ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
783/09.2TBLMG.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/23/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GARCIA CALEJO

DESCRITORES OMISSÃO DE PRONÚNCIA
SIMULAÇÃO
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NEGÓCIO FORMAL
NULIDADE DO CONTRATO

SUMÁRIO

I - Não ocorre a nulidade prevista no art. 668.°, n.º 1, al. d), do CPC (omissão de pronúncia) invocada pelos recorrentes, pela simples razão de a questão ora suscitada não ter sido colocada ao tribunal recorrido.
II - Perante o n.º 1 do art. 241.° do CC, fica claro que a validade do negócio dissimulado não é afectada, em princípio, pela nulidade do negócio simulado.
III - Porém, através do n.º 2 do mesmo artigo, concluiu-se que o negócio dissimulado só poderá ser reputado válido, em caso de contrato de natureza formal, se tiver sido observada a forma exigida por lei.
IV - Na altura dos factos, a compra e venda de imóvel, só era válida se realizada por escritura pública (art. 875.° do CC, na redacção anterior ao DL n.º 116/2008, de 04-07), sendo que como se tratava, no negócio simulado e no negócio dissimulado, de uma compra e venda de um imóvel (compra e venda da indicada moradia), seria necessário, para a sua validade, observar-se tal formalidade.
V - Esta forma não foi observada em relação à parte activa do contrato dissimulado, os 1.°s réus, pois eles não intervieram (como compradores) na escritura pública outorgada em 06-04-2004, no Cartório Notarial de Lamego.
VI - Não tendo intervindo, o encontro de vontades inerente à realização do negócio, não se estabeleceu entre os vendedores e esses compradores (dissimulados).
VII - Por isso, foram certas as decisões das instâncias que determinaram a nulidade do negócio (dissimulado) por vício de forma.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL                             

                                               Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                 

                        I- Relatório:

                        1-1- AA e mulher, BB, propuseram a presente acção com processo ordinário contra CC e mulher, DD, e EE pedindo que:

                        A) Se declarasse que, não tendo os réus pago aos autores a quantia de 15.000,00€ nem expurgado, até à data, as hipotecas que oneram o apartamento que lhes venderam, são agora os autores seus credores, por via da respectiva sub-rogação legal, pelo montante global de 36.471,00€, a que acrescerá o valor dos juros legais vencidos e vincendos a partir da citação;

                        B) Se julgasse nula a escritura celebrada no Cartório Notarial de Lamego em 2004.09.06;

                        C) Se julgasse a mesma válida para efeitos de se fazer prevalecer o negócio dissimulado, declarando-se, assim, que, foram os 1ºs réus que compraram o prédio em causa aos ali vendedores, e não a 2ª ré, sendo, consequentemente, aqueles e não esta, os seus proprietários;

                        D) Consequentemente, se ordenasse à CRP o cancelamento da inscrição que ali consta a favor da 2a ré, sob cota 0-....de 2004/06/21.

                        Fundamentam estes pedidos, em síntese, dizendo que os 1ºs RR. prometeram vender-lhes, livre de quaisquer ónus ou encargos, um apartamento sito na cidade de Lamego e por não terem cumprido o acordado, no processo nº 724/08.4TBLMG, que correu termos pelo 2º Juízo daquele tribunal, foi proferida sentença que supriu a declaração negocial dos faltosos e os condenou a expurgarem o prédio em causa das hipotecas que o oneravam e ainda a pagar-lhes a quantia de 15.000,00€. Os RR. nem pagaram a referida quantia nem expurgaram os referidos ónus, sendo que o seu valor ascendia a 21.471,00 €. Entretanto os RR., com o produto do trabalho do R. marido e com o preço do apartamento que venderam aos AA., adquiriram uma vivenda sita em M..........., onde passaram a residir. Todavia, foi a filha de ambos, ora 2ª R., quem interveio na respectiva escritura como compradora, tendo a mesma inscrito, posteriormente, esse direito a seu favor na Conservatória do Registo Predial. O preço de aquisição da vivenda declarado foi de 125.000,00 €, mas foi também simulado, pois que na urbanização onde o prédio se situa, nenhuma vivenda foi vendida por menos de 220.000,00€. Sendo certo que os 1ºs RR., à data da escritura, já tinham pago ao respectivo construtor, pelo menos, cem mil euros.

                                     Os RR. foram, pessoal e regularmente, citados mas não contestaram.

