Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MORGADO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO REQUISITOS REGULAMENTO (UE) 1215/2012 PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME O DIREITO EUROPEU LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO NORMA IMPERATIVA DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA CAUSA DE PEDIR CONHECIMENTO DO MÉRITO DESPACHO SANEADOR REVISTA EXCECIONAL | ||
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Data do Acordão: | 06/02/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - A competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum, isto é, pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida. Quer isto dizer que é tida em conta toda a factualidade alegada como causa de pedir, sem necessidade de sobre a mesma ser produzida prova. II - As situações jurídicas plurilocalizadas, desde que transnacionais, podem ser objecto de pactos atributivos de jurisdição, nos termos do art. 25.º do Regulamento nº 1215/2012. III – As disposições do Regulamento nº 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12.12.2012, incluindo o disposto no art. 25.º, têm prioridade sobre as normas de direito interno e, por consequência, sobre as normas do Código de Processo Civil. IV – Na interpretação das normas sobre competência internacional, vale o princípio da interpretação autónoma relativamente aos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros, tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa, e o da interpretação uniforme em toda a União Europeia, como forma de assegurar a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados-Membros e o princípio da igualdade entre todos os cidadãos da União. V – O art. 25º, do Regulamento nº 1215/2012 estabelece, essencialmente, dois requisitos de forma e um requisito substancial. VI - Eventual litisconsórcio necessário natural do lado passivo não afasta a aplicação de uma cláusula atributiva de jurisdição que cumpra os requisitos formais e substanciais estabelecidos no art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, não se permitindo, por isso, que a parte que deveria ser demandada no tribunal de um outro Estado-Membro da União Europeia, de acordo com o que foi convencionado, possa ser demandada em Portugal em virtude de a autora poder ter configurado a ação em termos que exigem a demanda de um terceiro estranho ao pacto de jurisdição. VII – A aferição da necessidade de produção de prova em sede de audiência final, atentos os factos controvertidos, deverá ser feita em função das soluções de direito que então se afigurem objetivamente plausíveis e não na estrita perspetiva jurídica, subjetiva, do juiz que proferir o saneador-sentença, a não ser que se trate de questão unicamente de direito para a qual a matéria de facto controvertida seja absolutamente indiferente ou irrelevante. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. A sociedade Moinho da Alagoa - Produção Agrícola, Lda. intentou ação declarativa contra as sociedades DRISCOLL'S Portugal - Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda. e DRISCOLL'S Of Europe BV, sociedade comercial holandesa, pedindo que: a) – Seja determinado, em valor que nunca poderá ser inferior aos custos de produção acrescidos da margem de comercialização da Autora, o preço (purchase price) do kg de framboesa referente à colheita 2016/2017, a ser pago à Autora pelo fornecimento de frutos às Rés, devendo o mesmo fixar-se no valor de 8,95€/Kg; b) – Sejam as Rés condenadas, solidariamente, a pagar à Autora o valor correspondente ao preço ainda em falta, o qual se computa na quantia de € 777.912,90; c) - Subsidiariamente em relação a b), e caso se venha a entender que o preço deverá ser determinado de acordo com o estabelecido na cláusula 9, desconsiderando os custos de produção da Autora e a sua margem de comercialização, seja declarada a nulidade desta cláusula devendo, em consequência, o Tribunal proceder à determinação do preço conforme peticionado em a) e condenar as Rés no pagamento à autora da quantia de € 777.912,90, a título de preço ainda em falta; d) – Ainda subsidiariamente em relação a c), e caso se venha a entender que o instituto da redução previsto no artigo 292º do CC não opera em relação à nulidade declarada, devem as Rés ser solidariamente condenadas a pagar à Autora o montante de € 777.912,90, a título de ressarcimento pelos danos sofridos; e) – Cumulativamente, sejam as Rés, solidariamente, condenadas a pagar à Autora a quantia de € 20.109,00, a título de encargos financeiros que teve de suportar em virtude da falta de pagamento do preço devido por parte das Rés e serem as Rés solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia de € 15.960,44, a título de indemnização por perdas sofridas em virtude da conduta adotada por aquelas; f) – Sejam as Rés, solidariamente, condenadas a pagar à Autora os juros legais vencidos e vincendos, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Para tanto, alegou, em síntese, que: A A., sociedade constituída em 2001, com sede em Olhão, tem por objeto social, além do mais, a produção e comercialização de produtos agrícolas, nomeadamente hortícolas e frutícolas, sendo associada da organização de produtores Madre Fruta - Centro de Vendas de Hortofrutícolas, Lda.; A 1.a R. é uma sociedade comercial portuguesa constituída em 2004, com sede em Beja, cujo capital social é 100% detido pela sociedade comercial norte-americana DRISCOLL International Inc., e que tem por objeto social a produção e comercialização de frutas; A 2.a R. é uma sociedade comercial de direito holandês que detém o direito de conceder sublicenças para plantar, colher e comercializar frutos vermelhos com a marca DRISCOLL detida por uma outra sociedade holandesa; A 1.