Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1798/09.6TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
PROPOSITURA DA ACÇÃO
PROPOSITURA DA AÇÃO
CAUSA DE PEDIR
PEDIDO
Data do Acordão: 05/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / SUJEITOS DO PROCESSO / TRIBUNAL / COMPETÊNCIA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil” Anotado, Coimbra Editora, Vol. II, 3.ª edição (reimpressão) 1981, p. 338 e ss..
- Anselmo de Castro, Artur, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1981, pp. 201, 203.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 232 e ss..
- Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2013, p. 166.
- Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 9ª edição, Almedina, pp. 55 e 56.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 95.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 209.º, N.º1, 211.º, 212.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14/05/2009, P. N.º 09S0232, IN WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 20.01.2015, P. N.º 375014/09.5YIPRT.L1, CONSULTÁVEL IN WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DOS CONFLITOS:
-DE 04/03/2004, WWW.DSI.PT ;
-DE 21/10/2004, DE 23/5/2013, E DE 21/1/2014 ;
-DE 19/6/2014, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 20/11/2014, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 22/4/2015, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I. – O momento processual em que se fixa o pressuposto processual da competência do tribunal em razão da matéria é o da instauração da acção, com a modelação da causa de pedir e do respectivo pedido da acção;

II. – A recensão da relação jurídica plasmada na causa de pedir reverbera e recorta o imo em que se alberga a jurisdição – comum ou administrativa – para conhecer do litígio proposto. 

Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO.

“AA, Lda.”, intentou contra “BB, SA.”, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo que:

a) seja declarado que a R. incumpriu o contrato que outorgou com a A., condenando-se a R. a reconhecer o incumprimento;

b) seja reduzido o preço do contrato no equivalente a ¼-€ 60.045,49 + IVA (dado o prazo contratual já decorrido sem que a A. tivesse podido beneficiar dos direitos que contratou com a R. e os prejuízos que tal incumprimento lhe causa), condenando-se a R. a restituir esta quantia à A. acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento;

c) a R. seja condenada a pagar à A. quantia a arbitrar mediante juízo de equidade por cada ano que se complete a partir da citação, sem que a R. tenha cumprido integralmente com todas as obrigações a que se vinculou e contratou com a A. nos termos expandidos na petição inicial, nomeadamente nos artº 291º e 292º;

d) a Ré seja condenada a pagar à A. a quantia de € 139.692, 00 a título de danos futuros referentes aos anos de 2006, 2007 e 2008 em que o estabelecimento da A. esteve encerrado;

e) a Ré seja condenada a pagar à A. quantia a apurar em liquidação de sentença também a título de danos futuros, a partir de Janeiro de 2009 até que as reparações das infiltrações e da extracção de fumos e cheiros estejam correcta e cabalmente realizadas;  

f) Declarar que a A. não está obrigada ao pagamento das taxas referentes aos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 condenando-se a R. a reconhecer este direito da A.;

g) Declarar que a A. não está obrigada ao pagamento das taxas, até que as reparações das infiltrações e da extracção de fumos e cheiros estejam correcta e cabalmente realizadas de forma que a A. possa abrir o seu estabelecimento, condenando-se a R. a reconhecer este direito da A.;

h) Declarar que a A. não está obrigada ao pagamento das taxas, até que a R. cumpra integralmente com as obrigações legalmente estipuladas (Dec-Lei nº 335/91 de 7 de Setembro; Contrato de Concessão da Construção e Exploração da …; Regulamento de Exploração e Utilização da …) condenando-se a R. a reconhecer este direito da A..

Para substanciar a pretensão que impetra, alegou, em síntese, que:

Em 17.09.1997, entre a R. e CC (sócio da A.) foi assinado um contrato promessa de cessão de direito de utilização de estabelecimento comercial na ..., e, posteriormente, com autorização e anuência da R., o referido CC cedeu à A. a sua posição contratual na mencionada promessa, vindo, em 26.03.2001, a A. e a R. a outorgar o contrato de cessão de direito de utilização de estabelecimento comercial na ... junto sob docs. nºs 1 e 2, pelo prazo de 25 anos a contar da data da entrega, que ocorreu em 2.09.1999,  pelo preço de 48.152.160$00, acrescido de IVA, referente ao estabelecimento comercial identificado com o número L 23, o qual inclui o terraço identificado com o número T..., bem como o conceito integrado e global, baseado em princípios de harmonização da imagem, política promocional e animação, que subjaz todo o empreendimento, e da exploração e fomento da ocupação plena, tudo conforme resultam dos pontos 4 e 5 dos Considerandos do contrato.

O estabelecimento comercial em causa destina-se à actividade de restauração.

Em 26.03.2001, a A. já tinha pago integralmente à R. o preço de 57.927.090$00, acrescido de IVA.

Contudo, desde finais do ano 2000 que o estabelecimento da A. apresenta graves deficiências de infiltrações e deficiente extracção de fumos e cheiros, que a R. não tem sido capaz de solucionar, não obstante as obras levadas a cabo, o que impede a A. de ter o gozo e de exercer no estabelecimento a sua actividade comercial de restauração de forma plena, afastando a clientela do estabelecimento da A., obrigando-a, mesmo, a proceder ao encerramento do estabelecimento em Dezembro de 2005, o que se manteve até, pelo menos, Fevereiro de 2009.

Até 4.03.2009 os defeitos no estabelecimento não estavam reparados.

A agravar esta situação, mostra-se violado o objecto central do contrato, e condição essencial, que era a continuidade de exploração na Marina e fomento de ocupação plena, porquanto, passados mais de 8 anos desde que a A. adquiriu o seu direito, mais de 50% dos estabelecimentos estão encerrados e a política promocional e de animação é manifestamente insuficiente.

Em violação do disposto no DL. 335/91, de 7.09, que regulamentou a concessão da Marina, a R. não tem assegurada a instalação e funcionamento dum supermercado e de uma lavandaria.

Os arranjos paisagísticos da Marina que constavam dos prospectos promocionais e das maquetes não se encontram, ainda, integralmente realizados, sendo que no local em frente e colado aos terraços dos estabelecimentos que devia ser arborizado a R. colocou um estacionamento automóvel, que impedia quem estivesse sentado na esplanada de desfrutar da vista, tendo, ainda, de suportar os ruídos e fumos dos carros.

Não obstante a R. se ter constituído na obrigação de construir um parque de estacionamento, só em Maio/Junho de 2008 veio o mesmo a abrir ao público, apesar de desde Agosto de 2000 estarem reunidas as condições para tal e de ter sido reconhecida a sua essencialidade.

Não obstante a R. ter feito a promessa de construção da “...” na Marina, com lojas de pronto a vestir de alta qualidade, e de que existiriam discotecas de alto luxo, nunca as mesmas existiram.

Não obstante ter prometido, ao tempo das negociações, que o horário de encerramento dos estabelecimentos seria por volta das 4h da manhã, horário que era o adequado à actividade comercial da A., e que foi praticado pelos estabelecimentos até, pelo menos, Agosto de 2000, a R. estabeleceu o horário de encerramento até às 2h e, posteriormente, até à 1h.

A A. apenas tem interesse no contrato nos termos, pelo preço e nas condições que contratou se tivessem sido cumpridas todas as obrigações que a R. incumpriu.

Em consequência do encerramento do estabelecimento durante os anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, a A. deixou de auferir a quantia de € 46.564,00 anualmente, quantia que continuará a deixar de auferir se se verificar que as infiltrações e a deficiente extracção de fumos e cheiros não foram cabalmente reparadas pela R.

Por outro lado, já decorreu mais de ¼ do prazo do contrato sem que a A. tivesse podido usufruir plenamente dos seus direitos, tendo-se verificado erro sobre a base do negócio.

