Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:199/11.0BELRS
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:ISENÇÃO
MUNICÍPIOS
TAXAS URBANISTICAS
SANTA CASA DA MISERICÓRDIA
Sumário:Não tendo o legislador ordinário revogado expressamente a norma constante do artigo 13º, al. a) do DL n.º 40397 de 24.11.1955, nem resultando que a mesma colida com norma hierarquicamente superior, há que concluir que a mesma se encontra plenamente vigente na ordem jurídica e, consequentemente, que os Municípios devem abster-se de emitir quaisquer taxas urbanísticas que tenham por fundamento de direito uma suposta revogação daquela norma legal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I – Relatório

O Município ....., inconformado com a sentença proferida do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a acção administrativa especial contra si instaurada pela Santa Casa da Misericórdia ....., anulou o acto impugnado [despacho da Directora Municipal de Finanças, datado de 21-12-20104, que indeferiu o pedido de reconhecimento do direito à isenção de taxas urbanísticas relativas a obra de construção e ocupação da via pública] e condenou a Entidade Demandada a reconhecer à Autora a isenção das taxas urbanísticas em causa no âmbito dos processos de licenciamento nº...../2008 e ...../2009 e processo de ocupação da via pública n°...../2009, apresentou o presente recurso jurisdicional.

Tendo alegado, formulou, a final, as seguintes conclusões:

I - Julgou o tribunal a quo na douta sentença de que ora se recorre, totalmente procedente por provada a presente acção administrativa especial interposta pela Santa Casa da Misericórdia ..... contra o Município ..... e, em conformidade, condenando o R a reconhecer à autora a isenção das taxas urbanísticas em causa no procedimento.

II - O ora Recorrente não se conforma e repudia o teor e fundamentos da douta sentença.

III - O Decreto-Lei n°40397 de 24 de Novembro de 1955 que determinava que a Misericórdia ..... gozava de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos foi expressamente revogado há 20 anos pelo Decreto - Lei n°322/91 de 26 de Agosto que aprovou os então novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia.

IV - Aquela norma de isenção foi porém mantida em vigor por força do artigo 34° daquele Decreto-Lei n°322/91, que estabelecia que "Mantêm-se, a favor da Misericórdia ....., todas as isenções que lhe foram conferidas por lei.".

V - Posteriormente, o Decreto-Lei n°235/2008 de 3 de Dezembro que entrou em vigor em 2 de Janeiro de 2009, veio aprovar os novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia, tendo no seu artigo 4°, e sem qualquer ressalva, procedido à expressa revogação do Decreto-Lei n° 322/91.

VI - Tal revogação expressa não deixa qualquer dúvida quanto ao desaparecimento do ordenamento jurídico da isenção ora invocada pela A que apenas mantinha a sua vigência enquanto estivesse em vigor o artigo 34° do Decreto-lei n°322/91.

VII - Logo, desde a entrada em vigor do Decreto-lei n°235/2008, as isenções de taxas municipais para a A. passaram a ser exclusivamente apreciadas no âmbito e de acordo com as disposições regulamentares municipais aplicáveis às taxas municipais em causa.

VIII - A sentença recorrida sufragou uma interpretação diversa que o Recorrido repudia e contrária, invocando a alteração constitucional de 2001 e a sucessão de diplomas legais em especial a nova LFL e o RGTAL que em 2007 vieram concretizar o princípio da autonomia financeira das autarquias na sua vertente de atribuição de poderes tributários às autarquias consagrado no n°4 do artigo 238° da CRP.

IX - Com efeito e contrariamente ao que o tribunal a quo defende, ao legislador ordinário, por força daquele n°4 do artigo 238° da CRP e dos diplomas legais que lhe vieram dar execução, encontra-se vedada a atribuição de isenções de taxas municipais criadas pelos municípios.

X - Tal impossibilidade é aliás também, em parte, defendida por SÉRGIO VASQUES na sua obra citada na douta sentença, Regime das Taxas Locais - Introdução e Comentário, 2008, Almedina, na média em que "O que sempre se haverá de exigir do legislador, naturalmente, e porque o princípio da equivalência não se fundamenta simplesmente no RTL mas representa uma projecção do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13° da Constituição da República, é que também estas isenções estabelecidas por lei se mostrem necessárias, adequadas e proporcionadas em face dos objectivos extrafiscais que estejam em causa, um exame que deve ser feito com especial rigor sempre que revistam carácter subjectivo.".

XI - E mesmo defendendo uma interpretação restritiva do princípio da autonomia financeira das autarquias com faz o tribunal a quo e o supra citado autor, não poderá ainda assim, deixar-se de aceitar a limitação imposta pelo princípio da igualdade tributária também constitucionalmente consagrado, em especial, tratando-se de isenções subjectivas como nos lembra o ilustre autor e como é o caso da isenção sub iudice.

XII - A interpretação defendida pelo ilustre Professor SALDANHA SANCHES vai também no sentido do entendimento de que os poderes tributários das autarquias se lhes encontram reservados por via da articulação do disposto no n°4 do artigo 238° da CRP e da previsão legal dos mesmos na LFL e no RGTAL, ao dizer-nos que" No sistema constitucional português, os municípios dispõem de uma estrutura organizativa que conduz a uma larga autonomia em matéria financeira. Uma autonomia que inclui o exercício de poderes tributários: como escreve SÉRVULO CORREIA. A "administração autárquica possui uma legitimação democrático-representativa que não seria compatível com uma simples actividade de execução da lei". De onde conclui que o princípio da autonomia administrativa, traduzida numa autónoma normação autárquica, se encontra numa relação não de contradição, mas antes de integração do princípio da legalidade". Essa integração passou a ser feita, depois da última revisão constitucional mediante a interacção entre os n.°s 3 e 4 do artigo 238º da Constituição e a legislação ordinária. "O nº4 do artigo 238°, introduzido na última revisão constitucional prevê a atribuição aos municípios, na aplicação de princípios como os que acima formulamos, de poderes tributários sem qua/quer restrição de ordem material: ainda que sob a condição de uma formulação específica do conteúdo desses poderes por lei.

XIII - No âmbito do seu poder tributário e das competências que lhe foram constitucional e legalmente atribuídas, o Município ....., através de deliberação da Assembleia Municipal, aprovou o Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas (publicado no DR – 2ª Série, n°129 de 7 de Julho de 2009), atribui de forma geral e abstracta, isenções, conforme se encontra previsto no RGTAL, aplicáveis a todas as entidades que, à semelhança da Recorrida, sejam "... associações públicas, pessoas colectivas de utilidade pública, instituições particulares de solidariedade social ou outras associações sem fins lucrativos, que prossigam fins culturais, sociais, religiosos, desportivos ou recreativos"

XIV - Atribuindo assim uma isenção de carácter subjectivo mas cujos potenciais sujeitos passivos são abstractamente descritos, não se permitindo assim a verificação de desigualdades na atribuição de isenções tributárias que claramente tem lugar com a aplicação da alínea a) do artigo 13° do Decreto-Lei n°40397.

XV - As entidades previstas no artigo 6° n°1 daquele Regulamento, beneficiavam de uma redução de 30% do valor das taxas urbanísticas ali previstas, não se vislumbrando qualquer justificação para que a Recorrida beneficie de uma isenção total das mesmas taxas quanto às quais, v.g., a Igreja Católica, apenas beneficie de 30% de redução, antes se lobrigando a verificação da violação do princípio da igualdade que resulta da interpretação restrita do princípio da autonomia financeira das autarquias contido no artigo 238° da CRP, ao defender-se a manutenção e determinar a sua aplicação da norma legal de 1955.

XVI - Assim, sob pena de violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado e do princípio da autonomia financeira das autarquias, não é constitucional e legalmente defensável que a A. beneficie de uma isenção total de taxas municipais quanto às quais outras entidades que prossigam fins estatutários idênticos e tão meritórios quanto os seus, apenas beneficiem de uma redução de 30%.

XVII - Invoca também a douta sentença que, estando-se perante a Misericórdia ..... que, em especial na área do município .....,"(...)tem como fins a realização da melhoria do bem -estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de acção social, saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular actuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de actividades que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços e, ainda, o desenvolvimento de iniciativas no âmbito da economia" (Cf artigos 3° e 4° dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n°235/2008), os interesses que prossegue transcendem o âmbito das autarquias locais.

XVIII - O Município ....., que também exerce as suas atribuições e competências, obviamente na área do município ....., à semelhança dos restantes municípios do país, tem atribuições previstas no artigo 13° da Lei n°159/99, de 14 de Setembro, das quais se realçam as nos domínios da educação, património, cultura e ciência, tempos livres e desporto, saúde, acção social, habitação, protecção civil, ambiente e saneamento básico, atribuições estas que lhe determinam que prossiga e proteja, afinal os mesmos interesses que o legislador pretendeu que a Recorrida também prosseguisse.