ª e a 2.a Rés fazem parte do grupo multinacional norte-americano DRISCOLL'S, o qual é detentor da maior produtora mundial de frutos vermelhos, líder mundial da sua produção e comercialização; Ambas as Rés atuam de forma concertada e integrada no mercado português; A A., tendo as Rés como suas parceiras comerciais, tem mantido com elas relações comerciais no domínio da atividade de produção de frutos vermelhos, nomeadamente morangos, mirtilos, amoras e framboesas, relações essas assentes, por um lado, no fornecimento pelas Rés à A. de plantas para cultivo desse género de frutos e, por outro, na compra pelas Rés à A. de tais frutos por esta produzidos; Embora a 2.a R. seja a detentora dos direitos de propriedade intelectual das plantas que são vendidas à A., todo o processo operacional e negocial respeitante ao território português é conduzido e coordenado por ambas as Rés, atuando a 1 .a R. enquanto verdadeira representante da 2.a R. para o território nacional, passando, indistintamente, por ambas as Rés a generalidade dos contactos e acordos da atividade de produção da A., sendo as mesmas Rés entidades jurídicas instrumentais na implementação da estratégia global do grupo DRISCOLL. Nesse contexto, alcançado o acordo entre a A. e as Rés, a estrutura profissionalizada da DRISCOLL'S remeteu àquela, como também remeteu aos demais agricultores que integram a Madre Fruta, contratos-tipo, redigidos em língua inglesa, idênticos para todos, aos quais os agricultores teriam de aderir para poder ser produtores de frutas da marca DRISCOLL 'S. Os termos de tais contratos foram unilateralmente definidos pelas Rés, não tendo sido explicados nem à A. nem aos demais agricultores, não sendo também objeto de qualquer negociação; Foi em tais circunstâncias que, em 25/04/2013, a A. subscreveu o contrato quadro denominado Grower Agreement 2013 (314-2013, conforme documento junto, no qual se estabelecia que a A. assumia a obrigação de adquirir às Rés plantas licenciadas pela DRISCOLL 'S, de acordo com o plano de cultivo de plantas dessa marca para cada época de cultivo, e que receberia as plantas e se obrigava a proceder à sua plantação, a acompanhar o seu crescimento, a colher e embalar os frutos em embalagens definidas pelas Rés; Segundo o mesmo contrato, a A. obrigava-se a entregar e vender os frutos, direta, indireta e exclusivamente, às Rés ou a quem estas indicassem, obrigando-se ainda a destruir, a expensas suas, os frutos sempre que elas o determinassem; Por sua vez, as Rés estavam obrigadas a proceder à comercialização dos frutos que lhes fossem entregues pela A.; Em contrapartida da entrega e venda dos frutos às Rés, a A. receberia, depois da realização da venda, um preço (purchase price) não determinado no momento da venda, mas a determinar de acordo com critérios previstos no mesmo contrato; Assim, para o ano de 2015, estava previsto que o preço de compra pelas Rés à A. seria, para a framboesas, o correspondente a 82% do valor a que as Rés conseguissem vender os frutos aos seus clientes, constituindo os restantes 18% a margem de lucro de comercialização/lucro associada à atividade de comercialização levada a cabo pelas Rés; Adicionalmente a A. teria ainda que suportar royalties no valor de 4% do purchase price, a deduzir ao valor do preço a pagar pelas Rés à A.; Nos anos seguintes a 2013, os preços seriam anualmente revistos antes de 15 de janeiro, prevendo-se que o preço a receber pela A. seria revisto depois da realização de cada colheita; Na preparação de cada época produtiva, as partes acordavam quais seriam os objetivos de produção para esse período, definidos em função das estimativas de vendas das Rés no mercado mundial e regional de produção de frutos vermelhos onde opera, de forma global, a multinacional DRISCOLL'S.; Para tal efeito, as Rés informavam a A. e demais produtores sobre as previsões de preços de venda para o período de produção em referência, confiando a A. nessas previsões, posto que foi afirmado pelas Rés que, se o produto tivesse qualidade, a sua colocação no mercado pelos preços previstos estava assegurada; Na campanha de framboesas do inverno/primavera de 2015/2016, sobrevieram divergências entre as Rés e a A. e os outros produtores da Madre Fruta acerca da determinação do preço, o que foi ultrapassado por acordo, tendo aquelas R.R. assumido os prejuízos através de uma indemnização de € 775.000,00 e de revisão em baixa da comissão a pagar às Rés; Na campanha de framboesas do inverno/primavera de 2016/2017 repetiu-se o desacerto das previsões das Rés, as quais se afastavam significativamente dos preços de venda declarados, situando-se em valores incompatíveis para a A. por serem muito abaixo dos custos de produção; Tudo leva a crer que as Rés elaboraram, de forma propositada, as previsões com o objetivo de garantir elevados níveis de produção para estarem sempre em condições de responder à procura, mas sem cuidar de assegurar a capacidade de escoamento dos frutos, a qual dependia unicamente de si em face da obrigação assumida perante a A., escusando-se a assegurar um valor de venda por kg compatível com os custos