O pagamento das taxas a que a A. se obrigou tinha subjacente a possibilidade de poder usar e fruir plenamente do estabelecimento, o que não aconteceu, como referido, e o cumprimento escrupuloso pela R. das obrigações legais com referência à aplicação e cobrança das taxas, o que também não se verificou porquanto as tabelas de tarifas que vigoraram para os anos de 2004 a 2009 não previam as regras gerais de aplicação das taxas, nem enumeravam criteriosamente os serviços a que tais taxas se referiam, o preço dos serviços a que se destinavam, nem a sua forma de aplicação, em violação ao DL. 335/91, e ao Regulamento de Exploração e Utilização da ....

Em 11.03.2009, a A. veio ampliar o pedido, pedindo que se adite ao pedido originário a al. j) com a seguinte redacção: seja declarado que a A. não está obrigada a proceder à abertura do seu estabelecimento identificado como L... que inclui o terraço T12, até que as reparações das infiltrações e da extracção de fumos e cheiros estejam, correcta e cabalmente, realizadas.

Na contestação que apresentou, a demandada, propugnando pela improcedência da acção e absolvição da R. dos pedidos, tendo deduzido reconvenção, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe:

a) a quantia de € 29.546,54, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação da contestação até integral pagamento;

b) a título de indemnização, as quantias que se vierem a apurar correspondentes ao custo de futuras reparações de danos, ainda não detectados mas que se vierem a manifestar, na laje de betão armado de cobertura do seu estabelecimento, nela causados pelos furos executados pela A. na referida laje, acrescidos de juros a contar das datas em que vierem a ser custeados pela R., valores ainda ilíquidos e a liquidar.

Na substanciação do pedido alegou, em síntese:

A loja 23 tem como cobertura uma laje que tem no seu interior uma camada de impermeabilização, que é fundamental para impedir a infiltração de água pela laje.

Acontece que a A. furou a laje do tecto da loja, tendo furado ainda a camada de impermeabilização que se encontra no interior da laje, e nos furos da laje do tecto colocou pendurais nos quais fez suportar um tecto falso, infiltrando-se a água pelos referidos furos.

A A. não pediu autorização à R. para furar a laje e a camada de impermeabilização da laje, nem a informou que o tinha feito, do que a R. só veio a ter conhecimento em 2008.

A R. só celebrou o acordo de 7.07.2004 porque estava convencida que a camada de impermeabilização existente na laje de cobertura da loja 23 não tinha sido furada pela A..

A R. reparou os furos que a A. fez na laje de cobertura e na camada de impermeabilização, entre Setembro de 2008 e Janeiro de 2009, para o que teve de remover todo o tecto falso e o respectivo sistema eléctrico de modo a poder chegar à laje de cobertura, e, após reparar a laje de cobertura, instalou um novo tecto falso e respectivo sistema eléctrico, em tudo tendo despendido a quantia de €24.622,12, acrescida de IVA.

A actuação da A. foi ilícita e violou o contrato.

O comportamento da A., ao furar a laje de betão armado de cobertura do estabelecimento sem usar dos mais elementares cuidados podem ter causado ainda outros danos naquela laje que ainda não tenham sido detectados e se venham a manifestar no futuro.

A A. replicou propugnando pela improcedência das excepções e reconvenção deduzidas.

Na audiência de julgamento, a A. apresentou articulado superveniente, tendo, posteriormente, a R. apresentado alegações de direito por escrito, na qual invocou a excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria.

Na sentença proferida, o tribunal de 1.ª instância: a) julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal e, consequentemente, absolveu a ré “BB S.A.”, da instância deduzida pela Autora AA., (sem prejuízo do disposto no artigo 99º nº 2 do CPC2013); b) julgou o pedido reconvencional improcedente por não provado e, em consequência, absolveu a reconvinda “AA.” do pedido formulado pela reconvinte “BB S.A.”.
Na apelação que impulsaram, veio o respectivo tribunal, a decidir: “julgar procedente a apelação da A., revogando-se toda a sentença recorrida, e declarando-se competente o 2º Juízo Cível de Cascais para conhecer da presente acção e reconvenção;
- julgar improcedente a apelação da R., com custas a cargo da parte vencida a final, no que respeita à reconvenção.”
Ao julgado opõe a demandada recurso de revista, para o que dessumiu o epítome conclusivo que a seguir queda extractado.
I.A. – Quadro conclusivo.

1. Não podem ser objecto de direitos privados as coisas que se encontram no Domínio Público (art. 202.º, n.º 2 do Código Civil).

2. Só é juridicamente possível usar bens que integrem o Domínio Público com fundamento em negócios ou actos de Direito Administrativo.

3. Um contrato de Direito Privado que ceda o direito a usar parte de um bem que se encontra no Domínio Público é nulo (art. 202.º, n.º 2 e art. 280.º do Código Civil).

4. A ... encontra-se integrada no Domínio Público (art. 4.º, n.º1 do Decreto Lei n° 335/91, de 7 Setembro, e Anexo II ao mesmo diploma legal, e arts. 3.º e 4.º do Despacho Conjunto n° 734/2001, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 184, de 9 de agosto de 2001, págs. 13525 e seguintes.).

5. As lojas sitas na ... encontram-se integradas no Domínio Público (art. 4.º, n.º do Decreto Lei n.º 335/91, de 7 Setembro, e Anexo II ao mesmo diploma legal, e arts. 3.º e 4.º do Despacho Conjunto n° 734/2001 ­que aprova o Regulamento de Exploração e Utilização da ... - publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.ª 184, de 9 de agosto de 2001, págs. 13525 e seguintes.).

6. A utilização de bens integrados no Domínio Público apenas pode ser feita com base em autorização administrativa, em licença administrativa ou em concessão administrativa (Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio e, anteriormente, Decreto-Lei n.º 46/94 de 22 de Fevereiro de 1994).

7. O Contrato dos presentes autos que concede à Autora o direito de utilização da loja L... e terraço T12 da ... foi celebrado pela BB na qualidade de Concessionária da ..., com base no Decreto-Lei 335/91, de 7 de Setembro, e no Contrato de Concessão.

8. Conforme resulta, aliás, do art. 4.º, n.º l do Regulamento de Exploração e Utilização da ... que tem o seguinte teor:

Na área terrestre da zona de concessão funciona uma área comercial, doravante designada "AC", composta por estabelecimentos comerciais, terraços, espaços e dependências, adiante designados genericamente "estabelecimentos comerciais" ou "lojas", que são objecto de contrato através do qual a concessionária, com base no Decreto-Lei 335/91, de 7 de Setembro, e no contrato de concessão, cede o seu direito de utilização a terceiros, adiante designados "cessionários".

9. A loja L… e o terraço T… da ... só podem ser objecto de um contrato celebrado pelo Estado ou pela BB na qualidade de Concessionária da ..., no exercício de poderes administrativos.

10. No exercício da autonomia privada, a BB não pode ceder temporariamente o direito a usar parte do Domínio Público Marítimo.

11. A loja L… e o terraço T… da ... só podem ser objecto de um contrato administrativo celebrado com base no Decreto-Lei 335/91, de 7 de Setembro, e no Contrato de Concessão da ....

12. Um contrato de cessão temporária do direito de usar a loja L... e o terraço T… que seja celebrado com fundamento no Código Civil (nomeadamente, no seu art. 405.º) é nulo, por violação do art. 202.º, n.º 2 do Código Civil.

13. O Contrato dos presentes autos é necessariamente de Direito Administrativo; não é juridicamente possível que este contrato seja de Direito Privado.

14. Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos e questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público (art. 4.º, n.º 1, al. d) e f) do ETAF).

