Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1401/15.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:07/12/2017
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:CÔNJUGE / FALTA DE CITAÇÃO
VENDA DE IMÓVEL / CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Sumário:I – No processo de execução fiscal quando é penhorado um bem imóvel, haverá que citar o cônjuge do executado, nos termos e para os efeitos do artigo 239º do CPPT.
II - Arguida a nulidade por falta de citação após a realização da venda, adjudicação de bens, remição ou pagamentos, a anulação só pode ocorrer se o exequente foi o exclusivo beneficiário dele. Ora, in casu, é manifesto que a Administração tributária não é o exclusivo beneficiário da venda do bem penhorado, pois o imóvel foi adquirido por um terceiro.
III - Pelo que, e apesar da nulidade verificada, não pode ser determinada a anulação da venda executiva como pretende a recorrente, sem prejuízo da responsabilidade civil a que haja lugar.
IV - Embora estejamos perante um imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, o certo é que o regime constante da Lei 13/2016, de 23/05, não se aplica no âmbito do processo de execução fiscal em causa.
V - As alterações introduzidas pelo referido diploma legal não têm por "ratio" a anulação de vendas já concretizadas à data da entrada em vigor da lei (cfr.artº.12, do CCivil; artº.12, da LGT), como sucede no caso dos autos, em que a venda ocorreu muito antes, aplicando-se, tão somente, aos casos (de processo de execução fiscal pendente à data de entrada em vigor da lei) em que a venda ainda não tenha ocorrido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

M..., vem recorrer da sentença de fls.237 a 263 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a reclamação judicial por si deduzida, ao abrigo do artigo 276º e segts do CPPT, contra o despacho proferido pela Directora de Finanças de Setúbal, datado de 10/10/2014, que lhe indeferiu o pedido de anulação de venda efectuada no processo de execução fiscal nº... e apensos.


Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:


«1. A recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal "a quo".

2. Da discussão da matéria de facto provada e não provada resulta que nunca a Autoridade Tributária cuidou de citar e notificar J..., cônjuge da Reclamante, dos actos referentes ao processo de execução fiscal n° ... e apensos.

3. Mais resultou provado que imóvel penhorado e vendido, sito na Rua ..., n° 12, 2°Dto, ..., ... constitui casa de morada de família da Reclamante e do seu cônjuge, desde a data do seu matrimónio, o qual ocorreu em 24/11/2001, sendo neste imóvel que habitam, pernoitam e tomam as suas refeições.

4. Determina o artigo 239°, n° 1 do CPPT que sempre que exista penhora de bem imóvel, é o cônjuge do executado obrigatoriamente citado para intervir nos autos em causa.

5. Assim, não sendo J..., cônjuge da Reclamante, chamado/citado nos autos de execução fiscal n°... e apensos, mostrando-se incumprido o vertido no artigo 239°, n°1 do CPPT.

6. Culminando a Lei de forma clara e objectiva a deste incumprimento, ou seja,

7. Impõe o artigo 165°, n°1, alínea a) que constituí nulidade insanável " a falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado."

8. Determinando, o n°2 do citado preceito que "as nulidades dos actos têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos."

9. Como consta dos autos, nunca a Autoridade Tributária citou o cônjuge da reclamante após a penhora do imóvel, dos fundamentos da execução fiscal, violando com esta grave conduta, os direitos que a este assistiam,

10. Resultando claro, com a conduta perpetrada pela Autoridade Tributária, que a defesa, se mostra de forma irreparável comprometida, mantendo-se a decisão proferida.

11. A J..., cônjuge da Reclamante, não foi permitido, deduzir defesa, apresentar prova, requerer diligências, ou seja, não foi acautelado o princípio basilar do contraditório.

12. Termos que, se impõe a anulação de todos os actos praticados pela Autoridade Tributária, após penhora do imóvel sito na Rua ..., n°12, 2° Dto, ..., ... ..., por verificada a nulidade insanável prevista termos dos artigos 239°, n° 1 e 165°, n°1, al. a) e n°2 do CPPT, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal "a quo".

Acresce ainda que,

13. Conforme resultou provado, o imóvel penhorado e vendido, sito na Rua ..., n°12, 2°Dto, ..., ... constitui casa de morada de família da Reclamante e do seu cônjuge, desde a data do seu matrimónio, o qual ocorreu em 24/11/2001, sendo neste imóvel que habitam, pernoitam e tomam as suas refeições - facto provado constante sob o n°32.

14. Pelo que, estando os presentes autos de execução fiscal em sede de controvérsia judicial, isto é,

15. Em fase de discussão sobre a improcedência ou procedência da Reclamação feita, à data da publicação e entrada em vigor da Lei n°13/2016, de 23 de Maio, a qual veio alterar o disposto no artigo 244°, n°2 do CPPT, impedindo a realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria permanente do executado e seu agregado familiar, ou seja, configure casa de morada de família,

16. Entende-se que a mesma seria de aplicar ao caso concreto dos presentes autos, por verificação dos seus pressupostos de aplicação.

17. O que não aconteceu, violando o Tribunal "a quo", salvo o devido respeito, o espirito da lei.

Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de Vossas Excelências, Venerados Desembargadores, deve a presente sentença ser revogada, e em consequência:

A) Serem anulados todos os actos praticados pela Autoridade Tributária, após penhora do imóvel sito na Rua ..., n°12, 2° Dto, ..., ... ..., por verificada a nulidade insanável prevista termos dos artigos 239°, n°1 e 165°, n°1, al. a) e n° 2 do CPPT

Se assim não se entender,

B) Ser anulada a venda imóvel sito na Rua ..., n°12, 2° Dto, ..., ... ... em sede de execução fiscal, por violação do artigo 244°, n° 2 do CPPT, na redacção dada pela Lei n° 13/2016, de 23 de Maio.

REPONDO DESTA FORMA
JUSTIÇA,»


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 329 a 333 dos autos).

