Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 816/15.3BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 03/22/2018 |
Relator: | ANABELA RUSSO |
Descritores: | IMI PARQUE EÓLICO CONCEITO DE PRÉDIO PARA EFEITOS DE IMI LISTA DE PRÉDIOS SUJEITOS A ESPECIAIS OPERAÇÕES DE AVALIAÇÃO |
Sumário: | I – Para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis, “prédio” é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência (elemento físico), que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico) – artigo 2.º do CIMI. II – As alterações introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março no que respeita às operações de avaliação (aditamento dos n.ºs 3 e 4 ao artigo 38.º do CIMI) e a lista de prédios que devem ser sujeitos ao procedimento de avaliação previsto no artigo 46.º do CIMI, aprovada pela Portaria n.º 7/11, de 9 de Janeiro, não introduziram, nem pretenderam introduzir qualquer alteração ao conceito de prédio previsto no artigo 2.º do CIMI, como claramente resulta do seu teor, permanecendo este conceito e a verificação dos pressupostos aí previstos como condição dessa qualidade de prédio e, consequentemente, de legalidade do próprio procedimento avaliativo e do valor patrimonial tributário que venha a ser fixado. III – Os elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não podem, de per si, ser considerados como prédios urbanos da espécie “outros” nos termos do preceituado no artigo 2.º do CIMI. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira vem recorrer da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por “Eólica ..., S.A.” contra os actos de fixação do valor patrimonial, em segunda avaliação, dos prédios inscritos oficiosamente na matriz predial sob os artigos 5222, 5223, 5224 e 5225, da freguesia da ...; 2809, 2810, 2811, 2812, 2813, 2814, 2815 e 2816, da freguesia de ...; e 2487, 2488, 2489, 2490, 2491, 2492 e 2493 da freguesia de ..., todas freguesias do concelho de ..., no valor global de €6.018.440,00 e que correspondem aos dezanove aerogeradores que compõem o Parque Eólico de .... Nas alegações apresentadas, em que fundamenta a sua pretensão revogatória, conclui nos seguintes termos: «I. Através da sentença ora sob recurso, o Tribunal “a quo” julgou procedente a presente impugnação judicial e anulou os atos de fixação de valor patrimonial tributário dos 19 prédios em causa; II. Para decidir pela procedência da presente impugnação, e consequente anulação dos atos de avaliação impugnados, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” apoiando-se num acórdão proferido no Processo n.º0140/15, em 15-03-2017, pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) entendeu que demonstra-se ilegal e inaceitável, por violação do princípio da legalidade, a inscrição oficiosa destas realidades na matriz predial como prédios urbanos, encontrando-se, consequentemente, feridas de ilegalidade as respetivas avaliações e atos de fixação dos VPTs; III. Salvo o devido respeito por diferente entendimento, a Fazenda Pública entende que esta decisão não pode manter-se na ordem jurídica, nos termos em que foi proferida porque resulta de um errado julgamento de facto e de direito; IV. Da matéria de facto dada como provada nos presentes autos não se pode retirar a conclusão que ali se deixou expressa, a de que a um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injeção de energia elétrica na rede pública não tem valor económico próprio; V. Em nenhuma das alíneas do probatório fixado na sentença ora sob recurso se encontra provado que, cada um dos 19 aerogeradores instalados no concelho de ..., e que integram o Parque Eólico de ..., não tem aptidão suficiente para, por si só, produzir e injetar energia elétrica na rede pública; VI. Não se encontra provado nestes autos que os aerogeradores avaliados dependam uns dos outros, nem de qualquer outro que integre o referido parque eólico para produzir e injetar na rede pública a energia elétrica que produzem; VII. Também não se encontra provado nos presentes autos se o parque eólico tem subestação própria nem de que forma os aerogeradores se encontram ligados à subestação que o serve; VIII. Sem a prova destes factos, não podia o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” concluir pela falta de autonomia económica dos aerogeradores avaliados, como concluiu na sentença ora sob recurso; IX. Não estando provado nos presentes autos que aqueles 19 aerogeradores não injetam a eletricidade que produzem diretamente na rede pública de modo individualizado, não podia concluir-se que não têm valor económico próprio como concluiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”; X. A legislação recentemente aprovada (Os nºs 3 e 4, do artigo 38.