15. A Causa de Pedir dos presentes autos, tal como apresentada pela Autora é composta pelo Contrato que celebrou com a BB através do qual a Autora adquiriu o direito a usar durante certo período a loja L... e terraço T… da ... e pela Lei de Bases da Concessão da ... (Decreto Lei n° 335/91, de 7 de Setembro, invocada por inúmeras vezes na PI como fundamento dos pedidos).

16. Nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. d) e F) do ETAF e 64.º do Código de Processo Civil, os presentes Tribunais não são competentes para julgar nenhum dos pedidos formulados nos autos (pedidos Iniciais e reconvencionais.

17. Deve, em consequência, ser revogado o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo proferido douto Acórdão que, julgando os presentes Tribunais incompetentes em razão da matéria, absolva as partes da instância - art. 576° do CPC.

18. O Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou as normas resultantes das seguintes disposições legais: art. 202.º, n.º 2 do Código Civil, art. 4.º, n.º l do Decreto-lei n.º 335/91, de 7 Setembro, e Anexo II ao mesmo diploma legal, arts. 3.º e 4.º do Despacho Conjunto n.º 734/2001, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 184, de 9 de agosto de 2001, págs. 13525 e seguintes; Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio (anteriormente, Decreto-Lei n.º 46/94 de 22 de Fevereiro de 1994); Decreto-Lei 335/91, de 7 de Setembro; art. 4.º, n.º 1, al. d) e f) do ETAF.

19. O Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa errou ao aplicar o art. 405.º do Código Civil, porquanto o próprio art. 405.º exclui os casos de proibição legal, o que abrange a proibição resultante do art. 202.º, n.º 2 do Código Civil e das demais disposições acima referidas”.

Contraminou a demandante a pretensão da demandada/recorrente, com o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito.

“a) A capacidade jurídica da Recorrente é bifronte. Actua com capacidade jurídica de direito privado nas relações jurídicas que correspondem a este direito, e actua com capacidade de direito público nas relações jurídicas que correspondem por sua vez a este direito.

b) No caso dos autos o cerne principal da causa de pedir da pretensão da A. Recorrida, e do pedido, é a existência de infiltrações no seu estabelecimento comercial de restauração, infiltrações que a Recorrida considera ser da responsabilidade da Recorrente, e que inclusivamente tiveram previsão em anterior Transacção Judicial no âmbito do direito privado, que têm como consequência o incumprimento por esta do contrato que as vincula (vide arts. 1.º 188. da P.I. ).

c) A existência de infiltrações no estabelecimento da Recorrida não confere à Recorrente qualquer capacidade jurídica nem traços reveladores de direito público, nem lhe atribui qualquer marca de administratividade.

Tão pouco nesta questão, a Recorrente está munida de qualquer "ius imperii" que lhe advém da titularidade da concessão de serviço público, nem delas se pode inferir qualquer interesse publico.

d) A discussão do apuramento da existência ou não de infiltrações no estabelecimento e as suas causas e responsabilidades, que na tese da Recorrida, necessariamente levará ao incumprimento contratual pela Recorrente ao contrato que as vincula, enquadram-se simplesmente na relação privada entre esta e aquela.

e) O contrato invocado pelas partes - Contrato de Cessão de Direito de Utilização de Estabelecimento Comercial na ... - é um contrato de cessão de direito de estabelecimento comercial que tem por objecto o destino à restauração. (vide Cláusula Terceira deste contrato), actividade esta que nada tem a ver com o serviço e interesse público subjacentes à capacidade jurídica de direito público da Recorrente.

f) A competência (ou jurisdição) de um tribunal determina-se pela forma como o autor ("in casu" Recorrida) configura a acção, definida pela causa de pedir e pelo pedido. Cabe aos Tribunais Judiciais julgar todas as causas que não sejam especialmente atribuídas a outras espécies de Tribunais, cumprindo apenas aos Tribunais Administrativos dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, sendo assim o 2.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais competente em razão da matéria para conhecer do pedido da A. Recorrida.”

I.B. – Questão a solver na revista.

 A questão única que vem aportada para a revista, concentra-se na perquirição da solução da competência do tribunal comum, versus tribunal administrativo, para resolução/conformação do litígio que opõe a demandante e a demandada.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – Incompetência em razão da matéria.

Em dissonância com o julgado na primeira instância – relativamente à solução jurídico-material do pedido principal – o tribunal de apelação, considerou que para o conhecimento e julgamento do pedido formulado, por via da acção, no presente processo, era competente o tribunal comum, ao invés do que havia sido resolvido naquele tribunal.

Increpa-se contra o decidido, a demandada/recorrente, por estimar dever prevalecer o julgado de primeira instância.

Para se alcandorar à decisão que proferiu, o tribunal de primeira instância, estimou, que: “por força da multiplicidade de tribunais na ordem jurídica, fixaram-se critérios para determinar a competência de cada um. A competência é a medida de jurisdição de um tribunal. São os critérios determinativos da competência que atribuem a cada tribunal a jurisdição para apreciar determinada causa.

A competência dos tribunais em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função da configu­ração da relação material controvertida, ou seja, em função dos termos em que é formulada a pre­tensão do Autor, incluindo os seus fundamentos. Fixa-se no momento em que a acção é proposta e as modificações de facto e de direito, que ocorram posteriormente àquele momento, são irrelevan­tes.

"É pacífico o entendimento de que o pressuposto processual da competência se determina em fun­ção da acção proposta, tanto na vertente objectiva, atinente ao pedido e à causa de pedir, como na subjectiva, respeitante às partes (entre muitos outros, cfr. os Ac. do Tribunal de Conflitos de 28-09-10, 20-09­11 e 10-07-12, sendo estes e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt na data da prolação desta sentença).

Os tribunais comuns são, de uma forma muito simples, competentes materialmente para todas aquelas pretensões que, por lei, não estejam atribuídas a outra jurisdição.

Os tribunais administrativos devem dirimir os litígios emergentes das relações jurídico e administra­tivas e fiscais - artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa, assim se afastando deste âmbito as relações de direito privado em que a Administração intervém, que cabem aos tribunais comuns.

Deixou de se assentar a demarcação da jurisdição administrativa na separação entre actos de ges­tão pública e actos de gestão privada, sendo agora o vértice o conceito de relação jurídica administrativa e de função administrativa.

Para tanto atenta-se na finalidade da realização de um interesse público levado a cabo através do exercício de um poder público e, portanto, de autoridade, seja por uma entidade pública, seja por uma entidade privada, em que esta atua no uso de prerrogativas próprias daquele poder ou no âmbito de uma actividade regulada por normas do direito administrativo ou fiscal.

O artigo 4° do ETAF delimita o âmbito da jurisdição administrativa, ganhando particular relevo para o que nos interessa, de entre as várias alíneas do n.º1, as seguintes, que impõem que compe­te aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeada­mente por objecto:

('''d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atas jurídicos praticados por sujeitos priva­dos, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;

e) Questões relativas à validade de atas pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;

f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público."

A alínea confere á jurisdição administrativa a competência para apreciar questões relativas a contratos administrativos típicos (a respeito dos quais existam normas de direito público que regulam especificamente aspectos de natureza substantiva), contratos atípicos com objecto passível de ato admi­nistrativo (que determinem a produção de efeitos que também poderiam ser determinados através da prática, pela entidade pública contratante, de um ato administrativo unilateral) e de contratos atípicos com objecto passível de contrato de direito privado que as partes tenham expressa e inequivocamente submetido a um regime substantivo de direito público (cfr., entre outros, Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, págs. 38/41, Aroso de Almeida O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, págs. 104/107, e Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vai. I, pág. 21 citado no Ac Tribunal Conflitos de 02/06/2014 no proc 058/13)

Ao invés do que se estabelecia na redacção original do ETAF (aprovado pelo DL n.º 129/84, de 27­4), em que a competência da jurisdição administrativa era fundamentalmente definida em função do binómio gestão pública/gestão privada, em face da nova lei, a doutrina e a jurisprudência vêm desta­cando a utilização do conceito de relação jurídica administrativa (vide, entre outros, os Ac. do ST J de 12-2-07 e de 8-5-07 e o Ac. do STA de 14-1-10).