*

Com dispensa de vistos dado o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«1. Em 31-07-1997 a Reclamante adquiriu a L... o imóvel sito na Rua ..., 12 – 2º Dto, ..., ... ..., inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de ... sob o artigo 10333 e registado na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº2156/198808004-H (cfr. fls. 38/verso do processo de execução fiscal - PEF - apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Em 24-11-2001, a Reclamante e J... contraíram matrimónio (cfr. certidão de casamento de fls. 133 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 16-09-2003 foi pelo Serviço de Finanças de ... -3 instaurado contra a Reclamante o processo de execução fiscal nº... para cobrança de dívida de IVA no valor de € 3.853,42 (cfr. fls.1 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 01-06 2009, através da inscrição AP 4494, foi registada a favor da Fazenda Nacional a penhora do imóvel identificado em 1) no âmbito do processo de execução fiscal nº... (cfr. fls. 40 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Em 03-02-2011 a Reclamante solicitou, junto do Serviço de Finanças de ... -3, por correio electrónico, uma reunião com o objectivo de liquidar dívidas fiscais pendentes (cfr. fls. 50 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Em 08-02-2011 foi emitido mandado de citação, em nome da Reclamante, do processo de execução fiscal nº... e apensos (cfr. mandado de citação de fls. 57 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. A Reclamante recebeu pessoalmente a citação do processo de execução fiscal nº... e apensos em 08 02-2011 (cfr. certidão de citação de fls. 61 a 64 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. Em 07-03-2011 a Reclamante efectuou junto do Serviço de Finanças de ... -3, pedido de pagamento em prestações das dívidas em cobrança no processo de execução fiscal nº... e apensos (cfr. fls. 68 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9. O pedido identificado no número anterior foi formulado com dispensa da prestação de garantia pelo seguinte motivo "o imóvel já se encontra penhorado" (cfr. fls. 68 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

10. Em 20-04-2011 foi pelo Chefe do Serviço de Finanças de ...-3 proferido despacho a autorizar o pagamento da dívida exequenda em 12 prestações mensais (cfr. fls. 81 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. Em 17-05-2011 foi remetida notificação à Reclamante a comunicar a autorização do pagamento da dívida exequenda em prestações, a qual veio devolvida com a indicação de "objecto não reclamado" (cfr. fls. 83 e 110 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12. Em 11-07-2011 foi remetido à Reclamante mensagem de correio electrónico a comunicar que a mesma se encontrava o plano de pagamento em prestações se encontrava em incumprimento (cfr. fls. 108 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13. Em 19-10-2011 a Reclamante, com fundamento no facto de nunca ter sido notificada da autorização do pagamento em prestações requereu o estabelecimento de novo plano de pagamento prestacional (cfr. fls. 102 a 108 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ... - 3 de 20-10-2011, foi determinado que se procedesse a nova notificação à Reclamante do plano de pagamento em prestações autorizado, o qual foi cumprido através da remessa do ofício nº10525, entregue em 24-10-2011 (cfr. fls. 110 a 113 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

15. Em 09-05-2012 foi emitido mandado de notificação de penhora /citação pessoal, em nome da Reclamante, da penhora do imóvel identificado em 1) e de que ficou nomeada fiel depositária do mesmo (cfr. fls. 126 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

16. A Reclamante tomou conhecimento da notificação identificada no número anterior, em 10-05-2012 (cfr. certidão de citação de fls. 127 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ... - 3 de 29-10-2013 foi determinada a venda do bem penhorado e identificado em 1) (cfr. fls. 140 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

18. O despacho identificado no número antecedente foi remetido à Reclamante por carta registada com aviso de recepção, em 05-11-2013, através do ofício nº17473, o qual veio devolvido (cfr. fls. 144 e 145 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

19. Em 04-02-2014 o imóvel penhorado e identificado em 1) foi adjudicado a R... (cfr. fls. 160 a 162, do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

20. Em 12-02-2014 R... requereu junto do Serviço de Finanças de ... - 3 certidão de cancelamento de penhora do imóvel identificado em 1) (cfr. fls. 171 e 172 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

21. Por despacho proferi do pé Io Chefe do Serviço de Finanças de ... -3 em 21-02-2014, foi determinado o cancelamento do registo de penhora do imóvel identificado em 1) (cfr. fls. 173 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

22. Em 05-03-2014 R... requereu junto do Serviço de Finanças de ...-3 a entregado bem imóvel identificado em 1) e que lhe fora adjudicado (cfr. fls. 167 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

23. Em 14-03-2014 foi remetida à Reclamante por correio registado com aviso de recepção, através do ofício nº2719, citação para entrega do imóvel, o qual veio devolvido com a indicação de "objecto não reclamado" (cfr. fls. 168, frente e verso, do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

24. Em 04-08-2014 a Reclamante assinou o mandado de notificação através do qual tomou conhecimento que tinha de proceder à entrega do bem imóvel identificado em 1) no prazo de 15 dias (cfr. certidão de notificação a fls. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

25. Em 04-08-2014 a Reclamante requereu junto do Serviço de Finanças de ... - 3 a anulação da venda do imóvel identificado em 1), com o seguinte teor:
M..., contribuinte fiscal n°..., residente na Rua ..., n°12- 2° Dto, ... ..., executada nos autos à margem indicados vem, nos termos do artigo 257° do CPPT requerer a anulação da venda do imóvel sito na Rua ..., Artigo 10333 - «H», da União de freguesias da ... e ..., concelho de ..., o que faz pelos factos e com os seguintes fundamentos;

1. A ora requerente teve conhecimento, por meio de notificação pessoal, no dia 30 de Julho de 2014, que o imóvel objecto de penhora acima identificado, terá sido vendido ao Sr. R....

2. A executada não sabe qual a data da suposta venda, uma vez que tal facto nunca lhe foi notificado pela Administração Tributária.

