Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:20022/16.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/12/2017
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
NULIDADE
Sumário:A decisão arbitral impugnada não procedeu à especificação dos factos provados e não provados, não efectuou a análise crítica da prova, e nada concluiu sobre a matéria de facto a subsumir às disposições legais aplicáveis. O que importa a nulidade da decisão, por força da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
l – RELATÓRIO
A Autoridade Tributária e Aduaneira, veio, ao abrigo do preceituado no artigo 27º, e das alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 28º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão arbitral proferida no processo nº 533/2015-T, intentado por Eva ... e Diogo ..., que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anulou o acto de liquidação de IRS e Juros Compensatórios referente ao ano de 2013, no montante de €34.040,02. 
No seu articulado inicial a Impugnante formula as seguintes conclusões:

« I. Constituí objecto da presente impugnação a decisão final proferida no dia 5 de Novembro de 2016 pelo Tribunal Arbitral Singular em matéria tributária constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 4 de Novembro de 2015, na sequência de pedido de pronúncia arbitral aceite em 5 de Agosto de 2015, ao abrigo do regime aprovado pelo Decreto-Lei n°10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e que correu termos sob o n°533/2015-T.

II. Quanto aos fundamentos, entende a Entidade impugnante que a decisão arbitral padece dos vícios de (i) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e de (ii) omissão de pronúncia, nos termos do disposto nas alínea a) e c) do n°1 do artigo 28° do RJAT.

III. Vícios que constituem causas de nulidade da decisão impugnada, nos termos do disposto no artigo 125° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos artigos 195°, n°1 e 615° do Código de Processo Civil (CPC).

IV. A Requerente arbitral submeteu ao Tribunal a quo a apreciação da legalidade da liquidação de IRS e de Juros Compensatórios n°2014 55402786, do ano de 2013, no montante de €34.040,02, peticionando a sua anulação, bem como a anulação da decisão da reclamação graciosa anteriormente apresentada, alegando em abono da sua pretensão (i) a preterição de formalidade legal essencial, (ii) a ilegalidade do acto de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios por falta de fundamentação e (iii) a ilegalidade do acto de liquidação por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

V. A decisão arbitral consignou o seguinte:
«As alegações confirmam o que foi demonstrado ao longo do processo, nomeadamente a elisão da presunção prevista no artº45° do CIRS, ou seja, não ficou provado que a operação do imóvel tivesse, como finalidade a diminuição da matéria coletável no IRS.
Os factos e as razões de direito estão devidamente identificados e justificados pelo que há que decidir.
QUESTÕES DO CONHECIMENTO PREJUDICADAS
Relativamente matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que aleado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importem para a decisão, a matéria provada e não provada (art.º 123.º, n.º 2 do CPTP e art.º 607.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, aplicável “ex-vi” art.º 29.º, n.º 1, al. a) e al. e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às varias plausíveis questões de direito (art.º 596.º do CPC, aplicável “ex-vi” do art.º 29.º, n.º 2 do RJAT).
DECISÃO
Em face do exposto concluímos não existir razão à requerente, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais dos atos de liquidação identificados nos autos. (…)

VI. A decisão impugnada não se encontra estruturada de acordo com o que prescrevem os artigos 123° do CPPT e 607°, n°2, 3 e 4 do CPC.

VII. A decisão impugnada não enunciou as questões decidendas, não consignou a factualidade relevante, não procedeu à especificação dos factos provados e não provados, não efectuou a análise crítica da prova e nada concluiu sobre a matéria de facto a subsumir às disposições legais aplicáveis.

VIII. Da leitura do segmento da decisão intitulado «FACTOS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO» resulta que o Tribunal Arbitral Singular se limita a transcrever, de forma articulada e integralmente o pedido de pronúncia arbitral;

IX. Constando inclusivamente do artigo 84° da decisão arbitral «Requer ainda a inquirição da testemunha HENRIQUE ..., GESTOR, RESIDENTE NA RUA DOS ..., testemunha que nem sequer foi ouvida, pois a Requerente solicitou a sua substituição num requerimento de alteração do rol de testemunhas.

X. A decisão arbitral limita-se a transcrever todas as afirmações proferidas pela Requerente no seu pedido arbitral, designadamente, factos, argumentos, pedidos, transcrições de doutrina e de jurisprudência, considerando-as «FACTOS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO».

XI. A decisão arbitral é absolutamente omissa quanto à fundamentação de facto, porquanto não foram especificados quaisquer factos integrados na causa de pedir susceptíveis de fundamentar a decisão de procedência do pedido de anulação das liquidações, viciando o disposto no artigo 607°, n°3 e 4 do CPC, bem como o artigo 154,°do CPC.

XII. No que respeita à fundamentação de direito, a decisão arbitral apenas contém uma singela referência genérica ao artigo 45° do CIRS, sem especificar, sequer, o número ou alínea do artigo concretamente aplicável à questão em apreciação.

XIII. O discurso fundamentador da decisão limita-se à indicação genérica do artigo 45° do CIRS, nada constando do mesmo sobre o fundamento de direito subjacente à emissão da liquidação controvertida, que se prende com a aplicação, aos imóveis adquiridos por doação isenta, da disposição legal constante do n°3 do artigo 45° do CIRS.

XIV. A decisão arbitral erra ao afirmar que «relativamente matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que aleado pelas partes (…)», pois tal afirmação está em contradição com a norma constante do n°4 do artigo 607° do Código de Processo Civil,

XV. Deveriam constar do probatório da decisão todos os factos integrados na causa de pedir que fundamentam a decisão de procedência do pedido de anulação, bem como a análise crítica da prova, impondo-se ao Tribunal a especificação dos factos provados e não provados e o exame crítico da prova, o que não ocorreu.

XVI. Pelo que, a decisão arbitral padece, em absoluto, do vício de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito.

XVII. A exigência legal e constitucional de fundamentação visa permitir aos interessados o conhecimento das razões subjacentes à decisão, esclarecendo o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo Tribunal para decidir no sentido em que decidiu e não noutro qualquer,

XVIII. A fundamentação das decisões judiciais tem assento constitucional no artigo 205,°, n°1 da Constituição da República Portuguesa, o qual dispõe que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

XIX. Exige-se, pois, que a decisão judicial contenha fundamentação expressa, clara, coerente e suficiente, por forma a permitir a compreensão das razões da decisão.

XX. A decisão impugnada é obscura e incompreensível, nada esclarecendo quanto à motivação subjacente à decisão de anulação da liquidação, porquanto se sustenta na transcrição integral do pedido arbitral e quase integral da resposta, relativamente à qual apenas refere que os pedidos formulados pela AT não têm "suporte legal”.

XXI. A decisão arbitral impugnada é absolutamente omissa quanto à especificação e ao julgamento da matéria de facto e de direito essencial para a apreciação das questões a dirimir e para a decisão a proferir, carecendo em absoluto de fundamentação peio que, é manifesta a sua nulidade.

XXII. O vício de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão constitui, nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 28° do RJAT, bem como do n°1 do artigo 125° do CPPT, e da alínea b) do n°1 do artigo 615° do CPC, aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n°1 do artigo 29° do RJAT, causa de nulidade da decisão impugnada, o que deve ser decretado.

XXIII. A requerente arbitral submeteu à apreciação do tribunal arbitral as questões respeitantes à (i) preterição de formalidade legal essencial, (ii) à ilegalidade do acto de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios por falta de fundamentação e (iii) à ilegalidade do acto de liquidação por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

XXIV. A entidade demandada respondeu e alegou, aduzindo argumentação sustentada na lei, na jurisprudência e na doutrina que contraria cabalmente os argumentos aduzidos no pedido arbitral, pugnado peia legalidade da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e dos actos de liquidação.

XXV. Impunha-se, pois, que o Tribunal Arbitral procedesse à apreciação do pedido que lhe foi dirigido e formulasse um juízo crítico sobre as questões suscitadas susceptível de sustentar a decisão de anulação dos actos de liquidação.

XXVI. Não obstante, a decisão impugnada não se pronuncia, de todo, sobre as questões suscitadas pelas partes, o que consubstancia vício de omissão de pronúncia.

XXVII. Quanto ao conceito de questões refere Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª Edição, Volume II, 2011, «abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem»,

XXVIII. Ora, a decisão arbitral omitiu em absoluto o conhecimento das questões submetidas à sua apreciação, não tendo emitido pronúncia, como devia, sobre os pedidos e respectivas causas de pedir, pelo que padece a mesma do vício de omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n°1 do artigo 28° do RJAT.