"Podemos invocar a doutrina que acerca da delimitação da esfera de competência dos Tribunais Administrativos se recolhe, entre outros, de Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, para quem basta que "um qualquer aspecto substantivo relevante do próprio contrato esteja sujeito - no que respeita aos direitos e deveres das partes ou à sua direcção, modifi­cação, fiscalização, extinção ou sanção - a um regime específico, de direito público" (págs. 56 e 57), apresentando como exemplos os sub-contratos de contratos administrativos, como as subconces­sões ou contratos de exploração de serviços de restauração ou contratos de ocupação de imóveis cuja desocupação possa ser feita ao abrigo de ordens administrativas de despejo ou com o recurso a forças policiais." Cfr. Ac Acórdão do Conflitos de 11/08/2012 no proc. 013/12.

Há pois, antes de mais, face ao exposto que atentar no pedido e causa de pedir apresentada pela Autora.

Sintetizando o pedido da Autora, verifica-se que com base no contrato que celebrou com a Ré, demanda que esta seja condenada a devolver-lhe parte do preço que pagou pela cessão da explo­ração, a pagar-lhe uma indemnização pelo incumprimento desse contrato e a declarar que está desobrigada do pagamento de taxas até que a R. cumpra integralmente com as obrigações legal­mente estipuladas, mencionando no próprio pedido o Dec. Lei n.º 335/91 de 7 de Setembro, o Contra­to de Concessão da Construção e Exploração da ... e o Regulamento de Exploração e Utilização da ....

Enfim, no próprio pedido a Autora remete para o regime legal indubitavelmente administrativo que condiciona a actividade da Ré (o contrato de concessão e o diploma que fixou as bases gerais da con­cessão da ...).

Nestes se determina que a Ré, concessionária, tem "direito de cobrar taxas pelos serviços que prestar no âmbito da concessão e pela utilização das instalações e equipamentos da Marina" cujo valor é "livremente fixada pela concessionária" numa "tabela de tarifas" e "que delas dará conhecimento ao concedente antes da sua entrada em vigor". (Base XVII do citado diploma).

Entende-se que estas devem ser consideradas verdadeiras taxas, porquanto fixadas como contrapartida da utilização de bens e serviços públicos, objecto de um contrato de concessão e fixadas livremente pela concessionária no âmbito do ius imperii.

Está, assim, em causa o fundamento e causa para a aplicação destas taxas, matéria que cai necessariamente do âmbito do direito público, relacionada com a possibilidade ou não concedida á enti­dade concessionaria, no âmbito dos poderes que lhe foram concedidos de as exigir no caso. A questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, "todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públi­cas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas". Acórdão do Tribunal dos Conflitos,t2/18/2013 053/13; Acórdão do Tribunal dos Conflitos 05/30/2013; 1 1/05/2013 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 1984/09.9TBPDL.L 1.S110/12/2010

O espaço cedido, por seu turno insere-se no âmbito de um Espaço de titularidade Pública, objecto de concessão celebrada com o Estado (representado pela ENATUR, tendo sido posteriormente atribuída a competência á Câmara Municipal de Cascais) com vista uma finalidade pública "exploração de uma marina para apoio à navegação e abrigo portuário de embarcações de recreio, bem como das ins­talações e serviços de natureza industrial e comercial operacionais, complementares e acessório" (como consta do citado diploma).

Quanto á exigência de taxas por parte da entidade concessionária tem sido maioritária a atribuição da competência aos tribunais admirativos e fiscais, o mesmo ocorrendo, como se pretende no presente caso, que se apure da sua inexigibilidade.

Da mesma forma, entende-se que também a questão do cumprimento ou não das obrigações da concessionária no que toca aos deveres assumidos nesse contrato cai no âmbito administrativo: por um lado, porque está, (como se vê do próprio pedido que também para eles remete) em causa a extensão dos deveres assumidos pela concessionária perante a entidade pública (então ENATUR" agora Câma­ra Municipal de Cascais), a qual enforma o que pode ser exigido pela Autora, logo se vendo a indisso­ciação entre o contrato de concessão e o contrato de cedência, mera concretização do mesmo.

Foi ao abrigo do aludido contrato de concessão, de cunho claramente administrativo, que a con­cessionária outorgou o contrato de cedência de espaço comercial.

Daqui decorre que o pedido de devolução de parte do preço cai no âmbito da análise da actividade da Ré no cumprimento dos deveres administrativos que lhe foram assacados no contrato de concessão, matéria inexoravelmente administrativa.

Por outro lado, os próprios contratos estão sujeitos a regime próprio o que é dependerem de prévia aprovação da entidade concedente, devendo a concessionária enviar àquela, 15 dias antes da respectiva assinatura, um exemplar definitivo dos mesmos, com a identificação completa do cessioná­rio e dos elementos comprovativos da respectiva idoneidade, considerando-se tais contratos tacita­mente aprovados se a entidade concedente não se pronunciar no prazo de sete dias após a sua recepção (Base XXIV, n.º 2, anexo I ao Decreto-Lei n.º 335/91); tem essa entidade, em consequência poderes de apreciação do próprio contrato, incluindo o que diz respeito ao preço.

De todo o exposto, resulta que a discussão dos deveres impostos á Ré por este contrato de cessão de exploração de espaço comercial, público, concessionado por entidade pública á Ré, que a lei faz depender de prévia aprovação da entidade concedente, com vista á promoção de interesse público (apoio á navegação e serviços de natureza industrial e comercial operacionais complementares e aces­sórios), e a discussão da exigibilidade de taxas fixadas por esta pelo gozo desses bens e serviços públi­cos não estão essencialmente sujeitas às regras gerais da autonomia privada, mas às regras adminis­trativas. Também o "preço" pela cessão, nos mesmos termos, está dependente de contrato sujeito a regras específicas, por exigir a prévia aprovação da entidade concedente, e estar (também na perspectiva da Autora, como decorre das obrigações que invoca que na última alínea do petitório especificamen­te enuncia) comutativamente ligado a obrigações que a Ré assumiu perante aquela no âmbito dessa mesma concessão.

Quanto á exigibilidade das taxas, livremente fixadas pela Ré enquanto entidade concessionária, no âmbito de um seu ius imperii, entende-se líquido também a competência administrativa, nos termos explicitados supra.

"Ora, apesar de existirem algumas semelhanças entre a relação jurídica estabelecida na ocupação de um espaço de um mercado" (no nosso caso marina) "e a relação jurídica criada com a celebração de um contrato de locação (na modalidade de arrendamento) ou de ocupação de lojas em Centros Comer ciais, a verdade é que naquele caso a entidade cedente goza de uma posição de supremacia que origi­nariamente pertencia ao Município respeitante ao estabelecimento de regras sobre as condições de efectiva ocupação do espaço de um bem público e na possibilidade de cobrar taxas em contrapartida da atribuição do direito a essa ocupação, sempre com o fito da realização do interesse público.... Por isso se conclui que pertence ao Tribunal Administrativo a competência para dirimir o litígio em que estão em discussão questões atinentes à natureza e efeitos jurídicos decorrentes de um contrato de utilização de espaço... envolvendo ainda a imputação à R. da responsabilidade pelo prejuízos causados pela sua actuação .. " cfr. citado Ac do Tribunal Conflitos de 11/08/2012.

Assim, a situação preenche a previsão das citadas alínea f) e e) do n.º 1 artigo 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e em consequência a apreciação da questão relacionada com o incumprimento do referido contrato, por parte da ré, cabe à jurisdição administrativa.”