3. A executada apenas foi notificada, no dia 23 de Julho, mediante carta, da decisão de Verificação de Créditos e ainda, no referido dia 30 de Julho, de que teria dez dias para entregar o imóvel. Ora,

4.Como é do conhecimento da AT, a executada é casada, apresentando declaração de rendimentos conjuntamente com o cônjuge, desde o ano de 2002,

5. Nos termos do disposto no artigo 239° do CPPT, tratando-se da penhora de um imóvel sujeito a registo, o cônjuge da ora reclamante deveria ter sido citado. No entanto.

6. Tal facto nunca sucedeu. Ora,

7. Nos termos do artigo 165°, n°1 al. a) tal facto constitui uma nulidade insanável. Por outro lado,

8. O imóvel objecto de penhora e venda é a casa de morada de família da executada e do seu cônjuge.

9. Pelo que, a venda coerciva da casa de morada de família afectam, irremediavelmente os interesses quer do executado quer do seu cônjuge, consistindo numa violação grosseira dos artigos 65°, n°1 e 67°, n°1 da Constituição da República Portuguesa. De facto,

10. O imóvel objecto de penhora é a única habitação da executada e do seu cônjuge.

11. Com esta venda, a executada e o seu cônjuge vêm ameaçados, de forma irreparável, o seu direito a uma habitação condigna. De facto,

12. A ora executada, encontra-se desempregada, não auferindo quaisquer rendimentos, desde Outubro de 2011.

13. Tendo sido, desde essa data, o cônjuge da executada a assegurar, com muitas dificuldades, os encargos com as despesas do agregado familiar, mormente o pagamento do empréstimo hipotecário junto do Banco ....

14. Por outro lado, foi diagnosticado à executada, em Julho de 2011, uma doença auto-imune, crónica e degenerativa. Pelo que,

15. A venda do imóvel, coerciva, por parte do Estado, sem assegurar os direitos consagrados nos artigos 65°, n°1 e 67°, n°1, constitui uma inconstitucionalidade por omissão.

Termos em que se requer:

1. A anulação da venda por violação do artigo 239° do CPPT;

2. Declaração de que tal violação consistiu numa nulidade insanável, nos termos do artigo 165° do CPPT;

3. Declaração de inconstitucionalidade, por omissão, na venda coerciva da casa de morada de família.

(cfr. fls. 174 a 176 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

26. Em 04-08- 2014 foi pessoalmente comunicada à Reclamante notificação para no prazo de 15 dias proceder à entrega do imóvel identificado em 1) (cfr. fls. 179 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

27. Em 01-10-2014 foi pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal exarada informação a propor o indeferimento do pedido de anulação de venda apresentado pela reclamante, com o seguinte teor:

III-DA APRECIAÇÃO:

Antes de mais, e uma vez que, quem vem arguir a falta de citação é a própria executada e não o seu cônjuge, entendemos que a mesma é parte ilegítima nos presentes autos, que só por si obsta ao conhecimento do pedido.

Ainda assim, sempre se dirá:

Em matéria de prazos e fundamentos para anulação da venda em execução fiscal impõe-se, transcrever os nºs 1 a 4 do art. 257° do CPPT:


Artigo 257º

Anulação da venda


1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:

a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;

b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do nº1 do artigo 203º;

c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.

2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no nº3.

3- Se o motivo da anulação da venda couber nos fundamentos da oposição à execução, a anulação depende do reconhecimento do respectiva direito nos termos do presente Código, suspendendo se o prazo referido na alínea c) do nº1 no período entre a acção e a decisão.

4- O pedido de anulação da venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da administração tributária que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, no prazo previsto no artigo 60º da lei geral tributária.

Alegando a executada nulidade por falta de citação do cônjuge, a sua pretensão será enquadrável na al. c) do n°1 do art.257° do CPPT, de modo que, teria um prazo de 15 dias para ser arguida, de modo que se encontra também o pedido extemporâneo.

Os fundamentos enquadráveis na al. c) do n°1 do art.257° do CPPT, serão basicamente os previstos no art.º839° do NCPC, com as necessárias adaptações. Assim, a venda pode ficar sem efeito em razão de nulidades de que enferme, quer substanciais (relativas ao direito do executado sobre o bem vendido), quer formais (cometidas no próprio processo da execução).

A anulação do acto da venda, nos termos dos artigos 195° do NCPC, depende, quer da ocorrência, relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes, de qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, quer da circunstância de a irregularidade verificada poder ter influência na venda (nºs 1 e 2 do artigo referido).

De modo que, impõe-se saber se se verifica a nulidade insanável alegada e ao julgar verificada essa nulidade, se a mesma é determinante da anulação dos actos processuais subsequentes do processo executivo, incluindo a venda executiva efectuada.

O legislador Fiscal entendeu que pelas dívidas de imposto responde a totalidade dos bens do casal, sejam eles próprios ou comuns, estipulando um regime de responsabilidade solidária no pagamento dos impostos, recaindo em ambos os cônjuges, presuntivamente, em partes iguais, esse obrigação, com possibilidade de ser executado qualquer bem de qualquer dos cônjuges.

Este princípio da solidariedade passiva pelas dívidas fiscais, vem afirmado como regra geral no artº21° da LGT, contudo, o n°3 deste artigo, vem esclarecer que "a responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária."

Não obstante, ainda que a dívida seja da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, sendo penhorado um bem imóvel ou móvel sujeito a registo haverá que citar o cônjuge do executado (artigo 239° do CPPT), passando este a gozar do estatuto processual de co-executado para defesa dos seus direitos.

Pelo que, em processo de execução fiscal, no caso de penhora de imóveis, a falta de citação do cônjuge do executado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 239°, n°1 do CPPT, constitui nulidade insanável nos termos previstos no artigo 165°, n°1, alínea a) do CPPT.

Porém, tal como afirma Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e Comentado VOL. IV, 6ª edição, 2011, pág. 32:

"Deverá entender-se que o indevido prosseguimento da execução sem serem efectuadas as citações aqui referidas tem os efeitos previstos no artº864° n°11 do CPC, conjugado com o artº165° n°1 alínea a) do CPPT, de que resulta que aquela falta tem os mesmos efeitos que a falta de citação do executado, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados, das quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário (...)" (o art. 864° n° 11 do CPC corresponde actualmente ao artigo 786° n°6 do NCPC).

