ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
4468/09.1YYPRT-A.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/06/2011
SECÇÃO 1.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GARCIA CALEJO

DESCRITORES CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO CONTRATUAL
CADUCIDADE

SUMÁRIO I - O art.1084 n.ºs 1 e 3 do C. Civil estipula que, em caso de mora do inquilino no pagamento da renda, encargos ou despesas superior a três meses, o senhorio poderá resolver o contrato, tendo aquele possibilidade de pôr fim à mora no prazo de três meses, ficando, então, sem efeito a resolução.

II - Pese embora tenham decorrido esses três meses sem que o arrendatário purgue a mora, o art.1048.º, n.º1 do mesmo Código, concede (ainda) ao inquilino o direito a fazer caducar a resolução do arrendamento, se até ao termo do prazo da oposição à execução, depositar as somas em dívida, acrescidas da respectiva indemnização.

III - Este dispositivo deve ser aplicado, apesar da incoerência nos conceitos resultante de o legislador considerar naquelas circunstâncias o contrato de arrendamento resolvido e no art. 1048.º n.º1 entender ser possível fazer caducar o direito à resolução. É que neste art. 1048.º, n.º1 o legislador expressamente estabeleceu a caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento se o arrendatário pagar (depositar ou consignar em depósito) até ao termo do prazo da oposição à execução. Entendeu, assim, conceder ao arrendatário nova oportunidade de purgar a mora e, deste modo, evitar a resolução contratual. Fê-lo de forma deliberada, pois não poderia ignorar que no caso de não entrega voluntária do locado pelo arrendatário, o senhorio teria de lançar mão de uma execução para entrega de coisa certa (arts. 15.º n.º1 da Lei 6/2006 e 930.º-A do C.P.Civil) e, nessa conformidade, a oposição à execução é expediente processual que o executado poderia usar ( art.º929.º do C.P.Civil). Ao pronunciar-se nos termos indicados ("até ao termo do prazo para oposição à execução"), sabia do que se tratava, devendo-se, pois, concluir, que o legislador quis dar ao arrendatário nova oportunidade de purgar a mora.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL  

                4468/09.1YYPRT-A.P1.S1

           

                                              

                                              

                                               Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

                        I- Relatório:

                        1-1- AA-D... D´A..., Produtos Alimentares Ldª, com sede na Praça do B... S..., ..., Loja ..., P..., deduziu oposição à execução que lhe moveu BB-B... – Gestão da Activos, S.A., com sede na Rua de B..., ..., ...º, Lisboa, pedindo se julgue extinta a execução.           

                        Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que quando foi cumprida a notificação judicial avulsa requerida pela exequente, os fundamentos invocados para a resolução do contrato de arrendamento deixaram de existir, já que se encontrava paga a renda de Fevereiro de 2009, ficando só em mora a renda do mês de Outubro de 2008 e as despesas e encargos, sendo que esta renda acabou por ser paga em prazo.

                        A exequente contestou pugnando pela da manutenção e validade do título dado à execução visto que o pagamento da indemnização correspondente às duas rendas em atraso não releva por extemporâneo, pedindo a improcedência da oposição, condenando-se a executada a restituir-lhe o locado livre e desocupado de pessoas e bens.

                       

                        O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

                       

                        Nesta julgou-se procedente por provada a oposição e, em consequência, declarou-se extinta a execução.

                         

                        1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a exequente de apelação para o Tribunal da Relação do Porto tendo-se aí, por acórdão de 11-4-2011, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

                       

                        1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a exequente para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o art. 721º A nº 3 do C.P.Civil, como revista excepcional, tendo efeito devolutivo.

                       

                        A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        1ª- A questão subjacente ao presente recurso tem, uma grande relevância social e jurídica, conforme se alegou no Ponto Prévio às conclusões, razão pela qual deve ser admitido o presente recurso extraordinário nos termos do art. 721º-A, n° 1, als. a) e b) do Cód. Proc. Civil.

                        2ª- A exequente está consciente que a matéria deste recurso é especialmente turva mas considera que é em casos como o destes autos que cabe aos Tribunais, e a quem se vê envolvido nos litígios resolvidos em sede judicial, trilhar o caminho mais coerente e consonante com o Direito e com um sistema que tem que ser coeso, sob pena de perder a credibilidade que necessita para merecer a confiança sem reserva dos seus destinatários.