XXIX. O vício de omissão de pronúncia constitui, nos termos da alínea c) do n°1 do artigo 28° do RJAT, bem como do n°1 do artigo 125° do CPPT, e da alínea d) do nº1 do artigo 615° do CPC, aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n°1 do artigo 29° do RJAT, causa de nulidade da decisão impugnada.
Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas, doutamente suprirão, deve a presente impugnação ser julgada procedente e a decisão arbitral ser declarada nula, tudo com as devidas consequências legais.»


*
Admitida a Impugnação e notificados os Impugnados, Eva ... e Diogo ..., por estes foi apresentado articulado de resposta, aí apresentando as seguintes conclusões:

«a) A decisão arbitral impugnada encontra-se devidamente fundamentada, de facto e de direito.

b) No que concerne a fundamentação de facto, o Tribunal Arbitral identificou os factos relevantes para apreciação do pedido, ou seja, os factos concretos integrados na causa de pedir que considerou fundamentadores da decisão de procedência do pedido de anulação da liquidação controvertida (cf. pontos 5.° e seguintes da decisão arbitral impugnada).

c) O Tribunal Arbitral não aderiu aos factos invocados pelas partes.

d) O Tribunal Arbitral absorveu e apropriou-se da indicação dos factos que foi feita pelas partes, a qual ficou, assim, a fazer parte integrante da decisão arbitral.

e) O que, não está vedado pelo artigo 154° do Código de Processo Civil.

f) Nem faria sentido que estivesse, na medida em que não compromete nenhum dos objectivos pelos quais a lei impõe a fundamentação das decisões judiciais ou arbitrais.

g) Os factos provados e não provados estão identificados e foi com base nestes factos que o Tribunal Arbitral seleccionou que concluiu pela ilegalidade do acto de liquidação contestado.

h) Relativamente à fundamentação de direito, a decisão arbitral também não apresenta qualquer insuficiência.

i) Com efeito, o Tribunal Arbitral determina que o n°3 do artigo 45° do Código do IRS consagra uma presunção legal ou ficção legal implícita e que, em face da prova produzida nos autos, não ficou provado que a doação do IMÓVEL tivesse tido como finalidade a eliminação ou redução da carga fiscal que pudesse resultar da venda futura do mesmo.

j) Ou seja, o Tribunal Arbitral considera que existe uma presunção legal e que essa presunção legal foi ilidida, determinando, em consequência, a anulação do acto de liquidação adicional praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nesse pressuposto.

k) O Tribunal Arbitral identificou qual o fundamento de direito em que sustentou a sua decisão de anulação do acto tributário, qual seja o da ilisão da presunção legal implícita contida no artigo 45°, n°3 do Código do IRS.

I) É, por isso, evidente que a decisão arbitral cumpriu o objectivo principal do dever de fundamentação, qual seja o de tornar claro e inteligível o itinerário cognoscitivo e valorativo (o discurso decisório) adoptado pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Árbitro para decidir no sentido em que decidiu e não noutro.

m) Em face do exposto, contendo a decisão impugnada a fundamentação de facto e de direito legalmente exigíveis, não se verifica o fundamento de impugnação previsto na alínea a) do n°1 do artigo 28° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

n) É entendimento pacífico, entre Doutrina e Jurisprudência, que a verificação do vício contido nesta disposição legal obriga a que a falta de fundamentação seja total, pelo que, ainda que se viesse a considerar a decisão arbitral contém fundamentação incompleta, insuficiente ou deficiente do ponto de vista da fundamentação - o que não é o caso, conforme demonstrado ao longo destas contra-alegações -, tal não seria suficiente para inquinar a decisão com o vício da nulidade.

o) A decisão arbitral não se encontra inquinada com o vício da omissão de pronúncia, previsto na alínea c) do nº1 do artigo 28,° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, na medida em que o Tribunal Arbitral respeitou, como se impunha, o disposto no artigo 124° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi alínea c) do n°1 do artigo 29° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, conhecendo prioritariamente do vicio que determinava a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos (vício da ilegalidade do acto de liquidação), com prejuízo para os restantes vícios cuja procedência implicaria também a anulação do acto de liquidação contestado.

p) O conhecimento dos restantes vícios seria não só irrelevante, como esvaziaria de conteúdo o disposto no artigo 124° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pois, como bem se percebe, caso o Tribunal Arbitral se encontrasse legalmente obrigado a conhecer de todos os vícios invocados, não faria sentido estabelecer uma ordem preferencial de apreciação.

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS DEVERÁ A PRESENTE IMPUGNAÇÃO SER JULGADA IMPROCEDENTE, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

*
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal, notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), emitiu parecer no sentido procedência da presente impugnação (cfr. fls.73 a 78 dos autos).

*
Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida é do seguinte teor (na parte aqui relevante):

«FACTOS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO


5.º

Por escritura pública de 30 de Dezembro de 2010, Francisco ... e Maria ..., doaram à sua filha Eva ..., ora requerente, por conta da sua quota disponível, a fração autónoma designada pela letra “O” correspondente ao 7.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Avenida dos ..., nº125,freguesia de ..., concelho de ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º173/... doravante “IMOVEL”.

6.º

À data da escritura o imóvel tinha o VPT (valor patrimonial tributário) de €334,46, tendo sido atribuído, por mero lapso, à doação, para efeitos fiscais, €148.000.

7.º

Por ser a primeira transmissão após entrada em vigor do CIMI, foi avaliado, segundo as novas regras, tendo-lhe sido atribuído o valor de €73.300, alienado, em agosto de 2013, por €160.000.

8.º

Os requentes suportaram ainda, com a aquisição e alienação do imóvel, a comissão de mediação imobiliária, do montante de € 9.840.

9.º

Em 1 de Junho de 2014, os requerentes apresentaram a sua declaração mod.3 de IRS, do ano de 2013, tendo indicado no seu anexo G a alienação bem como o valor aquisição de € 148.000 e de realização de €148.000.

10.º

Por mero lapso indicaram como data de aquisição do imóvel julho de 2013 e não a data da escritura pública de doação de dezembro de 2010.

11.º

Da referida declaração resultou a liquidação de IRS n.º201454409699, com reembolso de €1.358,05.

12.º

A Administração Tributária promoveu um processo de divergências para comprovação dos valores e datas declaradas no indicado anexo G, tendo notificado os requerentes para apresentarem os documentos comprovativos e para exercerem o seu direito de audição às alterações propostas na declaração oficiosa elaborada, nomeadamente alteração do valor aquisição de €148.000 para 334,06 – o VPT do imóvel na data da alienação - e a não consideração de despesas com a aquisição e alienação do mesmo.

13.º

Da declaração oficiosa resultou a liquidação adicional do IRS e juros compensatórios nº201455402786, do valor de € 34.040,02 que ora também se contesta, e a apresentação, em 11 de fevereiro de 2015, da reclamação graciosa para correção da data aquisição do imóvel para dezembro de 2010 e do valor de aquisição de € 73.300.

14.º

A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., pelo ofício nº1176, de 05/05/2015, notificou os requerentes da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, tendo deferido o pedido de alteração da data da aquisição do imóvel, mas manteve o valor de €334,06.

15.º

Ao contrário do que alega a Administração Tributária os Requerentes nunca chegaram a ser notificados para exercerem o direito de opção relativamente as correções nomeadamente a correção do valor aquisição do imóvel, tendo sido com total surpresa quando foram confrontados com a liquidação adicional de IRS e Juros Compensatórios n.º 201455402786.

16.º

A falta de notificação nos termos previstos na alínea a) do nº1 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária é uma violação que só por si implicará também a anulação da liquidação cujas legalidades se contestam por preterição de formalidade legal essencial-falta de audiência prévia.

17.º

A liquidação adicional do IRS e Juros Compensatórios não está suficientemente fundamentada, de facto e de direito, por não serem explicados, sendo apenas indicado um conjunto de valores, que se trata de IRS do ano de 2013 sem qualquer identificação adicional quanto à sua natureza e origem, impercetíveis para um destinatário normal e, também para os ora requerentes, sendo apenas referido que a liquidação poderá ser objeto de reclamação graciosa ou de impugnação judicial sem que se identifiquem, sequer, as concretas disposições legais em que assenta aquela mesma liquidação adicional.

18.º

Ora, o art.º 77.º n.º 2 da LGT dispõe que mesmo quando efetuada de forma sumária a fundamentação dos atos tributários deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

19.º

Impende sobre a Administração Tributária o dever legal de fazer referência expressa de fazer referência expressa às disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente e tem por consequência a anulabilidade do ato.

20.º

O n.º2 do artº77º da LGT consagra uma fundamentação ainda mais simples, embora não menos rigorosa do que a prevista no nº1, para os atos tributários de liquidação a que se aplica. Dispõe sobre o mínimo de fundamentação expressa do ato tributário, a fundamentação estritamente necessária à sua legalidade (…) (Cf. GUERREIRO, ANTONIO LIMA; Lei Geral Tributária – Anotada, ..., 2001, pág. 339).

