Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1491/16.3BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:05/10/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:ILEGITIMIDADE PASSIVA
AÇÃO ADMINISTRATIVA
SUPRIMENTO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Sumário:I – No âmbito da nova ação administrativa a exceção dilatória da ilegitimidade processual passiva é sanável mediante convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
II – Feita a constatação de que o demandado INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL era parte ilegítima, por a legitimidade processual passiva pertencer ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, ao invés de ter avançado logo para a absolvição da instância o juiz a quo devia ter convidado o autor a aperfeiçoar a petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 87º nº 1 alínea a) do CPTA, no sentido de identificar como ré esta última entidade.
Votação:MAIORIA (c/ voto de vencido da Dra. Ana Celeste Carvalho)
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
1. RELATÓRIO

J… (devidamente identificado nos autos), autor na Ação Administrativa que instaurou em 20/12/2016 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, inconformado com a decisão proferida no despacho de 24/05/2017 pela Mmª Juíza daquele Tribunal, pela qual, julgando-se procedente a exceção dilatória de ilegitimidade do demandado INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP, foi o mesmo absolvido da instância, dela interpõe o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida, defendendo que o Tribunal a quo devia ter convidado o autor a aperfeiçoar a sua Petição Inicial, demandando o Fundo de Garantia Salarial, para que os autos prosseguissem contra este, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
1ª - Conforme resulta do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do processo nº 00442/13.1BEPNF, de 01/23/2015, disponível em www.dgsi.pt permanecem casos de ilegitimidade passiva, em sentido próprio, nomeadamente aqueles em que é demandada uma pessoa coletiva pública diversa daquela em cujo âmbito foi praticado o ato ou omissão ou em que se indique um órgão pertencente a uma pessoa coletiva que não é a titular da relação material controvertida. De acordo com o artigo 89.º/1-d) CPTA, a ilegitimidade passiva constitui um fundamento que “obsta ao prosseguimento do processo” e que dá lugar à aplicação do regime dos artigos 88.º e 89.º do CPTA. Nos termos do disposto no artigo 88.º/2, quando a correção oficiosa não seja possível, incumbe ao juiz proferir “despacho de aperfeiçoamento destinado a providenciar o suprimento de exceções dilatórias e a convidar a parte a corrigir as irregularidades do articulado”. Ainda de acordo com o artigo 89.º/2, a absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento não impede o autor de, no prazo de 15 dias, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeiro, para efeitos da tempestividade da sua apresentação. Só no caso de incumprimento do despacho de aperfeiçoamento, e consequente absolvição da instância com esse fundamento, é que o autor fica sem possibilidade de substituição da petição (artigo 88.º/4 aplicável por força do artigo 89.º/4 do CPTA). Ora, à luz deste regime e, nomeadamente, das normas conjugadas dos artigos 88.º/1/2 e 89.º/4 do CPTA não pode afirmar-se, sem mais, que no contencioso administrativo a ilegitimidade (singular) do demandado é insanável e que tem sempre como consequência necessária a sua absolvição da instância. Pelo menos no caso a seguir referido, o juiz deve previamente exercer o seu poder/dever de convidar ao aperfeiçoamento da petição. É certo que, quando ocorra absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento, o autor tem a faculdade de, no prazo de 15 dias, apresentar nova petição, a qual se considera apresentada na data em que tinha sido a primeira (artigo 89.º/2). Contudo, por força dos princípios da promoção do acesso à justiça (in dubio pro actione), do aproveitamento dos atos e da economia processual, justifica-se convidar ao aperfeiçoamento da petição quando, nomeadamente, o único erro verificado respeite à identificação da entidade pública demandada. Embora a sanação desse obstáculo obrigue à repetição do ato de citação, não deixa de constituir a mesma pretensão, com o mesmo pedido e causa de pedir, permitindo o aproveitamento da petição inicial com a correção do demandado e permitindo aproveitar os atos de distribuição e de autuação do processo. Em suma, no caso, porque a única irregularidade que a petição inicial apresenta consiste numa errada identificação do réu que, de acordo com os factos nela alegados, devia ser a pessoa coletiva Fundo de Garantia Salarial e não o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, que tutela e superintende àquele Fundo, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade pública demandada. O entendimento acima exposto não é novo, nem está isolado. Igualmente versando situações de errada identificação da entidade pública demandada, alguma jurisprudência tem entendido, ainda que sem uniformidade, que tal obstáculo é suprível e que o tribunal deve proferir despacho que convide ao aperfeiçoamento da petição – v., entre outros, os Acórdãos do TCAN, de 25.05.2012, P. 01505/09.3BEBRG; e de 28.02.2014, P. 01788/09.9BEBRG; e os Acórdãos do TCAS, de 08.05.2008, P. 01509/06; e de 22.04.2010, P. 05901/10.

2ª - Pelo exposto e com o devido respeito, deveria o tribunal a quo, ao invés de ter proferido a douta sentença recorrida, ter convidado o Autor a aperfeiçoar a sua Petição Inicial, indicando como Réu o Fundo de Garantia Salarial, para que os autos prosseguissem contra este.

3ª - Não o tendo feito, fez errada interpretação dos artigos 88.º/1/2 e 89.º/4 do CPTA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul e neste notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA a Digna Magistrada do Ministério Público não emitiu Parecer.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

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2. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA revisto (DL. nº 214-G/2015) e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013), ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, a questão a decidir é a de saber se o Tribunal a quo ao invés de avançar desde logo para a absolvição da instância, com fundamento em ilegitimidade passiva do réu INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, devia ter convidado o autor a aperfeiçoar a sua Petição Inicial, demandando o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, para que os autos prosseguissem contra este.

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3. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, que fixou nos seguintes termos:
a) A 22.11.2013 viu o seu contrato de trabalho com a E…., cessado;

b) A 2.6.2014 o autor propôs ação laboral contra o despedimento ilícito de que foi alvo e para pagamento de créditos laborais, indemnização e juros de mora;

c) Acontece que, ainda no decorrer daquele processo judicial, a entidade patronal do autor foi declarada insolvente, em 2.12.2014,

d) tendo o autor reclamado os seus créditos laborais na ação de insolvência e os mesmos foram-lhe reconhecidos, no valor de €: 4.122,72.

e) A 19.6.2015 o autor requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento do crédito laboral, nos termos e para efeitos do DL nº 59/2015, de 21.4.

f) O pedido do autor foi indeferido pelo FGS, com fundamento no facto de ter decorrido mais de um ano entre o fim do contrato de trabalho do autor e o requerimento do FGS e com fundamento no facto dos créditos requeridos não se encontrarem abrangidos pelo período de referência, ou seja, pelos seis meses que antecedem a propositura da ação de insolvência.

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B – De direito
1. Da decisão recorrida
Pelo despacho recorrido a Mmª Juíza do Tribunal a quo, enfrentando a exceção dilatória de ilegitimidade passiva que o demandado INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP havia suscitado na sua contestação, julgou-a procedente, absolvendo-o da instância com tal fundamento.
Decisão que se suportou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«Da ilegitimidade do réu Instituto da Segurança Social, IP.
J… vem intentar ação administrativa especial contra o Instituto da Segurança Social, IP, pedindo:
i) a anulação do despacho de 16.5.2016, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que determinou o indeferimento do pedido de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho que tinha com a insolvente E…, SA,
ii) a condenação da demandada no pagamento ao autor da quantia de €: 4.122,72, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde junho de 2015.

Para tanto, o autor diz e prova o seguinte:
a) A 22.11.2013 viu o seu contrato de trabalho com a E…, SA, cessado;
b) A 2.6.2014 o autor propôs ação laboral contra o despedimento ilícito de que foi alvo e para pagamento de créditos laborais, indemnização e juros de mora;
c) Acontece que, ainda no decorrer daquele processo judicial, a entidade patronal do autor foi declarada insolvente, em 2.12.2014,
d) tendo o autor reclamado os seus créditos laborais na ação de insolvência e os mesmos foram-lhe reconhecidos, no valor de €: 4.122,72.
e) A 19.6.2015 o autor requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento do crédito laboral, nos termos e para efeitos do DL nº 59/2015, de 21.4.
f) O pedido do autor foi indeferido pelo FGS, com fundamento no facto de ter decorrido mais de um ano entre o fim do contrato de trabalho do autor e o requerimento do FGS e com fundamento no facto dos créditos requeridos não se encontrarem abrangidos pelo período de referência, ou seja, pelos seis meses que antecedem a propositura da ação de insolvência.

O autor discorda do decidido, por violar o disposto no art 2º do DL nº 59/2015, de 21.4. Assim, argui que o prazo de seis meses referido pelo réu, relativo à data do vencimento dos créditos, apenas se aplica às situações em que o contrato de trabalho cessa em consequência da insolvência da entidade empregadora. Sucede que, no caso do autor, este se viu obrigado a demandar a entidade patronal no tribunal de trabalho, apenas posteriormente tendo ocorrido a insolvência da empresa, os créditos a considerar hão-se ser os que se venceram nos seis meses anteriores à data do reconhecimento dos créditos pelo tribunal de insolvência e não os que se venceram naquele período, uma vez que, nessa data, ainda não podia ser requerida a insolvência da entidade patronal do autor.

