazenda Pública desconsideram a prova feita no processo e por outro pretendem forçar um entendimento plenamente contrário à realidade.

III. É falsa a afirmação da Fazenda Pública de que em circunstâncias normais um aerogerador individualmente considerado estará apto a produzir energia elétrica, já que um aerogerador instalado num terreno desligado de todas as infraestruturas que compõem o parque eólico, de nada serve, não produz qualquer energia e, portanto, é completamente inútil do ponto de vista da finalidade a que se destina – a produção de energia eólica.

IV. O exercício de aferição da verificação do elemento económico trata-se de apurar se existe valor económico no estado atual da técnica, de acordo com a utilização típica e normal das realidades em presença e tendo em conta as circunstâncias do caso e não de acordo com juízos e raciocínios de abstração das “diversas utilizações” hipotéticas que poderão ser conferidas a uma determinada realidade que subvertem a lógica da incidência objetiva de IMI do princípio da segurança jurídica, caindo-se no perigo de tributar realidades de acordo com uma afetação / função futura, incerta e indeterminada.

V. Os próprios exemplos que pretendem, por um lado, sustentar a afirmação de que (i) um aerogerador sozinho, individualmente considerado, é apto a atingir a finalidade para que foi concebido, i.e. a produzir energia eólica, e de que (ii) a um aerogerador podem ser dadas diversas utilizações para além da produção de energia elétrica, retirados pela Fazenda Pública da internet, são falsos e constituem um aproveitamento não rigoroso de informação, informação essa manifestamente desatualizada ou que traduz meros projetos nunca concretizados (quiçá por falta de viabilidade do ponto de vista técnico) e até informação incorreta.

VI. Não se pode admitir a afirmação da Fazenda Pública de que o elemento económico está verificado porque “nada impede que o proprietário de um parque eólico aliene, desmonte ou substitua um ou mais aerogeradores do seu parque sem que a sua capacidade de produção de energia elétrica seja de algum modo posta em causa” porquanto (i) não é possível alienar os aerogeradores “que produzam menos energia” porque a produção de energia através de fontes renováveis está sujeita a um escrupuloso processo de licenciamento pela DGEG estando a totalidade dos aerogeradores ligados a uma determinada licença de exploração pelo que o promotor não pode decidir vender aerogeradores sem que isso implique a perda da respetiva licença e (ii) de acordo com a lógica irrepreensível da sentença recorrida, numa perspetiva estática, os aerogeradores em si mesmos considerados não têm um valor de mercado intrínseco mas apenas quando integrados no conjunto de que fazem parte pelo que não existe propriamente um “valor de troca subjacente à sua produção e existência” porque os mesmos não são normalmente adquiridos de forma individualizada.

VII. A Fazenda Pública desconsidera toda a prova produzida nos autos, nomeadamente o depoimento de testemunhas e a prova documental trazida aos autos pela impugnante, da qual resulta claro (i) a dependência funcional de cada um dos componentes do aerogerador e dos restantes componentes do parque eólico para a produção da energia elétrica, (ii) que a produção de energia elétrica no contexto de um parque eólico é a afetação para a qual cada um dos componentes do aerogerador (sapata e torre incluídas, naturalmente) é construído e montado, factos estes que não foram impugnados pela Fazenda Pública em momento algum.

VIII. O entendimento que sustenta a sentença recorrida está em plena sintonia com as decisões dos tribunais superiores, nomeadamente com as decisões proferidas pelo TCA Sul e pelo STA, em 26-01-2017 e em 15-03-2017 e 07-06-2017, nos processos n.º 516/15.4BELLE, nº0140/15 e n.º 01417/16, respetivamente.

IX. Ainda que assim não se considere, sempre se indique nos termos e para os efeitos do artigo 636º do CPC que não é possível entender a sapata e a torre como uma construção ou edificação, para efeitos do conceito de prédio previsto no art.2º nº1 do CIMI, devendo manter-se o entendimento do douto Tribunal a quo.