21.º

Só fazendo expressa referência aos elementos elencados no referido n.º 2, do artigo 77.º da Lei Geral Tributária se dará devido cumprimento à lei, não podendo os serviços omitir os elementos de facto e as disposições legais aplicáveis, prejudicando as possibilidades de defesa do sujeito passivo, como efetivamente prejudicam no caso concreto.

22.º

O dever de motivação ou de fundamentação de qualquer ato administrativo ou tributário tem associadas duas finalidades: (i) por um lado, inteirar o respetivo destinatário das razões ou dos motivos que conduziram à tomada de decisão em determinado sentido; e, (ii) por outro lado, permitir que se faça um controlo sobre a legalidade da decisão e sobre a validade dos motivos que subjazem a determinada decisão concreta.

23.º

Como ensina Vieira de Andrade, o imperativo de fundamentação expressa (…) desempenha assim tipicamente um papel de garantia funcional com a pretensão de assegurar a racionalidade e controlabilidade dos momentos característicos da função administrativa, daqueles em que os órgãos da Administração tomam decisões de autoridade que produzem modificações jurídicas no mundo externo (Cf. ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA; O dever de fundamentação expressa de atos administrativos, Coimbra, 1992, p.215).

24.º

Contudo a liquidação notificada é, como se demonstrou omissa quanto à necessária fundamentação, devendo ser anulada em conformidade (cf. artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

25.º

Não pode ser invocada a fundamentação perada por via de remissão para a fundamentação já remetida, desde logo, porque não há qualquer remissão explicita para qualquer documento concreto que contenha essa mesma fundamentação.

26.º

Nos termos do n.º 2 do art.º 77.º da LGT, resulta que, em regra os atos de liquidação, não basta que a fundamentação se faça por remissão para o relatório final do procedimento de inspeção tributária. Na fundamentação dos atos tributários deverão também constar “sempre”, mas disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento.

27.º

Com efeito, os atos tributários – nomeadamente os atos de liquidação, enquanto atos administrativos, não “resultam” do relatório de inspeção, mas sim da decisão fundamentada do órgão da Administração tributária respetiva prática (cf. ALFARO, MARTINS; Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária – Comentado e Anotado, ..., 2003, pág. 446).

28.º

Porém, sem conceder, mesmo que se admitisse que os atos de liquidação se podem fundamentar em algum outro documento externo, sem necessidade de cumprimento dos requisitos mínimos de fundamentação exigidos pelo disposto no número 2 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, sempre se teria de exigir a expressa remissão no próprio ato de liquidação para esse mesmo documento externo, o que também não ocorreu, como os Requerentes já deixaram referido.

29.º

O respeito pelos mais elementares direitos dos contribuintes obriga a que a fundamentação seja contemporânea e contextual e, também, que não se presuma, devendo resultar de forma clara, expressa e inequívoca do próprio ato, o que não sucedeu.

30.º

E, nos casos em que se admita a fundamentação por remissão, impõe-se que essa remissão seja expressa, de modo a que a fundamentação seja tão acessível ao contribuinte como se constasse do próprio ato, o que não sucedeu também.

31.º

Este princípio, consagrado no n.º 1 do artigo 77.º da LGT, resulta também do próprio artigo 63.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, que faz depender a fundamentação dos atos tributários ou em matéria tributária nas conclusões do Relatório da Inspeção da adesão ou concordância com estas.

32.º

Mas a adesão ou concordância exige que o autor, expressamente se refira e identifique o relatório, parecer, informação ou proposta com que manifesta essa mesma concordância. Em consequência é necessária uma referência expressa e inequívoca a elementos bem individualizados a elementos bem individualizados do processo administrativo, pois, caso contrário estaria a transferir-se para o administrado.

33.º

Ónus ou dever de determinar – como a lei exige – clara, suficiente ou congruentemente, o que motivou a decisão tomada, pesquisando no processo quais os elementos tidos em conta na decisão.

34.º

É aliás entendimento pacífico da jurisprudência que não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à pratica do ato. Nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão expressa ou implícita (cf. Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0228/03, in www.dgsi.pt).

35.º

Nos atos sob censura não há qualquer referência, expressa ou implícita, a Relatório da Inspeção Tributária ou a outro qualquer documento concreto, pelo que, não constando do próprio ato a fundamentação legalmente exigida – ou seja, a demonstração dos pressupostos de que dependa a liquidação - também não se pode entender que esta se tem por cumprida, por remissão para um outro qualquer documento, que não vem identificado.

36.º

Acresce que, no que respeita a juros compensatórios, não é invocada qualquer fundamentação quer de facto quer de direito para a sua liquidação. Ora não podem os Requerentes conformar-se com a liquidação de juros compensatórios sem que da respetiva demonstração da liquidação resulte expressamente a respetiva fundamentação, nomeadamente, a demonstração do preenchimento dos pressupostos legais em que assenta a liquidação.

37.º

Parece, pois, curial que se conclua que i ato de liquidação de imposto e de juros compensatórios em causa foi praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, designadamente o art.º 268.º, n.º 3 da Constituição da Republica Portuguesa e artigo 77.º da Lei Geral Tributária, devendo ser anulado em conformidade (art.º 135.º o Código de Processo Administrativo).

38.º

O referido ato de liquidação- no que não se concede e só por mera cautela se admite, é ilegal, não só pela mencionada falta de fundamentação, mas, também, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito das correções efetuadas pela Administração Tributária.

39.º

De acordo com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário.

40.º

Quando o imóvel é adquirido por doação isenta de Imposto do Selo – transmissão gratuita doação de bens de pais para filhos – o valor de aquisição deverá corresponder ao VPT constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação (art.º 45.º, n.º 3, do CIRS, na redação que lhe foi dada pela Lei 3-B/2010, de 28 de abril).

41.º

Pretendeu o legislador evitar o planeamento fiscal comummente utilizado ao abrigo da lei antiga para diminuir a mais-valia tributável decorrente da alienação de prédios urbanos com um VPT desatualizado.

42.º

Esta prática abusiva traduzia-se na doação fictícia do imóvel, geralmente um filho, atenta a isenção de imposto de Selo de que beneficiavam estas transmissões gratuitas), seguidas da alienação onerosa a terceiros por um preço idêntico ou aproximado ao VPT resultante da primeira avaliação do imóvel, efetuada nos termos do Código do IMI, quando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor.

43.º

A doação serviria apenas para despoletar a avaliação do imóvel e de fazer subir o VPT que numa ulteriora alienação viria a ser utilizado como valor aquisição na cálculo da mais-valias, tendo em vista a redução da tributação.

44.º

O combate aos ausos foi realizado através da consagração numa norma de incidência objetiva de uma presunção ou ficção legal implícita, a forma de ultrapassar as dificuldades probatórias.

45.º

Ora a LGT estabelece que as presunções consagradas nas normas de incidência tributárias, admitem sempre prova contrária (art.º 73.º da LGT).

46.º

O Tribunal Constitucional já acolheu esta solução no contexto do princípio da igualdade tributaria referindo que o estabelecimento de presunções com o objetivo de conferir certeza e simplicidade às relações fiscais, de permitir uma pronta e regular perceção dos impostos e de evitar a evasão e a fraude (…) tem de compatibilizar-se com o princípio em análise (da igualdade tributária) o que passa quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas na medida em que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva visada na respetiva lei visada na respetiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para apresentarem relativas para apresentarem o pressuposto económico tido em conta (…). As presunções devem apoiar-se em elementos concretamente positivos que as justifiquem racionalmente e admitir prova em contrário, de modo a que o imposto se ligue a um pressuposto económico certo, provado e não apenas provável (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97).

47.º

Não poderá deixar de ser admitida, nesta sede, a possibilidade de os Requerentes ilidirem a presunção em que assentou o cálculo da mais-valia decorrente da alienação do imóvel e o ato de liquidação adicional de IRS praticado com referência ao ano de 2013, ora contestado.

48.º

Passará a demonstrar-se como a doação do imóvel obedeceu a outros propósitos que não o da redução drástica da mais-valia imobiliária decorrente da respetiva alienação.

49.º

Inicialmente os doadores eram proprietários de uma quinta na ... tendo decidido vender parte da quinta, tendo o produto da venda sido aplicado na aquisição de alguns terrenos e bem assim, na aquisição do imóvel.

50.º

O período em que foi alienado o imóvel e efetuados os investimentos coincidiu com o casamento de dois filhos, tendo os pais feito doações em dinheiro aos mesmos, um dos quais optou por adquirir uma casa para habitação própria e permanente e o outro por adquirir um restaurante.