                        Em consequência, foi proferido despacho a considerar confessados os factos alegados pelos AA. na petição inicial.

                        Por fim, foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, decidiu julgar nula, por simulação, a escritura celebrada no Cartório Notarial de Lamego em 2004.09.06, e ordenar à CRP o cancelamento da inscrição que ali consta a favor da 2ª R., sob cota0-....de 2004/06/21.

                                                 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os AA. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 12-10-2010, julgado parcialmente procedente o recurso, revogando a decisão recorrida no que concerne à condenação em custas, ficando os AA. e RR. condenados nas custas totais do processo, na proporção de metade para cada parte.

                        No mais, confirmou-se a decisão recorrida.

                                                1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal.

                        Remetido o processo à Formação de Juízes a que alude o art. 721º A nº 3 do C.P.Civil, foi admitida a revista excepcional com o fundamento na relevância social da questão jurídica em debate.

                        Ao recurso foi dado o efeito devolutivo.

                                                Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        1ª- No caso dos autos, a alegada e comprovada simulação não podia afectar a validade formal e material do real negócio que os RR quiseram celebrar apenas entre si, pois os direitos e deveres que assumiram na escritura para com vendedores e para com a CGD não deixaram de surtir o efeito ali previsto.

                        2ª- Na verdade, enquanto que, para aqueles, fora e continua a ser indiferente que os reais compradores tenham sido os primeiros ou a segunda, pois já receberam o preço e os RR nada lhes devem, para a mutuante é indiferente, pois a quantia mutuada e a forma de pagamento manter-se-ão inalteráveis, mostrando-se assegurados por garantia real de hipoteca que onera o prédio que os 1ºs venderam aos AA..

                        3ª- E a condenação anterior dos RR. não impede os AA. de formularem nesta acção um pedido que é mais abrangente e, portanto, diferente daquele, como pode ver-se dos arts 4°, 5°,6° e 7° da p.i.. onde se alegam factos posteriores à primeira sentença, no total de 36.471.00 €, a que acrescerá o valor dos juros legais vencidos e vincendos sobre a quantia de 15.000.00€, verba muito superior, portanto, àquela que anteriormente lhes fora reconhecida.

                        4- Acresce que os credores hipotecários dos 1ºs RR podem fazer-se pagar, quando queiram, pelo valor do prédio que, em face da primitiva decisão judicial transitada, é hoje dos recorrentes, assistindo-lhes, portanto, nos termos do art. 592º-1, in fine, do C.Civil, o direito de se verem legalmente sub-rogados na posição daqueles, pois tudo se passa corno se já tivessem suportado o pagamento daquelas quantias.

                        5- Na verdade, se os recorrentes, em relação aos 1ºs RR, eram meros credores, passaram a ser, após o trânsito daquela sentença, proferida em sede do 830º do CC, os reais devedores para com os credores daqueles, pois mostrando-se os seus créditos assegurados pelo valor do apartamento, como aqueles não pagaram, os credores far-se-ão pagar pelo valor da sua venda, desse apartamento, que já pertence aos AA. Não conhecendo dessa questão, incorreu a decisão recorrida na nulidade prevista no art. 668º -1 d) do CPC.

                        6a- É que, uma coisa é declarar-se ali que os RR devem aos AA uma determinada importância e outra bem diferente, é ser-lhes reconhecida, aqui, a qualidade jurídica de subrogados na posição creditória daqueles, mostrando­-se, ainda, o douto acórdão incurso em erro de julgamento e na nulidade prevista no art. 668º-1. c) do CPC, pois dão-se provados factos que apontam para decisão diversa, ou seja, para a procedência do pedido formulado na al. A), tudo com as consequências previstas no art. 646º - e 716º .

                        7a- E se a validade do negócio dissimulado estivesse sempre dependente da sua validade formal - na acepção das decisões propaladas nas instâncias recorridas, nenhum negócio dissimulado seria válido, quando oculto por trás de um outro que fosse nulo apenas pelo facto de ter sido simulado.

                        8ª- Ao contrário do decidido, notoriamente, a procedência do pedido da aI. A) sem o reconhecimento do segundo, nunca foi desejada nem pedida pelos recorrentes, já que, a manter-se a decisão incólume, ficariam em pior situação de possível cobrança do direito de crédito decorrente da sentença anterior.