                        3ª- O título executivo que está na base destes autos é uma Notificação Judicial Avulsa acompanhada do Contrato de Arrendamento que obriga exequente e executada, título este que é uma inovação da Lei 6/2006 de 27/Fevereiro (NRAU), que, por seu lado, traduz uma tentativa assumida pelo legislador de agilizar o mercado de arrendamento que, à data da criação da lei, estava moribundo.

                        4ª- Um dos problemas que prejudicava a agilidade do mercado de arrendamento era, como não podia deixar de ser, o incumprimento da obrigação do pagamento da renda por parte do inquilino e um dos contornos do antigo RAU que era visto como uma agravante a tal problema era a necessidade de recurso aos Tribunais para efeitos de resolução do contrato de arrendamento, designadamente quando o arrendatário deixava de pagar a renda.

                        5ª- É neste contexto que com o NRAU surge a inovadora possibilidade dos senhorios poderem fazer operar a resolução do contrato de arrendamento com base em mora no pagamento de rendas superior a 3 meses por meio de mera comunicação à outra parte, feita nos termos do art. 9º, n° 7 da Lei 6/2006 de 27/Fevereiro.

                        6ª- Se o arrendatário entra em mora superior a 3 meses o senhorio ganha o direito a resolver o contrato de arrendamento, não obstante ao arrendatário ser dada ainda a oportunidade de tirar efeitos à resolução contratual (que já se operou), pondo fim à mora no prazo de 3 meses contados após a comunicação de resolução do contrato -art. 1084° n° 3 do Cód. Civil.

                        7ª- É por causa do disposto no art. 1084°, n° 3 do Cód. Civil que tem sido prática os senhorios, quando resolvem os contratos de arrendamento por meio da comunicação à outra parte (ao inquilino), fazerem ainda um compasso de espera de 3 meses contados desde a comunicação antes de intentarem a execução para entrega de coisa certa.

                        8ª- Mas este compasso de espera tem que ser entendido como uma opção e não como uma obrigação pois em nenhuma parte da lei se diz que os senhorios estão impedidos de executar os arrendatários, para entrega de coisa certa, no "dia seguinte" à efectivação da comunicação de resolução do contrato de arrendamento.

                        9ª- Assim sendo, temos que após resolvido o contrato por meio de comunicação ao arrendatário, o senhorio tem duas opções:

                        10ª- Ou aguarda (pelo menos) mais três meses antes de executar o arrendatário para entrega de coisa certa e se assim for, quando recorrer ao Tribunal fá-lo com a segurança de saber que o inquilino já não vai a tempo de pôr fim à mora, pois esse tempo já decorreu (assim se dando expressão prática ao art. 1084°, n° 3 do Cód. Civil), pois o seu direito a reaver o imóvel está consolidado e é irrevogável.

                        11ª- Ou, em alternativa, executa o arrendatário para entrega de coisa certa imediatamente após a efectivação da comunicação com a qual resolveu o contrato de arrendamento e se assim fizer, sabe que o arrendatário ainda vai a tempo de pôr fim à mora nos termos do art. 1048°, n° 1 do Cód. Civil, isto é, dentro do prazo para a oposição à execução.

                        12ª- E logo, a possibilidade contida no art. 1048°, n° 1 do Cód. Civil, do locatário fazer caducar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda até ao termo do prazo para oposição à execução, apenas se aplica aos casos em que a execução foi intentada antes de decorridos 3 meses após a efectivação da comunicação de resolução do contrato de arrendamento.

                        13ª- Dito de outro modo, na primeira opção o senhorio tem que esperar mais tempo mas quando recorrer a Tribunal não invoca nenhum direito precário enquanto que na segunda opção, o senhorio age judicialmente contra o arrendatário com mais celeridade mas fá-lo sabendo leva para juízo um direito que é precário e que como tal pode ser revogado.

                        14ª- A reconhecer-se a existência destas duas opções, alternativas entre si, assegura-se a tal coerência e coesão que é fundamental ao regime legal do arrendamento para que os seus destinatários possam ter confiança no mesmo.