Aqui chegados, estando perfeitamente identificada a entidade a quem foi pedido o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, o diploma legal que instituiu a entidade e regula a situação em apreço – o DL nº 59/2015, de 21.4 – a entidade que praticou o ato impugnado, o autor, no entanto, instaura a presente lide contra o Instituto da Segurança Social, IP.

Esta entidade veio arguir a respetiva ilegitimidade, por estar expressamente identificado o Autor do ato impugnado: o Fundo de Garantia Salarial, entidade que é dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, patrimonial e financeira.

Assiste integral razão ao IGFSS, IP.
A parte passiva da relação jurídica administrativa que a Autora coloca em causa é apenas o Fundo de Garantia Salarial (cfr art 10º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
In casu, sendo o ato impugnado da autoria do Presidente do Fundo de Garantia Salarial parte legítima nos autos, do lado passivo, é o Fundo de Garantia Salarial, por, nos termos do art 15º do DL nº 59/2015, de 21.4, ser dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa, patrimonial e financeira.
Não se coloca aqui qualquer questão de preterição de litisconsórcio necessário ou litisconsórcio voluntário.
Com efeito, o Instituto da Segurança Social é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com a natureza de instituto público – cfr art 1º, nº 1 do DL nº 83/2012, de 30.3 – tendo a sua organização interna sido estabelecida pela Portaria 135/2012, de 8.5.
O Fundo de Garantia Salarial não faz parte dos serviços discriminados pela Portaria nº 135/2012.
O Fundo de Garantia Salarial tem personalidade jurídica e personalidade judiciária, tendo o seu novo regime sido aprovado pelo DL nº 59/2015, de 21.4.
Competindo-lhe apreciar e decidir o pedido que lhe foi dirigido pelo ora autor, como fez, aliás, dispondo de competência exclusiva para o efeito, nele tendo corrido o procedimento administrativo que findou com a decisão aqui impugnada, de 16.5.2016.
Nestes termos fácil é concluir que o Fundo de Garantia Salarial é a outra parte na relação material controvertida.
Assim sendo, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP é parte ilegítima na causa.
E, deste modo, o Fundo de Garantia Salarial não pode ser chamado à lide para, como interveniente principal, ser associado ao Instituto da Segurança Social.
Também, perante o contraditório dado ao autor sobre a contestação da entidade demandada, designadamente, sobre a exceção de ilegitimidade passiva, e perante a perfeita identificação e conhecimento, pelo autor, da correta identificação do sujeito passivo da lide, o tribunal não profere despacho de convite ao aperfeiçoamento, com base em irregularidade da petição inicial, no que respeita a um dos seus requisitos legais, o correspondente à identificação (correta) das partes, nos termos do art 87º do CPTA.
A ilegitimidade constitui uma exceção dilatória, nos termos dos arts 576º, nº 1 e nº 2 e 577º, al e) do Código de Processo Civil e do art 89º, nº 1, al nº 2, nº 4, al e) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O que significa que trata-se de questão que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da entidade demandada da instância (cfr art 576º, nº 2 e 278º, nº 1, al d) ambos do Código de Processo Civil e art 89º, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.»
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2. Da tese do recorrente
O recorrente não põe em causa o entendimento feito pelo Tribunal a quo no sentido de que quem deveria ter demandado na ação era o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL e não o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, como fez, sendo este parte ilegítima para ação. O que sustenta, apoiando-se no acórdão do TCA Norte de 23/01/2015, Proc. nº 00442/13.1BEPNF, que cita a transcreve, que o Tribunal a quo deveria ter convidado o autor a aperfeiçoar a sua Petição Inicial, demandando o Fundo de Garantia Salarial, para que os autos prosseguissem contra este, e que não o tendo feito, fez errada interpretação dos artigos 88º nºs 1 e 2 e 89º nº 4 do CPTA.
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3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Cumpre começar por explicitar aquele que vinha sendo o entendimento doutrinal e jurisprudencial sobre a matéria, no âmbito da versão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (Lei nº 15/2002) anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, em particular face ao distinto enquadramento normativo decorrente da existência nos Tribunais Administrativos dos dois meios processuais principais, a «ação administrativa comum» e a «ação administrativa especial», cujos respetivos âmbitos e regras processuais eram distintas (cfr. artigos 37º e 46º do CPTA, versão original). Em termos que as normas de tramitação previstas nos artigos 78º ss. do CPTA (versão original) estavam destinadas à ação administrativa especial, sendo o regime da tramitação da ação administrativa comum a prevista no Código de Processo Civil para o processo de declaração, nos termos do então disposto nos artigos 35º nºs 1 e 2 e 42º do CPTA (versão original).
Neste propósito acompanharemos o que se explanou no acórdão deste TCA Sul de 07/04/2016, Proc. nº 12887/16, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, por nós relatado, naquele quadro normativo, o que se faz para devido enquadramento da questão, e para melhor se poder compreender aquela que parece, no nosso entendimento, ser a solução a dar à questão dos autos ao abrigo do novo regime normativo resultante da revisão operada do CPTA operada pelo DL. nº 214-G/2015, da qual resultou, entre o demais, o abandono daquele modelo dualista de meios processuais principais não urgentes, com o estabelecimento de uma única forma de processo declarativo não urgente, a «ação administrativa».
3.2 Nesse anterior quadro normativo consolidou-se a jurisprudência que entendeu que no âmbito da ação administrativa comum a falta de personalidade judiciária do réu demandado (ainda que, em alguns casos, entendida como ilegitimidade passiva) não é suprível, não admitindo a respetiva correção, fosse ela efetuada oficiosamente pelo Tribunal, fosse ela efetuada pelo autor após convite para o efeito.
Nesse sentido, vide, os acórdãos do STA de 04/02/2016, Proc. 01300/14, onde se sumariou: «I - Os Ministérios não possuem personalidade judiciária para os termos de uma ação administrativa comum para efetivação de responsabilidade civil extracontratual. II - A falta desse pressuposto processual, sendo insanável, implica a absolvição do R. da instância»; de 10/10/2015, Proc. 0556/15 assim sumariado: «I - A personalidade judiciária (inerente à personalidade jurídica) consiste na suscetibilidade de ser parte traduzindo-se na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei. II - Os Ministérios não possuem personalidade jurídica para os termos de uma ação administrativa comum com vista a efetivar responsabilidade civil extracontratual. III - Numa ação instaurada contra um Ministério a sanação da falta de personalidade judiciária não é possível, e não sendo sanável também não pode ser objeto de suprimento nos termos do disposto no artº 590º, nº 1, al. a) do CPC, determinando a absolvição da instância, nos termos do preceituado no artigo 278º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil» e de 03/03/2010, Proc. 0278/09 onde se sumariou: «I - A personalidade judiciária (inerente à personalidade jurídica) consiste na suscetibilidade de ser parte traduzindo-se na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei. II - Os Ministérios não possuem personalidade jurídica para os termos de uma ação com vista a efetivar responsabilidade civil extracontratual. III - Numa ação instaurada contra um Ministério a sanação da falta de personalidade judiciária não é possível, e não sendo sanável também não pode ser objeto de suprimento nos termos do disposto nos art°s 508°, n° 1, al. a), 265°, n° 2, ou dos artºs 325° e segs. do CPC, determinando a absolvição da instância, nos termos do preceituado no artigo 288º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil IV - Tal solução não viola o direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artºs 20º e 268º nº 4 da CRP
Bem como, entre outros, os acórdãos deste TCA Sul de 26/02/2015, Proc. nº 08987/12; de 12/02/2015, Proc. 11740/14; de 15/01/2015, Proc. 11.502/14; de 23/04/2009, Proc. 04053/08 e do TCA Norte 24/05/2007, Proc. 00184/05.1BEPRT, de 11/01/2007, Proc. 00534/04.8BEPNF; de 19/07/2007, Proc. 00805/05.6BEPRT.
Ainda que com ela coexista jurisprudência dos TCA´s em sentido contrário, que considera que o autor deve ser convidado a aperfeiçoar a petição quando, em ação administrativa comum de responsabilidade civil tenha demandado o ministério em vez do Estado. Nesse sentido, vide, designadamente, o Acórdão deste TCA Sul de 22/04/2010, Proc. 05901/10, e o Acórdão do TCA Norte de 23/01/2015, Proc. 00442/13.1BEPNF, este com um voto de vencido.
3.3 Já não era assim, todavia, para as situações de ilegitimidade passiva em sentido próprio no âmbito da ação administrativa especial. O que aliás motivou a recente de recurso de revista excecional pelo Supremo Tribunal Administrativo, precisamente por se constatar não existir um consenso claro quanto à questão de saber se perante o erro na indicação do réu numa ação administrativa especial devia o autor ser convidado a corrigir a petição ou ao invés se devia, desde logo, absolver o réu por falta de legitimidade passiva – vide, designadamente, Acórdão do STA de 08/10/2015, Proc. 01080/15.
3.4 No âmbito da ação administrativa especial os artigos 88º e 89º CPTA, na sua versão original (anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015) dispunham o seguinte:
Artigo 88.º
Suprimento de exceções dilatórias e aperfeiçoamento dos articulados
1 - Quando, no cumprimento do dever de suscitar e resolver todas as questões que possam obstar ao conhecimento do objeto do processo, verifique que as peças processuais enfermam de deficiências ou irregularidades de carácter formal, o juiz deve procurar corrigi-las oficiosamente.
2 - Quando a correção oficiosa não seja possível, o juiz profere despacho de aperfeiçoamento, destinado a providenciar o suprimento de exceções dilatórias e a convidar a parte a corrigir as irregularidades do articulado, fixando o prazo de 10 dias para o suprimento ou correção do vício, designadamente por faltarem requisitos legais ou não ter sido apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
3 - Nos casos previstos nos números anteriores, são anulados os atos do processo entretanto praticados que não possam ser aproveitados, designadamente porque do seu aproveitamento resultaria uma diminuição de garantias para o demandado ou os demandados.
4 - A falta de suprimento ou correção, nos termos previstos no n.º 2, das deficiências ou irregularidades da petição determina a absolvição da instância, sem possibilidade de substituição da petição ao abrigo do disposto no artigo seguinte.”