º do CIMI, aditados pela Lei nº7-A/2016, de 30 de março e a Portaria n.º11/2017, de 9 de janeiro), é bem demonstrativa de que o entendimento resultante do acórdão do STA proferido no Processo n.º0140/15, em 15-03-2017, se apresenta incorreto, pois dela resulta, claro, por exemplo, que as instalações de transformação de eletricidade (leia-se transformadores e subestações) são ali qualificadas como prédios urbanos; XI. Mesmo que se entenda que aqueles 19 aerogeradores do Parque Eólico de ... são partes componentes do parque eólico, isso não constituirá impedimento para que se lhes reconheça a autonomia económica necessária ao preenchimento do conceito de prédio estabelecido no artigo 2º, do CIMI; XII. Qualquer aerogerador, sem outros equipamentos (postos de transformação, esteiras de cabos e outros equipamentos) não cumpre a função para que foi concebido (produção de eletricidade), nem injeta na rede pública a eletricidade que produz, mas essa não pode ser considerada uma circunstância normal; XIII. Em circunstâncias normais, um aerogerador reúne todas as condições para produzir energia elétrica e não precisa de estar integrado num parque eólico para a produzir, já que entre os aerogeradores de um mesmo parque eólico não tem que existir, e regra geral não existe, qualquer ligação; XIV. Cada aerogerador é uma máquina que produz energia elétrica a partir do vento de modo completamente autónomo e independente e não depende de outros aerogeradores para cumprir essa sua função; XV. Um aerogerador é uma unidade de produção de energia elétrica completamente independente e a comprová-lo está, por exemplo, o facto de o Parque Eólico de ... ser constituído por um único aerogerador; XVI. Para produzir energia elétrica um aerogerador também não necessita de estar, obrigatoriamente, instalado no topo de uma torre eólica, embora essa seja a situação mais comum; XVII. O que um aerogerador necessita, para colocar a energia que produz na rede de distribuição pública, é estar ligado a essa rede, porventura, através de uma subestação que até pode não integrar o parque eólico de que faz parte; XVIII. Sendo certo que, em regra, e num primeiro momento, a construção de uma torre eólica tem por finalidade a instalação, no topo, de uma máquina para a produção de energia elétrica (o aerogerador), nada impede que a essa mesma construção seja dada uma utilização diferente, dependendo essa utilização, apenas, da imaginação de cada um; XIX. Tal como os tradicionais moinhos de vento, também aos parques eólicos e às torres eólicas que os integram podem ser dadas diversas utilizações, para além daquela para que foram inicialmente concebidas; XX. Os aerogeradores, individualmente considerados, e em circunstâncias normais, têm valor económico próprio, já que não dependem de outros aerogeradores para cumprir a função para que foram instalados; XXI. Nos termos do artigo 2º, nº1, do CIMI, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico; XXII. Para J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas (op. cit.), “O requisito do valor económico, encontra-se naturalmente associado ao requisito de patrimonialidade, decorrendo daí a suscetibilidade de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular.”; XXIII. Na qualificação de uma determinada realidade como prédio, deve ter-se presente que o elemento económico resulta do facto de essa realidade possuir, em circunstâncias normais, valor económico, independentemente da suscetibilidade de produzir ou não rendimento, podendo esse valor económico resultar das utilidades que gera para o seu proprietário; XXIV. A utilidade das torres eólicas é óbvia, já que estas permitem aos respetivos proprietários colocar os aerogeradores nas alturas mais adequadas para um melhor aproveitamento do vento em cada local; XXV. As torres que suportam os aerogeradores são construções dotadas de autonomia económica em relação ao terreno em que se encontram implantadas; XXVI. Vasco Branco Guimarães (op. cit.) não tem dúvidas em afirmar que “Uma torre eólica tem autonomia económica…”; XXVII. Em