Tal é também entendimento jurisprudencial, veja-se, por exemplo, Acórdão STA de 16.11.2011, Processo n° 0518/11 relatado por Isabel Marques da Silva in "www.dgsi.pt":

“(...)

II - Ainda que a dívida seja da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, sendo penhorado um bem imóvel ou móvel sujeito a registo haverá que citar o cônjuge do executado (artigo 239° do CPPT), passando este s gozar do estatuto processual de co-executado para defesa dos seus direitos.

III - Ao contrário da falta de citação, a nulidade da citação, ainda que possa prejudicar a defesa do citado, tem de ser arguida pelo interessado, no prazo de oposição ou no prazo indicado para o efeito, ou, quando nenhum prazo for indicado, na primeira intervenção processual do citado.

IV - Se o exequente não é o exclusivo beneficiário da venda do bem penhorado, não pode anular-se a venda executiva por motivo de falta/nulidade da citação, sem prejuízo da responsabilidade civil a que haja lugar."

Assim, sendo arguida a nulidade após a venda, e verificando-se nos autos que o imóvel penhorado foi vendido em 04.02.2014 com a respectiva adjudicação já concluída, e as graduações dos créditos efectuadas, parece-nos, salvo melhor opinião, que a falta de citação do cônjuge do executado já não poderá levar à anulação da venda realizada, da qual a Fazenda Publica não foi exclusiva beneficiária, conforme estipula o n°6 do art.786° do NCPC.

Corno escrevia Lopes Cardoso, a propósito do segmento normativo em referência, ainda que o exequente seja mediata ou imediatamente beneficiário da venda, para que possa ocorrer a sua anulação na base invocada, necessário se torna que aquele seja o exclusivo beneficiário desse acto, o que não sucederá quando o comparador seja outra pessoa.

Assim, concluía também que a anulação da venda por falta de citação do cônjuge só poderia ocorrer quando o exequente fosse o comprador do bem e lhe coubesse em pagamento todo o preço da coisa adquirida - in "Manual da Acção Executiva", 3ª ed., págs. 468 a 469, seguindo idêntica posição Amâncio Ferreira, in ob. cit., págs. 316 a 317.

Voltando-nos para o caso em presença, constata-se que a venda do imóvel penhorado nos autos veio a ser adquirido por pessoa que não o exequente, donde, não possa o mesmo considerar-se exclusivo beneficiário do acto que se pretende ver anulado.

Voltando-nos para o caso em presença, constata-se que a venda do imóvel penhorado nos autos veio a ser adquirido por pessoa que não o exequente, donde, não possa o mesmo considerar-se exclusivo beneficiário do acto que se pretende ver anulado.

IV- CONCLUSÃO:

Dito isto, e salvo melhor opinião, somos pelo indeferimento do pedido porquanto:

1- Nos termos do art.257° do CPPT, as nulidades susceptíveis de influenciar a venda, nos termos do art.195° (por remissão do art.838°), ambos do NCPC, apenas podem ser arguidas no prazo de 15 dias após o seu conhecimento.

2 - A executada é parte ilegítima para arguir a nulidade por falta de citação do seu cônjuge.

3 - Independentemente disso, ainda assim, sempre se dirá que, arguida a nulidade insuprível de falta de citação do cônjuge, após a concretização da venda, a mesma não implica a sua anulação, nos termos do preceituado no n°6 do art.786° do NCPC, por se demonstrar que a Fazenda nacional não foi a única beneficiária, como acima se referiu.

(cfr. fls. 9 a 11 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

28. Sobre a informação identificada no número antecedente recaiu despacho concordante do Chefe de Divisão da Justiça Tributária datado de 03-10-2014, que, por sua vez, foi confirmado por decisão da Directora de Finanças de Setúbal de 10-10-2014 (cfr. fls. 8 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

29. A informação e despacho identificados nos números 27) e 28) foram remetidos à Reclamante por correio registado com aviso de recepção, através do ofício nº8513 de 03-11-2014, o qual veio devolvido (cfr. fls. não numeradas do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

30. A informação e despacho identificados nos números 27) e 28) foram novamente remetidos à Reclamante por correio registado com aviso de recepção através do ofício nº9954 de 19-12-2014, o qual foi entregue em 05-01-2015 (cfr. fls. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

31. A presente reclamação foi remetida, por correio postal, ao Serviço de Finanças de ... - 3, em 15-01-2015 (cfr. registo postal de fls. 5 dos autos).

32. O imóvel penhorado e vendido, sito na Rua ..., 12 - 2.- Dto., ..., ... ... constitui a casa de morada de família da Reclamante e do seu cônjuge J..., desde a data do seu casamento-24-11-2001-, sendo aí que habitam, pernoitam e tomam as refeições (facto que se extrai do depoimento de parte da Reclamante e do depoimento das testemunhas Aldina Salzedas da Silva e J...).

33. O adquirente do imóvel, R..., apenas teve conhecimento que o mesmo se encontrava habitado aquando da sua deslocação ao Serviço de Finanças para proceder ao pagamento do preço do imóvel que lhe fora adjudicado, tendo aí sido informado pelos respectivos funcionários (facto que se extrai do depoimento do contra-interessado R...)

A título de factualidade não provada consignou-se na sentença recorrida que: «Não ficou provado que J..., cônjuge da Reclamante, tenha recebido qualquer notificação ou citação referente ao processo de execução fiscal nº... e apensos.
Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.»