Artigo 89.º
Fundamentos que obstam ao prosseguimento do processo
1 - Para o efeito do disposto nos artigos anteriores, obstam nomeadamente ao prosseguimento do processo:
a) Ineptidão da petição;
b) Falta de personalidade ou capacidade judiciária do autor;
c) Inimpugnabilidade do acto impugnado;
d) Ilegitimidade do autor ou do demandado;
e) Ilegalidade da coligação;
f) Falta da identificação dos contra-interessados;
g) Ilegalidade da cumulação de pretensões;
h) Caducidade do direito de acção;
i) Litispendência e caso julgado.
2 - A absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento não impede o autor de, no prazo de 15 dias contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação.
3 - O disposto no número anterior é designadamente aplicável quando o pedido formulado em processo impugnatório não tenha sido o adequado, por erro na qualificação do ato jurídico impugnado como norma ou como ato administrativo ou na identificação do ato impugnável.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, é aplicável o disposto no n.º 4 do artigo anterior.

3.5 Do confronto entre o disposto no nº 1 e no nº 2 deste artigo 88º em conjugação com o disposto no artigo 89º do CPTA (versão original) resultava que o artigo 88º do CPTA contemplava a possibilidade de correção não só de deficiências ou irregularidades de carácter formal das peças processuais, máxime da petição inicial, mas também o suprimento de exceções dilatórias obstativas ao conhecimento do mérito da ação.
Quanto a estas importando evidenciar que o seu suprimento e possibilidade de correção na sequência de convite, não seria possível, sendo por conseguinte inadmissível, quando se estivesse em presença de exceção dilatória insuprível. Era o que sucedia, designadamente, no caso de inimpugnabilidade do ato, de ineptidão da petição inicial, de caducidade do direito de ação, de litispendência ou de caso julgado. Em tais situações haveria necessariamente que ser proferida decisão de absolvição da instância (vide a este respeito, e neste sentido, o Acórdão do TCA Norte de 28/02/2014, Proc. 01788/09.9BEBRG).
Em contraponto contar-se-iam como situações passíveis de suprimento, designadamente mediante convite a dirigir à parte, a ilegitimidade passiva do demandado, a coligação ilegal, a falta identificação dos contrainteressados em preterição de litisconsórcio necessário passivo e a cumulação ilegal pretensões.
3.6 Como é sabido o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância quando se verifique a existência de alguma exceção dilatória, sendo que o conhecimento das exceções dilatórias é por regra oficioso e deve ser efetuado em sede de despacho-saneador (cfr. artigos 87º nº 1 alínea a) e nº 2 e 89º nº 1 do CPTA, versão original).
Porém, do inciso “…quando a correção oficiosa não seja possível, o juiz profere despacho de aperfeiçoamento destinado a providenciar o suprimento de exceções dilatórias” constante do nº 2 do artigo 88º do CPTA (versão original), parecia resultar a injunção, imposta ao juiz, no sentido de ser proferido despacho de aperfeiçoamento sempre que se estivesse perante exceção dilatória suprível.
Neste sentido se pronunciam Mário Aroso Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, págs. 458 ss., ali dizendo o seguinte: “(…) Por efeito do que dispõe o nº 2 do artigo 88º, a imediata declaração judicial de absolvição da instância só deverá ocorrer quando se verifique a existência de uma exceção dilatória insuprível, o que sucederá, designadamente, quando ocorram as exceções dilatórias de incompetência do tribunal por falta de jurisdição, de falta de personalidade ou capacidade judiciária do autor, de inimpugnabilidade do ato impugnado (quando se não verifique um mero erro na sua identificação), de caducidade do direito de ação, de litispendência ou de caso julgado, por se tratar, em qualquer dos casos, de situações que não consentem a renovação da instância no âmbito do mesmo processo (…). Em todos os demais casos, e desde que não opere a possibilidade de correção oficiosa, o juiz, nos termos do artigo 88º nº 2 (e em sintonia com o que determina, para o processo civil, o artigo 265º nº 2 do CPC) deverá providenciar pelo suprimento das exceções dilatórias, mediante a prolação de despacho de aperfeiçoamento. É o que sucede nos casos exemplificativamente enunciados no nº 3 deste artigo 89º (erro na qualificação do ato jurídico impugnado como norma ou como ato administrativo ou na identificação do ato impugnável) e também nas situações identificadas nas alíneas a) (ineptidão da petição), d) (ilegitimidade do autor ou do demandado), e) (ilegalidade da coligação), f) (falta da identificação dos contra-interessados), e g) (ilegalidade da cumulação de pretensões) do nº 1.
Acrescentando aqueles autores o seguinte, a respeito do então disposto no nº 4 do artigo 88º e no nº 2 do artigo 89º, o seguinte: “Conforme igualmente prevê o nº 4 do artigo 88, a falta de suprimento das exceções dilatórias a convite do tribunal (isto é, o não acatamento pelo demandante do convite do juiz para aperfeiçoar a petição) tem como consequência imediata a absolvição da instância, sem possibilidade de apresentação de nova petição. Esse é o regime que inevitavelmente resulta da leitura conjugada do nº 4 do artigo 88º e do nº 2 do artigo 89º. Com efeito, aquele preceito penaliza o demandante que se recuse a cumprir o despacho de aperfeiçoamento, impedindo-o de usar a faculdade de substituir a petição nos termos do nº 2 do artigo 89º, quando tenha sido entretanto decretada a absolvição da instância. Este último preceito, por seu turno, circunscreve a hipótese de renovação da instância, por via da substituição da petição, aos casos em que o juiz tenha absolvido da instância “sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento”, o que está em plena sintonia com o comando do aludido artigo 88º nº 4. De notar que a absolvição da instância sem prévio despacho de aperfeiçoamento, a que se reporta o nº 2, pode ocorrer em duas situações distintas (a) ou porque o tribunal entende que ocorre uma exceção dilatória insuprível, que, como tal, não justifica o convite para a sua sanação; (b) ou porque o tribunal, apesar de se encontrar perante uma exceção dilatória suprível, se abstenha de proferir, conforme lhe competia, o despacho de aperfeiçoamento, em vista ao suprimento da falta do pressuposto processual”.
3.7 Assim, à luz deste entendimento, em face do disposto nos artigo 88º e 89º do CPTA (versão original) perante uma exceção dilatória suprível, caberia ao juiz, quando não fosse possível fazê-lo oficiosamente, convidar a parte a proceder ao seu suprimento. O que decorria também, entretanto, do disposto no artigo 6º nº 2 do CPC novo (Lei nº 41/2013), aplicável aos tribunais administrativos ex vi do artigo 1º do CPTA, de acordo com o qual “…o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação depende de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
3.8 E esse era também o nosso entendimento, em termos que no âmbito da ação administrativa especial, detetado que fosse pelo juiz, que a entidade demandada pelo autor não era a que possuía legitimidade passiva para ação, deveria este, previamente à absolvição da instância com fundamento em ilegitimidade passiva do demandado, convidar o autor ao suprimento da exceção mediante a correta identificação da entidade que deveria ser a demandada.
3.9 Com a revisão do CPTA operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro foi abandonada a matriz dualista das formas de processo, passando agora a existir uma única essencial forma de processo declarativo não urgente, a ação administrativa, que incorpora as pretensões a que anteriormente correspondiam as formas da ação administrativa comum e da ação administrativa especial, o que resulta da revogação do nº 2 do artigo 35º e do artigo 42º CPTA e de todas as alterações efetuadas aos anteriores Títulos II e III do código.
A tal modificação se refere, aliás, o preambulo do DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, nos seguintes termos:
Os aspetos mais significativos da presente revisão do CPTA dizem respeito à estrutura das formas do processo e ao respetivo regime. Com efeito, o CPTA, no respeito pela tradição mais recente do contencioso administrativo português, assente na contraposição entre o recurso contencioso e o processo declarativo comum do CPC, tradicionalmente seguido no contencioso das ações, optou por estruturar os processos declarativos não -urgentes sobre um modelo dualista, de acordo com o qual, para além dos tipos circunscritos de situações de urgência, objeto de regulação própria, as causas deviam ser objeto da ação administrativa especial ou da ação administrativa comum, consoante, no essencial, se reportassem ou não a atos administrativos ou a normas regulamentares.
A solução prestava -se a reparos, que se prendiam com a relativa incoerência e com a reduzida praticabilidade do modelo adotado.
Desde logo, relativa incoerência, na medida em que, embora a tramitação que o CPTA estabeleceu para a ação administrativa especial tenha sido, de algum modo, a sucessora daquela que, no regime precedente, correspondia ao recurso contencioso, a verdade é que, nos seus aspetos fundamentais, ela foi configurada por referência ao regime do processo declarativo comum do CPC, ao qual, por sua vez, também se reconduzia a forma da ação administrativa comum.
Esta circunstância tem várias explicações, mas a principal radica no princípio, que o Código assumiu como fundamental, nos artigos 4.º e 5.º, da livre cumulabilidade de pedidos. Com efeito, a introdução da possibilidade da dedução e apreciação, em cumulação de pedidos, de todos os pedidos que correspondem à ação administrativa comum no âmbito da ação administrativa especial, tornou inevitável a aproximação da tramitação desta última ao processo civil, indispensável para que tal fosse possível. Por isso, mais do que a sucessora do anterior recurso contencioso, a ação administrativa especial foi configurada como uma forma de processo primacialmente direcionada a harmonizar o modelo do CPC às especificidades próprias do processo administrativo.
Ora, uma forma de processo com estas características é suficiente, sem necessidade de um modelo dualista, para dar resposta a todos os processos declarativos não –urgentes do contencioso administrativo. Justifica -se, por isso, submeter todos os processos não -urgentes do contencioso administrativo a um único modelo de tramitação, que corresponde ao da anterior ação administrativa especial.
No sentido da consagração de um modelo único de tramitação dos processos não -urgentes concorre, por outro lado, do ponto de vista da praticabilidade do sistema, a conveniência em dar resposta a dificuldades que a delimitação do âmbito de intervenção da ação administrativa comum e da ação administrativa especial colocava. Basta pensar na dificuldade que, em muitas situações concretas, se coloca de saber se a Administração está investida do poder de praticar um ato administrativo impugnável, ou se o interessado pode propor uma ação de reconhecimento dos seus direitos ou interesses sem dependência da emissão desse ato. E na incoerência de se enquadrar o contencioso dos contratos no âmbito da ação administrativa comum e o dos atos administrativos no da ação administrativa especial, num contexto, tão diferente do tradicional, em que é admitida uma relativa fungibilidade entre as figuras do ato administrativo e do contrato.
Estas razões determinaram a opção de se abandonar o modelo dualista que o CPTA consagrava, extinguindo-se a forma da ação administrativa comum e reconduzindo –se todos os processos não -urgentes do contencioso administrativo a uma única forma de processo, a que é dada a designação de «ação administrativa».
Esta nova forma de processo é submetida ao regime que, até aqui, correspondia à ação administrativa especial, mas com as profundas alterações que decorrem da sua harmonização com o novo regime do CPC.
3.10 Das alterações efetuadas aos anteriores Títulos II e III do código, resulta que a nova única forma de processo declarativo não urgente, a ação administrativa, é submetida ao regime que até aqui correspondia à ação administrativa especial, ainda que com as particularidades agora ali previstas – para mais desenvolvimentos, vide, entre outros, Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, pág 349 ss.; Esperança Mealha, in “A nova ação administrativa: uma encruzilhada de acessos a um caminho processual único”, in Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF, AAFDL Editora, 2016, 2ª Edição, pág. 215 ss., Sofia David, in “A proximação e a articulação entre o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e o Código de Processo Civil”, in Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF, AAFDL Editora, 2016, 2ª Edição, pág. 239 ss..
3.11 Sendo que as alterações efetuadas ao CPTA pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro ao CPTA, incluindo as referentes às formas de processo e respetiva tramitação, aplicam-se aos processo administrativos iniciados após 01/12/2015 (cfr. artigo 15º nº 2), como é o caso.
3.12 No âmbito da ação administrativa os artigos 87º, 88º e 89º do CPTA na sua versão atual, decorrente da revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, dispõem, agora, o seguinte:
Artigo 87.º
Despacho pré-saneador
1 — Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
2 — O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
3 — Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
4 — Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
5 — As alterações à matéria de facto alegada não podem implicar convolação do objeto do processo para relação jurídica diversa da controvertida, devendo conformar-se com os limites traçados pelo pedido e pela causa de pedir, se forem introduzidas pelo autor, e pelos limites impostos pelo artigo 83.º, quando o sejam pelo demandado.
6 — Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.
7 — A falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância.
8 — A absolvição da instância sem prévia emissão de despacho pré -saneador, em casos em que podia haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias ou de irregularidades, não impede o autor de, no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação.
9 — Em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, aplica -se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil em matéria de despacho pré-saneador e de gestão inicial do processo.”
Artigo 88.º
Despacho saneador
1 — O despacho saneador destina-se a:
a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente;
b) Conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória.
2 — As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas.
3 — O despacho saneador pode ser logo ditado para a ata da audiência prévia mas, quando não seja proferido nesse contexto ou quando a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz pode proferi-lo por escrito e, se for caso disso, suspendendo-se a audiência prévia e fixando-se logo data para a sua continuação.
4 — No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal e, na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.
5 — Em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil em matéria de despacho saneador e de gestão inicial do processo.”
Artigo 89.º
Exceções
1 — As exceções são dilatórias ou perentórias.
2 — As exceções dilatórias são de conhecimento oficioso e obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3 — As exceções perentórias consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, são de conhecimento oficioso quando a lei não faz depender a sua invocação da vontade do interessado e importam a absolvição total ou parcial do pedido.
4 — São dilatórias, entre outras, as exceções seguintes:
a) Incompetência do tribunal;
b) Nulidade de todo o processo;
c) Falta de personalidade ou de capacidade judiciária de alguma das partes;
d) Falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter;
e) Ilegitimidade de alguma das partes, designadamente por falta da identificação dos contrainteressados;
f) Coligação de autores ou demandados, quando entre os pedidos não exista a conexão exigida no artigo 12.º
g) Pluralidade subjetiva subsidiária, salvo caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida;
h) Falta de constituição de advogado ou de representante legal por parte do autor e a falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a ação;
i) Inimpugnabilidade do ato impugnado;
j) Ilegalidade da cumulação de pretensões;
k) Intempestividade da prática do ato processual;
l) Litispendência e caso julgado.”