face da autonomia jurídica e económica de cada aerogerador, as torres eólicas (ou o conjunto formado por estas e pelas sapatas/fundações, por serem construções) devem ser individualmente consideradas como prédios urbanos, e ser sujeitas à competente inscrição matricial nos termos do CIMI; XXVIII. A valoração económica dos aerogeradores e das torres eólicas resulta, também, do valor de troca subjacente à sua produção e existência; XXIX. O facto de o aerogerador constituir um produto comercializável a título unitário pelos fabricantes justifica a sua objetivação individual para efeitos do direito de propriedade; XXX. Mesmo que se entenda que as torres e as sapatas são partes componentes de um equipamento – o aerogerador lato sensu, devemos ter presente que existem inúmeros exemplos de realidades que não sendo, inicialmente, concebidas para uma função predial, por força das circunstâncias, ou da vontade dos respetivos proprietários, são submetidas a funcionalidades que determinam a sua qualificação como prédio para efeitos fiscais, atento o critério da permanência que resulta do artigo 2º, nº 3, do CIMI; XXXI. Um parque eólico (ou central eólica) não é uma realidade estabilizada já que nada impede que o seu proprietário diminua o número de aerogeradores do seu parque sem que a sua capacidade de produção de energia elétrica, apesar de diminuída com essa operação, seja de algum modo posta em causa; XXXII. A designação de parque eólico (ou central eólica) não é, por si só, condição suficiente para preencher o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º, do CIMI, já que, em muitos casos, os parques eólicos encontram-se implantados em várias frações de território sem que, entre elas, exista qualquer complementaridade espacial; XXXIII. Um parque eólico (ou central eólica) localizado em mais do que um concelho não pode ser qualificado como prédio nos termos do CIMI já que carece de tantas licenças de construção quantos forem os concelhos em que se encontra instalado; XXXIV. Contrariamente ao entendimento vertido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” na sentença ora sob recurso, tem que admitir-se que os aerogeradores reúnem os três elementos constitutivos do conceito de prédio previsto no artigo 2º, nº1, do CIMI (elemento físico, elemento jurídico e elemento económico) e que sua qualificação como prédios, e consequente inscrição matricial, por parte da AT, está correta e é legal; XXXV. Não pode a douta sentença ora recorrida manter-se na ordem jurídica já que, com ela, se violou o disposto no artigo 2º, nº1, do CIMI; XXXVI. Assim sendo como de facto é, e está devidamente provado nos presentes autos, tendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, incorrido em erro de julgamento de facto e de direito, impõe-se a revogação da sentença ora sob recurso, com todas as devidas e legais consequências. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação, por não provada, com todas as devidas e legais consequências. Mais se requer a V.as Ex.as que, a final, atendendo ao facto do valor da causa ser superior a € 275 000,00, determinem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, devida pelo presente recurso, nos termos do disposto no nº7, do artigo 6º, do RCP. A Sociedade Impugnante, ora Recorrida, notificada da admissão do recurso interposto, apresentou contra-alegações, e, prevenindo a hipótese de o Tribunal conceder provimento ao recurso, requereu a título subsidiário e no uso da faculdade consentida pelo artigo 636º do CPC, a ampliação do objecto do recurso, tudo com base no seguinte quadro conclusivo [ordenadas a partir da IX., por iniciativa nossa] I. Contrariamente ao alegado pela Fazenda Pública, a sentença recorrida não merece qualquer reparo ao ter considerado que os aerogeradores, se considerados isoladamente, não têm per se autonomia funcional que permita que sejam destacados da estrutura em que estão inseridos e portanto inexiste o elemento económico para que se possa considerar, isoladamente, um aerogeradores como “prédio” para efeitos de IMI. II. As afirmações em que a Fazenda Pública baseia a sua discordância com a argumentação do tribunal a quo são, de uma leviandade técnica que só poderão ser totalmente afastadas pelo tribunal de recurso. Por um lado porque as afirmações da Fazenda Pública desconsideram a prova feita no processo e por outro pretendem forçar