E, em sede de motivação do julgamento da matéria de facto ficou exarado na sentença recorrida que:
«Relativamente aos factos provados, constantes nos números 1 a 31, a convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.
Quanto aos factos provados, constantes nos números 32 e 33, o Tribunal fundou a sua convicção nas declarações de parte da Reclamante e no depoimento das testemunhas inquiridas, conforme infra se descreve.
No que diz respeito às declarações de parte da Reclamante M..., o depoimento da mesma foi apenas valorado quanto ao facto de o imóvel penhorado e vendido constituir a sua e do seu agregado familiar (composto por si e pelo seu cônjuge) casa de morada de família. Disse também que comprou a casa em 1997, tendo passado a habitar a mesma a partir de 2001, até à presente data.
Quanto ao mais, o seu depoimento não foi valorado, por se revelar vago, impreciso e até com algumas contradições, face à prova documental constante dos autos.
Com efeito, a Reclamante não soube precisar se recebeu alguma notificação do Serviço de Finanças sobre a penhora da casa, nem em que data tomou conhecimento da penhora da casa, apenas afirmando que teve conhecimento de tal facto através de uma amiga que trabalhava na Loja do Cidadão em Lisboa. Disse que nunca recebeu qualquer notificação da venda da casa nem da adjudicação da mesma.
Mais afirmou que fez um pedido de pagamento em prestações, não se recordando dos valores que pagava nem qual o período de tempo que pediu. Disse ainda que recebeu um telefonema em Maio de 2014, de um senhor de nome Rebelo, que lhe disse que tinha comprado a sua (da reclamante) casa.
Do depoimento da Reclamante, apesar de evidenciar que nunca recebeu qualquer citação ou notificação referente ao processo de execução fiscal a verdade é que, essa afirmação não é corroborada pelos documentos constantes dos autos. Com efeito, dos autos resulta que a Reclamante foi pessoalmente citada do processo de execução fiscal e que, já aquando do pedido de pagamento em prestações que efectuou, ainda que não tivesse sido notificada, sabia da penhora do imóvel. E tanto assim é que nesse requerimento indicou que o imóvel se encontrava penhorado. Mais tarde foi efectivamente notificada, nomeadamente em 10-05-2012, da penhora e de que havia sido nomeada fiel depositária do mesmo.
Foi valorado o depoimento do contra-interessado R..., adquirente da casa. O contra-interessado, num depoimento credível, honesto e sincero afirmou que não sabia que a casa estava habitada, apenas tendo tomado conhecimento de tal facto quando se deslocou às Finanças para pagar o preço da casa, em 12-02-2014, que foi quando lhe comunicaram, no Serviço de Finanças, que a casa estava a habitada. Evidenciou que, antes, nunca procurou saber se a casa estava habitada. Mais evidenciou que ligou a uma pessoa, que julga ser Reclamante, a dizer que tinha comprado a casa, telefonema este que, sem conseguir precisar, foi feito, no máximo, 2 meses após ter pago a casa.
Foi valorado o depoimento da testemunha A..., mas apenas quanto ao momento a partir do qual a Reclamante passou a residir no imóvel penhorado, tendo a testemunha evidenciado, com convicção e firmeza, que a Reclamante passou a habitar a casa a partir de 2001, nomeadamente a partir da data do casamento. Quanto ao mais, o depoimento não foi valorado, por não ter qualquer conhecimento directo dos factos, em virtude de ter afirmado que, quanto ao processo de execução fiscal e da venda do imóvel, tudo o que sabe foi porque a Reclamante lhe contou.
Foi ainda valorado o depoimento da testemunha J..., que de forma credível, afirmou que o imóvel penhorado constitui a casa de morada de família desde 2001 até à presente data.

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No que diz respeito ao facto não provado, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento da testemunha J..., que afirmou não ter recebido qualquer notificação referente ao processo de execução fiscal nº ... e apensos, o qual é corroborado pela total ausência de qualquer documento demonstrativo da notificação/citação da testemunha. Com efeito, não constam, quer dos autos, quer do processo de execução fiscal, qualquer documento que ateste essa notificação ou citação

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II.2. De Direito


Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

1 - se a falta de citação do cônjuge da reclamante, nos termos previstos nos artigos 239º, nº 1 e 165º, nº 1, al. a) e nº 2, do CPPT, constitui nulidade insanável, que tem como consequência a anulação de todos os actos praticados pela AT após a penhora do imóvel;

2 - se deve ser anulada a venda do imóvel, que constitui casa de morada de família, por violação do art. 244º, nº 2 do CPPT, na redacção dada pela Lei nº 13/2016, de 23 de Maio.

Vejamos.


Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou a presente reclamação improcedente e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido, mantendo-se o acto reclamado.

Quanto à primeira questão,


Invoca a reclamante, ora recorrente, [conclusões 7. a 12.] que impõe o artigo 165°, n°1, alínea a) que constituí nulidade insanável " a falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado." Determinando, o n°2 do citado preceito que "as nulidades dos actos têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos." Como consta dos autos, nunca a Autoridade Tributária citou o cônjuge da reclamante após a penhora do imóvel, dos fundamentos da execução fiscal, violando com esta grave conduta, os direitos que a este assistiam, Resultando claro, com a conduta perpetrada pela Autoridade Tributária, que a defesa, se mostra de forma irreparável comprometida, mantendo-se a decisão proferida. A J..., cônjuge da Reclamante, não foi permitido, deduzir defesa, apresentar prova, requerer diligências, ou seja, não foi acautelado o princípio basilar do contraditório. Termos que, se impõe a anulação de todos os actos praticados pela Autoridade Tributária, após penhora do imóvel sito na Rua ..., n°12, 2° Dto, ..., ... ..., por verificada a nulidade insanável prevista termos dos artigos 239°, n° 1 e 165°, n°1, al. a) e n°2 do CPPT, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal "a quo".

Conforme invoca a recorrente, e resulta dos autos, a Autoridade Tributária não citou o cônjuge da reclamante após a penhora do imóvel.


Ora, no processo de execução fiscal, quando é penhorado um bem imóvel, haverá que citar o cônjuge do executado, nos termos e para os efeitos do artigo 239º do CPPT.

Tal não aconteceu.

Será que se impõe a anulação de todos os actos praticados pela Autoridade Tributária, após penhora do imóvel, como invoca a recorrente?