                        15ª- Contudo, a decisão recorrida assim não entendeu tendo antes entendido que o legislador quis dar ao arrendatário relapso como que "três prazos de incumprimento" antes deste ser efectivamente "despejável".

                        16ª-      Ora, a primeira questão à qual o entendimento seguido pelo Tribunal recorrido não dá uma resposta convincente é o que é que, no âmbito desse entendimento, quer o art. 1084°, n° 3 do Cód. Civil dizer quando diz que a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses (sublinhado nosso).

                        17ª- Ou seja, o entendimento seguido pelo Tribunal recorrido não responde afinal que prazo é este de 3 meses que a lei fala, mas que uma vez decorridos não é o fim de nada.

                        18ª- Acresce que tal entendimento é ainda incoerente com a agilidade que a Lei 6/2006 de 27/Fevereiro pretendeu que os contratos de arrendamento tivessem no momento da respectiva resolução.

                        19ª- Pelo contrário, a aceitar-se o entendimento seguido pelo Tribunal recorrido está-se a "decretar" a morte do título executivo que a Lei 6/2006 de 27/Fevereiro trouxe como inovação ao regime de arrendamento (resolução do contrato de arrendamento operada por comunicação ao arrendatário que não paga as rendas).

                        20ª- Quando a única solução aconselhável é a de que quando o legislador permitiu, na Lei 6/2006 de 27/Fevereiro, que os senhorios resolvessem os contratos por meio de comunicação ao arrendatário (isto é, desjudicialmente), pretendeu dar agilidade ao processo de resolução e pretendeu, assim, criar uma forma de resolução dos contratos de arrendamento que efectivamente funcionasse.

                        21ª- Assim sendo, considerando que a recorrente/exequente resolveu o contrato de arrendamento por Notificação Judicial Avulsa efectuada em 2/Março/2009 e só mais de três meses depois, isto é, em 5/Junho/2009, a executada pagou a quantia equivalente a 50% das rendas vencidas e não pagas (indemnização prevista no art. 1041°, n° 1 do Cód. Civil), há que concluir que a solução que é coerente com o fim com que o NRAU foi concebido e com o próprio art. 1084°, n° 3 do Cód. Civil, é a de considerar que a resolução do contrato de arrendamento dos autos operou-se sem que a executada/recorrida tenha em feito tal resolução perder os respectivos efeitos no tempo que dispunha para o fazer.

                        22ª- Por tudo o exposto, a douta sentença recorrida violou o Direito e a Lei, em especial, o disposto no art. art. 1084°, n° 3 do Cód. Civil.

                        A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                        2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas a questão que ali foi enunciada (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).

                        Nesta conformidade, será o seguinte o tema a apreciar e decidir:

                        - Se face aos factos dados como provados ocorreu, válida e definitivamente, a resolução do contrato de arrendamento efectuada pela exequente e se, por isso, a oposição da executada deve ser julgada improcedente                       

                       

                        2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        1 - A exequente BB-B... Gestão de Activos, SA, intentou contra a executada AA-D... D’A... – Produtos Alimentares, Lda., a acção executiva de que estes autos são apenso, dando à execução a notificação judicial avulsa e o contrato de arrendamento apresentados com o requerimento executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea A) dos factos assentes);

                        2 - Em conformidade com o teor do aludido contrato de arrendamento, por escritura pública outorgada no 6º cartório Notarial do Porto, em 15/05/1996, a exequente deu de arrendamento à executada a fracção designada pelas letras “UT”, correspondente à loja 204, para comércio, indústria hoteleira, similares ou serviços, no primeiro andar, do prédio urbano sito na P... do B... S..., nºs .../..., Rua da M..., nºs .../...e Rua de A..., nºs .../..., freguesia de M..., P..., pelo prazo de seis anos, com início em 18/06/1994, mediante o pagamento da renda mensal de 238.260$00 (alínea B) dos factos assentes);

                        3 - De acordo com o estipulado na cláusula terceira do documento complementar anexo à aludida escritura, a renda mensal, anualmente actualizável em conformidade com os coeficientes legais, será paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, através de transferência bancária (alínea C) dos factos assentes);

                        4 - Por força das sucessivas actualizações, a referida renda, em 2/03/2009, era de € 1.724,53, tendo a partir do mês de Maio de 2009 sido actualizada para a quantia de € 1.773,00 (alínea D) dos factos assentes);