X. Em face de todo o exposto, o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!

A apelante não respondeu à ampliação do recurso.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central, a quem os autos foram com «Termo de Vista» para emissão de parecer, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II. Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639°, n°1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635°, n°2 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo artigo 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto, e tendo por referência ambos os recursos jurisdicionais, são as seguintes as questões a apreciar:

 - Se a sentença recorrida errou no julgamento que fez, por dos factos apurados não ser possível extrair a conclusão de que os dezanove aerogeradores em referência, operam conjuntamente com os catorze situados no Município de ... e que em conjunto formam um «parque eólico»;

- Independentemente da resposta dada à questão anterior, saber se a o Tribunal a quo errou ao decidir que cada aerogerador, per se, não constitui um prédio nos termos em que o mesmo se encontra definido no artigo 2º do CIMI.

- Sendo afirmativa a resposta dada à questão antecedente, saber se a sapata e a torre constituem um prédio para efeitos do preceituado no artigo 2.º do CIMI.

III. Fundamentação de Facto

3.1. Em 1ª instância foi dada como provada com relevo para a decisão da causa a factualidade que infra se reproduz:

A) A Impugnante é titular do direito ao arrendamento dos seguintes prédios rústicos, os quais se destinam à construção e exploração de Parque Eólico:

Artigo
FreguesiaDescrição na Conservatória de ...Contrato de Arrendamento /Autos
Art.º 4 – Secção Y...
N.º 3151
Fls. 87 a 95
Art.º 5 – Secção Y...
N.º 0214
Fls. 111 a 120
Art.º1 – Secção U e U1...
N.º 1978
Fls. 121 a 131
Art.º 95 – Secção Z...
N.º 2751

Fls. 132 a 141

Art.º 96 – Secção Z...
N.º 2658
Art.º 97 – Secção Z...
N.º 2821
Art.º 98 – Secção Z...
N.º 3958
Art.º 6 – Secção Y...N.º 00727Fls. 144 a 152
Art.º 94 – Secção X...
N.º 1890
Fls. 225 a 232



Art.º 87 – Secção X...
N.º 0086
Fls. 234 a 245
Art.º 84 – Secção X...
N.º 3037
Art.º 91 – Secção X...
N.º 2145
Fls. 247 a 257
Art.º 90 – Secção X...
N.º 2388
Art.º 12 – Secção F
...
N.º 00329Fls. 261 a 269
Art.º 1 a 5 – Secção F
...
N.º 726
Fls. 271 a 280
Art.º 9 – Secção F
...
N.º 725
Art.º 2 e 3 – Secção H
...
N.º 780 e 665Fls. 282 a 291
Art.º 20 – Secção D
...
N.º 00329Fls. 293 a 302

(Cfr. contratos de arrendamento juntos com a p.i., de fls. 87 a 153).

B) A Impugnante instalou nos terrenos identificados na alínea anterior, 19 aerogeradores (cfr. plantas topográficas juntas como documentos 3, 12 e 15 com a p.i.).

C) Através da ordem de serviço interna OI201005554, foi realizada uma ação de inspeção à Impugnante, referente ao exercício de 2009, no âmbito do IMI, tendo sido proferido despacho em 13/12/2011, no qual foi proposto que o serviço de finanças de ... promovesse a avaliação dos parques eólicos situados na área do concelho (cfr. fls. 322 dos autos e fls. 66 a 68 do PA apenso).

D) Foram remetidos, pelo Serviço de Finanças de ..., os Ofícios nº1467, 1468 e 1469, de 17/02/2014, notificando a Impugnante para proceder à apresentação das declarações Modelo 1 do IMI, sob pena de “ser efetuada inscrição oficiosa nos termos do nº3 do artigo 13 CIMI” (cfr. fls. 75 a 80 do PA).

 E) Em 15/04/2014, a AT procedeu à inscrição oficiosa dos aerogeradores na matriz predial urbana, como prédios do tipo “Outros”, e efetuou, em 16/04/2014 a respetiva avaliação, segundo o método do custo, nos seguintes termos:

Artigo
Freguesia
VPT
Autos
PA
5222

...