Adiantamos, desde já, que não, de acordo com o decidido na sentença recorrida, onde sobre esta matéria, em síntese, se escreveu:

«Ora, a falta de citação do cônjuge do executado tem os mesmos efeitos que a falta de citação do executado. Com efeito, nos termos do artigo 165º, nº1, alínea a) do CPPT, a falta de citação constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal, quando possa prejudicara defesa do interessado, a qual pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada [cfr. artigo 165º, nº4 do CPPT, artigos 187º alínea a) e 198º nº 2]

Trata-se de nulidade que pode ser conhecida oficiosamente ou na sequência de arguição, até ao trânsito em julgado da decisão final, de acordo com o nº4 do artigo 165º do CPPT. Assim, omitido que seja o acto de citação do executado, com a consequente possibilidade de prejuízo para a sua defesa, em virtude de, pela falta de citação, ter ficado impossibilitado de utilizar os meios de defesa que a lei prevê para esse efeito, impõe-se a declaração daquela nulidade insanável, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, nos termos do nº2 do artigo 165º do CPPT (neste sentido, acórdãos do STA de 24-11-2006, proc. nº0174/06, de 30-11-2011, proc. nº915/11 e de 30-10-2013, proc. nº1312/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Regressando ao caso dos autos, é incontroverso que a Reclamante é casada desde 24-11-2001 (cfr. nº2 do probatório). E é igualmente incontroverso que o cônjuge da Reclamante não foi citado para o processo de execução fiscal, não tendo ficado provada a existência de qualquer comunicação àquele de qualquer notificação ou citação no âmbito do processo de execução fiscal em que ocorreu a venda do imóvel penhorado.

O que, à partida, por si só, face ao acima exposto, levaria à anulação da venda, por se tratar, como já se disse, de uma nulidade insanável.

Porém, como tem vindo a entender a doutrina, a falta de citação não importa a anulação das vendas, adjudicações, remissões ou pagamentos já efectuados, das quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário, sem prejuízo do direito da pessoa que devia ter sido citada ser indemnizado pelo exequente ou outro credor pago em vez dela, segundo as regras do enriquecimento sem causa, e também sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos gerais, que possa recair sobre a pessoa a quem seja imputável a falta de citação, por força da aplicação do disposto no artigo 786° n°6 do CPPT ao processo de execução fiscal (cfr. Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, IV Volume, 6ª edição, 2011, pág. 186).

Como esclarece Jorge Lopes de Sousa «não há qualquer razão que possa justificar que em execução fiscal o comprador dos bens mereça menor protecção do que a que merece o comprador dos bens em execução comum, porquanto é idêntico o objectivo legal de promover a venda e o seu rendimento (.....) Assim a aplicação, nesta matéria, do regime das nulidades insanáveis, previsto nos nºs 2 e 4 do art.165 ° do CPPT, de que resultaria sempre a anulação das vencias até ao trânsito em julgado da decisão final do processo de execução fiscal, será incompaginável com a unidade do sistema jurídico, que é o primacial elemento interpretativo a considerar (....)» (cfr. Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, IV Volume, 6.ª edição, 2011, pág. 33).

Assim, arguida a nulidade por falta de citação após a realização da venda, adjudicação de bens, remição ou pagamentos, a anulação só pode ocorrer se o exequente foi o exclusivo beneficiário dele.

Este tem também sido o entendimento uniforme da jurisprudência, de que é exemplo o acórdão do STA de 13-12-2013, proferido no processo nº01773/13, no qual se pode ler que: «Se o exequente não é o exclusivo beneficiário da venda do bem penhorado, não pode anula-se a venda executiva por motivo de falta/nulidade da citação, sem prejuízo da responsabilidade civil a que haja lugar.» (neste sentido, ver ainda acórdãos do STA de 16-11-2011, proc. 518/11 e de 31-10-2007, processo nº 575/07, do TCA Norte de 21-12-2016, proc. nº00798/09.OBEPRT, todos disponíveis em www.dgsi.pt; sublinhado e negrito nossos).

Ora, no caso dos autos, é manifesto que a Administração tributária não é o exclusivo beneficiário da venda do bem penhorado, pois o imóvel foi adquirido por um terceiro -R... -, o qual apenas teve conhecimento que o imóvel se encontrava habitado aquando da sua deslocação ao Serviço de Finanças, para procederão pagamento do preço do imóvel que lhe fora adjudicado, tendo aí sido informado pelos respectivos funcionários (cfr. nºs 19 e 33 do probatório). Ou seja, a falta de citação do cônjuge da Reclamante não poderá ter o efeito pretendido por esta, na medida em que o imóvel foi adquirido e adjudicado a um terceiro.

Importa ainda frisar que não se desconhece a jurisprudência invocada pela Reclamante nas suas alegações escritas, nomeadamente o acórdão do STA de 24-05-2016, proferido no processo nº 0365/16. Porém, o mesmo não tem aplicação ao caso concreto, uma vez que assenta em pressupostos diferentes. Com efeito, no citado acórdão, o que está em causa é a reclamação deduzida pelo cônjuge do executado contra a decisão do órgão de execução fiscal de indeferimento do seu pedido de suspensão da execução e da venda do imóvel penhorado, sem que a venda tivesse chegado a ocorrer. E como já disse, no caso dos autos, a venda ocorreu, tendo o bem imóvel sido adjudicado a um terceiro.

Em conclusão, não tendo sido o exequente o exclusivo beneficiário da venda, fica o cônjuge do executado, que indevidamente não foi citado, com o direito de ser indemnizado nos termos do n.º6 do artigo 786º do CPC.

Pelo que, face ao exposto, apesar da verificada nulidade, não pode ser determinada a anulação da venda como pretende a Reclamante, o que determinará a improcedência da presente Reclamação.»

A sentença recorrida seguiu o defendido pela nossa jurisprudência e doutrina dominante.

A título exemplificativo veja-se o Acórdão do STA proferido em 05/02/2015, Proc. 0493/12, onde se pode ler no seu Sumário:

«I – Se o exequente não é o exclusivo beneficiário da venda do bem penhorado, não pode anular-se a venda executiva por motivo de falta/nulidade da citação, sem prejuízo da responsabilidade civil a que haja lugar.»