XIX - Logo, não se poderá concluir que os interesses que a Misericórdia ..... prossegue transcendem o âmbito das autarquias locais, porquanto estas os prosseguem também.

XX - Sendo muito meritórios os interesses prosseguidos e protegidos pela Misericórdia ..... e indiscutível o seu papel na sociedade, esta não é a única entidade que os prossegue, e nessa esteira, o Município ..... atribui a isenção geral e abstracta supra referida, entre cujos destinatários se encontra a Recorrida entre outras entidades que prossigam fins igualmente meritórios no estrito cumprimento do princípio da igualdade tributária que, conforme acima descrito não é respeitado pela alínea a) do artigo 13° do Decreto-Lei n°40397.

XXI - Conforme nos diz Jorge Miranda "a superveniência da nova Constituição ou de uma sua revisão, acarreta ipso facto, pela própria função e forca de que está investida, o desaparecimento das normas de Direito ordinário anterior com ela desconformes"

XXII - Assim, com a superveniência da norma constitucional que veio atribuir tais poderes tributários às autarquias através de previsão legal, previsão esta que veio a suceder em 2007, aquela norma de 1955, encontrando-se prevista num diploma legal emanado pelo Governo sem qualquer intervenção da autarquia local respectiva, resulta supervenientemente inconstitucional, devendo cessar a sua vigência desde a entrada em vigor daqueles diplomas legais de 2007.

XXIII - Encontra-se assim a douta sentença recorrida ferida de ilegalidade em virtude de condenar o ora Recorrente à prática de um acto que consistiria na aplicação de uma norma legal revogada ou ferida de inconstitucionalidade superveniente.

XXIV - Deverá assim ao presente recurso ser concedido provimento e, em consequência ser revogada a douta sentença ferida de ilegalidade por violação das normas constitucionais e legais supra referidas.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogada a sentença ora recorrida, por não se encontrar em vigor a norma contida na alínea a) do artigo 13° do Decreto-Lei n°40397 de 24 de Novembro de 1955, quer por ter sido revogada pelos Decretos-Lei n°s 322/91, de 26 de Agosto e 235/2008, de 3 de Dezembro, quer por se verificar a sua inconstitucionalidade superveniente por violação do n°4 do artigo 238° da CRP e do princípio da igualdade tributária previsto no artigo 13° da CRP, e consequentemente, mantendo-se assim o acto impugnado pela Recorrida com todas as demais consequências legais.

A Recorrida, Santa Casa da Misericórdia ....., notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações que encerrou nos seguintes termos:

1.ª - Nos termos da al. a) do art°13° do Decreto-Lei n°40.397, de 24 de Novembro de 1955, a Santa Casa da Misericórdia ..... goza de isenções "de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou dos corpos administrativos, sejam de que natureza forem ".

expressa ou implicitamente, revogado pelo Dec-Lei n°322/91, de 26 de Agosto, que aprovou, então, os novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia ......

3.ª - A única disposição revogatória deste diploma estava contida no seu art°2° o qual determinava que "à medida que entrarem em vigor as normas previstas nos Estatutos, deixam de se aplicar todas as normas legais e regulamentarem aplicáveis à Santa Casa da Misericórdia ..... que contrariem o disposto nos mesmos Estatutos".

4.ª - O disposto na discutida alínea a) do art°13° do Dec-Lei n°40.397, de modo algum, colidia ou contrariava o disposto naqueles Estatutos pelo que não foi revogada, nem mesmo implicitamente, pelo invocado Dec-Lei n°322/91, de 26 de Agosto.

5.ª - A manutenção em vigor das isenções previstas na mencionada norma resultou, assim, do facto de a mesma não ter sido revogada pelo Dec-Lei n°322/91 e não, como alega o recorrente, do disposto no art°34° dos Estatutos, então, aprovados, que estabelecia "mantêm-se, a favor da Misericórdia ....., todas as isenções que lhe foram conferidas por lei".

6.ª - Esta norma nada de relevante acrescentou ao quadro jurídico vigente, limitando-se a confirmar o que, juridicamente, em matéria de isenções, resultava, para a Misericórdia ....., das anteriores disposições legais em vigor pelo que a sua introdução nos citados Estatutos foi, em termos de efeitos jurídicos, totalmente irrelevante.

7.ª - Este foi, aliás, o entendimento do Tribunal Constitucional, no seu acórdão n°285/2006, de 3 de Maio (Proc. 1020/04), referindo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Outubro de 2004 (Proc. 0703/04), onde se pode ler: "O acórdão recorrido entendeu ser bastante, para reconhecer a isenção do pagamento da tarifa em causa nos autos, a estatuição constante do diploma de 1955. A fundamentação da decisão não assenta no teor do artigo 34º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia ....., decorrendo antes de tal fundamentação que, para o efeito de reconhecer a isenção, se pode prescindir de tal norma, pois que o resultado decorre da aplicação do artigo 13°, alínea a), do Decreto-Lei n°40.397".

8.ª - Assim sendo, o facto de o Dec-Lei n°235/2008, de 3 de Dezembro, que aprovou os atuais Estatutos da Santa Casa da Misericórdia ..... e revogou os anteriores Estatutos, não conter qualquer norma idêntica ou semelhante ao previsto no art°34° destes últimos, nenhuma implicação jurídica pode ter sobre a manutenção ou revogação do discutido art°13°, al. a), do Dec-Lei n°40397 que, até à data, não foi objeto de revogação, nem mesmo implícita, por qualquer norma legal.

9.ª - A alegação do recorrente sobre a pretensa revogação das isenções concedidas à Santa Casa da Misericórdia ..... pela referida al. a) do art°13° do Dec-Lei n°40.397, baseada na revogação dos Estatutos aprovados pelo Dec-Lei n°322/91, mostra-se, assim, manifestamente improcedente.

10.ª - Igualmente, improcedente se mostra a sua alegação de que, face ao estabelecido no art°8°, n°2, al. d), do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), aprovado pela Lei n°53-E/2006, de 29 de Dezembro, ao legislador ordinário encontra-se vedada a possibilidade de legislar sobre o regime de isenção destas taxas o qual, segundo o recorrente, deverá constar, exclusivamente, do respectivo regulamento.

11.ª - É certo que a referida disposição consagra que "O regulamento que crie taxas municipais ou taxas das freguesias contém obrigatoriamente, sob pena de nulidade...as isenções e a sua fundamentação", mas nem o RGTAL nem qualquer outra norma legal ou constitucional, nomeadamente o n°4 do art°238° da CRP, confere aos municípios a competência exclusiva para a criação das referidas isenções pelo que estas poderão ser criadas ou mantidas através de outros diplomas, nomeadamente mediante decreto-lei.

12.ª - Como escreve Sérgio Vasques, "...o princípio da autonomia financeira local não surge consagrado na Constituição da República em termos tais que ao legislador fique vedada a introdução de beneficias fiscais em tributos da titularidade das autarquias, tudo se resumindo num exercício de ponderação entre a autonomia financeira local e os demais princípios ou inalares que com ela se confrontem" ("Regime das Taxas Locais-Introdução e Comentário", Cadernos do IDEEF, n°8, p. 150).

13.ª - E, no mesmo sentido, igualmente citado pela douta sentença recorrida, escreve Nuno Oliveira Garcia, in "Ciência e Técnica Fiscal", 2005, n°416, p.321-340: "...na consagração constitucional do princípio da independência financeira das autarquias, encontramos valores como o da "solidariedade" - "a justa repartição dos recursos públicos" que se lê no artigo 240°, nº2, da CRP (1976) - e da correcção das desigualdades no cerne da emanação do poder local. Nessa medida, não se vislumbram razões suficientes no sentido do princípio da autonomia do poder local ser entendido com extensão tal de "fazer cessar" as isenções subjectivas no que respeita a taxas cobradas pelos municípios. Na verdade, não nos parece possua um conteúdo material suficiente para questionarmos se a isenção de 1955 deve ou não sobrevigorar".

14.ª - Já anteriormente a 2007, o Tribunal Constitucional havia apreciado o problema da inconstitucionalidade da discutida norma, tendo concluído que esta norma "que isenta a Santa Casa da Misericórdia ..... de taxas .... não ofende o disposto nos n°s. 1 e 3 do artigo 238° da CRP" (cf. Ac. de 2006.05.03, pr°. 1020/04 – 1ª secção).

15.ª - O legislador ordinário pode, assim, legalmente, criar ou manter benefícios fiscais no âmbito dos tributos das autarquias locais sem que tal implique a violação do princípio da autonomia local e financeira ou de qualquer norma do RGTAL pelo que a alegação do recorrente sobre a exclusiva competência dos municípios na fixação das isenções das taxas em questão e sobre a pretensa inconstitucionalidade da norma contida no art°13°, al. a), do Dec-Lei n°40.397 se mostra, manifestamente, improcedente.