€ 554.670,00Fls. 169Fls. 684 a 686
5223
€ 554.670,00Fls. 170Fls. 759 a 761
5224
€ 554.670,00Fls. 171Fls. 828 a 830
5225
€ 554.670,00Fls. 172Fls. 897 a 899

2809

União de freguesias ...
€ 554.670,00Fls. 323Fls. 1057 a 1059
2810
€ 554.670,00Fls. 324Fls. 1124 a 1116
2811
€ 554.670,00Fls. 325Fls. 1193 a 1195
2812
€ 554.670,00Fls. 326Fls. 1262 a 1264
2813
€ 554.670,00Fls. 327Fls. 1332 a 1334
2814
€ 554.670,00Fls. 328Fls. 1441 a 1443
2815
€ 554.670,00Fls. 329Fls. 1510 a 1512
2816
€ 554.670,00Fls. 340Fls. 1577 a 1579
2487


...

€ 554.670,00Fls. 927Fls. 132 a 134
2488
€ 554.670,00Fls. 928Fls. 201 a 203
2489
€ 554.670,00Fls. 929Fls. 270 a 272
2490
€ 554.670,00Fls. 930Fls. 339 a 341
2491
€ 554.670,00Fls. 931Fls. 407 a 409
2492
€ 554.670,00Fls.932Fls. 475 a 477
2493
€ 554.670,00Fls. 933Fls. 543 a 545

(cfr. declarações modelo 1 do IMI de fls. 94 a 100 e 1020 a 1028 do PA apenso; comprovativos de 1ª avaliação de fls. indicadas do PA e dos autos, bem como documentos 1 a 19 juntos com a contestação).

F) Notificada dos resultados das avaliações oficiosas, a Impugnante solicitou, em 27/05/2014, via e-mail, a segunda avaliação dos prédios acima identificados (cfr. fls. 135 a 139 do PA).

G) Em 26/11/2014, realizou-se a diligência de segunda avaliação (cfr. termo de avaliação junto como documento 10 com a p.i.).

H) Em resultado da segunda avaliação, foram fixados para cada artigo, correspondente a um aerogerador, o seguinte VPT:

ArtigoFreguesia
VPT
Ofício N.ºAutos
PA
5222


...

€ 316.770,0015891974Fls. 67Fls. 747 a 750 e 754/5
5223
€ 316.770,0015891975Fls. 68Fls. 816 a 819 e 823/4
5224
€ 316.770,0015891973Fls. 69Fls.885 a 888 e 892/3
5225
€ 316.770,0015891990Fls. 70Fls.954 a 957 e 961/2
2809

União de freguesias ...
€ 316.770,0015891976Fls. 71Fls. 1112 a 1115 e 1119/20
2810
€ 316.770,0015891977Fls. 72Fls. 1181 a 1184 e 1188/9
2811
€ 316.770,0015891978Fls. 73Fls. 1250 a 1253 e 1257/8
2812
€ 316.770,0015891979Fls. 74Fls. 1319 a 1322 e 1326/7
2813
€ 316.770,0015891989
x
Fls. 1429 a 1432 e 1436/7
2814
€ 316.770,0015891980Fls. 75Fls. 1498 a 1501 e 1505/6
2815
€ 316.770,0015891981Fls. 76Fls. 1565 a 1568 e 1572/3
2816
€ 316.770,0015891982Fls. 77Fls.1614 a 1617 e 1621/2
2487


...

€ 316.770,0015891983Fls. 78Fls. 189 a 192 e 196/7
2488
€ 316.770,0015891984Fls. 79Fls. 258 a 261 e 265/6
2489
€ 316.770,0015891985Fls. 80Fls. 327 a 330 e 334/5
2490
€ 316.770,0015891986Fls. 81Fls. 395 a 398 e 402/3
2491
€ 316.770,0015891987Fls. 82Fls. 463 a 466 e 470/1
2492
€ 316.770,0015891988Fls.83Fls. 531 a 534 e 538/9
2493
€ 316.770,0015891972Fls. 84Fls. 603 a 606 e 610/1

(Cfr. documentos de fls. indicadas dos autos e do PA apenso).

I)   A Impugnante foi notificada dos atos (Ofícios) identificados na alínea anterior em 02/12/2014 (cfr. fls. 196, 265, 334, 402, 470, 538, 610, 754, 823, 892, 961, 1119, 1188, 1257, 1326, 1436,1505, 1572 e 1621 do PA apenso).

J)  A presente Impugnação foi remetida ao Tribunal através de Sitaf, em 27/02/2015 (cfr. fls. 2 e 3 dos autos).