                        5 - Ainda de acordo com a cláusula quarta do aludido documento complementar, a locatária obriga-se ainda a pagar à locadora, conjuntamente com a renda mensal, consoante previsto no Regulamento de Funcionamento da Galeria Comercial, uma quota parte do total das despesas e encargos com o funcionamento e utilização da Galeria Comercial correspondente à aplicação da permilagem estabelecida para a referida loja na propriedade horizontal, e uma quantia resultante da aplicação da mesma permilagem sobre o total das despesas com a promoção e publicidade da Galeria Comercial, estabelecendo-se na cláusula quinta que as prestações fixadas no referido contrato, independentemente da sua natureza, são indissociáveis (alínea E) dos factos assentes);

                        6 - Através da referida notificação judicial avulsa, efectuada em 2/03/2009, na parte que agora releva, a exequente comunicou à executada que, em 19/02/2009, estavam em dívidas as quantias de € 635,16, referente aos encargos com o funcionamento e utilização da Galeria Comercial; € 369,72 a título de quota-parte do total das despesas com o marketing feito na Galeria; € 3.446,06 correspondente às rendas vencidas nos meses de Outubro de 2008 e de Fevereiro de 2009; sendo ainda devedora da quantia global de € 12.723,76 a título de despesas e encargos com o funcionamento da Galeria Comercial e marketing, em virtude de não pagamento ou pagamentos de valores em montante inferior aos devidos, desde Novembro de 2003 até à presente data, pelo que, considerando não lhe ser exigível a manutenção do aludido contrato, procedia à sua resolução (alínea F) dos factos assentes);

                        7 - Em finais de Maio de 2009, a executada mandou contactar telefonicamente a exequente pedindo-lhe que indicasse todos os valores em dívida relativamente ao contrato de arrendamento, a fim de efectuar o correspondente pagamento, tendo a exequente, em resposta, em 29/05/2009, enviado o fax de fls. 12 a 16, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual resulta uma dívida de rendas no montante de € 1.773,00 e uma dívida de despesas e encargos de € 12.998,37 (alínea G) dos factos assentes);

                        8 - A executada procedeu ao pagamento das referidas quantias, no total de € 14.771,37, em 1/06/2009, através do cheque e depósito bancário documentados a fls. 18, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea H) dos factos assentes);

                        9 - Em face do que resulta dos extractos que integram o referido fax de 29/05/2009, a exequente imputara a renda de Outubro de 2008 (no valor de € 1.724,53) um dos pagamentos feitos pela executada após a notificação judicial avulsa, considerando em dívida, em 1/06/2009, a renda de Maio de 2009, já com o valor actualizado de € 1.773,00 (alínea I) dos factos assentes);

                        10 - Em 5/06/2009, através do cheque e depósito documentados a fls. 19, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, a executada procedeu ao pagamento da quantia de € 1.724,53, correspondente a 50% das duas rendas a cujo pagamento pontual faltara, dando conhecimento à exequente de que efectuara esse pagamento por mera cautela, nos termos constantes da carta de fls. 20/21, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea J) dos factos assentes);

                        11 - Após ter requerido a referida notificação judicial avulsa, em 23/02/2009, a exequente aceitou receber da executada o pagamento das rendas mensais, bem como a quota-parte das despesas e encargos com o funcionamento da galeria comercial e com marketing, emitindo os recibos e notas de débito constantes dos documentos de fls. 22 a 29, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea K) dos factos assentes);

                        12 – A renda de Fevereiro de 2009 foi paga por cheque descontado em 3/03/2009 (resposta ao quesito 1º da base instrutória);

                        13 - Ficando nessa altura em dívida apenas a renda de Outubro de 2008 e as despesas e encargos (resposta ao quesito 2º da base instrutória);

                        14 - A renda de Outubro fora omitida por mero lapso (resposta ao quesito 3º da base instrutória);

                        15 - Ao longo da vigência do contrato a executada incorreu em atrasos pouco significativos no que respeita ao pagamento das rendas, em regra não superiores a um mês. No que concerne aos demais encargos, os atrasos foram sempre significativos, não tendo a exequente exigido por causa dessa falta de pagamento qualquer indemnização ou resolvido o contrato por considerar que não lhe assistia esse direito (resposta aos quesitos 4º a 6º da base instrutória);