51.º

Entretanto encontrando-se o imóvel desocupado os pais decidiram cede-lo para habitação de sua filha, enquanto esta frequentava o curso universitário em que se encontrava inscrita.

52.º

Em finais de 2008, por ocasião do casamento de sua filha os pais decidiram fazer-lhe uma doação a dinheiro, à semelhança do que sucedido com os outros dois filhos, tendo esta sugerido que em alternativa lhe fosse doado o imóvel em que tinha vivido como estudante e, portanto, tinha um valor sentimental muito importante.

53.º

Por não haver urgência, a escritura de doação apenas se realizou em 30 de dezembro de 2010, o que foi influenciado pela decisão de os requerentes irem viver para ... e arrendarem o imóvel.

54.º

Em 2011, por virtude da crise económica e financeira, a atividade a que se dedicava Diogo ...– publicidade em têxteis – começou a gerar resultados negativos pelo que em 2012 decide fechar a atividade, herdando, todavia, um conjunto de dívidas que não conseguia saldar.

55.º

Pressionado pelas dívidas que se vinham acumulando e de forma a conseguirem cumprir os compromissos assumidos, os requerentes tomaram a decisão de vender o imóvel em Agosto de 2013.

56.º

A venda do imóvel foi efetuada por € 160.000 aproximado ao valor que lhe havia sido atribuído à doação do imóvel (€ 148.000).

57.º

Da factualidade descrita os requerentes entendem que não podem deixar de se tirar as seguintes conclusões:

58.º

a) A aquisição do imóvel por parte de Francisco ... e para Maria, pais da reclamante, foi efetuada num contexto de investimento imobiliário e com recurso ao produto da venda de parte do imóvel de que eram proprietários;

b) A doação do imóvel foi uma verdadeira doação, mais não representando que a materialização da prenda de casamento que os seus pais lhe quiseram oferecer, à semelhança e na mesma medida que o haviam feito para os seus outros dois filhos;

c) Embora a escritura de doação apenas fosse realizada em 2010, o imóvel foi utilizado como habitação dos requerentes desde finais de 2008, data em que casaram, até finais de 2010;

d) A venda do imóvel em 2013 (três anos após a doação civil) foi motivada, única e exclusivamente, pela necessidade de saldar as dívidas assumidas, na sequência do fecho da atividade da empresa que, até então, geria.


59.º

Em suma a doação do imóvel não foi efetuada com o propósito de reduzir a mais-valia que resultasse da futura alienação, mas, isso sim, com a intenção de dispor gratuitamente de um bem em favor de outra pessoa, uma filha, com o intuito sério e altruísta de a ajudar em inicio de vida.

60.º

Nessa medida, em face da prova produzida, dever-se-á considerar ilidida a presunção legal implícita no n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRS, de acordo com a qual toda e qualquer doação isenta de imóvel com um VPT desatualizado é realizada com o propósito único de, numa futura alienação, eliminar ou reduzir drasticamente a mais-valia daí decorrente.

61.º

Razão pela qual deverá ser desaplicada a regra aí contida e aplicada, por sua vez, a regra geral decorrente da alínea b) do nº1 da mesma disposição legal: para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, o valor que serviria de base à liquidação de imposto de selo, caso este fosse devido.

62.º

Não restam dúvidas de que a doação de imóveis de pais para filhos estava e está isenta de imposto de selo, nos termos do artigo 6.º, alínea e) do Código do Imposto de Selo.

63.º

No entanto, caso fosse devido, de acordo com a lei em vigor à data dos factos, tratando-se da primeira transmissão do imóvel após a entrada em vigor do Código do IMI, o imposto de selo seria liquidado com base no valor resultante da avaliação que, por imposição legal, deveria ser efetuada na sequência dessa mesma transmissão (cf. Art.º 27.º do Dec. Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, conjugado com o art.º 15.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).

64.º

Tendo o imóvel sido avaliado em € 73.300, seria este o valor que serviria de base à liquidação de imposto de selo, caso este fosse devido, e, portanto, seria este (e não o VPT do imóvel até aos dois anos anteriores à doação) o valor de aquisição a ter em conta para efeitos de calculo das mais-valias decorrentes da respetiva alienação.

65.º

O pagamento da comissão por mediação imobiliária da alienação do imóvel (€ 9.84,00) é despesa necessária e praticada deve ser considerado nos termos do art.º 51.º, alínea) do Código do IRS, facto este suficiente para se conclua que o ato de liquidação é ilegal tal como a decisão da reclamação graciosa, porque assente em erro sobre os pressupostos de facto (e de direito), devendo ser anulados o que se requer.

66.º

Em face do exposto deve a liquidação do IRS e de juros compensatórios ser anulado em conformidade e bem assim, a decisão da reclamação graciosa que os manteve), com as demais consequências legais.

67.º

A liquidação dos juros compensatórios carece de ser demonstrado pela Administração tributária com sede em fundamentação: de que o retardamento da liquidação do imposto se deva a facto imputável ao contribuinte, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

68.º

Em momento algum a administração tributária se refere à existência de culpa imputável aos Requerentes, pressuposto fundamental da pretensão de liquidação de juros compensatórios que não são uma mera decorrência da dívida de imposto, e carecem de fundamentação expressa, acessível e contextual, à semelhança de qualquer matéria objeto de correção na sequência de procedimento de inspeção tributária.

69.º

O Art.º 268.º,n.º2, da CRP estabelece que os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, continuando o art.º 77.º da LGT dispõe que a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

70.º

O que importa é que o contribuinte destinatário da decisão fique minimamente ciente do iter volitivo da administração no que concerne à determinação da matéria coletável. A violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento da subsequente anulação em sede de impugnação judicial da liquidação (artigos 89.º e 120.º, alínea c).

71.º

No caso presente importa que o contribuinte destinatário da decisão fique minimamente ciente do iter volitivo da administração tributária no que concerne à liquidação de juros compensatórios, pelo que, a violação deste requisito da decisão, implica a respetiva ilegalidade, fundamento para a sua anulação.

72.º

No Acórdão de 1 de julho de 1998, Processo n.º 43812, o STA considerou que o dever de fundamentação expressa que onera a atividade administrativa, consiste na obrigação de exteriorização das razões de facto e de direito que estão na base da decisão administrativa, para que o respetivo enunciado seja apto a exprimir uma justificação da opção tomada.

73.º

Também o Acórdão de 11-11-1998 Procº 31.339, do STA, considera que o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do ato, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, de forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação.

74.º

No caso em apreço a administração tributária abstém-se de indicar quais os elementos em que se baseia para promover a liquidação de juros compensatórios, notificando a requerente da respectiva demonstração da liquidação, através do mesmo documento pelo qual a tinha notificado da liquidação do IRS, não fazendo qualquer menção à culpa dos requerentes no suposto atraso na liquidação do imposto, e muito menos procedendo à demonstração dessa culpa.

75.º

A administração tributária limitou-se a notificar a liquidação dos juros compensatórios, sem indicar os motivos pelas quais considera existir culpa, imputável aos requerentes no suposto atraso na liquidação do imposto.

76.º

Neste sentido a administração tributária impede os requerentes de conhecerem, em toda a sua extensão. o porquê do encargo adicional que lhes é imposto, bem como de apreciar a sua legalidade, pelo que a falta de fundamentação constitui vicio de forma que determina a anulabilidade da liquidação.

77.º

Esta orientação, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no Acórdão de 18 de fevereiro de 1998, no processo n.º 22.325, entendendo que os juros compensatórios representam como o próprio nome indica, uma compensação ou indemnização, uma espécie de reparação civil pelo retardamento da liquidação, com o consequente retardamento da entrada do imposto nos cofres do Estado. (…) A imputabilidade referida na lei não se basta com a mera ligação objetiva do facto ao contribuinte, seja, com a ilicitude, comportamento ainda um juízo subjetivo consistente na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente de forma a poder formular-se, a respeito da sua conduta, um juízo de censura; numa palavra, a culpa. Tal imputabilidade não se verifica se o retardamento da liquidação – tendo o contribuinte, na declaração modelo 2, tempestivamente apresentada, fornecido à Administração todos os elementos necessários à efetivação daquela – resulta de simples divergência, não culposa, de critérios quanto à quantificação de determinadas verbas como custos. A desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, imposto pela ordem jurídica, do critério adotado, em divergência com o fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa.

78.º

Mais, no Acórdão proferido em 23 de outubro de 2002, pelo Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 1145/02, sustentou-se que os juros compensatórios decorrentes do atraso na liquidação do respetivo imposto (…) pressupõem a existência de culpa (dolo ou negligência) do contribuinte pelo atraso ou falta da liquidação.