3.2. Consta ainda da mesma sentença que «Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e do processo administrativo, não impugnada, conforme especificado em cada uma das alíneas supra». E que «Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.».

IV - Fundamentação de Direito

Como resulta do ponto I do presente acórdão, a Administração Tributária e Aduaneira discorda do julgado por, em seu entender, a mesma padecer de erro de julgamento de facto e de direito.

Para fundamentar a sua pretensão alega a Recorrente, em síntese, que a conclusão extraída pelo Tribunal a quo, de que é ilegal a inscrição oficiosa dos aerogeradores na matriz predial como prédios urbanos e, consequentemente, estão feridas de ilegalidade as respectivas avaliações e actos de fixação dos VPTs não tem qualquer suporte factual já que do probatório não pode extrair-se que: (i) um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia na rede pública não tem valor económico próprio, isto é, que cada um dos 19 aerogeradores instalados no concelho de ..., e que integram o Parque Eólico de ..., não tem aptidão suficiente para, por si só, produzir e injectar energia eléctrica na rede pública; (ii) os referidos aerogeradores dependam uns dos outros, nem de qualquer outro que integre o referido parque eólico para produzir e injectar na rede pública a energia eléctrica que produzem (iii) o parque eólico tem subestação própria nem de que forma os aerogeradores se encontram ligados à subestação que o serve.

Tudo, pois, para concluir, que sem a prova destes factos não podia o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo concluir pela falta de autonomia económica própria dos aerogeradores avaliados.

Mais alega que, e sublinhando que a decisão de 1ª instância se encontra exclusivamente alicerçada num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que a legislação aprovada em 2016, isto é, o aditamento dos n.ºs 3 e 4 ao artigo 38.º do CIMI pela Lei n.º 7-A/2016 e a Portaria n.º11/2017, de 9 de Janeiro, são bem demonstrativos de que o entendimento professado no referido aresto do Supremo Tribunal Administrativo está errado, por daqueles diplomas resultar claro que as instalações de transformação de electricidade (leia-se transformadores e subestações) são ali qualificadas como prédios urbanos.