                        9ª- O Ac. STJ de 25.03.10 não se aplica tanto ao caso sub-judice, quanto o Ac. STJ de 26.11.2009, in www.dgsi.pt. na medida em que dirimiu uma questão muito idêntica à dos autos, como pode ver -se do respectivo sumário que vai transcrito no corpo das alegações, cujo teor aqui se reproduz, e no qual se louvam os recorrentes, designadamente no seu VI item, onde se considera que “o art. 241º nº 2 do CC implica a dispensa de que figure declaração de vontade relativa ao negócio dissimulado no instrumento que titula o negócio simulado"

                        10ª- A presente revista deve ser admitida, e até em julgamento ampliado, dada a complexidade e a importância de que se reveste, tanto do ponto de vista social - quer em Lamego quer no país inteiro onde são frequentes as situações de burla idênticas à dos autos - como do ponto de vista jurídico, sobretudo neste complexo domínio da dissimulação e simulação dos contratos, onde tal desiderato não tem tido resposta pacífica nem na doutrina nem na jurisprudência.

                        11ª - Resta acrescentar que também o douto aresto em mérito está em contradição com outros, já transitados, como sucede. v. g .. com o Ac. RE, de 22.01.87. in CJ. I. 285 e com o Ac. STJ de 26.11.2009. in www.dgsi.pt, não se conhecendo qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência que dirima tal desiderato.

                        Nestes termos e nos melhores de direito por Vossas Excelências doutamente supríveis, deverá revogar-se a decisão recorrida e substituir-se por outra que julgue a acção procedente e condene os RR como se pediu na p.i.

                         Não houve contra-alegações.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                                                II- Fundamentação:

                        2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).

                        Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

                        - Se ocorre a nulidade do acórdão recorrido.

                        - Se o negócio dissimulado é válido ou se é nulo.

                                                2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        1- Por sentença proferida na acção n.º 724/08.4TBLMG do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Lamego, devidamente transitada em julgado, intentada pelos ora autores contra os ora 1ºs réus - CC e mulher DD, foi decretada a execução específica do contrato promessa de compra e venda celebrado em 21.05.2002, pelo qual estes prometeram vender aos primeiros, que lhes prometeram comprar, livre de ónus ou encargos e pela quantia de € 95.000,00, que já havia sido paga, a fracção autónoma designada pela Letra 00 do prédio urbano para habitação, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua Dr. FF, 00, ....Esq. em Lamego, descrita na C.R.Predial de Lamego sob o n.º 000/00000000, e inscrita na respectiva matriz sob o art.º 1384 da freguesia da Sé, consequentemente, sido suprida a declaração de venda de tal imóvel por parte dos 1ºs réus.

                        2- Pela mesma sentença, foram ainda os ora 1ºs réus condenados a, no prazo de 20 dias a contar da mesma, expurgarem todas as hipotecas que onerem a fracção autónoma referida.

                        3- E ainda por via da mesma sentença foram os ora 1ºs réus condenados a devolverem/pagarem aos ora autores a quantia de € 15.000,00 que destes haviam recebido por contrato de mútuo também aí declarado nulo por vício de forma.

                        4- A aquisição da supra referida fracção autónoma está inscrita no Registo Predial a favor dos autores pela inscrição Ap.000 de 2009.09.23.

                        5- Os 1ºs réus não cumpriram o acima referido em 2. e 3. e, entretanto, contraíram novas dívidas junto de particulares, agravando os ónus que recaem sobre o apartamento, hoje, propriedade dos autores, somando o valor dos ónus ali certificados (por se tratar de créditos assegurados por garantia real), o montante global de € 21.471,00.

                        6- Os 1ºs réus não dispõem, actualmente, de quaisquer bens, direitos ou rendimentos que lhes permitam suportar o pagamento das dívidas, designadamente as que beneficiam de garantia real sobre a fracção propriedade dos autores, por se terem colocado, conscientemente, nessa situação.

                        7- Os 1ºs réus aplicaram o dinheiro que o réu marido auferia, antes de se afastar da função pública, na compra de uma vivenda de três pavimentos, sita na Quinta ...., em M---, com 310 m2 de superfície, inscrita, então, provisoriamente, na matriz de Almacave sob o art.º P-3301 e descrita na C.R.Predial sob o n.º0000, onde investiram o produto da venda do apartamento e dos empréstimos que os autores lhes haviam anteriormente feito.

                        8- Os 1ºs réus como justificação para a venda da supra referida fracção autónoma, invariavelmente, apresentavam aos autores e a todos quantos, na altura, estavam a par do negócio, a necessidade de pagarem ao empreiteiro a sua vivenda sita em Medelo.