um entendimento plenamente contrário à realidade. III. É falsa a afirmação da Fazenda Pública de que em circunstâncias normais um aerogerador individualmente considerado estará apto a produzir energia elétrica, já que um aerogerador instalado num terreno desligado de todas as infraestruturas que compõem o parque eólico, de nada serve, não produz qualquer energia e, portanto, é completamente inútil do ponto de vista da finalidade a que se destina – a produção de energia eólica. IV. O exercício de aferição da verificação do elemento económico trata-se de apurar se existe valor económico no estado atual da técnica, de acordo com a utilização típica e normal das realidades em presença e tendo em conta as circunstâncias do caso e não de acordo com juízos e raciocínios de abstração das “diversas utilizações” hipotéticas que poderão ser conferidas a uma determinada realidade que subvertem a lógica da incidência objetiva de IMI do princípio da segurança jurídica, caindo-se no perigo de tributar realidades de acordo com uma afetação / função futura, incerta e indeterminada. V. Os próprios exemplos que pretendem, por um lado, sustentar a afirmação de que (i) um aerogerador sozinho, individualmente considerado, é apto a atingir a finalidade para que foi concebido, i.e. a produzir energia eólica, e de que (ii) a um aerogerador podem ser dadas diversas utilizações para além da produção de energia elétrica, retirados pela Fazenda Pública da internet, são falsos e constituem um aproveitamento não rigoroso de informação, informação essa manifestamente desatualizada ou que traduz meros projetos nunca concretizados (quiçá por falta de viabilidade do ponto de vista técnico) e até informação incorreta. VI. Não se pode admitir a afirmação da Fazenda Pública de que o elemento económico está verificado porque “nada impede que o proprietário de um parque eólico aliene, desmonte ou substitua um ou mais aerogeradores do seu parque sem que a sua capacidade de produção de energia elétrica seja de algum modo posta em causa” porquanto (i) não é possível alienar os aerogeradores “que produzam menos energia” porque a produção de energia através de fontes renováveis está sujeita a um escrupuloso processo de licenciamento pela DGEG estando a totalidade dos aerogeradores ligados a uma determinada licença de exploração pelo que o promotor não pode decidir vender aerogeradores sem que isso implique a perda da respetiva licença e (ii) de acordo com a lógica irrepreensível da sentença recorrida, numa perspetiva estática, os aerogeradores em si mesmos considerados não têm um valor de mercado intrínseco mas apenas quando integrados no conjunto de que fazem parte pelo que não existe propriamente um “valor de troca subjacente à sua produção e existência” porque os mesmos não são normalmente adquiridos de forma individualizada. VII. A Fazenda Pública desconsidera toda a prova produzida nos autos, nomeadamente o depoimento de testemunhas e a prova documental trazida aos autos pela impugnante, da qual resulta claro (i) a dependência funcional de cada um dos componentes do aerogerador e dos restantes componentes do parque eólico para a produção da energia elétrica, (ii) que a produção de energia elétrica no contexto de um parque eólico é a afetação para a qual cada um dos componentes do aerogerador (sapata e torre incluídas, naturalmente) é construído e montado, factos estes que não foram impugnados pela Fazenda Pública em momento algum. VIII. O entendimento que sustenta a sentença recorrida está em plena sintonia com as decisões dos tribunais superiores, nomeadamente com as decisões proferidas pelo TCA Sul e pelo STA, em 26-01-2017 e em 15-03-2017 e 07-06-2017, nos processos n.º 516/15.4BELLE, nº0140/15 e n.º 01417/16, respetivamente. IX. Ainda que assim não se considere, sempre se indique nos termos e para os efeitos do artigo 636º do CPC que não é possível entender a sapata e a torre como uma construção ou edificação, para efeitos do conceito de prédio previsto no art.2º nº1 do CIMI, devendo manter-se o entendimento do douto Tribunal a quo. X. Em face de todo o exposto, o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA! A apelante não respondeu à ampliação do recurso. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central, a quem os autos foram com «Termo de Vista» para emissão de parecer, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.