Na decisão sob recurso, foi perfilhado o entendimento que (sic): “os tribunais judiciais são tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, conforme dispõe o art. 211º, nº 1 da Constituição.

Este princípio constitucional tem tradução na norma geral sobre a competência material dos tribunais judiciais, que consta do art. 18º, nº 1 da LOFTJ aprovada pela L. 3/99 de 13.01 [[1]] – “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” -, e, também, com a mesma redacção, do art. 66º do CPC61 [[2]], e actual art. 64º do CPC aprovado pela L. 41/2013 de 26.06.

A competência do tribunal comum é, pois, residual, sendo competente se um tribunal de outra ordem de jurisdição não for.

In casu, e como já supra referido, o tribunal recorrido entendeu ser incompetente para conhecer da acção, por entender ser competente para tal o tribunal administrativo, por força do disposto nas alíneas f) e e) do nº 1 do artigo 4º do ETAF.

Estatui o art. 212º, nº 3 da Lei Fundamental que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas e fiscais” (itálico nosso).

Por seu turno, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela L. 13/2002 de 19.02 estabelece no nº 1 do art. 1º que “os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (itálico nosso).

J. C. Vieira de Andrade, in “ A Justiça Administrativa ”, Lições, 2000, pág. 79, define a relação jurídica administrativa como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.

No art. 4º do ETAF [[3]], enunciam-se, exemplificativamente, as questões ou litígios sujeitos ou excluídos do foro administrativo, umas vezes de acordo com a cláusula geral do referido art. 1º, outras em desconformidade com ela.

Estabelece o nº 1 do referido art. 4º que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração; c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública; d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos; e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público; g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa; h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos; i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público; j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir; l) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas, e desde que não constituam ilícito penal ou contra-ordenacional; m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal; n) Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal”.

Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, págs. 26 e 27, escrevem que “é preciso, porém, não confundir os factores de administratividade de uma relação jurídica com os factores que delimitam materialmente o âmbito da jurisdição administrativa, pois, como já se disse, há litígios que o legislador do ETAF submeteu ao julgamento dos tribunais administrativos independentemente de haver neles vestígios de administratividade ou sabendo, mesmo, que se trata de relações ou litígios dirimíveis por normas de direito privado. E também fez o inverso: também atirou relações onde existiam factores indiscutíveis de administratividade para o seio de outras jurisdições. Conscientes da relatividade dogmática das opções do ETAF nesta matéria, pode então dizer-se, a propósito dos referidos factores de determinação das pretensões jurídicas formuláveis perante a jurisdição administrativa, que o legislador fez prevalecer aí, umas vezes, critérios objectivos ou materiais, abstraindo da sua pertinência subjectiva (pública). Nesses casos, foi a natureza administrativa da relação jurídica, a sua regulação por normas de direito administrativo, o factor determinante da sujeição das pretensões conexas à jurisdição dos tribunais administrativos, levando a incluir no seu âmbito litígios em que não é parte a Administração Pública, uma qualquer Administração Pública, mas órgãos de outros poderes do Estado ou até sujeitos privados a actuar no exercício de poderes ou de funções administrativas. Aconteceu isso, marcadamente, no caso das alíneas a), c), d), e) e f), primeira parte do art. 4º/1 do ETAF. Noutros casos, passa-se o contrário, e é o factor subjectivo ou orgânico, digamos assim, que determina o domínio da justiça administrativa, independentemente da natureza das relações jurídicas litigiosas. … Os casos das alíneas e) e g) – na parte respeitante a certos contratos de direito privado das Administrações Públicas ou à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público – e das alíneas h) e l) do art. 4º/1 do ETAF são exemplo disso mesmo. A última hipótese a considerar respeita à conjugação ou combinação de factores objectivos e subjectivos para efeitos de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, como acontece no caso das respectivas alíneas b) e f), segunda parte”.

Em síntese pode dizer-se que, ao invés do que se estabelecia na redacção original do ETAF (aprovado pelo DL nº 129/84, de 27.04), em que a competência da jurisdição administrativa era fundamentalmente definida em função do binómio gestão pública/gestão privada, em face da nova lei, a doutrina e a jurisprudência vêm destacando a utilização do conceito de relação jurídica administrativa, que, segundo Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, vol. III, pág. 439, “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”, sendo pacífico que pelo menos um dos sujeitos tem de actuar nas vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização do interesse público, como sufragam José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, in Noções Fundamentais de Direito Administrativo, pág. 239.

A competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é apresentada pelo A. na petição inicial, ou seja, analisando o que foi alegado como causa de pedir e, também, o pedido formulado pelo demandante [[4]].

Referia o Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91 que “a competência do tribunal – ensina Redenti – “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes. A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão”.

In casu, a A. intentou a presente acção contra a BB, SA, com vista a obter o reconhecimento de que esta incumpriu o contrato (de cessão de direito de utilização de estabelecimento comercial na ...) entre ambas outorgado, e, nessa sequência, ver reduzido o preço do mesmo, bem como a condenação da R. a reconhecer esse incumprimento, a indemnizar a A. por tal incumprimento e pelos prejuízos que lhe causou, reconhecendo-se que a A. não está obrigada ao pagamento das taxas referentes aos anos de 2005 e seguintes, até que as reparações das infiltrações e da extracção de fumos e cheiros estejam correcta e cabalmente realizadas de forma que a A. possa abrir o seu estabelecimento e até que a R. cumpra integralmente com as obrigações legalmente estipuladas no Dec-Lei nº 335/91 de 7 de Setembro, no Contrato de Concessão da Construção e Exploração da ... e no Regulamento de Exploração e Utilização da ....

E invocou como causa de pedir, o referido contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial de restauração celebrado com a R., os vícios que se vieram a verificar no locado e que impediram o integral gozo da coisa, bem como o incumprimento de obrigações assumidas perante a A., e outras assumidas no contrato de concessão que a R. celebrou com o Estado para a exploração da ... que foram elemento essencial na celebração do contrato com a A..

Ambas as partes são entidades privadas, assumindo o contrato em causa natureza privada, atípica, admissível ao abrigo do disposto no art. 405º do CC.

É certo que subjacente ao contrato existe um contrato administrativo celebrado entre a R. e o Estado [[5]], tendo a R. outorgado o contrato com a A. na qualidade de concessionária.
Mas essa qualidade, possibilitando à ré manter relações jurídicas com terceiros munida do poder de autoridade que lhe é conferido pela concessão, não a impede de ter relações de direito privado com os mesmos.
E não é a qualidade de concessionária da ré, mas sim o conteúdo e natureza das relações que mantém com os terceiros que vai definir se estamos perante uma das situações previstas no artigo 4º nº1 do ETAF, como se escreveu no Ac. desta Relação de 1.10.2014, P. 4654/06.6TBCSC.L1-6, rel. Desemb. Teresa Pardal, in www.dgsi.pt, que seguimos de perto.

Atento o teor do contrato de concessão, manifesto se nos afigura que situações haverá em que a A. irá manter relações jurídicas administrativas com terceiros, nomeadamente particulares, e isto em tudo o que se refira, directamente, à exploração da marina/porto – em gestão e exploração no domínio de utilização dos recursos hídricos –, no âmbito dos direitos e obrigações elencados no contrato de concessão, que constituem competência específica do Estado, e actividade de natureza pública.

Como se prescreve na Base I do Anexo ao DL. 335/91 de 7.09, bem como na cláusula 1ª do contrato de concessão celebrado entre a R. e o Estado, representado pela ENATUR, “a concessão tem por objecto a construção e exploração em …, em regime de serviço público regular e contínuo, de uma marina para apoio à navegação e abrigo portuário de embarcações de recreio, bem como as instalações e serviços de natureza comercial e industrial operacionais, complementares e acessórios que possam contribuir para a melhor prossecução desse objectivo, …”, que é o de apoio à navegação e abrigo portuário.