Por fim, assenta ainda a Recorrente a sua pretensão revogatória no entendimento de que, mesmo que se entenda que aqueles 19 aerogeradores do Parque Eólico de ... são partes componentes do parque eólico, isso não constituirá impedimento para que se lhes reconheça a autonomia económica necessária ao preenchimento do conceito de prédio estabelecido no artigo 2º, do CIMI já que, em circunstâncias normais, um aerogerador reúne todas as condições para produzir energia eléctrica e não precisa de estar integrado num parque eólico para a produzir, já que entre os aerogeradores de um mesmo parque eólico não tem que existir, e regra geral não existe, qualquer ligação, constituindo, nessa medida, uma máquina que produz energia eléctrica a partir do vento de modo completamente autónomo e independente dos demais aerogeradores para cumprir a sua função, bem podendo ocorrer, como ocorre com outros Parques Eólicos, que estes funcionem ou sejam constituídos por um único aerogerador.
Adiantamos que a Recorrente não tem qualquer razão. Não a tem porque não é correcto afirmar-se que os factos apurados, associados ao direito que na sentença se julgou aplicável, não permitam extrair as ilações ou, nas palavras da Recorrente, as conclusões que na sentença o Meritíssimo Juiz a quo extraiu. Não tem razão porquanto também este Tribunal Central tem vindo a acolher a posição vertida nos acórdãos que neste Tribunal Central e no Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria têm vindo a ser produzidos, que julgámos por diversas vezes já ser o acertado e que nestes autos prosseguiremos a professar por as razões de direito adiantadas – introdução de alterações legislativas determinadas pelo aditamento dos n.ºs 3 e 4 ao artigo 38.º do CIMI e a Portaria n.º 11/2017, de 9 de Janeiro em nada contenderem com aquele entendimento.
Senão, vejamos.
No que respeita à alegada insuficiência do probatório – que, em bom rigor, constitui o primeiro dos fundamentos arguidos – é manifesto que ela se não verifica.
Na verdade, atendendo ao que ficou apurado, em especial nas alíneas A) a H) do ponto III, facilmente se constata que do mesmo constam todos os factos pertinentes a essa conclusão, isto é, que os aerogeradores, que foram objecto de avaliação como prédios autónomos, fazem parte de um mesmo Parque Eólico, ou seja, que foram esses elementos componentes do Parque Eólico – geradores – que foram objecto de avaliação como se de prédios, per si, se tratassem.
Relativamente ao segundo dos argumentos, isto é, quanto à susceptibilidade de um aerogerador per si ser um prédio para efeitos do artigo 2.º do CIMI, assumimos como nosso o julgamento realizado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º140/15, de 15-3-2017- em sentido absolutamente convergente com o que neste Tribunal Central tem sido decidido (entre outros, os acórdãos proferidos no âmbito dos processos nº 516/15.4BELLE, de 26-1-2017 e nº 515/15.6BELLE, de 9-3-2017 e os acórdãos proferidos no Supremo Tribunal Administrativo nos recursos nºs os 0140/15; 01417/16 e 0360/17, todos de 2017 e integralmente disponíveis in www.dgsi.pt ), de cujos teores se colhe, indubitavelmente, sempre a mesma jurisprudência: os aerogeradores não podem ser classificados como prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores, que passamos a transcrever na parte pertinente:
“(...) o conceito fiscal de “prédio”, para efeitos de incidência do IMI, afasta-se da noção civilística contida no art.º204º do Código Civil, corporizando um conceito mais amplo, «porquanto prevê a existência de um elemento de natureza física (o território, o qual deve ser autónomo e ter um carácter de permanência); um elemento de natureza jurídica (resultante da necessidade do prédio fazer parte do património de uma pessoa física ou jurídica) e um elemento de natureza económica (traduzido na exigência de possuir um valor económico em circunstâncias normais), sendo «que só com a confluência dos três elementos podemos qualificar determinada realidade como prédio para efeitos de enquadramento em sede de IMI».
Entendimento que se mostra correto, na medida em que o art.º2º do CIMI define o conceito de prédio do seguinte modo:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.».
Temos, assim, que para efeitos deste imposto, “prédio” é toda a fracção de território (elemento físico), abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência, que faça parte do património de pessoa singular ou coletiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico).
Posto isto, e vista a importância vital do elemento de natureza económica, traduzido na necessidade de a fracção de território em causa possuir, por si só, valor económico para poder ser qualificado como “prédio” para efeitos de incidência objectiva de IMI, a problemática reside, desde logo, em saber se, à luz desta norma, um “parque eólico” pode ser classificado como “prédio” nos temos e para os efeitos da inscrição na matriz predial e consequente avaliação e tributação neste imposto municipal sobre o património imobiliário.
O que passa, necessariamente, por saber o que é um parque eólico.
Da leitura de obras técnicas da especialidade (Cfr., entre outras, a dissertação de mestrado de YESMARY CAROLINA DA SILVA GOUVEIA, no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - Área Departamental de Engenharia Civil, intitulado “Construção de um Parque Eólico Industrial” e bibliografia aí citada.) decorre, de forma clara, que o objetivo final de um parque eólico consiste no aproveitamento da velocidade do vento para a produção de energia elétrica, sendo que, para que tal aconteça, é necessário que o parque seja constituído por alguns elementos essenciais, nomeadamente por um conjunto de aerogeradores que são interligados por cabos de média tensão e cabos de comunicação ligados a uma subestação e a um edifício de comando, que se liga a uma (habitualmente aérea) rede elétrica de transporte.