de produção, deixando, dessa forma, o risco exclusivamente do lado dos produtores; Assim, as Rés não cumpriram o seu compromisso de assegurar previsões acertadas nem a sua obrigação de garantir a comercialização da produção da A. em condições normais de mercado; Relativamente à determinação do preço de venda das framboesas na campanha de 2016/2017, a A. discordou da proposta apresentada, em sede negocial, pelas Rés, contrapondo-lhe uma alteração no sentido de que, em qualquer circunstância, o purchase price não fosse inferior ao custo de produção, mas não se chegou a acordo; O preço médio por kg de framboesa produzido e entregue pela A. às Rés naquela campanha deveria situar-se no valor € 8,95/kg, pelo que, tendo a A. tido uma produção de 206.243,20 kg, dever-lhe-ia ser pago o correspondente a € 1.845.876,64; Porém, as Rés adiantaram apenas o valor de € 1.278.446,41, faltando pagar € 567.430,23; Além disso, a A. sofreu outros danos, uns derivados de encargos financeiros suportados em virtude do não pagamento atempado do preço pelas Rés, ascendendo a € 21.764,00, e outros por ter de tomar decisões de reestruturação interna para realocar a sua capacidade produtiva, a liquidar ulteriormente, mas já no valor de € 11.783,89. Por tais valores são as Rés responsáveis solidárias. Acresce que, dada a forma como o contrato foi celebrado, sem realização prévia de qualquer negociação, algumas das cláusulas contratuais, em especial da cláusula 9.1 padecem de nulidade, devendo ser objeto de exclusão. 2. As Rés deduziram contestação na qual, por exceção, invocaram a incompetência internacional do Tribunal da causa relativamente à 2ª Ré DRISCOLL’S of Europe B.V., a ineptidão da petição inicial relativamente à 1ª Ré DRISCOLL'S Portugal, Unipessoal, Ldª, dado esta não ter celebrado o contrato alegado como causa de pedir, bem como a sua ilegitimidade. No mais, impugnaram a factualidade alegada pela Autora, relativamente ao incumprimento contratual, sustentando que: A Ré DRISCOLL’S Portugal é completamente alheia ao contrato celebrado, sendo as duas Rés entidades jurídicas autónomas e diferenciadas, não existindo qualquer tipo de relação de participação social direta entre elas; A 1.ª Ré estabelece e mantém contactos com potenciais e atuais parceiros produtores, mas não negoceia, nem tão-pouco celebra, em nome próprio ou por conta de outrem, qualquer contrato semelhante ou sucedâneo àquele que serve de causa de pedir nos presentes autos. 3. Na audiência prévia, foi proferido despacho saneador a julgar procedente a exceção de incompetência internacional relativamente à 2ª Ré DRISCOLL'S Of Europe B.V., com a sua consequente absolvição da instância, e improcedentes as exceções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade passiva. Seguidamente, por se entender que a decisão da causa dependia apenas da aplicação e da interpretação de normas jurídicas já debatidas pelas partes, sendo indiferente a prova dos factos ainda controvertidos e, na medida em que, sem necessidade de mais provas, o estado do processo permitia decisão segura, foi proferido saneador-sentença que julgou totalmente improcedente a presente ação quanto à 1ª Ré DRISCOLL’S Portugal - Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda., absolvendo-a dos pedidos contra si formulados pela Autora. 4. Inconformada com ambas as decisões, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que proferiu acórdão a julgar os recursos improcedentes e a confirmar as decisões recorridas. 5. Irresignada, a Autora interpôs recurso: a) – de revista «normal», nos termos dos arts. 629.º, n.º 2, alínea a), 671.º, n.º 1 e n.º 3, 1.ª parte, 674.º, n.º 1, alíneas a) e b), n.º 2 e n.º 3, 675.º, n.º 1, 676.º a contrario, 682.º, n.º 3, 683.º, nºs 1 e 2 do CPC, quanto à decisão parcelar respeitante à incompetência internacional; b) - de revista excecional, nos termos dos arts. 671.º, n.º 1 e 3 (parte final) e 672.º, n.º 1, alínea c), n.º 2, alínea c) e n.º 3 do CPC, relativamente à decisão proferida sobre o mérito da causa, no saneador-sentença. 5.1. Em sede de revista «normal», a recorrente formulou as seguintes conclusões (cf. fls. 1289 e ss): a. Por despacho com a referência ...571, o Tribunal Judicial da Comarca de ... julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, por infração das regras de competência internacional, em relação à 2.ª Ré. b. Interposto o competente recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância. c. Nos termos do disposto no art. 671.º, nºs 1 e 3 (1.ª parte), 629.º, n.º 2, alínea a), reportando-se os presentes autos a uma decisão de 1.ª instância e a um acórdão do Tribunal da Relação de Évora referentes à violação de regras de competência internacional, reúnem-se os pressupostos de admissibilidade da revista ora interposta. d. O Acórdão sob recurso assentou a sua decisão em três pontos de facto, a saber: 1) A Ré DRISCOLL’S Portugal – Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda. é uma sociedade comercial de direito português, constituída no ano 2004, que tem como objecto social a produção e comercialização de frutas e tem a sua sede social em Beja, sendo o seu capital social da 1.ª Ré é detido a 100% pela sociedade comercial norte-americana Driscoll Internacional Inc. 2) A Ré DRISCOLL’S Of Europe B.V. é uma sociedade comercial de direito holandês, inscrita no RNPC sob o n.