79.º

Nos termos do disposto nos artigos 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 342.º, n.º 1 do Código Civil, cabe à administração tributária demonstrar e provar esses factos constitutivos do direito à liquidação dos juros compensatórios, designadamente a culpa do sujeito passivo no eventual atraso ou retardamento da liquidação do imposto, ou seja, demonstrar o pressuposto da liquidação de juros compensatórios que se traduz na (…) existência de um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e o retardamento da liquidação e, bem assim, um juízo de censura, a título de dolo ou de negligência, aferido em abstrato, segundo a diligência do “bonus pater famílias” (cf. Acórdão do STA, de 17-10-2001, Procº25.803).

80.º

Assim, a culpa deveria ter sido apreciada na notificação em apreço ou em qualquer outro documento para o qual aquela remetesse. A liquidação dos juros compensatórios não é uma consequência automática de qualquer liquidação adicional do imposto, correspondendo, ao invés, ao resultado final de todo o processo cognitivo e valorativo onde se estabeleça o nexo de causalidade referido, e se formule um juízo de censura quanto à atuação do contribuinte (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de outubro de 2001, no processo nº 25.034.

81.º

Ora, o atraso na liquidação não pode ser imputado aos requerentes a título de culpa, pois agiram sempre de acordo com uma interpretação (mais do que) plausível da lei, nomeadamente seguindo instruções da notária aquando da outorga da escritura de doação, pelo que não estão verificados os pressupostos que a lei faz depender a liquidação de juros compensatório.

82.º

A liquidação de juros compensatórios é ilegal devendo ser anulada de conformidade.

83.º

Refira-se que, ao decidiu como decidiu, indeferindo a reclamação graciosa apresentada, o despacho da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ... de 5 de Maio de 2015, que assenta em pressupostos de facto e de direito não conformes com as normas e princípios jurídicos aplicáveis, caracterizando-se por uma incorreta aplicação da lei aos factos, o que deverá determinar a respectiva anulação com as consequências legais (Cf. Artigo 135.º co Código de Procedimento Administrativo).

84.º

Requer ainda a inquirição da testemunha HENRIQUE ...,GESTOR, RESIDENTE NA RUA DOS ..., N.º511, ....

Termina requerendo:

A admissão do presente pedido.

RESPOSTA DA ADMINISTRAÇÃO


85.º

Os requerentes apresentaram em 1 de Junho de 2014 a declaração mod/3 de IRS do ano de 2013, fazendo constar do anexo G, a alienação do imóvel em Agosto de 2013, declarando como valor de realização € 160.000,00 e como valor de aquisição o montante de € 148.000,00 e, € 9.840,00 a título de despesas e encargos.

86.º

No seguimento da receção e apreciação dos elementos da declaração, em 19-06-2014, os serviços procederam a abertura dum processo para análise de divergências dos elementos declarados de valores e datas de alienação do imóvel.

87.º

O requerente foi notificado da abertura do processo e para proceder à junção de documentos comprovativos dos elementos declarados, respeitantes à sua situação pessoal e familiar e à alienação do imóvel, no prazo de 15 dias, com a advertência de que a falte de regularização da situação daria origem a correção dos elementos declarados.

88.º

A notificação, via eletrónica, foi entregue na Caixa de correio do Via CTT, em 26-06-2014, tendo o requerente acedido à caixa correio em 21-07-2014.

89.º

O Requerente não deu cumprimento ao solicitado não juntando os documentos comprovativos.

90.º

Não obstante o Requerente ter sido validamente notificado, os serviços para obterem os documentos em falta, efetuaram segunda notificação pelo ofício de 17-09-2014, por carta registada com aviso de receção com o n.º RF012544754PT, enviada para a Praça Professor ... (morada do cadastro) sendo devolvida com a indicação “objeto não reclamado”.

91.º

O Requerente foi notificado mais uma vez, pelo registo RF010480598PT, para a PC ..., a morada do cadastro, para apresentar documentos e de que seriam efetuadas correções na falta de entrega dos mesmos, sendo indicados os campos, os valores declarados e a corrigir e a identificação do imóvel, devolvida com indicação “objeto não reclamado”.

92.º

Perante a falta entrega os serviços emitiram a liquidação oficiosa n.º 2014 55402786, objeto da presente ação arbitral.

93.º

Inconformados com a liquidação, os requerentes deduziram reclamação graciosa que, por despacho de 5 de maio de 2015 foi deferida parcialmente.

94.º

Os Requerentes foram notificados para se pronunciarem por escrito sobre o projeto de decisão da reclamação graciosa, mas, no prazo de 15 dias não deram resposta.

95.º

Os requerentes vêm manifestar a sua discordância relativamente ao entendimento da AT subjacente às liquidações que reputam de ilegais, alegando o seguinte:

(i) A preterição de formalidade legal essencial;

(ii)A ilegalidade do ato de liquidação de IRS e de Juros compensatórios por falta de fundamentação;

(iii) A ilegalidade do ato de liquidação por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.


96.º

Não lhes assiste qualquer razão, como de seguida se demonstrará.

97.º

Afirmam os requerentes que “ao contrário do que alega a administração tributária na decisão de deferimento parcial que antecede (…) nunca chegaram a ser notificados para exercerem o seu direito de audição relativamente às correções que deram origem aos referidos atos tributários” e que “em nenhum momento, foram (…) notificados para se pronunciarem sobre uma alegada proposta de correção do valor de aquisição do imóvel, tendo sido com total surpresa que foram confrontados com o ato de liquidação adicional de IRS e Juros Compensatórios n.º 2014 55402786, concluindo que a AT violou o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária.

98.º

Tal não corresponde à verdade mostrando-se provado que a AT efetuou três notificações, com o intuito de obter os documentos comprovativos dos valores e datas respeitantes à alienação do imóvel, declarados pelos requerentes no anexo G da declaração modelo 3 de IRS.

99.º

A primeira notificação foi remetida ao Requerente, via eletrónica, através do documento identificado pelo código 201415010000101592655, entregue na caixa postal eletrónica do Via CTT no dia 26-06-2014.

100.º

Sendo que o requerente acedeu à caixa postal eletrónica no dia 07-07-2015, considerando-se notificado no dia 21-07-2014, correspondente ao 25.º dia posterior ao envio da notificação eletrónica, nos termos do n.º 10.º do art.º 39.º do CPPT.

101.º

Na ausência de resposta à primeira notificação, não obstante o Requerente ter sido validamente notificado, diligenciou o Serviço de Finanças no sentido de obter os esclarecimentos necessários, efetuando uma segunda notificação mediante ofício remetido por carta registada com aviso de receção, para o domicilio que consta do cadastro da AT, que foi devolvida com a indicação “objeto não reclamado”.

102.º

O requerente foi mais uma vez notificado para apresentar os documentos comprovativos dos valores e datas declarados no anexo G, constando, novamente, desta terceira notificação, que seriam efetuadas correções caso os documentos comprovativos não fossem apresentados, constando da notificação os campos da declaração e os valores declarados, os valores a corrigir e a identificação do imóvel.

103.º

Perante a omissão de pronúncia, a falta de justificação dos montantes declarados e a falta de entrega dos elementos solicitados em três notificações, procederam os serviços à emissão da liquidação oficiosa nº 2014 55402786 objeto da presente ação arbitral.

104.º

Os Requerentes são obrigados a comprovar os elementos das suas declarações, nos termos do art.º 128.º, n.º 1, do CIRS, o qual dispõe que “as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija”.

105.º

Preceito legal ao abrigo do qual foram feitas as notificações aos requerentes, nelas se referindo expressamente que a falta de apresentação dos elementos solicitados teria como consequência a correção dos valores declarados.

106.º

Não se entende, pois, a total e invocada surpresa dos requerentes ao serem notificados do ato de liquidação adicional de IRS, já que a falta de apresentação dos documentos e a omissão de pronuncia sobre as correções efetuadas só a si é imputável e resultou do incumprimento das obrigações acessórias constantes do IRS.

107.º

Não assiste qualquer razão aos requerentes que contrariamente ao que pretendem fazer crer, apenas não participaram nas decisões que lhe dizem respeito simplesmente porque assim o entenderam, pois não obstante lhes ter sido dada a oportunidade de se pronunciarem, optaram por não o fazer quando não deram cumprimento à notificação eletrónica e quando se recusaram a receber as notificações remetidas para o seu domicílio fiscal (cuja participação é obrigatória nos termos do art.º 43.º do CPPT e 19º da LGT.

108.º

As notificações em causa cumprem, escrupulosamente, os requisitos constantes dos artºs 38.º e 39º do CPPT para se considerarem perfeitas.