Deste modo, um parque eólico é constituído por um conjunto obrigatório e interligado de bens, equipamentos e infraestruturas – aerogeradores (Cada um composto por uma sapata de betão ou “fundação”, uma estrutura metálica ou “torre”, uma nacelle, um rotor, e três pás.), postos de transformação, edifícios de comando e de subestação, rede elétrica de cabos subterrâneos com ligação entre os aerogeradores e o edifício de comando/subestação e, no caso de existência de várias subestações, linhas elétricas de ligação destas, bem como caminhos de acesso - tudo com vista a converter a energia cinética do vento em energia elétrica e a injectá-la no sistema eléctrico de potência, sendo que os grandes parques eólicos exigem a construção de várias subestações e de linhas de transmissão para a conexão ao sistema elétrico de potência, sendo esta injeção ou conexão ao sistema elétrico um dos principais parâmetros de um parque eólico.
Em suma, um parque eólico é uma fracção de território (terrestre ou marítimo) organizado e estruturado com variados e interligados elementos constituintes e partes componentes – onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo (no mínimo cinco), um ou mais edifícios onde se localizam a(s) subestação(ões) e o centro de operação e manutenção – com ligação ao solo e com carácter de permanência, sendo todo esse conjunto de bens e equipamentos imprescindível à atividade económica em questão: atividade de transformação da energia eólica em energia elétrica, sua injeção no sistema elétrico de potência e consequente venda desta eletricidade à rede elétrica de acordo com a tarifa regulada em Portugal para o sector eólico em geral.
O que significa que cada um desses elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não pode, de per si, ser considerado um prédio urbano (“outros”), na medida em que não constitui uma parte economicamente independente, isto é, não tem aptidão suficiente para, por si só, desenvolver a aludida atividade económica (A mesma razão leva a que não possam ser considerados como “prédios” (nem a AT ousa considerá-los como tal) os diversos elementos e estruturas que integram um estádio de futebol (as balizas, as bancadas, a estrutura coberta, os balneários, etc.) ou que integram um campo de golfe (o green, o tee, o fairway, os obstáculos, o edifício de atendimento, etc.), já que cada um dessas estruturas e elementos, que se encontram interligados e conexionados com vista ao mesmo objetivo e finalidade económica, não possuem autonomia económica em relação à fração de território ocupada, pese embora seja incontroverso que tanto o estádio de futebol como o campo de golfe constituem, à luz do mencionado preceito do CIMI, prédios urbanos para efeitos de incidência objetiva de IMI.)
Por conseguinte, e em suma, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte, fica afastada a possibilidade de classificar como “prédios” autónomos cada um dos diversos elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico, não só porque o seu destino normal não é diferente de todo o prédio, como, também, porque não é possível avaliá-los separadamente, na medida em que não são partes economicamente independentes.
Razão por que consideramos inteiramente correta a posição expressa pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 26/02/2017, no acórdão prolatado no processo nº 516/15 (onde se discutia a legalidade da inscrição e avaliação como prédio urbano de um aerogerador), segundo o qual «Em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio. Pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, que não o aerogerador, que é remunerado (…).
Pelo que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõe o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este (o parque eólico), na sua unidade, atenta a sua finalidade.».
Assiste, pois, razão à impugnante, ora recorrente, quando advoga que os elementos constitutivos de um parque eólico (os aerogeradores, os elementos de ligação, a estação de comando e a subestação) não se subsumem à figura de “prédio” de acordo com a definição constante no CIMI, atenta a falta de valor económico próprio.
O que faz soçobrar o entendimento vertido pela Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis na Circular nº 8/2013, onde se veiculou o entendimento de que cada aerogerador e cada subestação são unidades independentes em termos funcionais, devendo, por isso, ser considerados como prédios autónomos e qualificados como prédios urbanos do tipo "outros".” …”.
  Vimos já que com este entendimento nãos e conforma a Recorrente, aduzindo, no essencial, os mesmos argumentos que vem esgrimindo noutros processos e que no acórdão transcrito se mostram rebatidos.
Todavia, porque a Recorrente vem aqui invocar em abono da sua posição legislação que, em seu entender é susceptível de abalar aquela decisão, importa salientar claramente o seguinte: quer a alteração ao artigo 38.º do CIMI, quer a Portaria n.º 11/2017, de 9 de Janeiro, já tinham sido publicadas e entrado em vigor na data em que o referido aresto (e os que lhe sucederam) foi proferido, o que eventualmente explicará a opção da Recorrente por uma alegada “comprovação do desacerto” do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - e, presume-se, de todos os outros que lhe tem seguido o exemplo interpretativo - e não pela invocação de uma alteração dos pressupostos de facto e de direito em que o mesmo se louvou.
Acontece, porém que, quer seja interpretado como um novo argumento de falta de fundamento do julgado, quer como alteração dos pressupostos, e independentemente de se sindicar a sua aplicação aos presentes actos de avaliação, dizemos já que, contrariamente ao que parece estar implícito na nova argumentação, nem os n.ºs 3 e 4.º do artigo 38.º do CIMI, na redacção que lhes foi atribuída pela Lei n.º  7-A/16, nem a Portaria n.º 11/2017, de 9 de Janeiro, procederam a qualquer alteração ao artigo 2.º do CIMI que constitui, como está bem de ver, o fundamento primeiro do julgado.
Aliás, no caso de essa alteração se ter realizado por via da Portaria citada seria, naturalmente, absolutamente ilegal, e, consequentemente, não poderia ser-lhe dado qualquer relevo num eventual percurso argumentativo tendente a uma inflexão da nossa decisão.