º 980492408, com sede em Bijster 26, 4817 HX Breda, Holanda e que detém o direito de conceder sublicenças para plantar, colher e comercializar frutos vermelhos, com a marca DRISCOLL’S, marca essa que é detida por uma outra sociedade de direito holandês denominada Delight Global Holdings C.V., com domicílio nas Ilhas Cayman, em Intertrust Cayman Island, 190 Elgin Avenue, George Town, Grand Cayman KY1-9005. 3) A Autora Moinho da Alagoa – Produção Agrícola, Lda e a Ré DRISCOll’S Of Europe B.V. celebraram em 25 de Abril de 2013 um acordo escrito denominado Grower Agreement 2013 (314-2013) “relativo à produção e comercialização de frutos vermelhos, constando da Cláusula 21.4. do referido contrato que: “Na medida em que seja permitido por normas imperativas, este Contrato deve ser regido e interpretado de acordo com a lei holandesa e as Partes atribuem jurisdição exclusiva aos tribunais holandeses competentes de Breda. Sem prejuízo e em adição ao referido, as Partes acordam que a DOE terá o direito, a seu exclusivo critério, de solicitar aos tribunais do país do lugar do imóvel a adopção das medidas e soluções que se afiguram adequadas ou necessárias para defender os seus direitos ao abrigo do presente e preparar acções judiciais, incluindo para pedir e obter o decretamento de providências cautelares, inspecções e averiguações, na medida em que se revele necessário para aferir da existência, extensão e âmbito de qualquer incumprimento contratual ou violação de direitos e segredos (incluindo, designadamente, com o fim de obter ou promover a apreensão física de bens ou materiais, aceder às instalações e verificar as plantações do produtor, os processos de crescimento, colheita, empacotamento, expedição e consumo, bem como a prestação de informações e documentação relevantes aos fornecedores, e a cadeias de venda, clientes ou distribuição), assim como providências cautelares ou medidas preventivas permitidas pelas leis do país do lugar do imóvel com vista a obter a imediata cessação da conduta lesiva.” e. O Acórdão recorrido alicerçou a sua decisão: a. Nos arts. 94.º do CPC e 25.º do Regulamento n.º 1215/2012, considerando ser irrelevante para a decisão do tema da incompetência internacional saber se a cláusula 21.4. do contrato celebrado escrito celebrado entre a Autora e a DOE é, ou não, nula ao abrigo do direito interno, designadamente ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais (para o efeito o Tribunal da Relação de Évora invoca um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que apenas identifica com a data “13-11-2019” que a Recorrente desconhece a que corresponde, tornando-o inacessível); e b. Considerando estar perante um litisconsórcio voluntário, nos termos do art. 32.º do CPC, mais invocando os arts. 512.º, n.º 1 e 518.º do Código Civil. f. O Acórdão ora recorrido merece, em nossa opinião, censura, na medida em que, tal qual a 1ª instância, padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, desrespeitou comandos legais sobre o valor de determinado meio probatório e não fez uma correta aplicação do Direito, pelo que deverá ser anulado e substituído por outro que remeta o processo para o Tribunal da Relação de Évora para que a decisão de facto seja ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, declare determinado facto como provado e o Tribunal de ... internacionalmente competente para o julgamento da presente lide, ordenando o prosseguimento dos autos contra ambas as Rés. Primeiro: g. Tal qual a decisão de 1.ª instância, a patologia que afeta o Acórdão sob escrutínio relaciona-se com a deficiência da matéria de facto que ficou dada como provada e que foi fonte da decisão que deu como verificada a incompetência dos tribunais portugueses para julgar o litígio quanto à DOE, a saber: os pontos 1 a 3 (supra transcritos). h. Salvo melhor opinião, ao extratar determinada matéria de facto do contexto global da lide tal como foi apresentada pela Autora, o TRE descaracterizou a relação jurídica que constitui a única causa de pedir da ação, i. O que levou a que, quer o Tribunal ..., quer o Tribunal da Relação de Évora, declarassem verificada a incompetência internacional do Tribunal de 1.ª instância quanto à Ré DOE, tendo por fundamento uma relação contratual diferente daquela que serve de causa de pedir à presente lide. j. Sucede que, salvo melhor opinião, em face da matéria que foi alegada pela Autora/Recorrente, a matéria dada como provada é insuficiente para se concluir no sentido que o Tribunal da Relação decidiu. k. A Autora alegou na sua petição inicial factualidade que evidencia a existência de uma relação contratual complexa, que envolve, de um lado, a Autora e, do outro, as duas Rés. l. Ou seja, a relação jurídica contratual que constitui a causa de pedir na presente lide é una e indivisível e comporta, do lado passivo, uma pluralidade de partes, enquanto, do lado ativo, surge como única parte a Autora. m. Tal resulta, nomeadamente do alegado pela Autora em 15, 16, 17, 18, 19, 20, 34, 35, 86, 87, 89, 94, 95, 99, 104, 106, 138, 139, 140, 142, 147, 148, 149, 153, 154. 