16.ª - Improcedente se mostra, igualmente, a alegação do recorrente relativamente à alegada inconstitucionalidade por pretensa violação do princípio da igualdade.

17.ª - Sendo legalmente permitido, ao legislador ordinário, criar ou manter benefícios fiscais no âmbito dos tributos das autarquias locais é porque a própria lei, paralelamente às entidades beneficiárias da atribuição de isenções pelos municípios, reconhece existirem outras entidades que, pela sua natureza, atribuições e fins prosseguidos, justificam a atribuição de benefícios especiais e independentes dos atribuídos pelos municípios.

18.ª - Nestes casos, como é evidente, não se verifica a violação do princípio da igualdade uma vez que, conforme é pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência, tal violação "pressupõe situações objectivamente iguais" (cf. Ac. STA, de 09/05/2007, Proc. 01223/06) o que não se verifica no caso dos autos.

19.ª - A especificidade da natureza, atribuições e fins prosseguidos da Santa Casa da Misericórdia ..... tem justificado um especial tratamento, por parte do legislador, no respeitante aos benefícios fiscais, nomeadamente a manutenção, há mais de 50 anos, das isenções conferidas pela al. a) do art°1° do Dec-lei de 1955, sem por em causa o respeito pelo princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
À Santa Casa da Misericórdia ..... não é aplicável o regime jurídico das demais Santas Casas da Misericórdia.
Na verdade todas as Santas Casas da Misericórdia, com a excepção da Santa Casa da Misericórdia ....., são Instituições Particulares de Solidariedade Social ( IPSS) cujo regime, expressamente, exclui da sua aplicabilidade, precisamente, à Santa Casa da Misericórdia .....

20.ª - A douta sentença recorrida não violou, assim, qualquer das normas legais ou constitucionais invocadas pelo recorrente, não se encontrando ferida de qualquer ilegalidade.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, com todas as consequências legais.».

Por decisão do Relator, datada de 30-06-2014, este Tribunal Central Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, atribuindo a competência para o efeito à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para onde os autos foram remetidos a requerimento do Município Recorrente.

O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 21-10-2015, julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, mais declarando ser o Tribunal Central Administrativo Sul o competente para apreciar do seu mérito.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada, nos termos e para efeito do disposto no artigo 146º, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II - Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente [artigo 635.°, n.°2, do Código de Processo Civil (CPC)], esse objecto, assim delimitado, pode ser, expressa ou tacitamente, restringido nas conclusões da alegação (artigo 635.º, n.º 3, do CPC). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que a Recorrida continua, após a entrada em vigor do DL n.º 235/2008 de 12 de Março, a beneficiar de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, seja de que natureza forem, nos termos do disposto no artigo 13º, al. a) do Decreto-Lei nº40397, de 24-11-1955.

III - Fundamentação de Facto

A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

A) A autora, Santa Casa da Misericórdia ....., é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa (cfr. Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro, publicado no Diário da República nº 234, I Série);

B) A autora apresentou, junto da Câmara Municipal ....., um pedido de aprovação de projectos de Construção/Arquitectura, Demolição e Ocupação da Via Pública, referentes ao imóvel sito na Rua ..... nº…, em ....., que deu origem aos Processos de Licenciamento nºs ...../2008 e ...../2009 e ao Processo de Ocupação da Via Pública nº ...../2009 (cfr. processos administrativos apensos);

C) O pedido de aprovação dos projectos referido na alínea antecedente foi deferido por despachos do Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal ....., proferidos em 19 de Novembro de 2009 (cfr. fls. 11 e 12 dos autos e fls. 290 do processo administrativo nº...../2008, fls. 94 do processo administrativo nº...../2009, e fls. 50 do processo administrativo nº...../2009, apensos aos autos);

D) Pelo ofício nº...../2009, datado de 20 de Novembro de 2009, do Departamento de Gestão Urbanística I da Câmara Municipal ....., foi a ora autora notificada dos despachos referidos na alínea antecedente e de que, com o deferimento do pedido, foram liquidadas as taxas urbanísticas devidas, cuja prova de pagamento deveria ser apresentada aquando do requerimento para a emissão dos competentes alvarás de licenciamento (cfr. fls. 11 e 12 dos autos);

E) Em 1 de Fevereiro de 2010, a ora autora deduziu reclamação da liquidação de taxas referida na alínea antecedente, com fundamento na sua ilegalidade, por violação do disposto no artigo 13º, alínea a) do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955, tendo, a final, formulado o pedido de que sejarevogado o acto ora reclamado, com todas as implicações legais, nomeadamente reconhecido à impugnante o direito à emissão dos alvarás de licenciamento, sem o pagamento das respectivas taxas”, pedido esse que foi instaurado sob o Processo nº ...../2010 (cfr. fls. 1 a 5 do processo administrativo nº...../2010, apenso aos autos);