E no corpo do texto do referido Acórdão pode ler-se (na parte relevante):

«Com efeito deverá entender-se, como sublinha Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª edição, vol. IV, pag. 186, que esta falta de citação não importa a anulação das vendas, adjudicações, remissões ou pagamentos já efectuados ( Sublinhado nosso.), das quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário, sem prejuízo do direito da pessoa que devia ter sido citada ser indemnizado pelo exequente ou outro credor pago em vez dela, segundo as regras do enriquecimento sem causa, e também sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos gerais, que possa recair sobre a pessoa a quem seja imputável a falta de citação.

É o que decorre da aplicação do disposto no artº 864º, nº 11 do Código de Processo Civil (786º, nº 6, na actual redacção) ao processo de execução fiscal, o que se justifica por razões de coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica.
Como esclarece aquele autor, ob. citada, pag. 33, «não há qualquer razão que possa justificar que em execução fiscal o comprador dos bens mereça menor protecção do que a que merece o comprador dos bens em execução comum, porquanto é idêntico o objectivo legal de promover a venda e o seu rendimento (…..) Assim a aplicação, nesta matéria, do regime das nulidades insanáveis, previsto nos nºs 2 e 4 do art. 165º do CPPT, de que resultaria sempre a anulação das vendas até ao trânsito em julgado da decisão final do processo de execução fiscal, será incompaginável com a unidade do sistema jurídico, que é o primacial elemento interpretativo a considerar (….).

Assim, arguida a nulidade por falta de citação após a realização da venda, adjudicação de bens, remição ou pagamentos, a anulação só pode ocorrer se o exequente foi o exclusivo beneficiário dele, ficando o que indevidamente não tenha sido citado com o direito de indemnizado nos termos do nº 11 do art. 864º do Código de Processo Civil, aplicável ex-vi artº 2º, al. e) do Código de Processo Civil, (vide também neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18.12.2013, recurso 1773/13, de 16.11.2011, recurso 518/11 e de 31.10.2007, recurso 575/07, in www.dgsi.pt).

É certo que nos casos de falta de citação do executado, quando o mesmo seja revel, não se aplica o regime previsto no artº 864º, nº 11, do Código de Processo Civil, pois está especialmente prevista no artº 909º, nº 1, al. b) do mesmo diploma legal (839, nº 1, al. b) na actual redacção) a sua relevância como fundamento de anulação de venda, sem qualquer restrição derivada de quem seja o seu beneficiário.
Porém, como já deixámos dito no supra citado Acórdão 1773/13, resulta do texto dessa alínea b) que este regime especial para a anulação da venda pelo executado só aplicável quando ele seja revel, isto é "além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo”(Cf. também, ob. citada, pag. 35.) art. 483º (566º na redacção actual.) do CPC).

Ora no caso subjudice resulta do probatório que a Administração Fiscal notificou a recorrida nos termos artº 220º do CPPT, tendo a mesma tido intervenção no processo em 19.01.2011, mediante requerimento em que informou o órgão de execução fiscal que pretendia requerer a separação de bens (vide pontos 4 e 5 do probatório), sendo de notar que teria sido este o momento oportuno e adequado para a recorrida arguir a nulidade por falta de citação.

Nestas circunstâncias, não tendo tal ocorrido e não sendo a recorrida revel, ser-lhe-á aplicado o regime do artº 864º, nº 11 do Código de Processo Civil, o qual, como vimos, não importa a anulação das vendas, adjudicações, remissões ou pagamentos já efectuados, sem prejuízo da responsabilidade civil da Administração Fiscal e do direito de indemnização por não ter sido devidamente citada.

Deste modo, forçoso será concluir que, ao contrário do que se decidiu em primeira instância, não sendo o exequente o exclusivo beneficiário da venda do bem penhorado, não pode anular-se a venda executiva por motivo de falta/nulidade da citação, sem prejuízo da responsabilidade civil a que haja lugar.
Procede, pois, nesta parte, o recurso.»

Na esteira da sentença recorrida e do supra transcrito Acórdão do STA que seguem a jurisprudência dominante, forço é concluir que arguida a nulidade por falta de citação após a realização da venda, adjudicação de bens, remição ou pagamentos, a anulação só pode ocorrer se o exequente foi o exclusivo beneficiário dele.

Ora, in casu, é manifesto que a Administração tributária não é o exclusivo beneficiário da venda do bem penhorado, pois o imóvel foi adquirido por um terceiro - R..., cfr. nºs 19 a 22 do probatório.

Pelo que, e apesar da nulidade verificada, não pode ser determinada a anulação da venda executiva como pretende a reclamante/recorrente, sem prejuízo da responsabilidade civil a que haja lugar.

Termos em que improcede o primeiro fundamento de recurso.

Vejamos, agora, o segundo fundamento de recurso.

Invoca a recorrente [conclusões 13. a 17.] que conforme resultou provado, o imóvel penhorado e vendido, sito na Rua ..., n°12, 2°Dto, ..., ... constitui casa de morada de família da Reclamante e do seu cônjuge, desde a data do seu matrimónio, o qual ocorreu em 24/11/2001, sendo neste imóvel que habitam, pernoitam e tomam as suas refeições - facto provado constante sob o n°32. Pelo que, estando os presentes autos de execução fiscal em sede de controvérsia judicial, isto é, em fase de discussão sobre a improcedência ou procedência da Reclamação feita, à data da publicação e entrada em vigor da Lei n°13/2016, de 23 de Maio, a qual veio alterar o disposto no artigo 244°, n°2 do CPPT, impedindo a realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria permanente do executado e seu agregado familiar, ou seja, configure casa de morada de família. Entende-se que a mesma seria de aplicar ao caso concreto dos presentes autos, por verificação dos seus pressupostos de aplicação. O que não aconteceu, violando o Tribunal "a quo", salvo o devido respeito, o espirito da lei.