II. Objecto do recurso Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639°, n°1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem. Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635°, n°2 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo artigo 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso. Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo. Atento o exposto, e tendo por referência ambos os recursos jurisdicionais, são as seguintes as questões a apreciar: - Se a sentença recorrida errou no julgamento que fez, por dos factos apurados não ser possível extrair a conclusão de que os dezanove aerogeradores em referência, operam conjuntamente com os catorze situados no Município de ... e que em conjunto formam um «parque eólico»; - Independentemente da resposta dada à questão anterior, saber se a o Tribunal a quo errou ao decidir que cada aerogerador, per se, não constitui um prédio nos termos em que o mesmo se encontra definido no artigo 2º do CIMI. - Sendo afirmativa a resposta dada à questão antecedente, saber se a sapata e a torre constituem um prédio para efeitos do preceituado no artigo 2.º do CIMI.
III. Fundamentação de Facto 3.1. Em 1ª instância foi dada como provada com relevo para a decisão da causa a factualidade que infra se reproduz: A) A Impugnante é titular do direito ao arrendamento dos seguintes prédios rústicos, os quais se destinam à construção e exploração de Parque Eólico:
(Cfr. contratos de arrendamento juntos com a p.i., de fls. 87 a 153). B) A Impugnante instalou nos terrenos identificados na alínea anterior, 19 aerogeradores (cfr. plantas topográficas juntas como documentos 3, 12 e 15 com a p.i.). C) Através da ordem de serviço interna OI201005554, foi realizada uma ação de inspeção à Impugnante, referente ao exercício de 2009, no âmbito do IMI, tendo sido proferido despacho em 13/12/2011, no qual foi proposto que o serviço de finanças de ... promovesse a avaliação dos parques eólicos situados na área do concelho (cfr. fls. 322 dos autos e fls. 66 a 68 do PA apenso). D) Foram remetidos, pelo Serviço de Finanças de ..., os Ofícios nº1467, 1468 e 1469, de 17/02/2014, notificando a Impugnante para proceder à apresentação das declarações Modelo 1 do IMI, sob pena de “ser efetuada inscrição oficiosa nos termos do nº3 do artigo 13 CIMI” (cfr. fls. 75 a 80 do PA). E) Em 15/04/2014, a AT procedeu à inscrição oficiosa dos aerogeradores na matriz predial urbana, como prédios do tipo “Outros”, e efetuou, em 16/04/2014 a respetiva avaliação, segundo o método do custo, nos seguintes termos:
(cfr. declarações modelo 1 do IMI de fls. 94 a 100 e 1020 a 1028 do PA apenso; comprovativos de 1ª avaliação de fls. indicadas do PA e dos autos, bem como documentos 1 a 19 juntos com a contestação). F) Notificada dos resultados das avaliações oficiosas, a Impugnante solicitou, em 27/05/2014, via e-mail, a segunda avaliação dos prédios acima identificados (cfr. fls. 135 a 139 do PA). G) Em 26/11/2014, realizou-se a diligência de segunda avaliação (cfr. termo de avaliação junto como documento 10 com a p.i.). H) Em resultado da segunda avaliação, foram fixados para cada artigo, correspondente a um aerogerador, o seguinte VPT:
(Cfr. documentos de fls. indicadas dos autos e do PA apenso). I) A Impugnante foi notificada dos atos (Ofícios) identificados na alínea anterior em 02/12/2014 (cfr. fls. 196, 265, 334, 402, 470, 538, 610, 754, 823, 892, 961, 1119, 1188, 1257, 1326, 1436,1505, 1572 e 1621 do PA apenso). J) A presente Impugnação foi remetida ao Tribunal através de Sitaf, em 27/02/2015 (cfr. fls. 2 e 3 dos autos).
3.2. Consta ainda da mesma sentença que «Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e do processo administrativo, não impugnada, conforme especificado em cada uma das alíneas supra». E que «Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.».