F) Em 23 de Setembro de 2010, foi elaborada a informação nº...../10, sob o assuntoTaxa Urbanísticas/TRIU/Análise de Pedido de Reconhecimento de Benefício Fiscal», referente à reclamação apresentada pela ora autora, com o seguinte teor:
«I. Do regime jurídico que envolve a liquidação e cobrança das taxas urbanísticas e de ocupação da via pública, resulta que o momento da verificação do facto tributário, coincide com o momento em que é deferido o licenciamento da operação urbanística e a ocupação da via pública, momento em que se remove o obstáculo jurídico à actividade do promotor, permitindo-lhe a edificação e ocupação licenciada.
II. Atendendo à data, o presente licenciamento foi deferido após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 Dezembro, que consagra as actuais normas estatutárias que regem a actuação da Santa Casa da Misericórdia ....., revogando explicitamente toda a disciplina jurídica prevista nos normativos que lhe antecedem;
III. Razão pela qual, pugnamos no sentido de que não existe nas actuais normas disciplinadoras da actuação Santa Casa da Misericórdia ....., norma de isenção análoga à postulada no revogado artigo 34º do Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 469/99, de 6 de Novembro;
IV. Assim sendo, prevalecerá o estatuído nos regulamentos municipais, designadamente, os benefícios fiscais que o Município ..... entendeu, no âmbito dos seus poderes tributários, conceder, entre outras, às pessoas colectivas de utilidade pública,
V. não gozando a Santa Casa da Misericórdia ....., ao contrário do que decorria da sua anterior disciplina estatutária, de um regime de isenção próprio.
I. Dos Factos
Com interesse, mostra-se dos presentes autos que:
I. O presente processo de licenciamento, em que é promotor a Santa Casa da Misericórdia ....., consubstancia um pedido de licenciamento de obras de ampliação e alteração interior e exterior no edifício sito na Rua ....., nº …, em ......
II. O projecto de arquitectura foi aprovado por Despacho, datado de 09/10/2008 do Exmo. Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo, cfr. folha de controlo de aprovação do projecto de arquitectura, a fls. 277.
III. A folha de controlo final do licenciamento da presente operação urbanística consta a fls. 290, tendo merecido Despacho de Deferimento do Exmo. Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo, Arq. ....., em 19/11/2009.
IV. O valor de TRIU e demais taxas urbanísticas perfaz o montante total de €4.542,85 (quatro mil quinhentos e quarenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos).
V. Apensos ao presente processo de licenciamento, correram termos sob os nºs ...../2009 e ...../2009, respectivamente, o licenciamento de ocupação da via pública com tapumes e andaimes para apoio às obras e projecto de especialidade da demolição, cujas taxas perfazem, na mesma ordem, €13.740,75 (treze mil setecentos e quarenta euros e setenta e cinco cêntimos) e €732,00 (setecentos e trinta e dois euros).
VI. A Santa Casa da Misericórdia ....., notificada, por intermédio do ofício nº...../2009, do deferimento do licenciamento da operação urbanística, veio deduzir a reclamação autuada sob o nº de processo ...../2010.
VII. Na reclamação que interpõe, vem a Santa Casa da Misericórdia ....., requerer o reconhecimento e concessão do benefício fiscal, consubstanciado na isenção das taxas liquidadas no âmbito do presente licenciamento alegando, para o efeito e em síntese, que goza, nos termos do artigo 13º do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955, do benefício fiscal de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, seja de que natureza for.
Carreados dos autos os elementos considerados relevantes, cumpre-nos tecer os seguintes comentários jurídicos:
II. Do Direito
Antes de mais, cumpre esclarecer que os autos de licenciamento estão instruídos a fls. 283 a 286, com a Informação nº...../2008, proferida na sequência da aprovação do processo de arquitectura e, consequente, cálculo do valor de TRIU, plasmado na Informação nº...../2008.
A antedita informação, foi elaborada no ano de 2008, pretendendo, em resposta à solicitação dos serviços do urbanismo, anteceder a decisão de deferimento do licenciamento, para efeitos de cálculo da posterior liquidação. De notar que, enquanto informação interna dos serviços, não foi notificada à Santa Casa de Misericórdia ....., nem tem como subjacente um pedido de isenção, por esta, formulado.
Todavia, a decisão de deferimento do licenciamento só veio a sobrevir em 19/11/2009, momento em que a disciplina jurídica, alicerçante da n/ informação, havia sido revogada.
Com efeito, no hiato de tempo entre a aprovação do projecto de arquitectura e a prolação do deferimento do licenciamento, entraram em vigor no nosso ordenamento jurídico quer os actuais estatutos da Santa Casa da Misericórdia ....., quer o Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas, cujas normas, não só se aplicam ao presente licenciamento, como também, alteram diametralmente a decisão proferida na Informação nº...../2008.
Efectivamente, disciplina-se no nº1 do artigo 39º do Regulamento Municipal do Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas, que o disposto no presente regulamento, designadamente as normas de incidência e fórmulas de cálculo das taxas, aplica-se aos processos pendentes nos quais não tenha havido ainda liquidação da taxa.
Reportando o exposto ao caso dos autos, pese embora tenha havido um cálculo de taxas (note-se provisório à luz do anterior RTRIU), não houve, no sentido jus-tributário, a liquidação das taxas urbanísticas ou de TRIU, porquanto de acordo quer com o RJUE, quer com as normas regulamentares, a liquidação das taxas ocorre com o deferimento do licenciamento da operação urbanística.
Neste contexto, datando o deferimento do licenciamento de 19/11/2009, toda a disciplina jurídica aplicável e que envolve quer a liquidação das taxas urbanísticas, quer os direitos, de índole fiscal, que assistem à SCM…, alterou-se. Facto que se repercute nas razões de direito que fundamentaram a decisão proferida na Inf.nº...../2010 e que, insiste-se, pretendia anteceder o deferimento de licenciamento que lhe fosse temporalmente próximo.
Verdadeiramente, o juízo de direito formulado na Inf. nº ...../08, cai por terra, como melhor veremos infra, face à disciplina jurídica em vigor à data do deferimento do licenciamento da presente operações urbanística, disciplina esta, reitera-se, aplicável à situação dos autos.
Haja em vista o exposto, propomos, nos termos dos artigos 138º e 141º do CPA a revogação do despacho exarado na Informação nº ...../08.
A)Do regime jurídico subjacente à liquidação das Taxas Urbanísticas e da TRIU: Reiterando,
Do regime jurídico que envolve a liquidação e cobrança da TRIU e demais taxas urbanísticas associadas ao processo de licenciamento, resulta que o momento da verificação do facto tributário e, nessa medida, do nascimento da relação jurídico- tributária, coincide com o momento em que é deferido o licenciamento da operação urbanística, momento em que, por um lado, se fixa e afere o impacto da obra projectada nas infra-estruturas existentes e, por outro, se remove o obstáculo jurídico à actividade do promotor, permitindo-lhe a operação licenciada. Facto que, como sabemos, se titula com a emissão do respectivo alvará, condição de eficácia da licença.
Ora,
À data do deferimento do presente licenciamento, encontrava-se em vigor o Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas [O Regulamento Municipal de Taxas relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas, entrou em vigor em 06/08/2009.] (aplicável, como vimos, ex vi nº 1 do seu artigo 39º), que consagra no seu articulado benefícios fiscais que se estendem a todas as taxas que legisla, como é o caso do estatuído no seu artigo 6º, bem como, benefícios fiscais de carácter marcadamente objectivo e que afastam da incidência tributária determinadas operações urbanísticas e/ou pedidos, verificados que sejam os pressupostos que tipificam, como é o caso do previsto nos artigos 15º, 18º e 23º;
No que concerne aos benefícios fiscais de natureza subjectiva, cuja análise nos é solicitada, estatui-se no antedito Regulamento Municipal, no nº 1 do seu artigo 6º uma redução fiscal de 30% do valor das taxas liquidadas, beneficiando as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa - como é o caso da aqui requerente Santa Casa da Misericórdia ..... - desde que a operação urbanística se destine à prossecução directa dos seus fins.
Neste contexto, cumpre-nos, por forma à análise da reclamação deduzida pela Santa Casa da Misericórdia ....., debruçar sobre as questões sindicadas, designadamente, no seu pretenso direito estatutário à isenção de todas as taxas liquidadas pelo Município ......
Assim sendo,
B) Da disciplina jurídica da Santa Casa da Misericórdia .....
Ora, reportando-nos à disciplina estatutária da Santa Casa da Misericórdia ..... e tomando como não controvertido o facto de se tratar de uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, podemos, desde logo, afirmar que o legislador foi assertivo ao pugnar no sentido de que a gestão patrimonial da Santa Casa da Misericórdia ....., satisfaz os seus fins estatutários.
Com efeito, o Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro ao definir os fins estatutários da Santa Casa da Misericórdia ....., esclarece na alínea r) do nº 3 do artigo 4º que, para a realização dos seus fins, esta “(…) assegura a gestão do seu património imobiliário e aplica a suas disponibilidades financeiras do modo mais adequado à obtenção das receitas necessárias à prossecução dos seus fins, sempre sem prejuízo do respeito pelas obrigações assumidas e que impendem sobre os respectivos bens (…).
Da leitura da predita norma estatutária e no que concerne à gestão do património imobiliário, parece resultar clara a intenção, não só, de se salvaguardar toda e qualquer actuação da SCM…, ainda que não directamente relacionada com os seus fins, como também, de se assegurar que essa actuação é ponderada, aquando da aplicação do direito, como forma de realização dos seus fins estatutários.
O legislador é assertório, do nosso ponto de vista, ao pugnar no sentido de que a gestão patrimonial da Santa Casa da Misericórdia ....., satisfaz os seus fins estatutários. Ora, esta gestão torná-la-á ocasionalmente promotora imobiliária, e seguindo o raciocínio impresso na norma estatutária, ainda que a operação urbanística se destine a futura comercialização do imóvel, servirá, tão só, para a disponibilização de meios financeiros para que a SCM… prossiga os seus fins.
A sufragar-se este entendimento, encontra total aplicabilidade a norma regulamentar constante do nº 1 do artigo 6º. Termos em que, beneficiará a Santa Casa da Misericórdia ....., de uma redução de 30% do valor das taxas liquidadas no seio da presente operação urbanística.
Questão diversa, e que desde já impugnamos, é a posição defendida pela Santa Casa da Misericórdia ..... de que lhe assiste um direito à isenção deste, bem como, de todos os tributos municipais, pelejando pela aplicabilidade da alínea a) do artigo 13º do Decreto-Lei nº 40397 de 24 de Novembro de 1955.
Efectivamente, da leitura da petição que instrui o Proc. nº...../2010, verificamos que a Santa Casa da Misericórdia ..... esgrima a sua posição recorrendo-se da norma contida no artigo 13º do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955, aplicável ex vi do artigo 34º do Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto, pese embora, afirmamos, este artigo e diploma tenham sido revogados com a entrada em vigor, em Janeiro de 2009, do Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro.
Senão vejamos,
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro, não só se revogou toda a disciplina estatutária contida no Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 469/99, de 6 de Novembro (cfr. artigo 4º preambular), como se consagraram os Estatutos que, na data de hoje, regem a vida e actuação da SCM….
Salvo melhor opinião, a aplicabilidade do regime estatuído no artigo 13º do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955, decorria da consagração no Decreto- Lei nº 322/91 de norma expressa nesse sentido.
Na verdade, disciplinava o legislador no então artigo 34º, que se mantinham em vigor todas as isenções concedidas por lei à SCM…. Determinação esta, que nos remetia para o antedito artigo 13º, designadamente, para a sua alínea a), ao postular a isenção da SCM… de todos os «Impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estada ou dos corpos administrativos, sejam de que natureza forem».
Porém, com o advento das actuais normas estatutárias da SCM… o legislador revogou explícita e expressamente toda a disciplina jurídica prevista nos normativos que lhe antecedem. Com efeito, o artigo 4º preambular do Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro terminantemente estabelece: “São revogados: a) O Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto; b) O Decreto-Lei nº 469/99, de 6 de Novembro.”
Neste contexto, ao contrário do que acontecia nos anteriores Estatutos onde se granjeava a actuação da SCM… com a norma isentadora prevista no antedito artigo 34º o diploma estatutário ora em vigor não prevê qualquer norma de isenção que acresça ao leque de benefícios fiscais decorrentes da sua própria natureza e qualidade jurídicas [Como sabemos, as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, enquanto entidades privadas que, em estreita colaboração com o Estado, prosseguem sem móbil lucrativo e altruisticamente fins de manifesto interesse público, beneficiam de certos privilégios, ficando, por outro, sujeitas a deveres e encargos especiais que, decorrentes da sua própria natureza jurídica, se justificam, exactamente, pelos fins que prosseguem].
Razão pela qual, pugnamos no sentido de que não existe nas actuais normas disciplinadoras da actuação SCM…, norma de isenção análoga à postulada no revogado artigo 34º. Ora, à falta de norma análoga, prevalecerá o estatuído nos regulamentos municipais, designadamente, os benefícios fiscais que o Município ..... entendeu, no âmbito dos seus poderes tributários, conceder, entre outras, às pessoas colectivas de utilidade pública, atendendo exactamente aos fins de reconhecido interesse público que estas prosseguem, e que justificam a derrogação dos princípios gerais da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade que presidem à tributação fiscal.
Ademais, como certamente será do conhecimento da SCM… as normas isentadoras situam-se no domínio dos direitos indisponíveis, encontrando-se quer na sua criação, quer na sua interpretação, aplicação, reconhecimento e concessão vinculadas pelos princípios da legalidade, tipicidade e indisponibilidade tributárias, não podendo ser concedidos benefícios fiscais fora das previsões legais em vigor.
E neste ensejo, enquanto limite da actuação tributária do Município ....., chamamos à colação o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, plasmado no nº 2 do artigo 30º da Lei Geral Tributária. Efectivamente, à falta de norma que atribua à SCM… o direito à isenção que litiga, não pode o Município ....., por mero acto administrativo, proceder a um perdão total dos seus tributos ou renunciar ao seu pagamento, por nulidade da decisão que o concede.
Nesta esteira, cumpre esclarecer que a actuação tributária do Município ..... é, como em outras, estritamente vinculada à lei, o que implica que este reconhece e concede benefícios fiscais não porque decorram de uma qualquer prática de actuação, mas antes, porque resultam de disposições legais e/ou regulamentares que, expressamente, os criam e disciplinam.
Razão pela qual, a alegada alteração na actuação do Município ....., no que concerne à liquidação e cobrança das taxas urbanísticas, não decorre de uma qualquer postura discricionária, mas antes, da aplicação do direito.
Pelo aduzido, entendemos não assistir razão à Santa Casa da Misericórdia ..... ao invocar a aplicabilidade da norma contida no sobredito artigo 13º do Decreto- Lei nº 40.397, que, insistimos, consideramos revogada.
Termos em que, se propõe à Consideração Superior o indeferimento do pedido de isenção das taxas urbanísticas liquidadas no presente processo de licenciamento e cuja petição instrui o Processo nº ...../2010
E,
Pela aplicação da disciplina contida no nº 1 do artigo 6º do Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas, o deferimento da redução de 30% do valor dessas mesmas taxas.
À Consideração Superior.” (cfr. fls. 11 a 15v do processo administrativo nº ...../2010, apenso aos autos);