Mas, como dissemos, nem sequer é o caso. As alterações ao artigo 38.º do CIMI mostram-se directamente dirigidas, como da leitura desses preceitos resulta, às operações de determinação do valor patrimonial tributário, aí se tendo passado a determinar (após a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) que “Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º.» (n.º 3) e que «A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no numero anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos.» (n.º 4).
Quanto à Portaria n.º 11/2017, é também claro do seu preâmbulo e da sua regulamentação quais foram os objectivos tidos em vista: tendo «a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento de Estado para vigorar em 2016» introduzido «alterações ao CIMI, designadamente no que respeita ao artigo 38.º, que, como referido, estabelece a regra geral de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos», e a «nova redação daquela norma permite alargar a aplicação do «método de custo adicionado do valor do terreno», previsto no n.º 2 do artigo 46.º do CIMI, a alguns tipos de prédios da espécie comercial, industrial ou para serviços, para os quais a aplicação da fórmula avaliativa consignada no n.º 1, do referido artigo 38.º, tem vindo a revelar-se desajustada», visa-se, com esta Portaria «definir a tipologia de prédios urbanos aos quais é aplicável o método previsto no n.º 2 do artigo 46.º do CIMI», o que foi concretizado pela aprovação da lista de prédios que devem ser sujeitos a essa metodologia avaliativa (artigo 1.º), publicada em anexo à mesma Portaria.
Ou seja, nem as alterações ao artigo 38.º do CIMI, que regula o método de avaliação dos prédios urbanos, nem a Portaria n.º 11/2017, de 9 de Janeiro, que contém em exclusivo uma lista dos tipos de prédios urbanos sujeitos a método de avaliação previsto no CIMI, contendem ou pretenderam contender com a definição de prédio urbano constante no artigo 2.º do CIMI, que permaneceu, assim, umbilicalmente ligada, para o que nos importa nos autos, ao elemento económico, isto é à necessidade de a fracção de território em causa possuir, por si só, valor económico para poder ser qualificado como “prédio” sendo esta característica imprescindível para efeitos de incidência objectiva de IMI, constituindo essa qualificação, como está bem de ver, condição sine qua non da própria legalidade das operações de avaliação e do valor patrimonial que a final é fixado.
            É, pois, de concluir que os actos do Chefe do Serviço de Finanças de ... proferidos em sede de procedimento de segundas avaliações dos dezanove prédios inscritos oficiosamente na matriz urbana sob os artigos 5222, 5223, 5224 e 5225, da freguesia da ...; 2809, 2810, 2811, 2812, 2813, 2814, 2815 e 2816, da freguesia de ...; e 2487, 2488, 2489, 2490, 2491, 2492 e 2493 da freguesia de ..., que compõem o Parque Eólico de ..., que fixou a este enfermam de ilegalidade por erro nos pressupostos, vício determinante da sua anulação.