155, 157, 158, 207, 208, 209, 211, 216, 219, 232, 249, 250, 251 e 252 da sua Petição Inicial. n. Do alegado na petição inicial (e ao longo de toda a exposição efetuada), a Autora não distinguiu as Rés, por entender que a relação jurídica que estabeleceu é com ambas e é dessa relação jurídica plural que emerge o direito que veio reclamar nestes autos. o. Estes factos, a Autora/Recorrente reiterou quando convidada para se pronunciar sobre as exceções deduzidas pelas Rés, por requerimento ...189, de 15.11.2018 – artigos 11 a 20 deste requerimento. p. Com efeito, a Autora, ao longo de todo o seu petitório, e demais peças processuais, não distinguiu as Rés entre si, pois é sua plena convicção que na relação contratual que vigorou eram suas contrapartes outras duas empresas – as duas Rés. q. Isto posto, salvo melhor opinião, para que se pudesse aferir da competência internacional dos tribunais portugueses, o Tribunal da Relação deveria ter julgado (dar como provada ou não provada) a factualidade supra enumerada da petição inicial, mormente os respetivos artigos 15 a 20, pois dela resulta a relação jurídica substancial plural que serve de causa de pedir à ação e que é o critério base e essencial para aferição da competência. r. Ora, os factos oportunamente alegados não foram, efetivamente, objeto de decisão pelo TRE, motivo pelo qual, salvo melhor opinião, a matéria de facto elencada nos pontos 1 a 3 da decisão recorrida é insuficiente para a determinação da competência internacional e para sustentar o Acórdão ora recorrido. s. Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 682.º, n.º 3 do CPC devem os presentes autos ser remetidos para o Tribunal da Relação de Évora (ou, caso este assim o entenda, para o Tribunal de 1.ª instância) para ampliação da matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito do Supremo Tribunal de Justiça. Segundo: t. Os factos jurídicos concretos, de natureza essencial e instrumental, designadamente alegados na petição inicial, de que resulta que os direitos de que a Autora/Recorrente é titular assentam numa relação contratual complexa, por existente entre a Autora, de um lado, e ambas as Rés, de outro lado, foram confessados pelas próprias Rés/Recorridas – artigos 436 a 438 da contestação das Rés. u. Do exposto resulta que a confissão judicial e espontânea das Rés – com força probatória plena (arts. 466.º, n.º 3 do CPC e 358.º, n.º 1 do CC) – não foi tomada em consideração pelo Tribunal da Relação de Évora, conforme, ademais, impõe o art. 413.º do CPC: O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (…). v. Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 674.º, n.º 3, 2.ª parte e 682.º, n.º 2 do CPC deve ser dada como provada a existência de uma relação contratual complexa, que envolvia, de um lado, a Autora, e do outro, ambas as Rés, relação esta, em termos subjetivos e objetivos, apenas parcialmente reduzida a escrito aquando da celebração do acordo escrito entre a Autora e a DoE. Terceiro: w. A aplicação do direito ao caso concreto mostra-se prejudicada pela deficiente seleção dos factos feita pelo tribunal de 2.ª instância. Não obstante, é entendimento da Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça se encontra em condições para, desde já, tomar posição sobre o direito aplicável ao caso, posição, esta, que deverá ser acatada pelo TRE depois de julgar, com a extensão referida supra, a matéria de facto controvertida. x. Sob o prisma de Direito, cumpre, de facto, registar a sua errónea aplicação e violação, quando compaginadas as normas invocadas para sustentar o Acórdão recorrido, com a concreta configuração da relação jurídica substantiva da lide. y. É que, a relação de que procedem os presentes autos se tratar de uma única e una relação contratual, com pluralidade de partes, estamos perante um litisconsórcio passivo. Foi assim que a Autora configurou a relação controvertida submetida a juízo. z. São, pois, estas (a Autora e as duas Rés) as partes legítimas para a presente lide, nos termos do art. 30.º, n.º 3 do CPC. aa. O litisconsórcio pode ser voluntário ou necessário, conforme decorre dos arts. 32.º e 33.º do CPC. No caso vertente, estamos perante um litisconsórcio necessário passivo, por natureza, na medida em que o efeito jurídico pretendido pela Autora não pode ser produzido, a não ser que ambas as Rés estejam na mesma lide, dada a conexão substancial existente. bb. Por esta via, a incompetência internacional deste Tribunal quanto a uma das Rés determinaria, de forma direta, consequencial e inexorável, a imediata ilegitimidade da outra Ré, porquanto inexiste qualquer fundamento para esta estar por si só na lide. Com efeito, muito embora as Rés sejam solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados à Autora, permanece incerto e indeterminado o contributo individual de cada uma das Rés para os mesmos, o qual decorre unicamente do quadro da divisão interna de responsabilidades que as Rés terão estabelecido entre si. Não pode, por isso, a Autora/Recorrente, com todo o respeito, concordar com a invocação pelo TRE dos arts. 512.º, n.º 1 e 518.º do CC, com o intuito de defender, a final, que a absolvição da DOE não impede o normal desenvolvimento da instância relativamente à 1.ª Ré por não verificação do pressuposto processual da legitimidade passiva. cc. Ora, o negócio jurídico que serve de base à presente lide e que constitui a causa de pedir na mesma impõe a intervenção de ambas as Rés, como partes da mesma lide. dd. É, pois, imperativa a sua presença na mesma lide, não podendo produzir-se o seu efeito útil, se uma Ré for julgada num tribunal e a outra Ré for julgada noutro. ee. Reitera-se, pois, nesta sede, a posição já articulada pela Autora, em resposta à exceção arguida pelas Rés nesta matéria, a qual figura nos seus requerimentos n.