                        16 - A executada contínua ainda hoje a transferir mensalmente para a conta bancária da exequente os valores correspondentes aos montantes que seriam devidos a título de rendas, despesas e encargos (resposta ao quesito 7º da base instrutória);

                        17 - Antes do dia 2 de Junho de 2009, foi dito expressamente à executada que se era vontade desta manter o contrato de arrendamento teria para isso que pagar tudo o que estava em dívida, acrescido de 50% sobre o valor das rendas vencidas e não pagas dentro dos oito dias seguintes ao vencimento (rendas de Outubro de 2008 e Fevereiro de 2009) (resposta ao quesito 8º da base instrutória). ----------------

                        2-3- Como se disse acima, o exequente BB-B... intentou contra a executada AA-D... D’A... acção executiva, baseando o requerimento executivo na notificação judicial avulsa acima indicada visando a resolução do contrato de arrendamento em causa.

                        Nos termos do art. 15º nº 1 al. e) da Nova Lei do Arrendamento Urbano (aprovada pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro), pode servir de base à execução para entrega de coisa certa “em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado de comprovativo da comunicação prevista no nº 1 do art. 1084º do Código Civil …”.

                        Esta disposição constitui uma clara norma processual inovadora, dado que ela passou a atribuir força executiva à dita resolução por comunicação, com vista à entrega da coisa locada. Trata-se de conceder ao senhorio a possibilidade de resolver o contrato de arrendamento extrajudicialmente[1], através de comunicação ao inquilino.

                        A respeito desta comunicação estabelece o art. 1084º nº 1 do C.Civil que “a resolução pelo senhorio fundada em causa prevista no nº 3 do artigo anterior … operam por comunicação à contraparte onde fundadamente se invoque a obrigação incumprida”.

                        No que toca à causa de resolução relevante, determina o nº 3 do art. 1083º do mesmo Código que “é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas…, sem prejuízo dos disposto nos nºs 3 e 4 do artigo seguinte”.

                        Quer isto dizer que em caso de mora do inquilino no pagamento da renda, encargos ou despesas, superior a três meses, o senhorio poderá resolver o contrato. Para tal terá que efectuar a dita comunicação ao arrendatário onde, de modo fundado, indique a obrigação incumprida, ou seja, no caso de falta de pagamento da renda e demais encargos ou despesas, refira essa omissão.

                        Tal comunicação corresponderá a uma declaração unilateral receptícia, que deverá, porém, porque destinada à cessação do contrato por resolução (nos termos ao nº 1 do referido art. 1084º), ser realizada por notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador, ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original (nº 7 do art. 9º do Nova Lei do Arrendamento Urbano).

                        Feita tal comunicação, produz-se a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento, o que implicará que o arrendatário fique obrigado a proceder à desocupação do locado no final do 3º mês seguinte à resolução, como resulta do art. 1087º do C. Civil.

                        Porém, de harmonia com o disposto no art. 1084º nº 3 do C.Civil, “a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses”.

                        Isto é, no caso de «resolução por comunicação» por falta de pagamento da renda efectuada pelo senhorio, pode o arrendatário pôr fim à mora, pagando as rendas em atraso (acrescidas de uma indemnização de 50% do que for devido - art. 1041º nº 1 do mesmo Código -), no prazo de três meses e, assim, invalidar a resolução do contrato, ou melhor, terminar com o direito do senhorio em resolver o contrato.

                        Todo este regime será aplicável quando o senhorio opte por esta via (extrajudicial[2]) para resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de renda.

                        No caso vertente, como o facto acima indicado sob o nº 6 indica, a exequente efectuou a «resolução por comunicação» (através de notificação judicial avulsa) por falta de pagamento da renda, em 2/03/2009.

                        Em 5/06/2009, através do cheque e depósito, a executada procedeu ao pagamento da quantia de € 1.724,53, correspondente a 50% das duas rendas em dívida (facto acima indicado sob o nº 10).

                        Quer isto dizer que quando a executada pôs fim à mora, já haviam decorrido mais de três meses sobre a data em que havia sido notificada da «resolução por comunicação».