Corolário dessa actividade de interesse público é a obrigatoriedade de instalação e funcionamento na Marina dos serviços, instalações e equipamentos elencados no nº 1 da cláusula 9ª do Contrato de Concessão.

Mas não obstante lhe compita, igualmente, promover “a instalação e exploração de serviços de natureza comercial, hoteleira, de lazer e de entretenimento abertos quer a utentes da Marina quer a visitantes” (cláusula 9ª, nº 2), a celebração de contratos com particulares para promover e desenvolver tal actividade não se insere, já, na prossecução de interesses públicos, não actuando a R. nas vestes de autoridade pública, nem munida de poderes de autoridade.

Atento o que foi alegado pela A. como causa de pedir (violação do contrato de cessão de direito de utilização de estabelecimento comercial celebrado com a R.) e, também, o pedido formulado (redução do preço e indemnização pelo incumprimento, bem como procedência da excepção de não cumprimento até cumprimento integral pela R.), não está em causa a execução (ou inexecução) de um contrato subsumível à previsão da alínea f) do nº1 do art. 4º do ETAF, pois não se trata de um contrato típico previsto no artigo 178º do CPA, na versão original (vigente à data da celebração do contrato), nem de um contrato atípico com o objecto passível de um acto administrativo, nem de um contrato atípico passível de um acto de direito privado que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.

O contrato celebrado entre as partes ficou sujeito às normas aí concretamente estipuladas (considerando 3.), não obstante “limitado” pelo âmbito do contrato de concessão (cláusula 13ª).

Por outro lado, também se nos afigura que a questão não se enquadra na previsão da al. e) do nº 1 do referido artigo.

Como se sumariou do Ac. do Tribunal de Conflitos de 16.02.2012, P. 021/11, in www.dgsi.pt, “… II. A alínea e) do art. 4.º do ETAF de 2002, abstrai da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, colocando-o na órbita dos tribunais administrativos, desde que a lei preveja a possibilidade da sua submissão a um procedimento pré-contratual de direito público, sendo o acento tónico indiciador da natureza administrativa da relação jurídica as regras de procedimento pré-contratuais potencialmente aplicáveis e não no conteúdo do contrato ou a qualidade das partes.”

Escrevem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, na ob. cit., pág. 51 que “os contratos cuja interpretação, validade ou execução pertence à jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos desta alínea e), são quaisquer contratos - administrativos o não, … - que uma lei específica submeta, ou admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito administrativo” [[6]].

In casu, a celebração do contrato em causa (contrato de cessão de direito de utilização de estabelecimento comercial) não está submetido, por lei específica, a qualquer procedimento pré-contratual regulado por normas de direito administrativo, com tal não se confundindo a dependência prévia de aprovação do contrato celebrado entre A. e R. pela entidade concedente (o Estado representado pela ENATUR), prevista na Base XXIV, nº 2 do DL. 335/91, de 7.09, e no nº 2 da cláusula 28º do Contrato de Concessão [[7]].
Por último, no que à cobrança de taxas concerne, como se referiu no supra mencionado Ac. da RL de 1.10.2014, “…, as taxas cobradas pela ré concessionária, embora previstas nas normas reguladoras da concessão, no contrato de cedência de exploração são tidas como uma contrapartida por serviços a prestar por uma das partes e o pedido de suspensão de pagamento dessas taxas, formulado na petição inicial, não constitui uma reacção contra um acto administrativo, mas sim a invocação da excepção de não cumprimento do contrato” [[8]].

Por quanto se deixa dito, afigura-se-nos que assiste razão à A. / apelante, devendo declarar-se competente para conhecer dos pedidos formulados pela A. o tribunal cível de Cascais, devendo, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, e determinar-se a apreciação do mérito da causa pelo tribunal recorrido.”

A ordem jurisdicional interna encontra-se distribuída, de acordo com o estatuído no artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), nas categorias de tribunais referidas no n.º 1 do citado preceito – tribunais judiciais; tribunais administrativos e fiscais e tribunal de contas – determinando a lei – cfr. artigo 211.º da CRP – a competência dos tribunais judiciais – “são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – e dos tribunais administrativos e fiscais, a quem compete “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.” – cfr. artigo 212.º da CRP.   

O legislador partiu, na distribuição da competência dos órgãos jurisdicionais, da proposição sistémico-metodológica de que a natureza das matérias objecto de julgamento, em determinadas causas, impunha a composição organizacional dos tribunais em ordem a estabelecer factores de consonância com as áreas da organização político-social em que a sociedade organizada em Estado se compartia.

Assim, as acções e procedimentos criminais emergentes de relações privadas e/ou em que o objecto em que se constituíam provinham de relações jurídicas ressumantes de um relacionamento entre os indivíduos (privados) colocados no tecido societário sem qualquer atinência ao núcleo essencial das relações típicas do Estado, seriam distribuídas e julgadas pela ordem jurisdicional comum, do passo que as relações entre os indivíduos e o Estado, ou entre os diversos órgãos da organização administrativa e fiscal do Estado e que vertessem relações primacialmente de feição administrativas e fiscais, seriam atribuídas aos tribunais administrativos e fiscais.   

Com a distribuição dos tribunais segundo a natureza (objectiva) dos litígios que pretendiam levar à solução nos órgãos jurisdicionais competentes, pretendia-se, do mesmo passo, conferir um mais acendrado nível de cognoscibilidade das matérias que o julgador era chamado a resolver.       

A competência postula-se, de acordo com essa predefinição das matérias submetidas a julgamento dos tribunais, como um pressuposto processual “(…) que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir, que importa analisar antes de se conhecer do fundo da causa, de que depende poder o Juiz proferir decisão de mérito sobre a mesma, condenando ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 74 e 75; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.), mas, também, que deve haver uma relação directa entre a competência e o pedido (Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, 557.).” [[9]/[10]]

Para os processualistas, o pedido de uma acção proposta em juízo em que se pede a tutela jurisdicional de um determinado e concreto direito que se supõe ter sido objecto de violação por outrem, converte-se no efeito jurídico que se pretende obter e constitui “(…) o círculo dentro do qual o tribunal tem de se mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamando a decidir (cf. art.668.º, n.º 1, al. e)).” [[11]/[12]]  

Para este este Professor e depois de versar sobre o objecto imediato e mediato do pedido (providência que se pretende obter com a acção) refere, na consonância com o que Alberto dos Reis, havia doutrinado no Código Processo Civil anotado, que se deveria adoptar “(…) uma orientação semelhante àquela que em direito privado vigora para a determinação do exacto conteúdo dos contratos: basta que as partes tenham conhecimento do efeito prático, embora careçam da representação do efeito jurídico.” [[13]

Passa a constituir proposição axiomática que a competência material de um órgão jurisdicional se afere pela pretensão que é dirigida contra o demandado numa acção e pelo pedido que repercute a providência requestada ao tribunal para tutela efectiva do direito que estima ter sido objecto de violação.  

Para a resolução que é pedida na revista, importará aferir co conceito de relação jurídica administrativa para efeitos de atribuição, ou não, de uma causa a esta jurisdição. [[14]

Na determinação do conteúdo do conceito de relação jurídico administrativa ou fiscal, tal como referem J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, deve ter-se presente que «esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal» (Constituição da República Portuguesa, Volume II, Coimbra Editora, 2010, p. p. 566 e 567.).

Por sua vez, resulta do artigo 64.º do Código de Processo Civil que «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».

Conforme ensina MANUEL DE ANDRADE, a propósito dos elementos relevantes para a determinação da competência para conhecer de determinado litígio, «são vários esses elementos também chamados índices de competência (CALAMANDREI). Constam das várias normas que proveem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes)» (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p.p. 90 e 91.).