º ...189, de 15.11.2018, e ...497, de 9.01.2019 – artigos 2 a 20 do último requerimento referido. ff. O acordo escrito celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré, que foi junto sob o Doc. n.º 13 da PI e que foi dado como assente na douta decisão recorrida sob o ponto 3, é apenas uma parte da relação jurídica complexa e unitária que se estabeleceu entre a Autora e as duas Rés, integrando a mesma. E é desse contrato que emerge uma cláusula (cl. 21.4.) que aponta no sentido da eleição pela DoE da jurisdição holandesa apenas e só para dirimir matérias emergentes exclusivamente dessa relação contratual entre a Autora e a DoE. A 1.ª Ré não é parte nesse contrato, mas é parte nesta lide e na relação contratual a que se refere a causa de pedir. gg. A cláusula invocada não pode prevalecer em qualquer circunstância sobre normas imperativas, nomeadamente sobre o disposto nos arts. 30.º, n.º 3 e 33.º, nºs 2 e 3 do CPC, como aliás decorre do seu teor literal, nem sequer pode furtar-se à aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, conforme art. 25.º do Regulamento 1215/2012, Acórdão “Refcomp” do Tribunal de Justiça, de 07.02.2013, Acórdão “MSG” do Tribunal de Justiça, de 20.02.1997 e Acórdão do Tribunal de Justiça, de 07.07.2016, processo C-222/15. hh. Tudo sopesado, para efeitos do disposto no art. 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 do CPC, é entendimento da Autora/Recorrente que o TRE não aplicou corretamente os arts. 32.º e 94.º do CPC, 512.º, n.º 1 e 518.º do Código Civil e violou o disposto nos arts. 30.º, n.º 3, 32.º e 33.º do CPC, bem como o art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012. ii. Subsidiariamente, caso o Supremo Tribunal de Justiça considere que a falha no que concerne à matéria de facto é de tal modo grave que impossibilita a fixação do regime jurídico a aplicar, deverá ser ordenada a anulação do Acórdão sob recurso e a repetição do julgamento, cujo resultado será passível de revista nos termos gerais – art. 683.º, n.º 2 do CPC. Termos em que se requer: a. sejam os presentes autos remetidos para o Tribunal da Relação de Évora (ou, caso este assim o entenda, para o Tribunal de 1.ª instância) para ampliação da matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito do supremo tribunal de justiça. b. sejam introduzidas as modificações na decisão da matéria de facto advenientes da ofensa pelo tribunal da relação de évora da força probatória da confissão das rés. c. seja resolvida a matéria de direito nos termos ora propugnados cumprindo ao tribunal da Relação de Évora pronunciar-se sobre os factos cuja falta foi detetada ou, caso assim não se entenda, seja ordenada a anulação do acórdão sob recurso e a repetição do julgamento. 5.2. Por sua vez, no âmbito da revista excecional concluiu da seguinte forma (cf. fls. 1310 e ss.): a. Por despacho com a referência ....772, o Tribunal Judicial da Comarca ... julgou totalmente improcedente a ação intentada e absolveu a Ré DSC PT: Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolve-se a Ré Driscolls Portugal – Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda. dos pedidos deduzidos pela Autora Moinho da Alagoa – Produção Agrícola, Lda. b. Da sentença referida constava que: Nos termos do disposto no artigo 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, uma vez que a decisão da causa depende apenas da aplicação e da interpretação de normas jurídicas (já debatidas pelas partes), sendo indiferente a prova dos factos que permanecem controvertidos e, na medida em que, sem necessidade de mais provas, o estado do processo permite proferir decisão segura, ir-se-á de imediato conhecer do mérito dos pedidos deduzidos, ficando o presente despacho a ter, para todos os efeitos, valor de sentença, nos termos do artigo 595º, n.º 3 do mesmo diploma legal. c. Interposto o competente recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância, declarando: Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar os recursos improcedentes e em consequência confirmam as decisões recorridas. d. Nos termos do disposto nos arts. 671.º, n.º 1 e n.º 3 e 672.º, n.º 1, alínea c), os requisitos de acesso ao recurso de revista excecional encontram-se in casu integralmente verificados. Quer o Acórdão sob recurso de revista excecional, quer o acórdão-fundamento incidem sobre a mesma questão fundamental de direito – a saber: da conformidade legal do conhecimento do mérito da causa em sede de saneador-sentença; A decisão constante do Acórdão sob recurso é absolutamente contrária ao acórdão-fundamento, já transitado em julgado – o Acórdão proferido nos presentes autos sufraga na íntegra a argumentação expendida na decisão recorrida; o acórdão-fundamento entendeu que o Tribunal não poderia decidir de imediato com a segurança exigida por lei, devendo os autos prosseguir para a fase julgamento; A oposição de decisões referida no ponto anterior é frontal; A divergência entre o Acórdão recorrido e o acórdão-fundamento verifica-se num quadro normativo exatamente igual – art. 595.º, n.º 1, alínea b) do Novo CPC; Inexiste acórdão de uniformização sobre a questão jurídica em causa a que o Acórdão recorrido tenha aderido; Estão enunciados nas alegações os aspetos de identidade que estão na génese da interposição do recurso de revista excecional (a saber: processos com conteúdo fático e ao nível de prova idêntico terem obtido do TRE duas decisões frontalmente opostas quanto à conformidade legal do proferimento de saneador-sentença) e foi efetuada a junção da certidão do acórdão-fundamento, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 637.