109.º

Mas, se não tivessem sido validamente notificados para exercer o direito de audição, a alegada preterição deveria considerar-se sanada porque os requerentes deduziram reclamação graciosa contra a liquidação no âmbito da qual tiveram oportunidade de se pronunciarem sobre a liquidação adicional, tendo optado por não exercer o direito de audição.

110.º

Neste sentido se pronunciou o STA, no Acórdão de 25-06-2015, processo n.º 01391/14 que se transcreve:

“Como afirmou já este Supremo Tribunal Administrativo, “o direito de audiência não tem como única finalidade a possibilidade de participar na fixação da matéria coletável, antes podendo essa participação ( que o direito de audiência visa assegurar) assumir muitos outros domínios da formação de decisão final (cf. O acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13, ainda não publicado no jornal oficial mas disponível em http://dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/29e75cff6637cdef8o257d7800526d92?Opendocument

A pedra-de-toque para a aplicação do referido princípio deve ser, isso sim, a insusceptibilidade de a participação do interessado influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos.”


111.º

E continua o douto Acórdão:

“(…) a presente impugnação judicial foi deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que o ora requerido deduziu contra aquele ato tributário. Como judiciosamente observam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “poderá também considerar-se convalidado o ato primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o ato primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo ato de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o ato de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este ato que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação” (…).


112.º

No caso presente os requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação adicional e foram notificados para se pronunciarem sobre o projeto de decisão, prescindindo, no entanto, do seu direito de audição, tal como já tinha acontecido no procedimento de analise de divergências, no âmbito do qual se furtaram sempre ao recebimento das notificações postais.

113.º

Pelo que a alegada inexistência de audição prévia não pode ser imputada à AT, mas apenas aos requerentes, os quais não demonstraram qualquer interesse em participar e influenciar a decisão administrativa, pretendendo agora, em sede arbitral, valer-se da sua conduta omissa para invalidar um o ato de liquidação, o qual, como se demonstra de seguida, foi praticado no exercício de poderes vinculados, limitando-se a AT a cumprir integralmente o disposto nas normas legais aplicáveis.

114.º

Afirmam os requerentes que “no ato de liquidação notificado não são explicitados todos os fundamentos, quer de facto quer de direito, que determinaram a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, e que se trata de IRS do ano de 2013 sem qualquer identificação adicional quanto à sua natureza e origem, impercetíveis para um destinatário normal” invocando a violação do disposto no n.º 3 do art.º 268.º da CRP, do art.º 77.º da LGT e art.º 63.º do RCPT, padecendo do vício de forma por falta de fundamentação.

115.º

Cumpre salientar desde já que os requerentes não juntaram ao pedido arbitral documentos respeitantes às notificações dos atos de liquidação do imposto e de juros compensatórios, limitando-se a identificar os atos impugnados com o documento n.º 2, que consiste numa mera demonstração da liquidação da qual não resultam minimamente provados os vícios de fundamentação que alegam ter ocorrido.

116.º

Cumpre também esclarecer que os requerentes não foram sujeitos a nenhuma ação inspetiva realizada pela Inspeção Tributária, pelo que não faz qualquer sentido chamar à colação disposições do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), designadamente o seu n.º 63.º.

117.º

É incontroverso, atenta a jurisprudência maioritária que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguida pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra.

118.º

As liquidações controvertidas tiveram origem num procedimento de análise aos elementos declarados pelos requerentes realizada ao abrigo do art.º 128.º, n.º 1, do CIRS que estabelece que as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direção-Geral dos Impostos o exija.

119.º

Os requerentes tiveram conhecimento do procedimento de análise de divergências como os próprios admitem no art.º 57.º do pedido arbitral, bem como tiveram conhecimento e que a falta de apresentação dos elementos solicitados no prazo estipulado teria como consequência a correção dos valores declarados na declaração modelo 3 de IRS, e, tal como ficou amplamente demonstrado, só não se pronunciaram sobre as correções propostas, nas várias oportunidades para o fazer porque não quiseram.

120.º

Os elementos que constam do procedimento de análise de divergências permitem identificar e conhecer todo o percurso percorrido pela AT para chegar ao valor total daas correções, dando a conhecer o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, esclarecendo o que levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro, dele constando todos os elementos de que os requerentes poderiam necessitar para compreender e apreender as correções que foram efetuadas bem como os atos de liquidação que lhe seguiram.

121.º

Da leitura do pedido de pronuncia arbitral e da reclamação graciosa resulta que os requerentes não demonstraram qualquer dificuldade em entender/apreender o itinerário cognitivo percorrido pelos serviços da AT, tendo mesmo formulado um juízo crítico sobre o mesmo.

122.º

Mostra-se evidente que os requerentes tiveram conhecimento da fundamentação dos atos de liquidação, pois de outra forma não estariam habilitados a discutir, como discutem na presente ação arbitral e no procedimento de reclamação graciosa, as correções atinentes aos valores do imóvel.

123.º

O ato de liquidação consiste no apuramento matemático, processado informaticamente, do valor a pagar ou a receber pelo sujeito passivo, sendo o culminar de uma sucessão de atos encadeados que conduzem ao calculo do imposto.

124.º

Depois das notificações efetuadas aos requerentes e de estes terem optado por não participar no procedimento tudo o que havia a fazer era a liquidação em sentido estrito, não cabendo senão estabelecer a taxa aplicável e proceder aos cálculos do imposto devido. Foi o que fez, e não mais, o ato de liquidação (Acórdão do STA, de 29-10-2003, proc, n.º 01077).

125.º

Como tal, notificados os Requerentes da existência do procedimento de divergências e da efetivação das correções caso não procedessem à remessa dos documentos solicitados, não necessita o ato de liquidação subsequente de reproduzir novamente os fundamentos já invocados (respeitante aos valores, despesas e datas de aquisição do imóvel, devendo a nota de cobrança conter apenas, como efetivamente contém, os elementos próprios do ato de liquidação, ou seja a demonstração do apuramento do valor a pagar ou a reembolsar.

126.º

A AT cumpriu integralmente, os requisitos legais da fundamentação dos atos constantes dos artigos 77.º da LGT e 125.º do CPA, os quais determinam que a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária e pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão parte integrante do respetivo ato.

127.º

Quanto à liquidação de juros compensatórios e tendo em consideração o que acabamos de expor encontra-se igualmente fundamentada, tendo a AT respeitado os requisitos do n.º 9 do art.º 35.º da LGT, porquanto, na demonstração da liquidação notificada aos requerentes dá-se a conhecer o montante do imposto sobre a qual incidem juros, a taxa aplicável e o período da sua contagem (neste sentido, veja-se o Acórdão do STA, proferido no proc. 0645712 EM 14-02-2013).

128.º

Nestes termos resulta claro que as liquidações cuja falta de fundamentação vem alegada, não padecem de tal vício, porquanto de toda a sucessão de atos levada a cabo pela AT (procedimento de análise de divergências e ato de liquidação do imposto, constam expressa e minuciosamente descritos todos os procedimentos essenciais dos atos - as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários.

SEM CONCEDER


129.º

Ressalve-se que, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação, o que se admite somente por cautela e dever de patrocínio, cabia aos requerentes solicitar a emissão da certidão prevista no art.º 37.º do CPPT.

130.º

Na verdade, e tal como esclarece António Lima Guerreiro in Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, ..., 2000, pág. 341, em nota ao artigo 77.º da LGT:

Tem sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (seguida a partir do Acórdão de 11 de dezembro de 1991, recurso 11897), que a falta de notificação da fundamentação não afeta a legalidade do ato. É um elemento exterior ao ato e não um requisito da sua perfeição. A falta de notificação da fundamentação conduz apenas à consequência prevista no art.º 37.º da CPPT, nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha isenta de qualquer pagamento, contando-se apenas a partir da notificação dos factos omitidos ou a passagem da certidão que os contenha o prazo de reclamação, recurso ou impugnação judicial.


131.º

Quando do elenco da factualidade em apreço, os Requerentes ficaram a conhecer a fundamentação das correções decorrentes do procedimento de análise de divergência, e só não exerceram o direito de audição porque se furtaram ao recebimento das notificações enviadas para esse efeito.

132.º

Daí se depreendendo que os requerentes se consideravam suficientemente esclarecidos, ao ponto de não quererem receber as notificações e de não utilizarem as faculdades prevista na lei para se defenderem do projetado ato de correção, designadamente da faculdade prevista no art.º 37.º do CPPT.

133.º

Termos em que, não tendo os requerentes usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os atos sub judicio continham e contêm, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vicio de fundamentação que alegadamente padeciam ficou sanado.