Prosseguia aquele autor, referindo que «a competência do tribunal – ensina REDENTI, “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes» (Ibidem.).

Deste modo, é a partir da análise da forma como o litígio se mostra estruturado na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o conhecimento do mesmo.

Foi também neste sentido que se fixou a jurisprudência deste Tribunal, conforme pode ver-se, entre outros, no acórdão de 12 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 1337/07.3TBABT.E1.S, da 1.ª secção, onde se refere «como se deixou já dito e se decidiu no Ac. deste S.T.J. de 13/3/2008, (...) “Para decidir a matéria da excepção, da incompetência material há que considerar a factualidade emergente dos articulados, isto é, a causa pretendi e, também o pedido nos precisos termos afirmados pelo demandante” e mais adiante” no fundo, o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma de processo), ou seja, é a instância – no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante – que determina a resolução desses pressupostos”» (Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.).

Será, portanto, a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial, nomeadamente da causa de pedir e do pedido, que teremos de encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o conhecimento da presente acção.” [[15]/[16]]

Ajaezados com estes ensinamentos, provemos de os aplicar ao caso em apreço.

Para a pretensão que impulsa contra a demandada, a demandante formula o sequente pedido: “a) Ser declarado que a R. incumpriu o contrato que outorgou com a A. junto como doc. n.º 2 , condenando-se a R. a reconhecer este incumprimento; b) Por vias deste incumprimento ser o preço do contrato reduzido no equivalente a ¼, dada a relevância dos incumprimentos da R.; o prazo contratual já decorrido (mais de 8 anos) - 2 de Setembro de 1999 (Data da Entrega) até à presente data - sem que a A. tivesse podido beneficiar dos direitos que contratou com a R; e os prejuízos que tal incumprimento causa à A., ou seja, o preço do contrato reduzido em €60.045,49+IVA, condenando-se a R a restituir esta quantia à A. acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento; c) Ser a R condenada a pagar à A quantia a arbitrar mediante juízo de equidade por cada ano que se complete a partir da citação, sem que a R tenha cumprido integralmente com todas as obrigações a que se vinculou e contratou com a A. nos termos expandidos nesta p.i., nomeadamente nos art. 291.º e 292.º desta p.i.; d) Ser a R condenada a pagar à A. a quantia de € 139.692,00 a título de danos futuros referentes aos anos de 2006, 2007 e 2008 em que o estabelecimento da A. esteve encerrado; e) Ser a R condenada a pagar à A. quantia a apurar em liquidação de sentença também a título de danos futuros, a partir de Janeiro de 2009 até que as reparações das infiltrações e da extracção de fumos e cheiros estejam correcta e cabalmente realizadas; f) Declarar que a A. não está obrigada ao pagamento das taxas referentes aos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 condenando-se a R a reconhecer este direito da A.; g) Declarar que a A. não está obrigada ao pagamento das taxas, até que as reparações das infiltrações e da extracção de fumos e cheiros estejam correcta e cabalmente realizadas de forma que a A. possa abrir o seu estabelecimento, condenando-se a R. a reconhecer este direito da A.;  h) Declarar que a A. não está obrigada ao pagamento das taxas, até que a R. cumpra integralmente com as obrigações legalmente estipuladas (Dec. Lei n.º 335/91 de 7 de Setembro; Contrato de Concessão da Construção e Exploração da ...; Regulamento de Exploração e Utilização da ...) condenando-se a R. a reconhecer este direito da A..”

O contrato donde emerge a providência requestada ao tribunal para tutela do direito que estima ter sido menoscabado, foi denominado como “contrato de cessão de direito de utilização de estabelecimento comercial na ...”, que terá sido celebrado entre a demandante e a sociedade concessionária da ... – cfr. fls. 87 a 100.

Esta concessionária havia celebrado um contrato de concessão e exploração da ... com o Estado Português – cfr. fls. 208 a 261.

O pedido dirigido contra a demandada, vem escorado numa causa de pedir substancialmente constituída por factos que evidenciam o incumprimento das cláusulas contratuais que materializavam o pacto contratual estabelecido entre a demandante e a demandada, tais como: a) infiltrações decorrentes de deficiente isolamento dos terraços superiores à loja do A. (art. 38.º, 42.º, 43.º, 47.º a 51.º); b) deficiente funcionamento do ar condicionado e extracção de fumos (art. 39.º, 52.º a 64.º). Estas deficiências obrigaram o demandante a encerrar o estabelecimento, com os consequentes e causais prejuízos. A demandada, apesar de se ter comprometido a sanar e reparar as deficiências não o terá efectuado – cfr. artigos 73. º segs. (148.º) –em tempo considerado precípuo para o desenvolvimento da actividade comercial exercido no estabelecimento comercial, e/ou tê-lo-á efectuado em condições que não habilitavam, ou possibilitavam, uma correcta e adequada exploração do estabelecimento – cfr artigos 171.º a 181.º - o que fez com que a A. não tivesse recebido a obra. O incumprimento do contrato alarga-se a outras obrigações decorrentes do contratuado entre a demandada e o Estado português – instalação de lavandaria, supermercado, arranjos paisagísticos, parqueamentos, etc. – e que afectam a rentabilidade do negócio.

De todos estas entorses contratuais extrai a demandante a violação do contrato que a demandada celebrou e os decorrentes prejuízos que deles se induzem para uma adequada e ajustada exploração do estabelecimento comercial.

Ainda que sendo a demandada uma concessionária de um bem público – cedido pela ENATUR, em representação do Estado português – e insusceptível de ser alienado, por se encontrar integrado no domínio marítimo, o facto é que o contrato ajuizado reporta uma relação jurídica privada, ou seja uma relação em que cada um dos contraentes se apresenta nas suas vestes de ente despojado de qualquer poder ou autoridade avalizada por um poder de Estado.

Esta conclusão não se esmorece ou delude pelo facto de o incumprimento contratual, que é assacado à demandada, provir de eventuais faltas que constavam dos considerandos do contrato, nomeadamente a que se refere aos pontos 4. e 5., onde se perspectiva uma exploração condigna e excelente do espaço, mediante “a harmonização da imagem, politica promocional e de animação, continuidade de exploração e fomento de ocupação plena”, que as partes “reconhecem e declaram que a materialização dos referidos princípios mediante a sua inclusão neste contrato e noutros subscritos por outros concessionários ou utilizadores”.

Desbordando destes compromissos ou assumpções programáticas insertas nos considerandos que ditaram a celebração do contrato e a vontade de realizar o acordo de contrato de concessão e que a concedente se predispunha ou incluía nos factores de angariação de clientes para a sua politica de concessão dos espaços comerciais, a relação contratual nuclear, ou seja, ao contrato de concessão da exploração do estabelecimento comercial celebrado entre a demandante e a demandada constitui-se como o ponto axial, modeladora querida da vontade de contratar entre o cessionário e a concedente.

Importa para ao solução que é pedida na revista saber se a relação jurídica donde emerge o pedido se perfila como uma relação administrativa ou, ao invés, como uma relação tipicamente privada em que a questão objecto de litígio coenvolve duas entidades enroupadas de vestes despojadas de jus imperium.

Se quanto à demandante essa qualidade não se coloca, porquanto se planteia como uma pessoa colectiva de direito privado, já no caso da demandada a sua qualidade poderia ser equacionada, dado que age na posição de concessionária, ou seja investida de poderes que lhe são conferidos pela transferência ou projecção de direitos e obrigações que eram detidos pelo Estado português.

Porém, essa transferência de direitos e obrigações assumidas pela demandada perante e para com o Estado português não se repercutem na externalidade das relações assumidas entre ela e os particulares.