º, n.º 2 e 641.º; O acórdão-fundamento transitou em julgado a 11.12.2019; e h. O Acórdão recorrido data de 16.01.2020. e. O Tribunal da Relação de Évora, quanto à conformidade legal do conhecimento do mérito da causa em sede de saneador-sentença, julgou improcedente o recurso interposto pela Autora/Recorrente, do que resultaria a manutenção da decisão de improcedência da ação e a consequente absolvição da DSC PT. O Acórdão recorrido alicerça a sua decisão na fundamentação do tribunal de 1.ª instância e, portanto, no entendimento de que todas as pretensões formuladas pela Autora têm por fundamento vicissitudes ou circunstâncias relativas ao mencionado contrato e/ou à sua execução, sendo a própria Autora que alega que a Ré Driscoll’s Portugal – Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda atua em representação da Driscoll’s Of Europe, B.V. (…) não sendo alegado que a ora Ré [DSC PT] se vinculou a qualquer cumprimento (…) não havendo dúvida que a aqui Ré [DSC PT] apenas atua como representante dessa empresa, não agindo em nome próprio (…). Com base nesta (falsa) premissa, o Tribunal da Relação de Évora, tal qual o tribunal de 1.ª instância, invoca os arts. 800.º, n.º 1, 512.º, 513.º e 514.º, n.º 1 do Código Civil e conclui que a regular fase de instrução não alteraria o sentido do saneador-sentença proferido pelo Tribunal de .... f. O Acórdão ora recorrido merece, em nossa opinião, censura, na medida em que, em erro de Direito, considerou oportunamente proferido o saneador-sentença do Tribunal de ..., pelo que deverá ser considerado nulo, o saneador-sentença revogado e os autos regressarem à 1.ª Instância para regularização do processado e realização dos ulteriores termos do processo. g. Dispõe o art. 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC que o despacho saneador se destina a (…) b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos (…). h. Para além de a resolução do processo em apreço, no estado em que se encontrava, não passar em exclusivo pela aplicação de matéria de direito, o tribunal não estava, de facto, munido de todos os elementos necessários para dar a competente resposta aos pedidos deduzidos, até os presentes autos transitarem para e concluírem a fase de instrução. Primeiro: j. No momento do proferimento da sentença sob recurso o próprio tribunal de 1.ª instância reconhece que existe matéria controvertida. k. Podendo esta matéria referir-se a inúmeras questões, em virtude da complexidade que revestem os presentes autos e respetivas dimensão e densidade (em termos de alegação e documentação), dados os parcos factos dados como provados e a inexistência da indicação dos factos dados como não provados, a afirmação do próprio tribunal é altamente sintomática e reveladora da intempestividade, por adiantada, do saneador-sentença. Segundo: l. Com todo o respeito pelo Tribunal da Relação de Évora, que é muito, a causa de pedir formulada pela Autora assenta numa relação contratual existente entre esta e outros dois sujeitos – as 1.ª e 2.ª Rés. m. A Autora alegou, ademais, que a referida relação contratual foi reduzida a escrito apenas em termos parciais. n. Sucede que, o tribunal de 1.ª instância, em manifesta violação do dever de pronúncia a que se encontra adstrito, não se pronunciou quanto a quem entende terem sido as contrapartes da Autora na relação apresentada para apreciação. o. Para além do apuramento das efetivas partes da relação de que procedem os presentes autos, a mesma decisão de prosseguimento dos autos para a fase de instrução, impor-se-ia, de igual modo, tendo em vista i) a aferição dos pressupostos de responsabilidade civil – instituto invocado pela Autora em sede de causa de pedir e que conforma os pedidos deduzidos pela Autora; e ii) em caso de aplicação do regime da conjunção, o apuramento do preço em falta ou, subsidiariamente, do quantum indemnizatório devido por cada uma das Rés à Autora. p. Os presentes autos reportam-se a articulados de elevada dimensão e complexidade e que, à data do saneador-sentença, contavam já com cerca de 45 documentos incidentes sobre matéria de facto alegada por ambas as partes. q. A maioria destes documentos correspondem a documentos elaborados e comunicações subscritas pelas partes, que invariavelmente, em sede de audiência e julgamento, seriam objeto de análise e confronto para apuramento do correto conteúdo e, deste modo, detalhadamente descortinar a configuração e o conteúdo da relação trazida ao tribunal de 1.ª instância para apreciação. r. De facto, tivessem os presentes autos prosseguido para a fase de instrução, que esta invariavelmente passaria, nomeadamente, pelos seguintes pontos: 1. O apuramento da natureza, da configuração e do conteúdo (isto é, direitos e obrigações assumidos por cada uma das partes) da relação que serve de causa de pedir aos presentes autos; 2. O apuramento de um eventual incumprimento contratual, do eventual valor em dívida para com a Autora ou, subsidiariamente, dos danos sofridos pela Autora e, por último, a aferição do nexo de causalidade entre o incumprimento contratual e estes valores; e 3. O apuramento do conteúdo da relação existente entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré. Terceiro: s. É precisamente a ausência da realização da audiência de discussão e julgamento e, subsidiariamente, a ausência de uma verdadeira análise da prova já constituída, que conduz o tribunal de 1.