                        As instâncias (a 1ª de modo expresso) assim concluíram. Por isso e de harmonia com o dito art. 1087º a desocupação do locado, passou a ser exigível logo no final do terceiro mês seguinte à resolução (à falta de outro prazo judicialmente fixado ou acordado pelas partes).

                        A instauração da presente execução teve, precisamente, em vista a entrega do locado, com base na resolução contratual efectuada pelo senhorio.

                        As instâncias, pese embora tenham considerado que a executada não pôs fim à mora nos ditos três meses sobre a data em que recebeu a notificação judicial para a «resolução por comunicação», entenderam aplicar à situação o disposto no art. 1048º nº 1 do C.Civil e considerar caduco o direito à resolução.

                        Estabelece esta disposição que “o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa ou para oposição à execução, destinadas a fazer valer esse direito, pague, deposite, ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no nº 1 do artigo 1041º”.

                        Isto é, este dispositivo, para o que aqui interessa, estabelece a caducidade do direito à resolução do contrato por falta de pagamento das rendas, desde que o locatário, até ao termo do prazo para oposição à execução, pague, deposite ou consigne em deposito as somas devidas e a indemnização aí indicadas. Conforme se referiu no douto acórdão recorrido, “foi o que sucedeu no caso em apreço, pois que, como flui da matéria de facto dada como provada, a executada/oponente procedeu ao pagamento das quantias devidas, a titulo de indemnização, em prazo consentâneo com o previsto na apontada norma legal”. Por isso, declarou-se caduco o direito à resolução do contrato e procedente a oposição apresentada, com extinção da instância executiva.

                        É em relação a este aspecto que a recorrente mostra o seu inconformismo e discordância. Refere, com efeito, que após resolvido o contrato por meio de comunicação ao arrendatário, o senhorio tem duas opções: Ou aguarda (pelo menos) mais três meses antes de executar o arrendatário para entrega de coisa certa e se assim for, quando recorrer ao Tribunal fá-lo com a segurança de saber que o inquilino já não vai a tempo de pôr fim à mora, pois esse tempo já decorreu (assim se dando expressão prática ao art. 1084° nº 3), pois o seu direito a reaver o imóvel está consolidado e é irrevogável. Ou, em alternativa, executa o arrendatário para entrega de coisa certa imediatamente após a efectivação da comunicação com a qual resolveu o contrato de arrendamento e se assim fizer, sabe que o arrendatário ainda vai a tempo de pôr fim à mora nos termos do art. 1048º nº 1, isto é, dentro do prazo para a oposição à execução. Assim, a possibilidade contida no art. 1048º nº 1, do locatário fazer caducar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda até ao termo do prazo para oposição à execução, apenas se aplica aos casos em que a execução foi intentada antes de decorridos três meses após a efectivação da comunicação de resolução do contrato de arrendamento.

                        Diga-se desde já que a solução da questão não se nos afigura fácil e linear já que, a nosso ver, o legislador não foi coerente na elaboração e enunciação dos ditos dispositivos deixando o intérprete em situação de alguma perplexidade, hesitação e embaraço, para conjugar as normas e decidir em coerência e em conjugação com o sistema de resolução e caducidade do contrato de arrendamento.

                        A incoerência resulta de, por um lado, nos termos do art. 1084 nºs 1 e 3, se estipular que em caso de mora do inquilino no pagamento da renda, encargos ou despesas superior a três meses, o senhorio poder resolver o contrato, tendo aquele possibilidade de pôr fim à mora no prazo de três meses, ficando, então, sem efeito a resolução e, pelo outro, conceder (ainda) ao inquilino, apesar de terem decorrido esses três meses, o direito de fazer caducar a resolução do arrendamento, se até ao termo do prazo da oposição à execução, depositar as somas em dívida, acrescidas da respectiva indemnização (art. 1048º nº 1). Ou seja, pese embora aqueles dispositivos considerem o contrato resolvido logo que passem três meses sobre a dita a notificação judicial para a «resolução por comunicação», este art. 1048º nº 1 dá ainda a possibilidade ao arrendatário de fazer caducar a resolução se até ao termo do prazo da oposição à execução efectuar o dito depósito.