3.13 Ora, o entendimento que já valia no quadro da versão original do CPTA para as ações administrativas especiais, destinadas à impugnação de atos administrativos ou à prática de atos administrativos que tivessem sido ilegalmente omitidos ou recusados, no sentido da exceção dilatória de ilegitimidade ser passível de suprimento, continua a ter préstimo no âmbito da nova ação administrativa no novo quadro normativo decorrente da revisão operada ao CPTA pelo DL. nº 214-G/2015, cujos atuais normativos lhe conferem, aliás, maior consistência. E que espelham, o desiderato legislativo de “…procurar corresponder às especificidades do contencioso administrativo, que estão na base da existência de um Código próprio, procurando dar resposta a problemas que não se colocam em processo civil e, nos restantes domínios, consagrando, quando tal se justifica, soluções diferenciadas”, como é referido no preâmbulo do DL. nº 214-G/2015.
3.14 Assim, também o propugnam Mário Aroso Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 4ª edição, 2017, a págs. 604 e 661, identificando como situações passíveis de suprimento ou correção as de ilegitimidade do demandado e falta da identificação dos contrainteressados, de ilegalidade da coligação de réus e de ilegalidade da cumulação de pretensões, e dizendo que Nas situações em que o erro envolva ilegitimidade passiva, deverá ser corrigida a petição, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea a), mediante despacho de aperfeiçoamento, por forma a assegurar o correto prosseguimento da ação, com a devida citação da entidade a quem efetivamente corresponde a legitimidade passiva, sendo que, nesse caso, a não satisfação do convite do tribunal conduz à absolvição da instância (artigo 87.º, n.º 1).
3.15 E isso mesmo já se entendeu no acórdão deste TCA Sul de 06/12/2017, Proc. nº 247/16.8BECTB, disponível in www.dgsi.pt/jtca, em que fomos adjuntos, em situação similar à dos autos presentes autos e no âmbito do mesmo quadro normativo, onde se concluiu o seguinte: «i) No contencioso administrativo a ilegitimidade passiva constitui um fundamento que “obsta ao prosseguimento do processo”, dando lugar à aplicação do regime dos artigos 87.º, 88.º e 89.º do CPTA; ii) Num caso em que a petição inicial revela uma antinomia entre a entidade pública indicada como réu e a entidade pública identificada como sujeito da relação material controvertida, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade pública que pretende demandar; iii) De acordo com o disposto no artigo 87.º, n.º 7, do CPTA, apenas deverá determinar-se a absolvição da instância no caso de falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo que for estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial, o que impõe ao juiz, sob pena de incorrer em nulidade processual, a prolação de prévio despacho com essa finalidade
Juízo que assentou na consideração de que a existência aquelas disposições normativas expressas no âmbito do contencioso administrativo, específicas da ação administrativa, o distanciam da solução adotada no âmbito do Processo Civil, cuja aplicação subjetiva é apenas de aplicação subsidiária.
3.16 Aqui chegados, tem que concluir-se que, feita a constatação pelo Tribunal a quo de que o demandado INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL era parte ilegítima, por a legitimidade processual passiva pertencer ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, ao invés de ter avançado desde logo para a absolvição da instância devia convidado o autor a aperfeiçoar a petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 87º nº 1 alínea a) do CPTA, no sentido de identificar como ré esta última entidade.
3.17 Assiste, pois, razão ao recorrente, merecendo provimento o recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada, baixando os autos à 1ª instância para que prolação do despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos indicados.
O que se decide.
**
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em julgar procedente o recurso jurisdicional, revogando-se a decisão recorrida, e ordenando-se a baixa dos autos à 1ª instância para prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos supra indicados.
~
Sem custas nesta instância – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Lisboa, 10 de maio de 2018