G) Em 22 de Outubro de 2010, a autora foi notificada, pelo ofício nº...../10, de 15 de Outubro de 2010, para o exercício do direito de audição prévia, atento o projecto de decisão propugnado na informação integralmente transcrita na alínea antecedente, direito que não exerceu (cfr. fls. 16 a 19 do processo administrativo nº ...../2010, apenso aos autos);

H) Em 21 de Dezembro de 2010, foi, pela Directora Municipal de Finanças da Câmara Municipal ....., proferido despacho de concordância com o indeferimento do pedido de isenção do pagamento da TRIU e taxas urbanísticas apresentado pela autora e com a redução de 30% ao valor dessas mesmas taxas (cfr. fls. 20 do processo administrativo nº ...../2010, apenso aos autos);

I) A autora foi notificada do referido despacho pelo ofício nº ...../11, datado de 4 de Janeiro de 2011, da Divisão de Apoio Técnico da Direcção Municipal de Finanças da Câmara Municipal ..... (cfr. fls. 21 a 22v do processo administrativo nº ...../2010, apenso aos autos);

J) A presente acção administrativa especial foi apresentada em 25 de Janeiro de 2011 (cfr. fls. 2 dos autos).

3.2. Consta ainda da mesma sentença que «Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa» e que a « A decisão sobre a matéria de factos assentou na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e dos processos administrativos apensos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório».


IV – Fundamentação de Direito

Definimos já no ponto II deste acórdão que a questão essencial a decidir é apenas uma: saber se face aos factos apurados e tendo em consideração a entrada em vigor do DL n.º 235/2008 de 12 -3, o Tribunal a quo errou ao julgar que a Recorrida continua a beneficiar da isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, atento o preceituado no artigo 13º, al. a) do Decreto-Lei nº40397, de 24-11-1955 ou, pelo contrário, se àquela pode ser exigido o pagamento de taxas urbanísticas por um Município por tal normativo há muito se encontrar revogado.