IV - Fundamentação de Direito Como resulta do ponto I do presente acórdão, a Administração Tributária e Aduaneira discorda do julgado por, em seu entender, a mesma padecer de erro de julgamento de facto e de direito. Para fundamentar a sua pretensão alega a Recorrente, em síntese, que a conclusão extraída pelo Tribunal a quo, de que é ilegal a inscrição oficiosa dos aerogeradores na matriz predial como prédios urbanos e, consequentemente, estão feridas de ilegalidade as respectivas avaliações e actos de fixação dos VPTs não tem qualquer suporte factual já que do probatório não pode extrair-se que: (i) um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia na rede pública não tem valor económico próprio, isto é, que cada um dos 19 aerogeradores instalados no concelho de ..., e que integram o Parque Eólico de ..., não tem aptidão suficiente para, por si só, produzir e injectar energia eléctrica na rede pública; (ii) os referidos aerogeradores dependam uns dos outros, nem de qualquer outro que integre o referido parque eólico para produzir e injectar na rede pública a energia eléctrica que produzem (iii) o parque eólico tem subestação própria nem de que forma os aerogeradores se encontram ligados à subestação que o serve. Tudo, pois, para concluir, que sem a prova destes factos não podia o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo concluir pela falta de autonomia económica própria dos aerogeradores avaliados. Mais alega que, e sublinhando que a decisão de 1ª instância se encontra exclusivamente alicerçada num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que a legislação aprovada em 2016, isto é, o aditamento dos n.ºs 3 e 4 ao artigo 38.º do CIMI pela Lei n.º 7-A/2016 e a Portaria n.º11/2017, de 9 de Janeiro, são bem demonstrativos de que o entendimento professado no referido aresto do Supremo Tribunal Administrativo está errado, por daqueles diplomas resultar claro que as instalações de transformação de electricidade (leia-se transformadores e subestações) são ali qualificadas como prédios urbanos. Por fim, assenta ainda a Recorrente a sua pretensão revogatória no entendimento de que, mesmo que se entenda que aqueles 19 aerogeradores do Parque Eólico de ... são partes componentes do parque eólico, isso não constituirá impedimento para que se lhes reconheça a autonomia económica necessária ao preenchimento do conceito de prédio estabelecido no artigo 2º, do CIMI já que, em circunstâncias normais, um aerogerador reúne todas as condições para produzir energia eléctrica e não precisa de estar integrado num parque eólico para a produzir, já que entre os aerogeradores de um mesmo parque eólico não tem que existir, e regra geral não existe, qualquer ligação, constituindo, nessa medida, uma máquina que produz energia eléctrica a partir do vento de modo completamente autónomo e independente dos demais aerogeradores para cumprir a sua função, bem podendo ocorrer, como ocorre com outros Parques Eólicos, que estes funcionem ou sejam constituídos por um único aerogerador. Mas, como dissemos, nem sequer é o caso. As alterações ao artigo 38.º do CIMI mostram-se directamente dirigidas, como da leitura desses preceitos resulta, às operações de determinação do valor patrimonial tributário, aí se tendo passado a determinar (após a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) que “Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º.» (n.º 3) e que «A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no numero anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos.» (n.º 4). E, consequentemente, concluindo-se pela inexistência de erro de julgamento de facto e de direito na sentença recorrida, deve a mesma ser confirmada, o que se fará, negando provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mais se julgando expressamente prejudicada a apreciação da questão que subsidiariamente foi suscitada pela Recorrida em sede de ampliação de recurso. *** Cabe agora apreciar o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º, nº7, do Regulamento das Custas processuais formulado pela Recorrente nas suas alegações de recurso. Como resulta dos autos, o valor fixado à presente acção ascende a €6.018.440,00 (seis milhões, dezoito mil e quatrocentos e quarenta euros), concluindo-se, deste modo, que é manifestamente um caso em que o valor é superior ao valor de € 275.000,00 previsto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais e, consequentemente, a impor, a pedido ou oficiosamente, que seja ponderada por este Tribunal Central a possibilidade de dispensar as partes do remanescente a título de taxa de justiça nesta instância, o que faremos seguindo de muito perto o enquadramento jurídico por nós exposto no acórdão de 25 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 6623/13. Nesse sentido, começamos por adiantar que a questão que se coloca é, pois, a de saber se, face ao circunstancialismo dos autos, isto é, relevando-se os três factores mencionados no artigo 530.