______________________________________________________
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)



______________________________________________________
Maria Cristina Gallego dos Santos




______________________________________________________
Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho



VOTO DE VENCIDA


Voto vencida, porque salvo o devido respeito pela posição que mereceu vencimento, negaria provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida, que decidiu pelo insuprimento da exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular, seguindo a posição vertida no voto que lavrámos no Processo n.º 247/16.8BECTB, de 06/12/2017 e nos termos e com os fundamentos seguintes.

A questão material controvertida consiste em determinar, em face do quadro legal aplicável, se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento quanto à impossibilidade de correção oficiosa e por não proferimento de despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial no que respeita ao pressuposto processual da ilegitimidade passiva singular, no âmbito de uma ação administrativa de impugnação de ato administrativo, em que é pedida a anulação do ato impugnado.

1. O Juiz a quo alicerçou o julgamento de que a exceção de ilegitimidade passiva singular não é passível de correção, seja por iniciativa do autor, seja através de convite ao aperfeiçoamento, determinando sempre a absolvição da entidade demandada da instância.

2. Resulta da matéria factual demonstrada em juízo que foi demandada uma entidade diferente do autor do ato impugnado, sem que um e outro pertençam à mesma pessoa coletiva pública.

Apurando-se que o ato impugnado foi praticado pelo Fundo de Garantia Salarial, não se pode manter na presente instância como entidade demandada, o Instituto da Segurança Social, IP, pois não é este instituto público titular de um interesse direto em contradizer, em função da utilidade derivada do prejuízo que da procedência da ação possa derivar.

3. Delimitando o direito aplicável, na presente instância foi deduzido o pedido de anulação de ato administrativo, pelo que estamos perante uma ação administrativa impugnatória, cujo regime particular aplicável se encontra previsto nos artigos 50.º a 65.º, para além do regime geral da ação administrativa, previsto nos artigos 37.º a 48.º e da aplicação das disposições fundamentais do Código, consagradas nos artigos 1.º a 35.º, todos do CPTA.

Com relevo no que respeita ao regime da marcha do processo, tem ainda aplicação o disposto nos artigos 78.º a 96.º do CPTA, prevendo-se a fase do despacho pré-saneador e do despacho saneador, nos artigos 87.º e 88.º do citado Código.

Procedendo ao enquadramento fáctico-jurídico não existe divergência que no caso foi demandada pessoa jurídica diferente da que praticou o ato impugnado.

4. Para o conceito de legitimidade passiva releva o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do CPTA, nos termos dos quais a ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor, o que no caso de processos intentados contra entidades públicas é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou secretaria regional a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.

Considerando o conceito de legitimidade previsto no artigo 30.º do CPC, invocado pela Recorrente no presente recurso, ele não conduz a resultado diferente, pois é manifesto que a entidade demandada em juízo não tem interesse direto em contradizer (n.º 1), por inexistência de prejuízo que dessa procedência advenha (n.º 2), além de que não é o sujeito da relação material controvertida.

Para que o juiz possa conhecer do mérito da causa é preciso que as partes tenham legitimidade para a ação, que autor e entidade demandada sejam legítimas, ou seja, que estejam no processo as partes que devam estar, sejam as “partes exatas” – cfr. Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 129.

Tem legitimidade passiva quem tiver o poder de se defender da pretensão deduzida em juízo, a pessoa que juridicamente se pode opor à procedência da pretensão, por ser a pessoa cuja esfera é diretamente atingida pela providência requerida, sob pena de assim não for, a decisão que o tribunal venha a proferir sobre o mérito da causa não poder produzir o seu efeito útil, por não vincular os verdadeiros sujeitos da relação material controvertida, que estiveram ausentes na ação.

Interessa por isso que seja demandado na lide o titular da relação jurídica em face do direito substantivo aplicável, o titular da relação que serve de fundamento à pretensão deduzida em juízo, a posição ocupada pela parte para que o juiz possa pronunciar-se sobre o mérito da causa.

Por isso, a legitimidade consiste numa posição da parte perante determinada ação, sendo uma “questão de posição das partes em relação à lide” – Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, I, pp. 74.

Por estar em causa uma referência concreta da legitimidade à ação, a legitimidade já foi designada como legitimatio ad causam, como forma de legitimação para determinada ação, por oposição à legitimatio ad processum, que é a capacidade judiciária – vide Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, obra cit., pp. 132.

Assim, “Não basta assim saber quem são as partes (em sentido formal) no processo. Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, importa ainda saber quais devem ser as partes em sentido substancial, porque só a intervenção destas em juízo garante a legitimidade para a acção.” – Idem, pp. 132.

“A legitimidade, tal como os restantes pressupostos processuais, constitui um requisito essencial para que o juiz profira decisão, não apenas sobre a causa, mas sobre o mérito da acção. E para tal não basta (…) ser parte em sentido formal; é essencial ser parte em sentido substancial. Não basta, noutros termos, saber quem propôs a acção e contra quem a providência foi requerida; torna-se necessário saber quem devia propor e contra em quem devia ser proposta, para que o juiz possa utilmente conhecer do fundo da causa. E essa resposta só pode ser obtida em face da relação material controvertida.” – Ibidem, pp. 151.

O CPTA considerou no disposto do n.º 1 do artigo 10.º do CPTA, como critérios definidores da legitimidade passiva:

(i) os sujeitos da relação material controvertida (1.ª parte),

e, quando for caso disso,

(ii) os titulares de interesses contrapostos aos do autor, ou seja, quem tiver interesse direto em demandar (2.ª parte).

No presente caso foi demandada em juízo uma pessoa coletiva pública diferente da que praticou o ato impugnado, o que resulta que não é ela a outra parte na relação material controvertida.

Por outro lado, não sendo demandado um órgão integrado na pessoa coletiva que devesse estar em juízo como entidade demandada, visto que o Fundo de Garantia Salarial é uma pessoa coletiva de direito público distinta do Estado português, não tem aplicação o disposto no n.º 4 do artigo 10.º do CPTA, que permite a sanação da irregularidade da petição inicial.

Nestes termos, em face dos factos apurados, ao invés de a ação ter sido instaurada contra o Instituto da Segurança Social, IP, devia ter sido instaurada contra o Fundo de Garantia Salarial, sendo a entidade demandada parte ilegítima para estar em juízo, pelo que verifica-se a exceção de ilegitimidade passiva singular.

A ilegitimidade passiva constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causada, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal, segundo o disposto no n.º 2 e na alínea e), do n.º 4, do artigo 89.º do CPTA.

5. No que respeita à questão controvertida, respeitante à possibilidade de suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular no direito processual administrativo, importa dizer o seguinte.

Não obstante o disposto no artigo 1.º do CPTA prever a aplicação supletiva da lei processual civil, importa considerar prima facie o que estabelece a lei processual administrativa, considerando ser a lei especial aplicável ao caso da presente ação administrativa instaurada pela Autora.

No direito processual administrativo sob a vigência do regime processual do CPTA na sua redação inicial, a maioria da jurisprudência vinha decidindo no sentido na impossibilidade de sanação do pressuposto processual da ilegitimidade passiva singular, nos termos em que o decidiu a decisão recorrida, acompanhando a jurisprudência dos Tribunais Judiciais.

O disposto no artigo 88.º do CPTA, aplicável à então ação administrativa especial, previa a intervenção do juiz destinada ao suprimento de exceções dilatórias, segundo a redação do seu n.º 2.

Preceituavam os n.ºs 1 e 2 do artigo 88.º do CPTA, na sua versão originária, com a epígrafe “Suprimento de excepções dilatórias e aperfeiçoamento dos articulados”, o seguinte:

1 – Quando, no cumprimento do dever de suscitar e resolver todas as questões que possam obstar ao conhecimento do objeto do processo, verifique que as peças processuais enfermam de deficiências ou irregularidades de carácter formal, o juiz deve procurar corrigi-las oficiosamente.