                        9- Os 1ºs réus passaram a residir na referida vivenda, desde que venderam o apartamento aos autores, já que também estes mudaram para lá, uma vez que nem uns nem outros tinham ou têm qualquer outra casa onde viver.

                        10- Desde então, em tudo têm procedido os 1°s réus como legítimos donos dessa vivenda, sendo como tal são considerados por quem os conhece.

                        11- Mas, apesar de toda a gente saber que a referida vivenda era propriedade dos 1°s réus, foi a filha de ambos, ora 2ª ré, quem interveio na respectiva escritura como sua compradora, tendo-a feito inscrever a se favor na C.R.Predial sob cota0-....de 2004/06/21.

                        12- A 2ª ré é pessoa jovem e por isso pode beneficiar do empréstimo bonificado e mais dilatado que a CGD lhe concedeu, no montante de € 125.000,00, o que os 1ºs réus não conseguiriam, quer pela idade quer por já serem devedores à mesma instituição por elevadas quantias.

                        13- Os 1ºs réus, para se subtraírem ao pagamento coercivo das suas dívidas à Banca e aos autores, magicaram a melhor forma de se eximirem às suas responsabilidades, intervindo como meros fiadores, na escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, relativa à referida vivenda, celebrada no Cartório Notarial de Lamego em 2004.09.06, onde declararam que se responsabilizavam como principais pagadores de tudo quanto viesse a ser devido à CGD em consequência do pedido de empréstimo de € 125.000,00 que esta concedera à 2ª ré, quando eram eles os verdadeiros compradores da casa e foram sempre eles que pagaram e continuarão a pagar as prestações mensais desse empréstimo.

                        14- Tanto mais que aquela andava a estudar, não tinha emprego conhecido e não auferia qualquer salário, não dispondo, por isso, de qualquer rendimento que lhe permitisse sobreviver sozinha, designadamente, vestir-se, calçar-se, alimentar-se, custear as despesas da sua formação académica e, muito menos, suportar o pagamento das prestações mensais desse empréstimo.

                        15- Também o preço de aquisição da vivenda foi simulado, pois toda a gente sabe que, naquela urbanização, nenhuma vivenda foi vendida por menos de duzentos e vinte mil euros (uma vez que o seu valor real, pela qualidade dos materiais, área e localização, não se quedava abaixo dessa importância) e que os 1ºs réus à data da escritura, já tinham pago, pelo menos, cem mil euros ao construtor GG, o que sucedeu antes e para que este lhes subscrevesse o respectivo pedido de registo provisório de hipoteca na C.R.Predial, como condição de aprovação do empréstimo atrás referido.

                        16- Ao assim agirem foi intenção dos réus não pagarem à GGD o valor dos empréstimos garantidos pelas hipotecas que oneram o apartamento que os autores lhes compraram, nem a estes o valor dos empréstimos que, antes, lhes fizeram.

                        17- Descapitalizaram-se, colocando-se, dolosamente, em situação de não poderem pagar as suas dívidas, como também pretenderam ludibriar os autores, provando, por um lado, que foi, mesmo, a filha quem comprou a casa, e, por outro, que esta não precisou do dinheiro deles, porque o fizera com recurso ao pedido do referido empréstimo bancário. ---------

                        2-3- Os recorrentes defendem a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia em relação à questão da sub-rogação que invocam. Segundo afirmam, os credores hipotecários dos 1ºs RR podem fazer-se pagar, quando queiram, pelo valor do prédio que, em face da primitiva decisão judicial transitada, é hoje dos recorrentes, assistindo-lhes, portanto, nos termos do art. 592º-1, in fine, do C.Civil, o direito de se verem legalmente sub-rogados na posição daqueles, pois tudo se passa como se já tivessem suportado o pagamento daquelas quantias. Não conhecendo dessa questão, incorreu a decisão recorrida na nulidade prevista no art. 668º -1 d) do CPC.