Na sentença recorrida foi sufragado o primeiro dos entendimentos equacionados, julgamento com o qual, também já o dissemos, a Recorrente não se conforma (ponto I supra).
Vejamos, então, começando por recordar a factualidade a que, grosso modo, as partes deram o seu acordo e de cuja interpretação ou ilações de direito divergem, identificando, antes de mais, o acto impugnado: despacho da Directora Municipal de Finanças, da Câmara Municipal ....., datado de 21 de Dezembro de 2010, que indeferiu o pedido da Recorrida de isenção do pagamento da TRIU e outras taxas urbanísticas devidas no âmbito dos Processos de Licenciamento nºs ...../2008 e ...../2009 e do Processo de Ocupação da Via Pública nº ...../2009.
Na base deste indeferimento esteve, no essencial e como ressalta do que ficou vertido nas alíneas F) a I), do probatório, o entendimento da Recorrente, desde logo, de que é irrelevante que os autos de licenciamento e a sua instrução se tenham iniciado antes da entrada em vigor dos actuais Estatutos da Santa Casa da Misericórdia ..... e do Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas, porquanto a decisão sobre o mesmo licenciamento só foi proferido na vigência destes, que são, por força do preceituado no seu artigo 39.º, n.º 1, de aplicação aos processos pendentes nos quais não tivesse havido ainda, como é o caso, liquidação da taxa.
É neste contexto legal - e, considerando, por um lado, que o Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Actividade Urbanística e Operações Conexas consagra no seu articulado benefícios fiscais que se estendem a todas as taxas que legisla, como é o caso do estatuído no seu artigo 6º, bem como, benefícios fiscais de carácter marcadamente objectivo e que afastam da incidência tributária determinadas operações urbanísticas e/ou pedidos, verificados que sejam os pressupostos que tipificam, como é o caso do previsto nos artigos 15º, 18º e 23º e que, por outro, no que concerne aos benefícios fiscais de natureza subjectiva apenas se estatui, nos termos do já citado artigo 6.º, n.º 1, uma redução fiscal de 30% do valor das taxas liquidadas para as pessoas colectivas de utilidade pública se a operação urbanística se destine à prossecução directa dos seus fins - que o Município prossegue para a apreciação do regime jurídico relativo à Recorrida e conclui que esta apenas tem direito ao benefício de 30% e não à isenção total que requerera.
Para fundamentar esta sua decisão avança a Recorrente um raciocínio fáctico-jurídico assente, no essencial, nos seguintes pressupostos:
- é inquestionável que a Recorrida constitui uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa e por isso há que reconhecer, por força do preceituado no artigo 4.º, n.º3, alínea r) do Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro, que a operação urbanística, mesmo que tenha por objecto imóvel destinado a futura comercialização servirá para disponibilização de meios financeiros para que a SCM… prossiga os seus fins;
- a norma contida no artigo 13º do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955, aplicável ex vi artigo 34º do Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto foi revogada com a entrada em vigor, em Janeiro de 2009, do Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro, uma vez que este revogou toda a disciplina estatutária contida no Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 469/99, de 6 de Novembro (cfr. artigo 4º preambular), e consagrou os Estatutos que, na data de hoje, regem a vida e actuação da SCM....;
- a aplicabilidade do regime estatuído no artigo 13º do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955, decorria da consagração no Decreto- Lei nº 322/91 de norma expressa nesse sentido, mais concretamente no seu artigo 34.º, que mantinha em vigor todas as isenções concedidas por lei à SCM…, incluindo, pois, por força do referido artigo 13.º, al. a), ou seja, todos os «Impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estada ou dos corpos administrativos, sejam de que natureza forem».
- com o advento das actuais normas estatutárias da SCM… o legislador revogou explícita e expressamente toda a disciplina jurídica prevista nos normativos que lhe antecedem: ““São revogados: a) O Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto; b) O Decreto-Lei nº 469/99, de 6 de Novembro” (artigo 4º preambular do Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro).
Tudo, pois, para concluir que, não existindo nas actuais normas disciplinadoras da actuação da Recorrida norma de isenção análoga à postulada no revogado artigo 34º, deverá o estatuído nos regulamentos municipais, designadamente, os benefícios fiscais que o Município ..... entendeu, no âmbito dos seus poderes tributários, conceder - entre outras, às pessoas colectivas de utilidade pública, atendendo exactamente aos fins de reconhecido interesse público que estas prosseguem, e que justificam a derrogação dos princípios gerais da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade que presidem à tributação fiscal - prevalecer. Tanto mais que, adianta em reforço da sua conclusão, situando-se as normas “isentadoras” no domínio dos direitos indisponíveis e vinculadas, na sua criação, interpretação, aplicação, reconhecimento e concessão, aos princípios da legalidade, tipicidade e indisponibilidade tributárias, não podem ser concedidos benefícios fiscais fora das previsões legais em vigor, o que significa que, na falta de norma que atribua à SCM… o direito à isenção que litiga, não pode o Município ....., por mero acto administrativo, proceder a um perdão total dos seus tributos ou renunciar ao seu pagamento.
É este o entendimento que a Recorrente, pelo menos fulcralmente, continua a perfilhar neste recurso jurisdicional e em que sustenta a sua pretensão revogatória do julgado, como bem se vê das suas conclusões, chamando ainda a atenção para o despropósito de terem sido chamados à colação pela sentença recorrida e em abono da sua decisão arestos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional emitidos à luz de um regime jurídico que já não se encontrava em vigor no momento da decisão impugnada.
Sem prejuízo de concordarmos com a Recorrente na parte em que diz que os identificados arestos dos Tribunais Superiores convocados na sentença recorrida foram proferidos num momento em que não estava em vigor o Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro, não cremos que, quer quanto à inaplicabilidade da jurisprudência e doutrina neles contida, quer quanto ao acerto da sentença recorrida, lhe deva ser reconhecida razão, resultando, aliás, as criticas ou o juízo de censura que formula, como é evidente, da sua discordância de fundo quanto à não vigência, então e hoje, do artigo 13.º, n.º 40.397, de 24 de Novembro de 1955.
Explicitemos, então, porque assim o julgámos, realçando que o artigo 13º, alínea a) do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955 - diploma que procedeu à reorganização da Santa Casa da Misericórdia ..... e cuja vigência ou não vigência constitui o cerne da nossa decisão - dispõe que “A Misericórdia goza de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou dos corpos administrativos, sejam de que natureza forem”.
A propósito da qualificação da isenção prevista no referido normativo, defendeu já a doutrina que “partindo do pressuposto que uma isenção é um benefício fiscal, a isenção de 1955 a favor da Misericórdia ..... é juridicamente qualificável como (i) subjectiva (ou pessoa) no sentido em que dá-se o afastamento total da tributação efectiva à Misericórdia em particular; (ii) permanente, posto que foi estabelecida para o futuro sem predeterminação da respectiva duração; (iii) total, pois ao invés da mera desagravação da obrigação tributária, estatui antes a sua extinção completa; e (iv) absoluta, ou não condicionada, por a sua eficácia não ter ficado dependente da verificação da qualquer pressuposto acessório.” (1)
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto e a aprovação dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia, relativamente a essas isenções ficou definido o seguinte regime: (i) à medida que forem entrando em vigor as normas previstas nos Estatutos, deixam de se aplicar todas as normas legais e regulamentares aplicáveis à Santa Casa da Misericórdia ..... e que contrariem o disposto nos mesmos Estatutos (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 322/91); (ii) mantem-se a favor da Misericórdia todas as isenções que lhe foram conferidas por lei (artigo 34.º dos Estatutos da SCM…).
Na sentença recorrida, a Meritíssima Juiz começou, bem, por recordar que a questão sobre a vigência do artigo 13º, alínea a) do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955 ou da sua revogação não é nova, tal como o não é a questão da constitucionalidade do Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto.
E tem razão, uma vez que ambas as questões foram analisadas em diversos arestos, designadamente no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Outubro de 2004 (2) - em que o Município de Oeiras se apresentou em juízo a defender a mesma posição do ora Recorrente Município ..... e com base nos mesmos argumentos de direito, isto é, defendendo que a norma deixara de vigorar na ordem jurídica por ter sido revogada pela Constituição da República Portuguesa de 1976 ou, a não se entender assim, pela Lei nº 1/79 (Lei das Finanças Locais), que passou a regular tudo o que respeita a receitas municipais, sendo que o Diploma que substituiu o Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955, isto é, o Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto era inconstitucional, na parte em que regulava sobre isenções respeitantes às finanças locais, por o Governo não estar provido da necessária credencial passada pela Assembleia da República, pois se estava no domínio reservado desta e que o artigo 29º do Decreto-Lei nº 98/84 (2ª Lei das Finanças Locais) passou a estabelecer quais as entidades isentas de taxas, aí não figurando a SCM… e no acórdão do Tribunal Constitucional de Acórdão nº 285/2006, de 3 de Maio de 2006,(3) que teve por objecto a apreciação de constitucionalidade realizada naquela decisão do Supremo Tribuna Administrativo.
No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo não foi reconhecida razão ao Município em nenhum dos argumentos então esgrimidos.
Relativamente ao primeiro, por se ter entendido que o facto de estar estabelecido que o Estado e seus institutos e organismos autónomos personalizados (e a Misericórdia ..... era então não um instituto público mas uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa) estão isentos de taxas não significa que outras entidades não estejam igualmente isentos das referidas taxas. Essencial, disse o Supremo Tribunal Administrativo, é que diploma legal apropriado fixe tais isenções para outras entidades.
No que respeita à revogação do Decreto-Lei nº 40397 pela Constituição da República Portuguesa ou pela Lei das Finanças Locais e quanto à inconstitucionalidade do diploma que substituiu aquele primeiro Decreto - DL 322/91 – foi o mesmo refutado com fundamento em que “quer a Constituição quer a Lei das Finanças Locais não revogaram o já citado Decreto-Lei nº 40397, no segmento ora em apreciação. Não se vê em que medida tal isenção tenha sido revogada, pois a autonomia do poder local, vazada na lei constitucional, não pode ter como consequência o termo dessas isenções. A menos que o legislador ordinário o declarasse expressamente. O que não aconteceu.
Defende o recorrente que o art. 34º do Decreto-Lei nº 322/91, de 26/8 é inconstitucional, já que este Diploma, no que contende com as finanças locais é inconstitucional, por não estar o governo provido com a necessária credencial da Assembleia da República para legislar no sentido de isentar a Santa Casa da Misericórdia ..... da tarifa em causa.
O art. 34º do citado diploma estatui: "mantêm-se a favor da Misericórdia ..... todas as isenções que lhe foram conferidas por lei". Significa isto desde logo que o legislador ordinário entende que o referido Dec.- Lei nº 40397 estava em vigor, no tocante à referida isenção, ao referir expressamente a palavra "mantêm-se".
A alegada inconstitucionalidade desta norma, mesmo a verificar-se, não pode ter pois a virtualidade pretendida pelo recorrente.
Assim, e no tocante à citada isenção, a mesma encontra arrimo legal na já citada alínea a) do art. 13º do Decreto-Lei nº 40397».
Foi este, igualmente, o juízo de constitucionalidade que veio a ser aduzido pelo Tribunal Constitucional no recurso que lhe foi apresentado no âmbito do acórdão já identificado:
«o acórdão recorrido entendeu ser bastante, para reconhecer a isenção do pagamento da tarifa em causa nos autos, a estatuição constante do diploma de 1955. A fundamentação da decisão não assenta no teor do artigo 34º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia ....., decorrendo antes de tal fundamentação que, para o efeito de reconhecer a isenção, se pode prescindir de tal norma, pois que o resultado decorre da aplicação do artigo 13º, alínea a), do Decreto-Lei nº 40 397.”
(…)
No caso presente, considerado o teor da decisão recorrida, importa concluir que, ainda que o Tribunal Constitucional se pronunciasse pela inconstitucionalidade da norma contida no citado artigo 34º, tal pronúncia não teria a virtualidade de se reflectir utilmente no processo, pois que subsistiria a argumentação efectuada pelo tribunal recorrido quanto à vigência do artigo 13º, alínea a), do Decreto-Lei nº 40 397 e à sua suficiência para fundamentar a isenção da recorrida.
(…)
Também quanto à norma que importa apreciar nos presentes autos é de afirmar que estão em causa interesses que transcendem o âmbito das autarquias locais, ultrapassando o universo dos interesses específicos das comunidades locais, atendendo aos fins estatutários e ao âmbito territorial da Santa Casa da Misericórdia ..... (artigos 2º e 4º dos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91). Nomeadamente, por esta pessoa colectiva de utilidade pública administrativa prosseguir humanitária e benemerentemente fins de acção social, prestação de cuidados de saúde, de educação e cultura e de promoção da qualidade de vida, sobretudo em proveito dos mais desprotegidos (artigos 1º, nº 1, e 2º, nº 1, dos Estatutos), com clara relevância constitucional (cf. artigos 63º, nº 5, 64º, nº 1, 65º, nº 1, e 73º, nº 1, da CRP e, ainda, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 309/2001, Diário da República, II Série, de 19 de Novembro de 2001).
Assim sendo, a norma que isenta a Santa Casa da Misericórdia ..... de taxas, contida na alínea a) do artigo 13º do Decreto-Lei nº 40 397, de 24 de Novembro de 1955, não ofende o disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 238º da CRP.”
Em suma, não existe dúvida alguma que na vigência do Decreto – Lei n.º 322/91, de 26 de Agosto, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e o Tribunal Constitucional consideravam vigente o artigo 13.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 40397, de 24 de Novembro de 1955.
Vejamos, então, que alterações se verificaram na ordem jurídica e se delas resulta a afectação daquela vigência, muito especialmente, se com base nessas alterações legais deve ser reconhecida razão ao Recorrente.
Diz o Município ..... que através do Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro, foram aprovados os novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia ....., diploma que, entrando em vigor em 2 de Janeiro de 2009, procedeu, no seu artigo 4º, à revogação expressa dos anteriores Estatutos regidos pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto. E, adianta ainda o Recorrente, não contendo este novo diploma norma similar à que se encontrava consagrada no artigo 34.º do DL 322/91, ou seja, não existindo qualquer menção quanto aos benefícios fiscais e isenções de impostos, taxas e outros emolumentos a favor da autora, a norma do artigo 13º, alínea a) do Decreto--Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955, que era a que estabelecia precisamente tais isenções – e que, em seu entender, no limite, apenas se manteve em vigência por via daquele artigo 34º dos Estatutos da Recorrida - deixou de vigorar.