2 – Quando a correcção oficiosa não seja possível, o juiz profere despacho de aperfeiçoamento, destinado a providenciar o suprimento de excepções dilatórias e a convidar a parte a corrigir as irregularidades do articulado, fixando o prazo de 10 dias para o suprimento ou correcção do vício, designadamente por faltarem requisitos legais ou não ter sido apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.

No mesmo sentido, a reforma do CPTA de 2015 estabelece no artigo 87.º, em correspondência com o regime processual civil, no n.º 2 e segs. do artigo 590.º do CPC, o despacho pré-saneador, nos termos do qual o juiz (i) conhece de todas as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo, (ii) providencia pela correção das irregularidades formais ou substanciais dos articulados e (iii) pelo suprimento de exceções dilatórias, em respeito do disposto no artigo 88.º do CPTA e do dever de gestão processual, previsto no n.º 2 do artigo 6.º do CPC e no n.º 2 do artigo 7.º-A do CPTA.

Enquadrando normativamente o alvo de discórdia, está em causa a interpretação a expender em relação ao disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2, do artigo 87.º, em conjugação com os n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º-A, do CPTA.

O artigo 87.º, sob a epígrafe “Despacho pré-saneador”, adota a seguinte redação:

1 – Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a:

a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias;

b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;

c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.

2 – O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.” (sublinhados nossos).

O artigo 7.º-A, epigrafado “Dever de gestão processual”, prevê o seguinte:

1 – Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismo de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

2 – O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância, ou quando a danação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando-as a praticá-lo.” (sublinhados nossos).

Quanto ao que releva para a questão controvertida, dos citados preceitos resulta um poder-dever de suprimento oficioso de exceções dilatórias, seja por regularização por iniciativa do tribunal, seja por sanação por impulso processual da parte mediante convite do tribunal.

6. O estabelecido nos n.ºs 1, alínea a) e n.º 2, do artigo 87.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º-A, do CPTA, não diferem significativamente do disposto nos n.ºs 1 a 4 do artigo 590.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º, do CPC.

Os n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do CPC, a respeito do dever de gestão processual a cargo do juiz, prevê que cumpre ao juiz promover “oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação” (n.º 1) e que “o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais que sejam suscetíveis de sanação” (n.º 2).

O artigo 590.º do CPC, concretizando o dever de gestão inicial do processo, consagra o poder-dever de o juiz “providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º” [n.º 2, al. a)].

7. No âmbito do direito processual civil, sob um quadro normativo idêntico ao previsto no CPTA quanto ao conceito de legitimidade passiva e quanto ao dever genérico de o juiz providenciar pela sanação de pressupostos processuais e pela regularidade da instância, nos termos previstos nos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2 e 590.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do CPC, por confronto aos artigos 7.º-A e 87.º do CPTA, não se admite a possibilidade de correção oficiosa ou a possibilidade de suprimento do pressuposto processual de ilegitimidade passiva singular, conduzindo a sua procedência à absolvição da entidade demandada da instância, como decidido na decisão recorrida.

Este é o entendimento que tem sido generalizadamente e ao longo dos anos, sob várias redações da lei processual civil, adotado pela jurisprudência emanada dos tribunais judiciais, limitando-se a possibilidade de suprimento à exceção de ilegitimidade passiva plural.

Neste sentido, entre outros, cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 06/12/2011, Processo n.º 1223/10, segundo o qual: “1 – O mecanismo de sanação previsto no n.º 2 in fine do artigo 265.º do CPC, aplicado à ausência do pressuposto processual da legitimidade, só é viável nas situações de preterição de litisconsórcio necessário, sendo inviável nas situações de ilegitimidade singular.”.

Neste sentido também a doutrina processual civil assume que “São insanáveis a ilegitimidade singular, a falta de personalidade judiciária (fora do caso referido no art. 8º), a incompetência absoluta, o caso julgado e a litispendência.”, cfr. António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 3.ª ed., 2000, Almedina, pp. 64.

No mesmo sentido, “a lei é expressa quanto à sanabilidade da falta de determinados pressupostos e ao modo de a sanar. É o que acontece com a falta de personalidade judiciária em certos casos (art. 14), com a incapacidade judiciária e a irregularidade de representação (art. 27), com a falta de autorização ou deliberação (art. 29), com a falta do consentimento conjugal (art. 34-2), com a ilegalidade da coligação (art. 38), com a falta de constituição de advogado (art. 41), com a falta, insuficiência e irregularidade do mandato (art. 48) e com a falta de litisconsórcio necessário (art. 261). Mas a norma geral do art. 6-2 não se limita a remeter para estas e outras disposições específicas: abrange todos os pressupostos cuja falta possa, por sua natureza, ser sanada, sem que tal necessariamente implique a inutilidade de tudo o que se tiver processado...” – José Lebre de Freitas, obra cit., pp. 158.

No caso da ilegitimidade passiva singular “parece natural que não possa remediar-se a falta do pressuposto processual de legitimidade singular, até porque, de qualquer modo, o processo deveria recuar praticamente ao seu início.” – vide António Abrantes Geraldes, obra cit., nota 104, pp. 64.

Isto é, a possibilidade de sanação das exceções dilatórias está limitada ou condicionada a que não “implique a inutilidade de tudo o que se tiver processado, pois a ideia que a ela preside é que devem ser removidos todos os impedimentos da decisão de mérito que possam sê-lo.” – José Lebre de Freitas, obra cit., pp. 158.

Este entendimento alicerça-se na circunstância de que, verificando-se a exceção de ilegitimidade passiva singular, nada se pode aproveitar da instância constituída, pois além de a citação dever ser repetida, com o consequente prazo para contestar e a apresentação de uma nova contestação por um novo sujeito processual, também a petição inicial carece de ser aperfeiçoada ou corrigida, não apenas quanto à indicação da entidade demandada, mas quanto à alegação dos factos relevantes essenciais, que consubstanciam a relação jurídica substantiva com outra parte que não foi a inicialmente demandada em juízo.

Daí que, segundo o regime processual civil nunca se tenha admitido a sanação da ilegitimidade singular, porque nada há a aproveitar da instância anteriormente constituída.

Sob o atual e vigente CPC de 2013, a doutrina mantém o anterior entendimento, não concedendo a possibilidade de sanação do pressuposto processual de legitimidade passiva singular, segundo a locução de que “a ilegitimidade singular da parte, a ineptidão da petição inicial, sem prejuízo do art. 186-3, a falta de personalidade judiciária, fora dos casos do art. 14, ou a incompetência absoluta do tribunal devem ser consideradas insanáveis” – cfr. José Lebre de Freitas, in A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª ed., Coimbra Editora, pp. 158 (nota 7).

No entanto há a assinalar que tem existido uma evolução no regime da possibilidade de suprimento dos pressupostos processuais na lei processual civil.

Já nas disposições do CPC na redação emergente da reforma de 1961 se previa a “intervenção corretora do juiz no sentido de procurar, “ex officio”, a superação da falta de tais pressupostos processuais.”, cfr. António Abrantes Geraldes, obra cit., pp. 63.

A inovação prevista na reforma do CPC aprovada em 1995/96 consistiu em “se ter expressamente localizado após os articulados essa intervenção judicial e de se ter alargado o leque de circunstâncias capazes de a fundamentar à generalidade das exceções dilatórias típicas e atípicas que sejam supríveis”, Idem, pp. 63.

Esta evolução continuou no CPC de 2013, pois sendo o poder de o juiz convidar ao aperfeiçoamento ao tempo do CPC revogado um poder discricionário, não podendo o seu não uso fundar a arguição de nulidade (artigo 195.º do CPC), assim como o despacho proferido não era recorrível (artigo 630.º, n.º 1 do CPC), na atualidade o CPC em vigor atribuiu ao juiz um poder vinculado, que o juiz tem o poder-dever de exercer – neste sentido José Lebre de Freitas, obra cit., pp. 156-157.

A finalidade subjacente ao regime legal prende-se com a realização do sistema de justiça e com a função processual em permitir o mais latamente possível a emissão de uma decisão de mérito.

Estabelece-se o “dever do juiz de providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais que seja sanável: o juiz deve determinar a realização dos atos necessários à regularização da instância e, quando não o possa fazer oficiosamente, por se estar no campo da exclusiva disponibilidade das partes, convidar estas a praticá-los (art. 6-2).” – José Lebre de Freitas, obra cit., pp. 158.

8. Quer na lei processual administrativa, quer na lei processual civil, prevê-se a possibilidade de suprimento de certos pressupostos processuais, mas, simultaneamente, admite-se que haja pressupostos processuais que não são sanáveis.

No tocante à lei processual administrativa encontram-se referências expressas à sanação da falta de personalidade e capacidade judiciárias no caso de a ação ter sido proposta contra o ministério, quando o devia ser contra o Estado português (artigo 8.º-A, n.º 4), no caso da ilegitimidade passiva, a ação ter sido instaurada contra o órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional a que o órgão pertence (artigo 10.º, n.º 4), a ilegalidade da coligação (artigo 12.º, n.ºs 3 e 4) e a incompetência do tribunal (artigo 14.º, n.º 3)

No CPTA não se encontra expressamente prevista a possibilidade de sanação da exceção de ilegitimidade passiva, por indicação como entidade demandada de pessoa coletiva pública diferente daquela que praticou o ato impugnado, configurada como ilegitimidade passiva singular, pois os vários números do artigo 10.º não contemplam esta situação.