Como se alcança da leitura das dezanove cláusulas a matéria que delas consta entronca em obrigações típicas e lidimas de um regime contratual regido por regras e assumpções normativas tipicamente de natureza civil privada.     

Isso mesmo parece ter sido dessumido pelos contraentes, porquanto na cláusula décima nona (19.ª) do contrato e relativamente à “Lei Aplicável e Foro”, referem que, não sendo possível a obtenção de uma solução amigável e concertada, no prazo de 30 dias a contar da interpelação efectuada por qualquer das Partes para esse efeito “será exclusivamente competente para a resolução do litígio o foro da comarca de Cascais”. 

O contrato foi assinado em 26 de Março de 2001, pelo que os contraentes tinham como seguro que o contrato versava matéria de natureza cível e que, na defluência dessa compreensão e dimensão jurídica da questão, seria competente para a resolução de um conflito que viesse a surgir na execução do contrato um foro de natureza cível da jurisdição comum.

Sabendo-se que está arredado da convenção das partes um pacto atributivo para as regras de competência em razão da matéria – cfr. n.º 1 do artigo 95.º do Código Processo Civil – não deixa de ser significativo que as partes, no momento da celebração do contrato, tenham convencionado um foro territorial que não desconheciam não possuir foro administrativo.

Concluímos, pois, pela incidência, no contrato ajuizado, de matéria de natureza essencialmente privada e que versa sobre relações em que as partes agem e assumem as respectivas obrigações, direitos e deveres despojados de qualquer prevalência de autoridade adveniente de um jus imperium, próprio ou concessionado, devendo, et pour cause, ser atribuída, para resolução do litígio desenvolvido na causa de pedir e formulada no pedido, o tribunal de jurisdição comum, mais concretamente a instância competência da comarca de Lisboa Oeste.    

    

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, decide-se:

- Na defluência do exposto, acordam, na 1.ª secção cível, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista e, consequentemente, confirmar o acórdão recorrido;

- Condenar o recorrente nas custas.

   Lisboa, 26 de Maio de 2015

Gabriel Catarino – (Relator)

           

Maria Clara Sottomayor

                                  

Sebastião Póvoas

  

____________________
[1] Em vigor à data da propositura da presente acção.
[2] Em vigor à data da propositura da acção.
[3] Na redacção dada pela L. 59/2008 de 11.09, que, ora, não releva.
[4] Não estando o tribunal vinculado às qualificações jurídicas do autor, como resulta do art. 5º, nº 3 do CPC – neste sentido cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 14.05.2009, P. 09S0232, rel. Cons. Sousa Peixoto, in www.dgsi.pt.
[5] Previsto no art. 178º CPA, na versão original, em vigor à data da celebração do contrato objecto dos auto.
[6] Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, 2013, pág. 166, sustenta que o facto do nosso ordenamento jurídico fazer depender a celebração de certo tipo de contratos de um procedimento especificamente regulado por normas de direito público, justifica a atribuição à jurisdição administrativa da competência para dirimir os litígios que possam surgir no âmbito das correspondentes relações contratuais, ainda que essas relações não revistam, em si mesmas, natureza administrativa.
[7] Onde se concretiza que tal aprovação prévia tem em vista, apenas, verificar da compatibilidade dos contratos de cessão de exploração com o contrato de concessão.
[8] Com interesse sobre esta questão, ver, ainda, o recente Ac. da RL de 20.01.2015, P. 375014/09.5YIPRT.L1, em que foi relator o, ora, adjunto Desemb. Pimentel Marcos, consultável in www.dgsi.pt.

[9] cfr. Ac. Tribunal dos Conflitos de 22 de Abril de 2015, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, in www.dgsi.pt., onde a propósito se escreveu: “Com efeito, os pressupostos processuais constituem as condições mínimas de que depende o exercício da função jurisdicional e, no caso da competência, visam assegurar a justiça da decisão, a garantia de que a mesma é dimanada do Tribunal mais idóneo (Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379 e 380.).

Em consonância com o princípio da existência de um nexo jurídico directo entre a causa e o Tribunal, a competência afere-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que, mais tarde, será o “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, o que não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, mas antes dos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos, como acontece com a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, seja quanto aos seus elementos subjectivos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 91; STJ, de 21-2-01, Acórdãos Doutrinais do STA, 479º, 1539: STJ, de 9-2-99, BMJ nº 484, 292; STJ, de 9-5-95, CJ (STJ), Ano III, T2, 68.).

Por outro lado, a competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, segundo os quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e por critérios de competência residual, nos termos dos quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são, legalmente, atribuídas a nenhum outro tribunal (Miguel Teixeira de Sousa, A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 999, 31e 32.).

Por isso, os tribunais comuns ou judiciais são os tribunais com competência material genérica ou residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto dos artigos 64º, do Código de Processo Civil (CPC), e 40°, n° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto), quando estabelecem, transpondo para a lei ordinária, o disposto pelo artigo 211º, n° 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

[10] No mesmo sentido o Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 19 de Junho de 2014, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, in www.dgsi.pt, onde adrede se escreveu, que “É constante a jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, bem como do STA e do STJ, no sentido de que “a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, relevando, designadamente, a identidade das partes, a pretensão e os seus fundamentos” - cfr., por todos, o acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 20-09-2012, proc. 02/12.

Residualmente, os tribunais judiciais têm competência para conhecer das causas que não sejam legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional (n.º 1 do art. 211.º da Constituição (CRP) e artigos 64.º do CPC (artigo 66.º do CPC de 1961) e 18.º, n.º 1 da LOFTJ, aprovada pela Lei 3/99, de 13 de Janeiro).” E ainda os acórdãos do Tribunal de Conflitos, de Acórdão do Tribunal dos Conflitos: de 21/10/04; de 23/5/2013; e de 21/1/2014;
[11] Cf. Anselmo de Castro, Artur, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1981, p.201.
[12] Quanto ao conceito jusprocessual de petição inicial veja-se Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, ps. 232 e segs. “A petição inicial é precisamente o acto processual pelo qual o titular do direito violado ou ameaçado, nas acções de condenação, requer do tribunal o meio  de tutela jurisdicional destinado à reparação da violação ou ao afastamento da ameaça. E a sua importância basilar resulta precisamente de não haver acção sem petição, ou seja, de não haver concessão oficiosa da tutela jurisdicional”. Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, distinguia entre pretensão e pedido. Para este Insigne Mestre, o pedido definia-se como sendo «a providência jurisdicional solicitada pelo autor deve entender-se, não em termos abstractos, mas nos termos positivos e concretos definidos na petição inicial, com referência portanto ao direito que se pretende fazer valer e à incidência material desse direito», consubstanciando uma relação jurídica processual, dirigida ao tribunal, enquanto que a pretensão é dirigida ao réu, relevando da relação jurídica substancial. – cfr. Código Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. II, 3.ª edição (reimpressão) 1981, 338 e segs. 
[13] Cfr. Anselmo de Castro, in op. loc. cit. p. 203, “Não importará, portanto, à definição do objecto numa acção de indemnização que o autor qualifique a responsabilidade que pretende efectivar como contratual ou extracontratual. A qualificação jurídica pertence ao Juiz, que o fará com plena liberdade, adoptando ou rejeitando a qualificação fornecida pelas partes.”    

[14]O conceito de relação jurídica administrativa passou, assim, a ser erigido em operador nuclear de repartição de jurisprudência entre os tribunais administrativos e tribunais judiciais”, sendo a esse conceito que importa atender para determinar a competência material do Tribunal (Ac. do Tribunal de Conflitos, de 04-03-2004, www.dsi.pt.).
[15] Cfr. Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 20-11-2014, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Leones Dantas.
[16] Deverão ser consideradas “(…)“relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” – cfr.  Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 9ª edição, Almedina, 55 e 56.