                        A falta de razão dos recorrentes, parece-nos evidente pela simples razão que a questão não foi colocada ao tribunal recorrido, pelo menos de modo claro. Com efeito, compulsando-se as conclusões da apelação (que recorde-se, balizam o âmbito objectivo dos recursos - arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil -), verifica-se que os recorrentes somente falam da sub-rogação na sua conclusão 13ª para dizer que a questão principal “não é a de os AA. … se verem sub-rogados no direito de crédito subsequente ao incumprimento dos 1ºs RR., mas antes a de fazerem voltar à sua esfera patrimonial a titularidade do único bem de que dispõem, de modo a poderem avançar, só depois , com o processo prévio da expurgação”. Ou seja, não colocam a questão do reconhecimento, a seu favor, da sub-rogação (legal) a que alude o art. 592º nº 1 do C.Civil, tema a que a sentença de 1ª instância havia respondido negativamente em razão de que, não resultando provado que os AA. tenham efectuado o pagamento do débito dos RR., não podem substituir-se a estes na reclamação desse crédito. Em relação a este fundamento, nada os RR. alegam ou aduzem em contrário, nas suas alegações e nas respectivas conclusões de recurso.

                        Por isso, não vemos que o acórdão recorrido tivesse que conhecer de tal assunto e, por consequência, seja nulo por omissão de pronúncia (arts. 668º nº 1 al. d) e 716º nº 1 do C.P.Civil).

                        É improcedente, pois, a posição dos recorrentes.

                        2-4- Entrando na questão essencial levantada pela revista e que originou a decisão de revista excepcional, diremos, desde logo, que a posição assumidas pelas instâncias foi correcta.

                        No douto acórdão, confirmando a posição assumida pela 1ª instância, referiu-se que o tribunal recorrido considerou e, consequentemente, declarou nulo, por simulação, tal como os AA./apelantes peticionaram, o contrato de compra e venda de um bem imóvel, outorgado em 6.09.2004, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Lamego, entre GG, como vendedor e a 2ª ré, EE, como compradora. É que resultou provado nos autos, as partes queriam efectivamente celebrar um contrato de compra e venda com o mesmo conteúdo e objecto, mas entre outras pessoas, mais precisamente no que respeita ao lado do comprador, pelo que se entendeu estar-se perante um caso de simulação relativa, por interposição fictícia de pessoas (do lado do comprador). Mais se entendeu que por detrás do negócio simulado nulo, existe um outro negócio, o negócio latente, oculto ou negócio dissimulado. Trata-se de duas realidades jurídicas diferentes, embora muito estreitamente ligadas entre si.

                        Acrescentou-se que a validade ou invalidade do negócio dissimulado, era a questão relevante neste recurso, sendo que nos termos do nº 1 do art. 241º do C.Civil, a validade do negócio dissimulado não é afectada, em princípio, pela nulidade do negócio. Porém, se o negócio dissimulado estiver sujeito à forma legal, há que observar o disposto no nº 2 do art.º 241º do C.Civil, segundo o qual “se porém o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei”. 
                        No caso dos autos, a compra e venda de imóvel, à data dos factos, só era válida se realizada por escritura pública (art.º 875º do C.Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 116/2008, de 4.07, em vigor na data da realização do contrato em causa e art. 220º do mesmo diploma). A forma observada na conclusão do negócio simulado corresponde tanto à forma exigida por lei para o negócio simulado, como para o negócio dissimulado (ambos são contratos de compra e venda de bem imóvel).

                        Pese embora esta circunstância, o certo é que, também o negócio dissimulado foi considerado nulo por vício de forma “pois o encontro de vontades e correspondentes declarações negociais entre o vendedor GG e os 1.ºs réus, compradores, não constam da escritura pública outorgada em 6.04.2004, no Cartório Notarial de Lamego”, tratando-se de nulidade de conhecimento oficioso, invocável e susceptível de ser conhecida a todo o tempo com efeito retroactivo (arts. 286º e 289º nº 1, sem prejuízo do disposto relativamente a terceiros de boa-fé nos arts. 243º, 291º nº 2 e 394º, todos do C.Civil).

                        Assim, confirmou-se a douta decisão de 1ª instância recorrida.

                        É sobre aquela posição de considerar o negócio dissimulado como nulo por vício de forma que os recorrentes mostram o seu inconformismo, no presente recurso.

                        Todavia, sem qualquer razão como iremos ver.

                        Como se disse acima, as instâncias declararam nulo, por simulação (art. 240º do C.Civil), o contrato de compra e venda celebrado entre as indicadas pessoas (designadamente as intervenientes na escritura de compra da vivenda referenciada no nº 7 dos factos provados).

                        Os recorrentes, peticionam, aceitam e defendem esta nulidade, pelo que por evidente desnecessidade não desenvolveremos o tema, remetendo-se para o que sobre o assunto referem as instâncias. Sustentam, porém, que o contrato dissimulado, em contrário do decidido pelas instâncias, deverá ser julgado válido.