Sobre esta matéria escreveu-se na sentença recorrida:

«Por último, importa ainda atentar num outro argumento invocado pela Reclamante em sede de alegações escritas, na qual a mesma invoca o artigo 244º n°2 do CPPT, na redacção dada pela Lei nº13/2016, de 23 de Maio, a qual entrou em vigor no dia 24 de Maio de 2016 (cfr. artigo 6º da Lei nº13/2016).

De acordo com o referido preceito, não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim.

Do probatório resulta que o imóvel penhorado e vendido se destina à habitação própria e permanente da Reclamante e do seu agregado familiar, constituído pela Reclamante e pelo seu cônjuge (cfr. nº32 do probatório).

Contudo, e apesar de tal facto assente, consideramos que o preceito em causa não se aplica ao caso dos autos, na medida em que, à data dos factos, o preceito ainda não se encontrava em vigor. Isto apesar de a Lei nº13/2016 conter uma disposição que determina a sua aplicação aos processos de execução fiscal pendentes.

Concretizando.

O artigo 5º da Lei n°13/2016 contém uma disposição transitória a qual, sob a epígrafe "Aplicação no tempo" determina que as alterações introduzidas por este diploma têm aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor, ou seja 24-05-2016.

Cremos contudo que a referida norma se aplica aos processos de execução fiscal pendentes onde ainda não tenham sido vendidos os imóveis penhorados e não aos processos onde essa venda já se efectivou. Na verdade, não faria sentido que o legislador tivesse pretendido que o efeito dessa norma fosse o de anular ou invalidar vendas já efectuadas. Até porque uma interpretação nesse sentido estaria, cremos, ferida de inconstitucionalidade, por força da violação dos princípios da segurança jurídica e protecção da confiança.

Aliás, se, como já se deixou dito, mesmo perante uma nulidade por falta de citação, nos casos em que a venda foi feita a um terceiro, essa nulidade não tem como efeito a anulação da venda, precisamente pata assegurar a posição do comprador, por maioria de razão, a entrada em vigor do referido preceito não pode ter como efeito a invalidade da venda já feita anteriormente à entrada em vigor da lei.

Assim, a entrada em vigor da citada lei não tem como efeito determinar a invalidade de efectuadas em momento anterior à sua vigência, mas sim o de obstar à venda, em processos de execução fiscal pendentes, em que essa venda, ainda que tenha sido determinada, não tenha ainda ocorrido.

O que não é o caso dos autos, pois a venda foi realizada em 04-02-2014 (cfr.nº19 do probatório), ou seja, em data muito anterior (mais de dois anos) à data de entrada em vigor do referido diploma legal.»

Mais uma vez bem decidiu o Tribunal a quo.

Sobre esta matéria veja-se o Acórdão proferido recentemente neste TCAS, em 12/01/2017, no Proc. 1089/16.6BESNT, onde se pode ler (na parte relevante):

«Aduz, igualmente e em síntese, o apelante que se verificou a violação da lei 13/2016, de 23/05, diploma que protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado. Que tal alienação, mesmo sem a existência da citada lei 13/2016, de 23/05, é susceptível de se considerar ferida de inconstitucionalidade (cfr.conclusão 3 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.

Conforme se retira do artº.1, da lei 13/2016, de 23/05, com a mesma o legislador visa proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.

Em consequência do acabado de mencionar, o legislador estatui no artº.244, nº.2, do C.P.P.T., com a redacção introduzida pela citada lei, que "não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim".

Apesar disso, e não obstante o artº.6, do referido diploma legal determinar que o mesmo entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, 24/05/2016, e o artº.5, sob a epígrafe "Aplicação no tempo", estatuir que "as alterações introduzidas pela presente lei têm aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor", o certo é que as alterações introduzidas não têm por "ratio" a anulação de vendas já concretizadas à data da entrada em vigor da lei (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.T.), como sucede no caso dos autos, em que a venda ocorreu muito antes, em 30/12/2013 (cfr.nº.3 do probatório), aplicando-se, tão somente, aos casos (de processo de execução fiscal pendente à data de entrada em vigor da lei) em que a venda ainda não tenha ocorrido.

Concluindo, sem prejuízo do exame da situação do imóvel vendido no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos se enquadrar no âmbito da previsão da lei 13/2016, de 23/05 (imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim), o certo é que o regime constante de tal diploma legal não se aplica no âmbito do identificado processo de execução fiscal.»

Tal como no caso do acórdão supra transcrito, também no presente caso, embora estejamos perante um imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, o certo é que o regime constante de tal diploma legal não se aplica no âmbito do processo de execução fiscal em causa.

Na verdade, o artº.1, da Lei 13/2016, de 23/05, visa proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.

E em consequência, o legislador estatuiu no art. 244º, nº 2, do CPPT, com a redacção introduzida pela citada lei, que "não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim".

Vejamos, então.

O art. 6º, do referido diploma legal determina que o mesmo entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 24/05/2016, e o art. 5º, sob a epígrafe "Aplicação no tempo", estatui que "as alterações introduzidas pela presente lei têm aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor".

No entanto, o certo é que as alterações introduzidas não têm por "ratio" a anulação de vendas já concretizadas à data da entrada em vigor da lei (cfr.artº.12, do CCivil; artº.12, da LGT), como sucede no caso dos autos, em que a venda ocorreu muito antes, em 04/02/2014 (cfr.nº 19 do probatório), aplicando-se, tão somente, aos casos (de processo de execução fiscal pendente à data de entrada em vigor da lei) em que a venda ainda não tenha ocorrido.

Assim sendo, e em conclusão, o regime constante da Lei 13/2016, de 23/05 não se aplica ao processo de execução fiscal em causa nos autos.




Termos, em que improcedem as conclusões de recurso, mantendo-se a decisão recorrida.



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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Registe e Notifique.


Lisboa, 12 de Julho de 2017




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[Lurdes Toscano]


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[Ana Pinhol]


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[Jorge Cortês]