A doutrina processual administrativa afirma que “Tratando-se de exceções dilatórias, o uso da faculdade da substituição da petição inicial está dependente do concreto fundamento invocado, que deverá consistir num vício que não inviabilize a substituição da petição.”, por referência ao disposto no n.º 8 do artigo 87.º do CPTA – cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4.ª ed., Almedina, pp. 660.

Não se pode subscrever este entendimento, que admite a possibilidade da substituição da petição inicial no caso de estar em causa um vício que não inviabilize a substituição da petição

A interpretação que fazemos do disposto do n.º 8 do artigo 87.º do CPTA é que se admite a apresentação de nova petição, quando tenha sido decretada a absolvição da instância, sem prévia emissão de despacho pré-saneador, nos casos em que possa haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias ou de irregularidades.

A possibilidade de o autor apresentar uma nova petição inicial, com observância das prescrições em falta e beneficiar da data da apresentação da primeira petição, está condicionada à admissibilidade do suprimento da exceção dilatória ou da irregularidade em causa, sem que tenha sido proferido despacho pré-saneador para essa finalidade, sem que se possa extrair do citado n.º 8 do artigo 87.º do CPTA a admissibilidade de suprimento da exceção dilatória sempre que seja possível a substituição da petição inicial.

Neste sentido, não se pode retirar dos termos do disposto no n.º 8 do artigo 87.º do CPTA que é porque a petição inicial pode ser substituída que a exceção dilatória é passível de ser suprida, mas antes que nos casos em que podia haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias – nos casos em que o sejam – se não tiver sido proferido despacho pré-saneador, pode a petição ser substituída por outra.

Poderá entender-se de iure condendo que possa vir a legislar-se nesse sentido, mas não existem elementos ao nível da interpretação da lei que nos permitam chegar a esse resultado interpretativo.

Não se questiona que existem casos em que por a exceção dilatória poder ser suprida, se admite a substituição da petição inicial – como na ilegalidade de cumulação de pedidos ou na falta de indicação dos contrainteressados –, mas é de recusar, à face do direito constituído, que o critério para aferir o suprimento das exceções dilatórias assente na possibilidade de a petição inicial ser substituída, por o direito positivo não o dizer.

Donde, não se extrair qualquer conteúdo normativo relevante do disposto no n.º 8 do artigo 87.º do CPTA para a resolução da questão controvertida, referente à possibilidade de suprimento da exceção de ilegitimidade passiva singular.

Pronuncia-se ainda a citada doutrina quanto às “situações passíveis de suprimento ou correção”, como sendo as previstas “nas alíneas e) (ilegitimidade do demandado e falta da identificação dos contrainteressados), f) (ilegalidade da coligação de réus) e j) (ilegalidade da cumulação de pretensões) do n.º 1 do artigo 89.º.” e também quanto às exceções dilatórias insupríveis, como sendo as “de inimpugnabilidade do ato impugnado (quando se não verifique um mero erro na sua identificação), de caducidade do direito de ação e de litispendência ou de caso julgado (cfr. artigo 89.º, n.º 1, alíneas i), k) e l), por se tratar, em qualquer dos casos, de situações que não consentem a renovação da instância.”, e ainda a nulidade do processo, a que se refere a alínea b) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, designadamente, por ineptidão da petição inicial – cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, obra cit., pp. 661-662.

Porém, no caso da ineptidão da petição inicial, configurado como de exceção dilatória insuprível, admite-se a possibilidade de apresentação de nova petição inicial, sem que se consinta a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento ou de correção pelo juiz.

Nestes termos, a qualificação ou não da exceção dilatória como suprível ou insuprível não depende da possibilidade de existir ou não a substituição da petição inicial ou a renovação da instância, pois há-de antes depender da gravidade das repercussões que essa irregularidade ou deficiência assuma na instância, no sentido de viabilizar ou não a continuidade da instância constituída em pelo menos alguns dos seus termos.

Nestes termos, não se vislumbra existir normativo legal no CPTA, que seja diferente do regime que se encontra consagrado no CPC, em que se possa fundamentar o entendimento doutrinário que se pronuncia favoravelmente à possibilidade de sanação do pressuposto processual de ilegitimidade passiva singular.

9. Acompanhando a doutrina processual administrativa, alguma jurisprudência mais recente já julgou a questão da ilegitimidade passiva singular como passível de suprimento.

Neste sentido, o Acórdão do STA, de 19/05/2016, processo n.º 01080/15, segundo o qual:

I - O artigo 10º nº 2 do CPTA ao atribuir personalidade judiciária implícita aos ministérios, pelo facto de determinar que são as entidades a demandar, não está a retirar qualquer personalidade judiciária ao Estado mas apenas a retirar-lhe a legitimidade para ser demandado. II - O Estado, enquanto tal, tem personalidade jurídica, e por inerência personalidade judiciária, apenas carecendo de legitimidade enquanto réu no âmbito de litígios relativos a atos ou omissões praticados pelos respectivos órgãos dos seus ministérios, isto é, face à posição que ocupa na concreta relação processual. III - Como resulta dos arts 88º n.º 2, e 89º n.º 1, alínea d) do CPTA, é admissível o suprimento da ilegitimidade passiva singular, nomeadamente da ilegitimidade do demandado.”.

Porém, embora se afirme expressamente a possibilidade de suprimento da ilegitimidade passiva singular, nomeadamente da ilegitimidade do demandado, parece-nos que não é inteiramente transponível o caso em que tal julgamento ocorreu para o dos presentes autos, sem prejuízo da afirmação perentória que é feita no citado aresto do STA da possibilidade de suprimento da exceção de ilegitimidade passiva singular.

Noutro caso, também não inteiramente coincidente com o anterior, mas em que o STA afirmou a insanabilidade do pressuposto processual da falta de personalidade judiciária dos Ministérios, cfr. Acórdão do STA, de 04/02/2016, processo n.º 01300/14, nos termos do qual:

I - Os Ministérios não possuem personalidade judiciária para os termos de uma acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual. II - A falta desse pressuposto processual, sendo insanável, implica a absolvição do R. da instância.”.

No sentido do suprimento da exceção de ilegitimidade passiva singular também já o decidiram os Tribunais Centrais Administrativos.

Veja-se o Acórdão do TCAN, em 25/05/2012, no processo n.º 01505/09.3BEBRG:

III. Por força do disposto no art. 88.º do CPTA mostra-se imposto ao julgador, em sede do dever de conhecer obrigatoriamente de «todas as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo» e em decorrência do princípio da cooperação processual (arts. 08.º CPTA e 265.º CPC), a existência dum dever de providenciar pela prévia correção dos articulados e do suprimento das exceções dilatórias. IV. Admite-se no referido preceito não apenas a correção oficiosa de deficiências ou irregularidades de caráter formal de que as peças processuais eventualmente padeçam mas também o suprimento de exceções dilatórias e de irregularidades dos articulados ainda que com anulação de atos processuais caso não possam ser aproveitados, no que configura regime de regularização mais amplo que aquele que se mostrava previsto na LPTA (cfr. art. 40.º). V. Para além das enunciadas exemplificativamente no art. 89.º, n.º 3 CPTA contam-se, nomeadamente, entre as situações passíveis de suprimento ou correção a ilegitimidade passiva do demandado, a coligação ilegal, a falta identificação dos contrainteressados em preterição de litisconsórcio necessário passivo e a cumulação ilegal pretensões.”.

No mesmo sentido, o TCAN decidiu em 27/01/2017, no processo n.º 01063/13.4BEBRG-A.

No caso deste TCAS, veja-se no mesmo sentido, o Acórdão de 07/04/2016, processo n.º 12887/16, no âmbito de uma ação de contencioso pré-contratual.

10. Embora não se retire expressamente da fundamentação aduzida pela doutrina para justificar o entendimento de admissibilidade do suprimento da exceção de ilegitimidade passiva singular a invocação do princípio de acesso à justiça, a citada jurisprudência do STA e dos Tribunais Centrais Administrativos invocam na sua fundamentação, quer a aplicação ao caso do princípio de promoção do acesso à justiça ou pro actione, previsto no artigo 7.º do CPTA, que visa fazer prevalecer o conhecimento do mérito sobre os obstáculos formais, quer o princípio da cooperação.

Nesse sentido, extrai-se do referido Acórdão do STA, de 19/05/2016, processo n.º 01080/15), o seguinte discurso fundamentador:

(…) no caso dos autos, entendemos não haver impedimento ao convite à correção e aperfeiçoamento da petição nos termos do art. 88º do CPTA e de acordo com o princípio in dubio pro actione expresso no artigo 7.° do CPTA donde se retira que em caso de dúvida a interpretação jurídica deve favorecer a emissão de pronúncia de mérito, em nome da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.°, n.ºs 4 e 5, da CRP). Ou seja, por força do art. 88.º do CPTA, impunha-se ao julgador, em sede do dever de conhecer obrigatoriamente de «todas as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo», e do princípio da cooperação processual [arts. 08.º CPTA e 265.º CPC/07 - atuais arts. 06.º e 411.º do CPC/2013], a existência dum dever de providenciar pela prévia correção dos articulados e do suprimento das exceções dilatórias.”.