                        Estabelece o art. 241º do C.Civil (simulação relativa) que “quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”.  

                        Quer dizer, perante esta disposição fica claro que a validade do negócio dissimulado não é afectada, em princípio, pela nulidade do negócio simulado.

                        Acrescenta, todavia, o nº 2 do mesmo artigo que “se porém o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei”.

                        Através desta disposição, concluiu-se que o negócio dissimulado só poderá ser reputado válido, em caso de contrato de natureza formal, se tiver sido observada a forma exigida por lei.

                        Como se refere no acórdão recorrido, na altura dos factos, a compra e venda de imóvel, só era válida se realizada por escritura pública (art. 875º do C.Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 116/2008, de 4.07).

                        Como se tratava, no negócio simulado e no negócio dissimulado, de uma compra e venda de um imóvel (compra e venda da indicada moradia), seria necessário, para a sua validade, observar-se tal formalidade.

                        Ora, no caso dos autos não foi observada esta forma em relação à parte activa do contrato dissimulado, os 1ºs RR., pois eles não intervieram (como compradores) na escritura pública outorgada em 6.04.2004, no Cartório Notarial de Lamego. Não tendo intervindo, parece-nos evidente que o encontro de vontades inerente à realização do negócio, não se estabeleceu entre os vendedores e esses compradores (dissimulados). Como se diz adequadamente no douto acórdão recorrido, “ou seja, do conteúdo desse documento não consta qualquer encontro de vontades entre o vendedor e os reais compradores, o que é a essência da compra e venda dissimulada”.

                        Por isso, foi com propriedade que as instâncias decidiram a nulidade de tal negócio por vício de forma.

                        A respeito da questão em debate, dizem as vozes esclarecidas e autorizadas de Pires de Lima e Antunes Varela (C.Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 228) que “no caso de simulação por interposta pessoa (o que sucede no caso vertente)[1], o acto dissimulado não é válido enquanto se não celebrar o segundo negócio, dada a falta de intervenção da pessoa a quem deveria, por hipótese, ser definitivamente transmitida”.

                        No acórdão de 25-3-2010 deste STJ (em www.dgsi.pt/jstj.nsf, proferido no âmbito do proc. 983/06.7TBBGR.G1.S1, 7ª secção), em paralelo com a posição ora assumida, decidiu-se que “sendo de natureza formal o negócio dissimulado, e tratando-se de negócio translativo, só será válido se a transmissão efectivamente pretendida constar da forma exigida”.

                        Sobre esta questão em concreto (simulação por interposta pessoa), no acórdão de 26-11-2009 igualmente deste STJ (em www.dgsi.pt/jstj.nsf, proferido no âmbito do proc. 336/1999.S1, 7ª secção) invocado pelos recorrentes a favor da sua tese, entendeu-se não haver motivo para defender a invalidade formal do negócio dissimulado quando as razões do seu formalismo se acham satisfeitas com a observância das solenidades do negócio simulado. Curava-se, no caso, porém, de uma situação diversa do presente caso, concernente no “fingimento” de uma venda de imóveis, em vez de doações realmente queridas. A questão da não intervenção no negócio de doação, dos beneficiários reais do acto não se colocava. Tratava-se de transmissões de prédios de pais para filhos mediante a interposição de intermediários em escrituras públicas distintas, celebradas com a dilação de poucos dias entre si, em que os “testas de ferro” compravam aos primeiros para posteriormente venderem aos segundos.

                        O mesmo se diga no que toca ao acórdão da Relação de Évora de 22-1-1987 (em Col. Jur. I, 285), igualmente invocado pelos recorrentes, para sustentar a sua tese. Também aí a mesma questão não foi directamente abordada. Do que se tratava também aí era de doações “mascaradas” de compras e vendas.

                        É, pois, insubsistente a posição dos recorrentes.

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

                        Custas pelos recorrentes.



Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Gregório Silva Jesus
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[1] Na simulação por interposição fictícia de pessoas (simulação subjectiva), uma pessoa aparece com parte no negócio, sendo que, através do acordo oculto, os efeitos dele destinam-se a outra pessoa, não adquirindo de facto o interposto, a posição jurídica que exteriormente parece assumir. Foi precisamente esta situação que ocorreu no caso vertente em que a R.EE interveio no negócio de compra da vivenda, em vez dos outros RR. (seus pais), sendo estes os que realmente quiseram adquirir o bem.