                         Na pureza dos conceitos, estando o contrato resolvido, como será possível fazer caducar o direito à resolução do contrato?

                        No estudo sobre a resolução do contrato de arrendamento publicado na Scientia Jurídica nº 308, LV, págs. 645 e 659, Pinto de Oliveira afirma que o texto da lei (art. 1048º nº 1), não faz sentido carecendo de rigor conceptual e terminológico, ao referir-se à caducidade de um direito (de resolução) que já foi eficazmente exercido. “O exercício eficaz de um direito potestativo (o direito á resolução contratual) consome o direito. A situação jurídica anterior ficou modificada, o direito impôs-se, cumpriu a sua missão e, com isso, esgotou-se. O texto da lei, ao falar na caducidade de um direito eficazmente exercido e, por isso, na caducidade de um direito “consumido” ou “esgotado”, não faz sentido” (pág. 657).

                        Pese embora esta incongruência e apesar também de uma certa imprecisão na utilização de conceitos jurídicos, o certo é que o legislador no art. 1048º nº 1 expressamente estabeleceu a caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento se o arrendatário pagar (depositar ou consignar em depósito) até ao termo do prazo da oposição à execução. Entendeu, assim, conceder ao arrendatário nova oportunidade de purgar a mora e, deste modo, evitar a resolução contratual. Fê-lo de forma deliberada, pois não poderia ignorar que no caso de não entrega voluntária do locado pelo arrendatário, o senhorio teria que lançar mão de uma execução para entrega de coisa certa (arts. 15º nº 1 da Lei 6/2006 e 930º A do C.P.Civil) e, nessa conformidade, a oposição à execução é expediente processual que o executado poderia usar (art. 929º do C.P.Civil). Ao pronunciar-se nos termos indicados (“até ao termo do prazo para a oposição à execução”), sabia do que se tratava, devendo-se, pois, concluir, que o legislador quis dar ao arrendatário nova oportunidade de purgar a mora. Fê-lo, segundo cremos, para afastar os prejuízos materiais e sociais que a resolução de um contrato de arrendamento normalmente acarreta. Considerou, todavia, adequado e suficiente que o locatário, em fase judicial, só pudesse fazer uso da tal faculdade (de fazer caducar o direito à resolução do contrato) uma única vez (nº 2 do art. 1048º).

                        Quer isto tudo dizer que o legislador, ao referir-se à possibilidade de o arrendatário, nos termos expostos, poder fazer caducar o direito à resolução do contrato até ao termo do prazo da oposição à execução[3] e só poder fazer uso da tal faculdade uma única vez (em face judicial), foi isso mesmo que pretendeu, até porque a forma expressa e clara como se exprimiu não permite deixar margens para dúvidas. E neste contexto não será demais sublinhar que, de harmonia com o disposto no art. 9º nº 3 do C.Civil, “na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

                        Por isso nos parece incorrecta a interpretação da recorrente segundo a qual a possibilidade contida no art. 1048º nº 1, do locatário fazer caducar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda até ao termo do prazo para oposição à execução, apenas se aplica aos casos em que a execução foi intentada antes de decorridos três meses após a efectivação da comunicação de resolução do contrato de arrendamento, pois esta solução é claramente afastada pela letra da lei, não se nos afigurando possível fazer a distinção pretendida pela recorrente, sob pena de procedermos a uma interpretação abrogante ou correctiva da lei.

                        A respeito da aplicação do disposto no art. 1048º nº 1, referem Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge[4] que “resultaria esvaziado de sentido útil se a purgação da mora não pudesse acontecer, na execução, até ao termo do prazo da respectiva oposição. Com efeito, em face da dicotomia agora introduzida - até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa ou para oposição à execução”- não pode ser excluída a aplicação do preceito nos casos de resolução extrajudicial com fundamento de mora superior a 3 meses no pagamento da renda e subsequente execução, sob pena de estarmos a fazer uma interpretação abrogante ou correctiva do mesmo”.