E, consequentemente, concluindo-se pela inexistência de erro de julgamento de facto e de direito na sentença recorrida, deve a mesma ser confirmada, o que se fará, negando provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mais se julgando expressamente prejudicada a apreciação da questão que subsidiariamente foi suscitada pela Recorrida em sede de ampliação de recurso.


***

Cabe agora apreciar o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º, nº7, do Regulamento das Custas processuais formulado pela Recorrente nas suas alegações de recurso.

Como resulta dos autos, o valor fixado à presente acção ascende a €6.018.440,00 (seis milhões, dezoito mil e quatrocentos e quarenta euros), concluindo-se, deste modo, que é manifestamente um caso em que o valor é superior ao valor de € 275.000,00 previsto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais e, consequentemente, a impor, a pedido ou oficiosamente, que seja ponderada por este Tribunal Central a possibilidade de dispensar as partes do remanescente a título de taxa de justiça nesta instância, o que faremos seguindo de muito perto o enquadramento jurídico por nós exposto no acórdão de 25 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 6623/13.

Nesse sentido, começamos por adiantar que a questão que se coloca é, pois, a de saber se, face ao circunstancialismo dos autos, isto é, relevando-se os três factores mencionados no artigo 530.ºdo Código de Processo Civil (CPC) deve ou não este Tribunal Central lançar mão do mecanismo de dispensa do remanescente prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP e, em caso afirmativo, se essa dispensa deve ser total ou parcial.

Para efeito de apreciação da questão, para além do preceituado no artigo 6.º, n.º 7 do RCP – que estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento – importa ainda considerar que nos termos do artigo 529, nº.2, do CPC, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do RCP pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do mesmo diploma legal citado (artigo 6.º e Tabela I, anexa ao RCP). E que “a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso”.[1]

Daí que, seja líquido concluir que o mencionado remanescente está directamente conexionado com o que se mostra prescrito na Tabela I, anexa ao RCP, isto é, com o comando na parte em que determina que, para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, que o juiz deverá ter presente como sendo aquele que, em caso de não haver dispensa, corresponderá ao valor a pagar, por ser aquele que será atendido na elaboração da conta final.

 Acresce que, como é sabido, a decisão de dispensa, nos termos excepcionais em que se mostra consagrada, está dependente, por força da lei, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. Ou seja, a decisão judicial de dispensar o pagamento do remanescente em dívida haverá necessariamente que fundar-se num juízo a formular quanto à verificação de uma complexidade não relevante ou mesmo na manifesta simplicidade da causa associadas ainda a um comportamento irrepreensível das partes na forma como actuaram no processo na defesa legítima dos seus interesses.

Sobre estes critérios norteadores da decisão tem vindo a jurisprudência a pronunciar-se repetidamente, afirmando que:

- a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.530, nº.7, do CPC, que estabelece que “Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”;

- as questões de “elevada especialização jurídica ou especificidade técnica” são as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir;

- as questões jurídicas de “âmbito muito diverso” são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados [2]

- a conduta processual a destacar para efeitos de uma decisão positiva quanto à questão de dispensa do pagamento será a que for reveladora do dever de boa-fé processual estatuído no actual artigo 8.º do Código de Processo Civil, isto é, a conduta da parte reveladora de que actuou no processo num sentido construtivo e sempre dirigido, sem prejuízo do direito de defesa dos seus interesses legítimos, para a descoberta da verdade material.

Revertendo ao caso concreto, adiantamos que não temos dúvida alguma quanto a ser irrepreensível a conduta das partes, sendo manifesto que nunca assumiram no processo qualquer conduta capaz de ser qualificada como obstativa da sua normal tramitação, dilatória e muito menos de má-fé.

Relativamente à complexidade técnica, é certo que, se em abstracto a mesma existiu, não é menos certo que as questões que apreciámos e decidimos vem sendo debatidas e decididas pela jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, que, como se vê deste aresto, no que à questão essencial respeita, seguimos integralmente.

Assim, e porque se deve entender que o remanescente não será devido sempre que as causas em concreto não tenham especial complexidade e o comportamento das partes não tenha de alguma forma contribuído de forma acrescida para essa dificuldade, impõe-se concluir pela verificação, in casu, dos pressupostos de dispensa de pagamento integral do remanescente devido nesta instância.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso jurisdicional, em confirmar na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, dispensando-se ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça que seria devido pelo valor superior a € 275.00,00.

Registe e notifique.

                                                 *****
Lisboa,  22 de Março de 2017


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                              [Anabela Russo]


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                                                          [Jorge Cortês]




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                                                                                                [Vital Lopes]


[1] Cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-4-2015 (processo n.º 8416/15), de 16-1-2014 (processo n.º.7140/13) e de 13/3/2014 (proc.7373/14). No mesmo sentido SALVADOR DA COSTA, “Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado”, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.

[2] Veja-se, neste sentido, a jurisprudência e a doutrina citadas na nota anterior, bem como os acórdãos e autores para que aí somos remetidos.