134.º

A questão a dirimir na presente ação arbitral prende-se com a correta interpretação do disposto no artigo 45. do CIRS, quanto aos valores de aquisição e de realização a considerar para efeitos do cálculo da mais-valia obtida com a alienação do imóvel adquirido pelos requerentes por doação isenta.

135.º

No que respeita ao valor de aquisição a título gratuito, determina o art.º 45.º do CIRS:

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens e direitos adquiridos a título gratuito:

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto de selo;

b) O valor que serviria de base à liquidação do imposto de selo, caso este fosse devido

(…).

3 – No caso de direitos reais sobre bens imoveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto de Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação (Lei n.º 3-B/2010-28/04).


136.º

Ora, os Requerentes alienaram, em agosto de 2013. Um imóvel que a Requerente adquiriu por doação dos seus pais, no dia 30 de dezembro de 2010, beneficiando da isenção prevista no artigo 6.º, alínea e) do Código do Imposto de Selo.

137.º

O imóvel tinha até aos dois anos anteriores à doação o valor patrimonial tributário de € 334,46, o qual só foi alterado, para € 73.333,00, depois da doação, nos termos do regime transitório decorrente da implementação da reforma da tributação do património, constante do n.º 1 do art.º 15.º do decreto-lei nº 287/2003, de 12/11, que impunha a avaliação dos prédios urbanos aquando da primeira transmissão na vigência do CIMI.

138.º

Do exposto resulta, indubitavelmente, que a Requerida deu integral cumprimento ao quadro legal aplicável à matéria, subsumindo, de forma, correta, a factualidade apurada na disciplina jurídica consagrada no n.º 3 do art.º 45.º do CIRS.

139.º

Conforme refere o Ilustre Professor Baptista Machado, os elementos de que o interprete lança mão para desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais são essencialmente dois: o elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico (espírito da lei), sendo que este último se subdivide em três elementos – o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico.

140.º

Refere ainda o Ilustre Professor “o texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: «a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavas da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva (…) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (…).

141.º

No caso do n.º 3 do artigo 45.º do CIRS, só comporta um sentido que é o de considerar, para cálculo da mais-valia resultante da alienação do imóvel adquirido por doação isenta, o valor patrimonial tributário que o imóvel tinha até aos dois anos anteriores à doação, não permitindo a letra da lei a adoção para cálculo do Imposto de mais-valias adquirido por doação isenta do valor que serviria de base à liquidação de imposto de selo, caso este fosse devido, nos termos do n.º 1,alínea b) do art.º 45.º do CIRS., admitir expressamente esta norma especial expressamente prevista pelo legislador para alienação de imóveis adquiridos por doação isenta, significaria violar o princípio da prevalência da lei especial sobre a lei geral.

142.º

Consubstanciaria uma interpretação revogatória ou ab-rogante do art.º 45.º do CIRS, que só é admissível quando a fórmula legislativa é tão mal inspirada que nem sequer consegue aludir com clareza mínima às hipóteses que pretende abranger e, tomada à letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito da lei, o que não é, seguramente, o caso.

143.º

O argumento expendido pelos requerentes é manifestamente improcedente e não tem qualquer sustentação legal, resultando do exposto que a requerida se limitou a aplicar a norma prevista pelo legislador à situação sub judicio.

144.º

A AT entende que se o art.º 45.º, n.º 3 do CIRS configura uma presunção legal suscetível de elisão por forma a afastar a tributação com base em rendimentos presumíveis, a verdade é que para elidir a presunção não basta invocar argumentação genérica no sentido de que o propósito da doação não foi a redução da mais-valia.

145.º

Dispõe o art.º 73.º da LGT que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, consagrando o legislador fiscal expressamente, a proibição de presunções legais absolutas de rendimento.

146.º

Quando o Administração Fiscal beneficia de uma presunção legal constante de uma norma de incidência tributária, ocorre uma inversão do ónus de prova, sendo que só através da prova do contrário poderá o sujeito passivo elidir a presunção, cabendo, assim, aos requerentes, provar o valor efetivo da alienação, demonstrando que o valor que o legislador manda aplicar se afasta do valor real pelo qual ocorreu a transação.

147.º

Não obstante nenhuma prova foi feita nesse sentido, limitando-se as requerentes a afirmar que o intuito não foi a redução da mais-valia, o que é manifestamente insuficiente para contradizer a legalidade da correção efetuada pela AT, não tendo os mesmos cumprido o ónus da prova do contrário que lhes é imposto pelo n.º 2 do artigo 350.º do CC e pelo artigo 73.º da LGT.

148.º

O argumento da redução da mais-valia não se conjuga com o facto de terem feito constar na escritura de doação, para efeitos fiscais, o valor de € 148.000,00, parecendo claro a intensão de aumentar o valor do imóvel para reduzir as mais-valias numa posterior alienação.

149.º

Invocam os requerentes a falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, afirmando que a Administração Tributária não logrou demonstrar os pressupostos de que depende a liquidação, designadamente a culpa no retardamento da liquidação.

150.º

Nos termos do art.º 35.º da LGT, os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, e integram-se na própria dívida do imposto.

151.º

Referem a doutrina e a jurisprudência que os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, e integram-se na própria dívida do imposto.

152.º

Referem a doutrina e a jurisprudência que os juros compensatórios “pressupões atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, por motivo imputável ao contribuinte” (cf. Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, 4.º edição, pág. 174), sendo que “a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efetivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso à atuação do contribuinte” (cfr. Ac. do STA, de 22-09-98, Proc. 022 612).

153.º

Os juros compensatórios constituem, pois, um regime específico de indemnização civil do Estado pelos causados pela falta de cobrança do imposto, resultante do incumprimento por parte do contribuinte dos seus deveres acessórios, constituindo um agravamento “ex-lege” proveniente da omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou da falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação, situações que originam o atraso da liquidação (neste sentido, Vitor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. I, Coimbra, 1984, pág. 451).

154.º

Sustenta a jurisprudência o entendimento no sentido de que se determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta, por ilação lógica, a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao caracter ilícito-típico do facto praticado), devendo partir-se do pressuposto de que existe culpa quando a atuação do contribuinte integra a hipótese de uma infração tributária (cfr. Ac. do STA, de 23-10-98, Proc. 022612 e Ac. do STA, de 19-11-2008, Proc. 0325/08).

155.º

Ora, neste caso, a responsabilidade dos requerentes no atraso na liquidação e na entrega ao Estado do imposto devido, avém do incumprimento das disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária, das consequentes inexatidões e omissões praticadas no preenchimento da declaração modelo 3 e da falta de apresentação dos documentos justificativos doa montantes declarados, que constituem infrações previstas e punidas pelo Regime Geral de Infrações Tributárias, donde resulta demonstrada a culpa e, consequentemente, a legalidade da liquidação dos juros compensatórios.

156.º

Termina a AT pedindo, sem suporte legal:

a) a dispensa da prova testemunhal atendendo à natureza da matéria controvertida;

b) que o presente seja julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos com as legais consequências.

As alegações confirmam o que foi demonstrado ao longo do processo, nomeadamente a elisão da presunção prevista no artigo art.º 45.º do CIRS, ou seja, não ficou provado que a operação do imóvel tivesse, como finalidade a diminuição da matéria coletável no IRS.

Os factos e as razões de direito estão devidamente identificados e justificados pelo que há que decidir.

QUESTÕES DO CONHECIMENTO PREJUDICADAS

Relativamente matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que aleado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importem para a decisão, a matéria provada e não provada (art.º 123.º, n.º 2 do CPTP e art.º 607.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, aplicável “ex-vi” art.º 29.º, n.º 1, al. a) e al. e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às varias plausíveis questões de direito (art.º 596.º do CPC, aplicável “ex-vi” do art.º 29.º, n.º 2 do RJAT).

DECISÃO

Em face do exposto concluímos não existir razão à requerente, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais dos atos de liquidação identificados nos autos. (…)»

*
II.2. De Direito

O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.).

            Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Arbitral decidiu:
«Em face do exposto, concluímos não existir razão à requerente, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais dos atos de liquidação identificados nos autos.»

A impugnante dissente do julgado veio requerer que a presente impugnação seja julgada procedente e a decisão arbitral seja declarada nula por padecer dos vícios de (i) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e de (ii) omissão de pronúncia, nos termos do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 28º do RJAT. Vícios que constituem causas de nulidade da decisão impugnada, nos termos do disposto no artigo 125º do CPPT e nos artigos 195º, nº 1 e 615º do CPC.

Vejamos.