No Acórdão do TCAN, de 25/05/2012, processo n.º 01505/09.3BEBRG, supra mencionado, extrai-se:

É que por força do que no quadro do art. 88.º do CPTA se determina e impõe ao julgador, em sede do dever de conhecer obrigatoriamente de «todas as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo», do mesmo ressalta, em decorrência do princípio da cooperação processual (arts. 08.º CPTA e 265.º CPC), a existência dum dever de providenciar pela prévia correção dos articulados e do suprimento das exceções dilatórias.”.

O princípio da promoção do acesso à justiça administrativa, previsto no artigo 7.º do CPTA, constitui um corolário do princípio da tutela jurisdicional efetiva, “no sentido de que a efetivação da tutela jurisdicional exige a eliminação de obstáculos infundados e desproporcionados ao acesso à justiça” – Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo, Almedina, 2002, pp. 76.

Como assume a citada doutrina, o princípio da promoção do acesso à justiça administrativa tem algumas concretizações no CPTA, ao permitir a apresentação de uma nova petição inicial, considerando-se esta apresentada na data do primeiro registo de entrada para o efeito de não comprometer o respeito do prazo de apresentação em juízo.

11. Porém, tendo o legislador do CPTA introduzido situações de sanação ope legis, à semelhança do que se verifica no CPC, em relação a várias exceções dilatórias, não é possível extrair de qualquer disposição legal, de qualquer dos Códigos, a possibilidade de suprimento da exceção de ilegitimidade passiva singular, como a do caso vertente, em que foi demandado um instituto público, que é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e judiciária, quando devia ter sido demandado um Ministério, no âmbito do qual se integra o órgão autor do ato impugnado.

A exceção de ilegitimidade passiva singular que ora se coloca nos autos embora se traduza na falta de um pressuposto processual, como supra se deixou expendido, traduz-se numa questão de posição das partes em relação à lide, no sentido de assegurar que estão na causa os verdadeiros sujeitos da relação material controvertida, em face do direito substantivo aplicável.

Neste sentido, considerando o antes exposto acerca do conceito de legitimidade passiva interessa que seja demandado a parte que se possa pronunciar sobre o mérito da causa.

Por isso, não se confunde com a questão processual relativa à indicação como entidade demandada do respetivo órgão, quando o deva ser a pessoa coletiva de direito público a que pertence esse órgão, já resolvida na lei no disposto no n.º 4 do artigo 10.º do CPTA, nem está em causa nos autos uma errada identificação do autor do ato impugnado, no âmbito da pessoa coletiva pública que deva ser demandada.

No caso dos autos, há um verdadeiro erro na indicação da entidade demandada, propondo a Autora a ação contra a pessoa errada, o que se traduz numa questão que não assume relevância puramente adjetiva, mas também com relevo substantivo, sobre quem deve ser demandado na lide por ser o outro sujeito da relação jurídica material.

Não se vislumbra existir qualquer diferenciação normativa entre os regimes previstos no CPC e no CPTA no tocante ao dever de gestão processual ou ao poder-dever de o juiz providenciar pelo suprimento das exceções dilatórias que sejam supríveis, nem tão pouco existir uma qualquer especialidade de regime do CPTA que legitime uma diferenciação quanto ao julgamento da questão do suprimento da exceção de ilegitimidade passiva singular.

A reforma introduzida ao CPTA em 2015 teve o claro e assumido intuito de se aproximar do regime do CPC aprovado em 2013, com o qual “se impõe harmonizar o CPTA” (cfr. ponto 1 do Preâmbulo do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10), afirmando-se que a nova forma da ação administrativa única “é submetida ao regime que, até aqui, correspondia à ação administrativa especial, mas com as profundas alterações que decorrem da sua harmonização com o novo regime do CPC” (cfr. ponto 2 do Preâmbulo do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10), assim como “É no regime da nova «ação administrativa» que mais claramente se refletem as implicações no CPTA da recente reforma do CPC. O novo regime da «ação administrativa» introduz, assim, diversas inovações decorrentes do novo regime do CPC…” (cfr. ponto 3 do Preâmbulo do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10).

Em reforço deste propósito e para além do que se estabelece no artigo 1.º do CPTA, o disposto no n.º 9 do artigo 87.º do CPTA prevê que em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no CPC em matéria de despacho pré-saneador e de gestão inicial do processo.

Por outro lado, quer no CPC, quer no CPTA existe unanimidade de entendimentos quanto a existirem exceções dilatórias supríveis e insupríveis, nem todas podendo dar lugar ao seu suprimento.

Acresce ter sido revogado o disposto no anterior n.º 3 do artigo 88.º do CPTA, que previa que no caso de existir o suprimento de exceções dilatórias ou o aperfeiçoamento dos articulados “são anulados os actos do processo entretanto praticados que não possam ser aproveitados...”, não se mantendo em vigor no CPTA norma de conteúdo idêntico.

No demais, decorridos cerca de quinze anos de vigência do ETAF e do CPTA, de 2002, a realidade do contencioso administrativo não é mais aquela que vigorava ao tempo da vigência da LPTA e que merecia a grande e alargada crítica da doutrina, atento o tão elevado número de processos que terminavam sem um julgamento do mérito da causa, por excessivo e desrazoável formalismo, justificando o princípio do acesso à justiça, plasmado no artigo 7.º do CPTA, de favorecimento das pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas – cfr. Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, obra cit., nota 70.

Atenta a especialização e o grande desenvolvimento conferidos na atualidade ao direito e ao processo administrativo, impõe-se a invocação de um outro princípio geral do processo administrativo, da auto-responsabilidade das partes, que exige a intervenção das partes e impõe a sua responsabilização na defesa dos seus interesses no processo – cfr. José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa. Lições, 2016, 15.ª ed., Almedina, pp. 440.

12. Assim, considerando que:

a. não existe disposição legal expressa, seja no CPTA, seja no CPC, que possibilite o suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular;

b. o caso dos autos não configura qualquer das situações a que o legislador previu a sanação ope legis;

c. não decorre da lei a regra legal ou o princípio jurídico de suprimento de todas as exceções dilatórias, mas apenas o suprimento das exceções que sejam supríveis;

d. os artigos 6.º e 590.º do CPC, respeitantes ao dever de gestão processual a cargo do juiz, prevêm que o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais que sejam suscetíveis de sanação, prevendo-se regime idêntico nos artigos 7.º-A e no n.º 2 do artigo 87.º, do CPTA

e. o disposto no n.º 9 do artigo 87.º do CPTA prevê que em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no CPC em matéria de despacho pré-saneador e de gestão inicial do processo;

f. o critério para o suprimento da exceção dilatória deve assentar na possibilidade de existir a renovação da instância, por aproveitamento de alguns dos seus elementos essenciais, objetivos (quanto ao pedido ou à causa de pedir) ou subjetivos (quanto aos sujeitos), ou ainda quanto a outros elementos de que depende a admissibilidade e o prosseguimento da causa, mas sem que haja lugar à substituição de todos os elementos da instância, por nenhum dos atos processuais poder ser aproveitado;

g. o n.º 8 do artigo 87.º do CPTA admite a apresentação de nova petição, quando tenha sido decretada a absolvição da instância, sem prévia emissão de despacho pré-saneador, nos casos em que possa haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias ou de irregularidades, sem que se possa extrair do citado preceito a regra da admissibilidade de suprimento da exceção dilatória sempre que seja possível a substituição da petição inicial.

h. o princípio geral da promoção do acesso à justiça, previsto no artigo 7.º ou o princípio da cooperação, previsto no artigo 8.º, assim como o dever de gestão processual, previsto no artigo 7.º-A, concretizado no artigo 87.º no respeitante às imposições que decorrem do proferimento do despacho pré-saneador, não consentem só por si, o suprimento da exceção de ilegitimidade passiva singular concretamente verificada no processo;

i. no presente caso nenhum dos atos processuais praticados no processo se pode manter, por dever haver lugar à apresentação de uma nova petição inicial, corrigida quanto à entidade demandada, dever haver lugar a nova citação, por a citação realizada não produzir os seus efeitos e haver a apresentação de uma nova contestação por parte do titular da relação material controvertida, que tem interesse em se defender, nada subsistindo no processo que possa ser aproveitado,

manteria a decisão do Tribunal a quo, com a fundamentação ora aduzida, no sentido de a exceção de ilegitimidade passiva singular, com a configuração do caso concreto, constituir uma exceção dilatória insuprível, sem possibilidade de suprimento ou de correção, seja por iniciativa do autor, seja através de convite ao aperfeiçoamento, determinando a absolvição da entidade demandada da instância, pois implicaria uma modificação subjetiva da instância, operada pela substituição da parte demandada por uma outra que ocuparia o seu lugar, o que não é processualmente admissível, sem que no caso possa existir o aproveitamento de qualquer ato processual praticado na instância, por dever haver lugar à apresentação de uma nova petição inicial, de um novo ato de citação e de uma nova contestação, apresentada por um sujeito diferente.


(Ana Celeste Carvalho)