ºdo Código de Processo Civil (CPC) deve ou não este Tribunal Central lançar mão do mecanismo de dispensa do remanescente prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP e, em caso afirmativo, se essa dispensa deve ser total ou parcial. Para efeito de apreciação da questão, para além do preceituado no artigo 6.º, n.º 7 do RCP – que estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento – importa ainda considerar que nos termos do artigo 529, nº.2, do CPC, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do RCP pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do mesmo diploma legal citado (artigo 6.º e Tabela I, anexa ao RCP). E que “a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso”.[1] Daí que, seja líquido concluir que o mencionado remanescente está directamente conexionado com o que se mostra prescrito na Tabela I, anexa ao RCP, isto é, com o comando na parte em que determina que, para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”. É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, que o juiz deverá ter presente como sendo aquele que, em caso de não haver dispensa, corresponderá ao valor a pagar, por ser aquele que será atendido na elaboração da conta final. Acresce que, como é sabido, a decisão de dispensa, nos termos excepcionais em que se mostra consagrada, está dependente, por força da lei, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. Ou seja, a decisão judicial de dispensar o pagamento do remanescente em dívida haverá necessariamente que fundar-se num juízo a formular quanto à verificação de uma complexidade não relevante ou mesmo na manifesta simplicidade da causa associadas ainda a um comportamento irrepreensível das partes na forma como actuaram no processo na defesa legítima dos seus interesses. Sobre estes critérios norteadores da decisão tem vindo a jurisprudência a pronunciar-se repetidamente, afirmando que: - a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.530, nº.7, do CPC, que estabelece que “Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”; - as questões de “elevada especialização jurídica ou especificidade técnica” são as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir; - as questões jurídicas de “âmbito muito diverso” são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados [2] - a conduta processual a destacar para efeitos de uma decisão positiva quanto à questão de dispensa do pagamento será a que for reveladora do dever de boa-fé processual estatuído no actual artigo 8.º do Código de Processo Civil, isto é, a conduta da parte reveladora de que actuou no processo num sentido construtivo e sempre dirigido, sem prejuízo do direito de defesa dos seus interesses legítimos, para a descoberta da verdade material. Revertendo ao caso concreto, adiantamos que não temos dúvida alguma quanto a ser irrepreensível a conduta das partes, sendo manifesto que nunca assumiram no processo qualquer conduta capaz de ser qualificada como obstativa da sua normal tramitação, dilatória e muito menos de má-fé. Relativamente à complexidade técnica, é certo que, se em abstracto a mesma existiu, não é menos certo que as questões que apreciámos e decidimos vem sendo debatidas e decididas pela jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, que, como se vê deste aresto, no que à questão essencial respeita, seguimos integralmente. Assim, e porque se deve entender que o remanescente não será devido sempre que as causas em concreto não tenham especial complexidade e o comportamento das partes não tenha de alguma forma contribuído de forma acrescida para essa dificuldade, impõe-se concluir pela verificação, in casu, dos pressupostos de dispensa de pagamento integral do remanescente devido nesta instância.
V – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso jurisdicional, em confirmar na íntegra a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, dispensando-se ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça que seria devido pelo valor superior a € 275.00,00. Registe e notifique. ***** [Jorge Cortês] --------------------------------------------------------------------------------- [Vital Lopes] [1] Cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-4-2015 (processo n.º 8416/15), de 16-1-2014 (processo n.º.7140/13) e de 13/3/2014 (proc.7373/14). No mesmo sentido SALVADOR DA COSTA, “Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado”, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg. |