- Da não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão -  
Invoca a impugnante que a decisão impugnada não se encontra estruturada de acordo com o que prescrevem os artigos 123° do CPPT e 607°, n°2, 3 e 4 do CPC.  Que não enunciou as questões decidendas, não consignou a factualidade relevante, não procedeu à especificação dos factos provados e não provados, não efectuou a análise crítica da prova e nada concluiu sobre a matéria de facto a subsumir às disposições legais aplicáveis.  Da leitura do segmento da decisão intitulado «FACTOS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO» resulta que o Tribunal Arbitral Singular se limita a transcrever, de forma articulada e integralmente o pedido de pronúncia arbitral.  A decisão arbitral limita-se a transcrever todas as afirmações proferidas pela Requerente no seu pedido arbitral, designadamente, factos, argumentos, pedidos, transcrições de doutrina e de jurisprudência, considerando-as «FACTOS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO». A decisão arbitral é absolutamente omissa quanto à fundamentação de facto, porquanto não foram especificados quaisquer factos integrados na causa de pedir susceptíveis de fundamentar a decisão de procedência do pedido de anulação das liquidações, viciando o disposto no artigo 607°, n°3 e 4 do CPC, bem como o artigo 154,°do CPC. No que respeita à fundamentação de direito, a decisão arbitral apenas contém uma singela referência genérica ao artigo 45° do CIRS, sem especificar, sequer, o número ou alínea do artigo concretamente aplicável à questão em apreciação. O discurso fundamentador da decisão limita-se à indicação genérica do artigo 45° do CIRS, nada constando do mesmo sobre o fundamento de direito subjacente à emissão da liquidação controvertida, que se prende com a aplicação, aos imóveis adquiridos por doação isenta, da disposição legal constante do n°3 do artigo 45° do CIRS. Deveriam constar do probatório da decisão todos os factos integrados na causa de pedir que fundamentam a decisão de procedência do pedido de anulação, bem como a análise crítica da prova, impondo-se ao Tribunal a especificação dos factos provados e não provados e o exame crítico da prova, o que não ocorreu. Pelo que, a decisão arbitral padece, em absoluto, do vício de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito. [conclusões nºs VI. a VIII. e X. a XVI.]

Adianta-se, desde já, que assiste razão à impugnante.

Vejamos.

Nos termos do preceituado no artº.28, nº.1, al.a), do RJAT, é nula a decisão, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.


Tal como a impugnante invoca a decisão arbitral não se encontra devidamente estruturada de acordo com o que prescrevem os artigos 123º do CPPT e 607º, nº 2, 3 e 4 do CPC.
Vejamos em concreto.
A decisão arbitral foi apresentada por artigos, sendo que cada artigo corresponde a um parágrafo da mesma.
A partir do artigo 5º encontram-se os apelidados  “FACTOS  RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO” que mais não são que a transcrição das alegações da requerente, ora impugnada, e que incluem factos, argumentos, pedidos, transcrições legais de doutrina e de jurisprudência.
Nos factos propriamente ditos, na sua maioria são factos conclusivos (de que são exemplo, entre muitos outros, os artigos 15º e 17º), e nos que não são (de que são exemplo, entre muitos outros, os artigos 5º e 9º) não é indicado o meio de prova (documental ou outra) de onde se extrai a factualidade em questão, sendo igualmente totalmente omissa a motivação da matéria de facto.
Do mesmo modo, nada é referido acerca da factualidade não provada.
Quase toda a decisão arbitral é composta das alegações de facto e de direito (transcritas ipsis verbis) de ambas as partes, não tendo sido enunciadas as questões decidendas.
E na última página da decisão (pág.24), depois de 155 artigos a transcrever os argumentos das partes podemos ler (somente) o seguinte:
«As alegações confirmam o que foi demonstrado ao longo do processo, nomeadamente a elisão da presunção prevista no artº45° do CIRS, ou seja, não ficou provado que a operação do imóvel tivesse, como finalidade a diminuição da matéria coletável no IRS.
Os factos e as razões de direito estão devidamente identificados e justificados pelo que há que decidir.
QUESTÕES DO CONHECIMENTO PREJUDICADAS
Relativamente matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que aleado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importem para a decisão, a matéria provada e não provada (art.º 123.º, n.º 2 do CPTP e art.º 607.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, aplicável “ex-vi” art.º 29.º, n.º 1, al. a) e al. e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às varias plausíveis questões de direito (art.º 596.º do CPC, aplicável “ex-vi” do art.º 29.º, n.º 2 do RJAT).
DECISÃO
Em face do exposto concluímos não existir razão à requerente, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais dos atos de liquidação identificados nos autos. (…)»

Face ao ora exposto, cumpre decidir.

Em face do preceituado no artigo 615,º, n.º 1, al. b), do CPC é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

A previsão desta nulidade encontra-se em harmonia com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei, e com a consagração na lei ordinária do mesmo dever de fundamentação, por via da expressa previsão do artigo 154.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

E a justificação, nos termos do nº 2 do art. 154º supra referido, não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

A fundamentação consiste na expressão do conjunto das razões quer de facto quer de direito ou jurídicas, em que assenta a decisão; ou seja, na indicação dos motivos pelos quais se decide de determinada forma, com vista a permitir aos destinatários sindicar a motivação do julgador.[1]

Como é pacífico, este vício da sentença ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso mas não a respectiva nulidade.[2]

Acresce que, atento o fundamento da norma, concordamos com o entendimento que defende ocorrer também esta nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial”.[3]

Ora, se bem atentarmos no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, facilmente compreendemos que o mesmo prevê esta sanção para o desrespeito ao disposto no artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 da mesma codificação, que desenvolvendo os requisitos da sentença, impõe que o juiz especifique os respectivos fundamentos de facto e de direito, atenta a sua essencialidade para que seja apreendida a adequação dos factos demonstrados no caso particular que se decide à lei em que aqueles se enquadram, tendo as partes, mormente se ficam vencidas, o direito a saber por que razão a sentença lhes é desfavorável para efeitos de recurso, relevando ainda tal fundamentação para que, quando é interposto recurso, os tribunais superiores possam sindicar a bondade do decidido.[4]

Reportando-se esta nulidade à omissão do dever de fundamentar a sentença, nos termos previstos nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 607.º, importa atentar que tal preceito se refere à estrutura da sentença, na qual o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

Devemos concluir que em matéria de fundamentação de facto, a sentença tem que discriminar os factos que o julgador considera provados, sendo estes não apenas os que o tribunal deu como provados na sequência da selecção da matéria de facto, mas também aqueles que hajam sido admitidos por acordo, e ainda os que se encontrem provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito.

Porém, para além dessa discriminação dos factos, é ainda necessário que o julgador proceda ao exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.

Tal significa, na verdade, que a fundamentação da sentença em termos de matéria de facto não se basta com a discriminação dos factos julgados provados, sendo necessário por força do referido preceito legal fazer o exame crítico das provas de que cumpre conhecer na sentença.

Porém, é entendimento pacífico que a exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo o julgador indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua correcção. [5]

Operado este necessário enquadramento e apreciada a decisão da matéria de facto efectuada nos termos sobreditos, fácil é concluir que na mesma não foi dado, ainda que sinteticamente, cumprimento ao aludido comando legal, quanto aos fundamentos da convicção do julgador no tocante aos aludidos artigos dos “FACTOS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO”, ficando por perceber, com base em que meios de prova fundou o tribunal a sua convicção.

Desta sorte, verifica-se efectivamente a invocada falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Na realidade, a decisão arbitral em crise não procedeu à especificação dos factos provados e não provados, não efectuou a análise crítica da prova, e nada concluiu sobre a matéria de facto a subsumir às disposições legais aplicáveis.

O que importa a nulidade da decisão ora impugnada, por força da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC e a procedência da presente Impugnação.

Ficam, assim, prejudicados os restantes fundamentos da presente impugnação.


*


III - Decisão


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul,
em julgar procedente a impugnação da decisão arbitral, com as legais consequências.

Custas pela impugnada.

Registe e Notifique.



Lisboa, 12 de Dezembro de 2017


--------------------------------                                                                                    

                                                                      [Lurdes Toscano]

                                                               -------------------------------

                                                                                                       [Ana Pinhol]

                                                               --------------------------------

                                                                                        [Jorge Cortês]



[1] Cfr. neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª ed., pág. 688.
[2] Cfr. autores e obra citada, pág. 669; Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140.
[3] Cfr. Ac. do TRC de 17-04-2012, proferido no proc.º n.º 1483/09.9TBTMR.C1, e disponível em www.dgsi.pt
[4] Cfr. Alberto dos Reis, loc. cit., pág. 139.
[5] Cfr. Ac. do TRC de 07-05-2013, proferido no proc.º n.º 1259/08.0TBGRD.C1, e disponível em www.dgsi.pt