                        A posição que assumimos leva a ter de considerar a resolução contratual feita ao abrigo do disposto no art. 1084 nºs 1 e 3, como condicional ou não definitiva, dado que poderá não se efectivar, o que sucederá se o arrendatário, até ao termo do prazo da oposição na execução, fizer caducar o direito à resolução do contrato, tornando, dessa maneira, essa resolução ineficaz. Em virtude desta circunstância (de não efectivação da resolução contratual) é que Pedro Martinez entendeu que o legislador empregou incorrectamente o termo «caducidade» “porque não consubstancia um caso de caducidade, até porque o nº 4 do artigo 1084º do CC/NRAU se identifica a situação como sendo uma hipótese de ineficácia”[5].

                        Face às incongruências jurídicas do legislador a que acima nos referimos, foi sem surpresa que verificámos que a doutrina se divide sobre a solução a dar à questão. Assim, em sentido contrário da posição que assumimos, Cunha e Sá e Leonor Coutinho defendem que se o arrendatário não fizer cessar a sua mora nos três meses seguintes, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, acrescentando que “significa isto que, em tal caso, o arrendatário não poderá lançar mão do expediente que lhe é facultado pelos artigos 1048º nº 1 e 1084º nº 3 do C. Civil”[6]. Posição idêntica assume Gravato de Morais ao afirmar que em sede de oposição à execução, ao arrendatário não é permitido socorrer-se do regime mais favorável que “desperdiçou” anteriormente e que “embora literalmente a lei o admita, no art. 1048º nº 1 CC, NRAU, ao arrendatário não é legitimo beneficiar duas vezes da mesma prerrogativa, até porque a finalidade da lei vigente é de agilizar e de tornar célere este mecanismo. Seria uma incoerência legal absolutamente inadmissível se tal fosse viável”[7]. Também Pinto de Oliveira[8] defende idêntica posição. Menezes Leitão não põe qualquer reserva à aplicação do disposto no art. 1048º nº 1, pelo que acaba por aceitar a posição que assumimos[9]. A mesma postura assumem, como já se viu, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge.

                        No caso vertente, como decidiram as instâncias, face ao pagamento efectuado pela executada em 5-6-2009 (no prazo da oposição à execução), caducou ou tornou-se ineficaz o direito à resolução do contrato, pelo que a procedência da oposição e a extinção da execução se justificou e agora se confirma.

                        Através das buscas que realizámos, concluímos que este S.T.J., antes deste caso, não foi chamado a pronunciar-se sobre a temática em causa. Para além do douto acórdão recorrido, as Relações, segundo nos foi dado observar, têm vindo a deliberar da forma que aqui defendemos e decidimos, como resulta dos acórdãos de Relação do Porto de 24-5-2010 e da Relação do Lisboa de 31-2-2011 e 14-7-2011 (acessíveis em www.dgsi.pt/jtrp.nsf e www.dgsi.pt/jtrl.nsf).

                       

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, nega-se a revista confirmando-se o douto acórdão recorrido.

                        Custas pelos recorrentes.


[1] De sublinhar que anteriormente à vigência do regime estabelecido pela dita Lei 6/2006, a resolução do contrato só se poderia verificar por via judicial, através de acção de despejo.
[2] Como decorre do art. 1047º do C.Civil, a resolução do contrato de arrendamento pode ser feita judicial e extrajudicialmente.
[3] Ou no prazo para a contestação na acção declarativa.
[4]  In Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado, pág. 232)
[5] In O Direito, ano 137º (2005) II, pág.340.
[6] In Arrendamento Urbano, 2006, 2ª edição, pág. 48.
[7] In Novo Regime do Arrendamento Comercial, 2ª edição, pág. 219. Refere expressamente este autor que “naturalmente que, em sede de oposição à execução, ao inquilino não é permitido socorrer-se do regime mais favorável que “desperdiçou”anteriormente. Queremos com isto afirmar que até ao termo do prazo que tem para contestar não pode, pagando as rendas em atraso e a indemnização correspondente, fazer caducar o direito à resolução. Embora literalmente a lei o admita, no art. 1048º nº 1 do CC, NRAU, ao arrendatário não é legítimo beneficiar duas vexes da mesma prerrogativa, até porque a finalidade da lei vigente é a de agilizar e de tornar célere este mecanismo. Seria uma incoerência legal absolutamente inadmissível se tal fosse viável”.
[8] In Estudo acima referido na Scientia Jurídica nº 308
[9] In Arrendamento Urbano, 4ª edição, págs. 134 e 135.