Sendo assim, conclui, a Recorrida deixou de beneficiar da isenção de taxas, impostos e outros emolumentos.

Acontece, porém, como deixámos já expresso através das transcrições dos arestos citados, que a norma habilitante para a concessão de isenção à Santa Casa da Misericórdia ..... não se encontrava consagrada nos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto, mas na alínea a) do artigo 13º do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955. Ou seja, contrariamente ao que continua a professar a Recorrente, da entrada em vigor dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia ....., aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto, não resultou qualquer alteração ou afectação da vigência da norma que concedia a isenção à Recorrida, uma vez que aquela isenção não passou a estar dependente do que vinha consagrado no seu artigo 34.º, antes subsistindo por força do que anteriormente já estava consagrado no artigo 13º, alínea a) do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955.

Tal como se disse, e se mantém, o único efeito ou, em rigor e para o que ora releva, o único efeito útil a extrair da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto, em termos de sucessão de leis, traduziu-se na revogação de todas as normas legais e regulamentares relativas ou aplicáveis à Santa Casa da Misericórdia ..... que se mostrassem contrárias ao disposto nos mesmos Estatutos.
E o mesmo se diga relativamente à entrada em vigor dos novos Estatutos da Recorrida. Efectivamente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de Dezembro, foram revogadas as normas cuja introdução no ordenamento jurídico se processou através do Decreto-Lei n.º 322/91, incluindo, pois o seu artigo 34.º. Porém, não tendo o preceituado no artigo 13.º, al. a), do Decreto – Lei n.º 40397, de 24-11-1955, sido expressamente revogado, permaneceu, assim, plenamente vigente na ordem jurídica.
Assim sendo, impõe-se concluir que a revogação do Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro, que aprovou os novos Estatutos da Recorrida não produziu, só por via dessa consequência jurídica, a revogação do artigo 13º, alínea a) do Decreto-Lei nº 40.397, de 24 de Novembro de 1955.
E, como se disse na sentença recorrida, o julgamento que vimos fazendo não resulta comprometido com a aprovação do actual regime geral das taxas das autarquias locais pela Lei nº 53-E/2006, de 29 de Dezembro, designadamente pelo preceituado no 8º, nº 2, alínea d) – que estabelece que “O regulamento que crie taxas municipais ou taxas das freguesias contém obrigatoriamente, sob pena de nulidade: (…) d) as isenções e a sua fundamentação”, por desta exigência de menção obrigatória não ser de extrair qualquer imperativo de exclusividade de atribuição deste tipo de isenções nos referidos regulamentos.
Aliás, é este, se bem vemos, o entendimento que vem sendo veiculado pela doutrina relativamente à possibilidade de criação de isenções de taxas locais por meio de lei:
-“[d]iremos sumariamente que o princípio da autonomia financeira local não surge consagrado na Constituição da República em termos tais que ao legislador fique vedada a introdução de benefícios fiscais em tributos da titularidade das autarquias, tudo se resumindo num exercício de ponderação entre a autonomia financeira local e os demais princípios ou valores que com ela se confrontem.” (4)
- “na consagração constitucional do princípio da independência financeira das autarquias, encontramos valores como o da “solidariedade” – a “justa repartição dos recursos públicos” que se lê no artigo 240.º, n.º 2 da CRP [1976] – e da correcção das desigualdades no cerne da emanação do poder local. Nessa medida, não se vislumbram razões suficientes no sentido do princípio da autonomia do poder local ser entendido com extensão tal de “fazer cessar” as isenções subjectivas no que respeita a taxas cobradas pelos municípios. Na verdade, não nos parece possua um conteúdo material suficiente para questionarmos se a isenção de 1955 deve ou não sobrevigorar.”. (5)
Em suma, a interpretação constitucionalmente conforme do artigo 8.º, nº 2, alínea d), do RGTAL implica que este normativo não seja interpretado como uma norma revogatória de isenções prévia e lealmente estabelecidas, mas, tão só, como uma norma reguladora de futuras isenções concedidas através do exercício regulamentar das autarquias.
Por fim, e para que de todo o modo fiquem cabalmente respondidos todos os argumentos invocados neste recurso, rematamos a nossa decisão salientando duas notas.
A primeira – que de forma directa responde à alegada inaplicabilidade da doutrina expendida nos arestos do Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Constitucional citados no caso em apreço por entretanto ter sido publicado o DL n.º 235/2008 - prende-se com o facto de muito recentemente, e tendo já por objecto a eventual revogação da isenção consagrada no artigo 13.º, a) do Decreto Lei n.º 40397, de 24 de Novembro de 1955 na sequência da entrada em 235/2008, ter sido proferido acórdão por aquele Supremo Tribunal que mantém integralmente o fundamento jurídico que anteriormente havia assumido quanto à vigência da referida norma concedente da isenção.
Reportámo-nos ao acórdão de 14-4-2018, de que transcrevemos o essencial:
« […] A questão que se coloca nos presentes autos consiste em saber se após a entrada em vigor do DL n.º 235/2008 de 12.03, e durante a sua vigência, a recorrida beneficiava, e beneficia, de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, seja de que natureza forem, tal como era expressamente referido pelo artigo 13º, al. a) do Decreto-Lei n.º 40397, de 24.11.1955.
Tais isenções constantes daquela norma foram expressamente mantidas pelo legislador em 1991 ao elaborar os novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia ..... e os Regulamentos dos Departamentos de Gestão Imobiliária e de Património e de Jogos (DL n.º 322/91, de 26.08) por força do artigo 34º daqueles mesmos estatutos -Artigo 34.º, Isenções, Mantêm-se, a favor da Misericórdia ....., todas as isenções que lhe foram conferidas por lei.
Contudo, no artigo 2º daquele DL não deixou o legislador de esclarecer que, à medida que entrarem em vigor as normas previstas nos Estatutos, deixam de se aplicar todas as normas legais e regulamentares relativas ou aplicáveis à Santa Casa da Misericórdia ..... e que contrariem o disposto nos mesmos Estatutos, ou seja, deixavam de se aplicar as normas que até aí regiam a existência e funcionamento de tão vetusta instituição e que se encontravam consagradas no DL n.º 40397.
Portanto, com a entrada em vigor do DL n.º 322/91 deixaram de estar vigentes todas as normas constantes de legislação que regulasse as mesmas matérias reguladas por este DL, sendo certo que o legislador manteve as isenções fiscais que já anteriormente existiam.
Porém, com a entrada em vigor de mais um novo estatuto, aprovado pelo DL n.º 235/2008, aquele DL n.º 322/91 foi expressamente revogado, cfr. artigo 4º, desaparecendo, por isso, também aquele artigo 34º, onde se referia expressamente que se mantinham a favor da Misericórdia ....., todas as isenções que lhe foram conferidas por lei.
Importa, assim, saber se a revogação deste artigo permite concluir que se mantém vigente o disposto no artigo 13º, al. a) do Decreto-Lei n.º 40397, de 24.11.1955, que consagrava a isenção fiscal agora pretendida.
Não nos parece determinante agora a classificação desta isenção cujo reconhecimento é pretendido pela recorrida, quer em função do sujeito, quer em função do objecto, quer em função da sua duração temporal, quer em função da necessidade ou não de reconhecimento expresso por parte de órgão da administração. É certo que, a concluir-se pela sua existência, se tratará de um benefício fiscal de natureza automática, cfr. artigos 2º, n.º 2 e 5º, n.º 1 do EBF.
Já sabemos que este Supremo Tribunal no acórdão datado de 06.10.2004, recurso n.º 0703/04, esclareceu: Defende o recorrente que o art. 34° do Decreto-Lei n.º 322/91, de 26/8 é inconstitucional, já que este Diploma, no que contende com as finanças locais é inconstitucional, por não estar o governo provido com a necessária credencial da Assembleia da República para legislar no sentido de isentar a Santa Casa da Misericórdia ..... da tarifa em causa.
O art. 34° do citado diploma estatui: "mantêm-se a favor da Misericórdia ..... todas as isenções que lhe foram conferidas por lei". Significa isto desde logo que o legislador ordinário entende que o referido Dec.-Lei nº 40397 estava em vigor, no tocante à referida isenção, ao referir expressamente a palavra "mantêm-se".
A alegada inconstitucionalidade desta norma, mesmo a verificar-se, não pode ter pois a virtualidade pretendida pelo recorrente.
Assim, e no tocante à citada isenção, a mesma encontra arrimo legal na já citada alínea a) do art. 13° do Decreto-Lei n. 40397.
Ou seja, este Supremo Tribunal já esclareceu que o DL n.º 322/91 não “afectou” a vigência do referido artigo 13º, al. a), pelo que, a revogação deste DL 322/91 pelo DL n.º 235/2008 é irrelevante para efeitos de eliminação da norma constante do dito artigo 13º, al. a) do DL n.º 40397, que só desaparecerá da ordem jurídica quando for expressamente revogada pelo legislador ordinário, ou quando colida frontalmente com norma de hierarquia superior, o que não é o caso.
Efectivamente, como veremos de seguida, a questão da violação dos parâmetros constitucionais suscitada pelo recorrente também não ocorre pelas razões já apontadas pelo Tribunal Constitucional em apreciação daquele acórdão deste STA, cfr. ac. do TC n.º 285/2006, datado de 03.05.2006.
Entende o recorrente que o disposto naquele artigo 13º, al. a) ofende o disposto no artigo 238.º, n.º 4 da CRP.
Dispõe este preceito constitucional sob a epígrafe “Património e finanças locais”:
1. As autarquias locais têm património e finanças próprios.
2. O regime das finanças locais será estabelecido por lei e visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau.
3. As receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços.
4. As autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei.
Naquele referido acórdão do TC escreveu-se com interesse para o que aqui nos interessa:
Atento o teor do artigo 13º, alínea a), do Decreto-Lei nº 40397, de 24 de Novembro de 1955, pese embora o recorrente se refira genericamente à autonomia local, importa considerar especificamente a autonomia financeira das autarquias locais – «um pressuposto ou um elemento da autonomia local» –, que o artigo 238º da CRP caracteriza «pela existência de “património e finanças próprias”, incluindo obrigatoriamente nas receitas próprias “(…) as cobradas pela utilização dos seus serviços”» (Artur Maurício, «A garantia constitucional da autonomia local à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional», Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, vol. I, Coimbra Editora, 2003, p. 644 e s.). De facto, a questão que se põe nos presentes autos é a de saber se a autonomia financeira das autarquias locais, assim caracterizada, é ofendida pela norma que isenta a Santa Casa da Misericórdia ..... de taxas (no sentido de a tarifa de conservação de esgotos ser uma taxa, cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 76/88, Diário da República, I Série, de 21 de Abril de 1988).
Com interesse para a presente decisão pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 288/2004 (Diário da República, II Série, de 9 de Junho de 2004) – aresto que apreciou a norma que atribuía à concessionária de serviço público de telecomunicações o direito de ocupação e utilização de vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão – o seguinte:
«Também quanto à norma do artigo 29º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, ora em causa, se impõe a conclusão de que ela não viola, nem a autonomia financeira, nem a garantia de obtenção de receitas a partir do património das autarquias locais.
Importa começar por notar que está em causa a prossecução de uma indiscutível finalidade pública – assegurar a existência de um serviço público de telecomunicações (cfr. o artigo 8º, n.º 1, da citada Lei n.º 91/97, segundo o qual ao Estado incumbe assegurar a existência e disponibilidade de um serviço universal de telecomunicações) – com clara relevância constitucional, e que tem de ser prosseguida a nível nacional.
Ainda que não expressamente autonomizada como incumbência do Estado – ao contrário do que acontece noutras Constituições (assim, na Lei Fundamental alemã, onde a própria estrutura federal do Estado torna necessária uma norma como o artigo 73º, n.º 7, que atribui à Federação competência exclusiva em matéria de telecomunicações) – a manutenção, ou a criação de condições para a existência, de um serviço público de telecomunicações constitui uma forma de prossecução de objectivos com relevância constitucional (…).
A existência e a disponibilidade de um serviço público de telecomunicações de âmbito nacional corresponde, pois, a um interesse público que transcende o âmbito das autarquias locais. Trata-se, também aqui, de uma matéria que respeita “ao interesse geral da comunidade constituída em Estado”, e que ultrapassa “o universo dos interesses específicos das comunidades locais, aquele mesmo que se desenvolve num horizonte de proximidade, participação, controlabilidade e auto-responsabilidade e que funda a legitimação democrática do poder local”».
Também quanto à norma que importa apreciar nos presentes autos é de afirmar que estão em causa interesses que transcendem o âmbito das autarquias locais, ultrapassando o universo dos interesses específicos das comunidades locais, atendendo aos fins estatutários e ao âmbito territorial da Santa Casa da Misericórdia ..... (artigos 2º e 4º dos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91). Nomeadamente, por esta pessoa colectiva de utilidade pública administrativa prosseguir humanitária e benemerentemente fins de acção social, prestação de cuidados de saúde, de educação e cultura e de promoção da qualidade de vida, sobretudo em proveito dos mais desprotegidos (artigos 1º, nº 1, e 2º, nº 1, dos Estatutos), com clara relevância constitucional (cf. artigos 63º, nº 5, 64º, nº 1, 65º, nº 1, e 73º, nº 1, da CRP e, ainda, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 309/2001, Diário da República, II Série, de 19 de Novembro de 2001).
Assim sendo, a norma que isenta a Santa Casa da Misericórdia ..... de taxas, contida na alínea a) do artigo 13º do Decreto-Lei nº 40397, de 24 de Novembro de 1955, não ofende o disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 238º da CRP.
E o mesmo, e mais, se poderá dizer no que toca ao disposto no n.º 4 do mesmo preceito constitucional uma vez que a referida isenção não afecta os eventuais poderes tributários que sejam ou possam a vir ser reconhecidos às autarquias locais na medida em que não contendem com a concreta cobrança da taxa em questão.
Ou seja, todas as questões que o recorrente agora coloca já anteriormente foram resolvidas, quer por este Supremo tribunal, quer pelo Tribunal Constitucional nas decisões anteriormente referidas.». (6)
A segunda nota é a de que, no entanto, e distintamente do que ficou decidido na sentença recorrida, e como igualmente salientado no acórdão do Supremo Tribunal administrativo em último transcrito, a isenção que resulta do referido artigo 13º, al. a) do DL n.º40397, de 24 de Novembro de 1955 constitui um benefício fiscal automático, isto é, que não carece de reconhecimento, conforme artigo 5º, n.º 1, do EBF. E, sendo assim, não se justifica a condenação do Recorrente a reconhecer o benefício como peticionado mas, sim, a abster-se de liquidar as taxas urbanísticas no âmbito dos processos administrativos n.ºs ...../2008 e ...../2009.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Município ..... e, reformulando a condenação efectuada em 1ª instância, julgar procedente a presente acção administrativa especial, condenando aquele Município, no reconhecimento do direito à isenção das taxas urbanísticas no âmbito dos processos administrativos n.ºs ...../2008 e ...../2009, a abster-se de liquidar as respectivas taxas.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

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Lisboa, 7 de Junho de 2018

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]



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[Ana Pinhol]


(1) Nuno Oliveira Garcia “Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Outubro de 2004, Ciência e Técnica Fiscal nº 416, pp. 321-340.
(2) Proferido no Processo nº 703/2004, integralmente disponível em www.dgsi.pt,
(3) Proferido no Processo nº 1020/04, integralmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt
(4) Sérgio Vasques, “Regime das Taxas Locais – Introdução e Comentário”, Cadernos do IDEFF nº 8, Almedina, pág. 150.
(5) Nuno Oliveira Garcia, “Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Outubro de 2004 - Isenção de Tarifa Municipal – Taxa – Vigência de Isenção atribuída em 1955”, Ciência e Técnica Fiscal nº 416, pags. 321-340.
(6) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-4-2018, proferido no processo n.º 1254/16, integralmente disponível em www.dgsi.pt