ª instância a fazer partir a sentença sob recurso de duas premissas erradas: i. Que a representação a que a Ré se refere no artigo 18 da sua petição inicial se reporta a uma representação em sentido jurídico; e ii. Que a 1.ª Ré não era parte da relação contratual em apreço, cingindo-se esta ao contrato escrito celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré. Quarto: t. Salvo melhor entendimento, a prematuridade da sentença sob recurso também resulta das conclusões flagrantemente erradas que o tribunal de ... faz constar do conteúdo da sua decisão. u. Ao contrário do invocado pelo TRE, é redondamente falso que a Recorrente não tenha alegado que a 1.ª Ré não interveio no contrato. São, de facto, múltiplos os factos alegados no sentido de ambas as Rés serem parte num contrato em conjunto com a Autora – vejam-se, por exemplo, os factos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 34, 35, 86, 87, 89, 94, 95, 99, 104, 106, 138, 139, 140, 142, 147, 148, 149, 153, 154. 155, 157, 158, 207, 208, 209, 211, 216, 219, 232, 249, 250, 251 e 252 da petição inicial. v. Atente-se, por fim, à seguinte motivação do acórdão-fundamento, que versa sobre processos de alegação fática e prova idêntica ao sob recurso, que acompanham em grande medida a argumentação das alegações ora apresentadas: a. (…) verifica-se que existem questões problemáticas essenciais sobre o enunciado contratual – parte delas que se reportam ao âmbito de delimitação objetiva e subjetiva da responsabilidade – de carácter duvidoso e que não se encontram totalmente cristalizadas na fase de gestão inicial do processo. b. (…) no plano jurídico a matéria em apreço não poderia ter sido decidida de imediato com a segurança exigida por lei. Na verdade, inexistem elementos factuais para promover uma decisão conscienciosa e completa relativamente a todas as questões suscitadas. c. Existem matérias não decifradas factualmente a propósito do apuramento da natureza, da configuração e do conteúdo negocial que podem eventualmente alterar o sentido decisório tomado. Além do contexto negocial, sobejam ainda dúvidas sobre a existência (ou não) de um eventual incumprimento contratual e no aferimento desses valores, bem como no apuramento do conteúdo da relação existente entre as pessoas coletivas aqui presentes. d. (…) toda a decisão se encontra estruturada em 5 (cinco) factos (…) mas estes factos não são suficientes para justificar a decisão tomada. e. (…) as conclusões jurídicas tomadas não assentam em qualquer fundamento fáctico de suporte e a decisão jurídica corresponde apenas a um juízo abstrato-hipotético sobre matérias que se encontram controvertidas e que não viabilizam a construção de um silogismo judiciário com um grau de certeza adequado aos fins do processo civil. f. A decisão tomada não está escorada em factos que viabilizem a construção jurídica realizada, pois o referido juízo prudencial – em especial na fase de gestão inicial do processo – tem de ser obtido a partir dos factos assentes e tem de fornecer resposta positiva ao preenchimento dos requisitos necessários para tal atribuição. g. As questões de facto que foram utilizadas na construção jurídica são controvertidas e não estão abrangidas pela força probatória de qualquer meio de prova. E, assim, como já se antecipou, o Tribunal não poderia decidir de imediato com a segurança exigida por lei, devendo os autos prosseguir para a fase de julgamento. w. Em face do ante exposto, deve o Acórdão ora recorrido ser anulado por, em erro de Direito – mais concretamente do art. 595.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C. –, ter considerado oportunamente proferido o saneador-sentença do Tribunal ... e, em consequência, ser o saneador-sentença revogado e os autos regressarem à 1.ª instância para regularização do processado e realização dos ulteriores termos do processo. 6. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do julgado (cf. fls. 1467 e ss. e 1499 e ss.). 7. Neste Supremo Tribunal, a relatora proferiu despacho a admitir a revista «normal», ao abrigo do disposto no art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, e, no tocante à revista excecional, verificada uma situação de dupla conformidade decisória, bem como os restantes requisitos gerais de admissibilidade do recurso, determinou a remessa do processo à Formação (art. 672º, nº3, do CPC) para apreciação do invocado pressuposto da sua admissibilidade. 8. A Formação proferiu acórdão a admitir a revista excecional “com o seu âmbito circunscrito à questão da invocada ilicitude processual, à luz do disposto no artigo 595.°, n.º 1, alínea b), do CPC, do julgamento antecipado proferido pelas instâncias sobre o mérito das pretensões deduzidas pela A. contra a l.a R. DRISCOLL'S Portugal - Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda..”. 9. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas. Por sua vez – como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal a quo. Sendo assim, as questões de que cumpre conhecer consistem em saber se: I – No âmbito da revista «normal», se: a) - A matéria de facto em que assentou o acórdão recorrido é insuficiente para aferir da incompetência internacional do Tribunal português; b) - A convenção firmada entre a autora e a 2ª ré (cláusula 21.4) prevalece, ou não, sobre as normas do direito nacional, concretamente as dos arts. 30.º, n.º 3 e 33.º, nºs 2 e 3 do CPC; c) – A procedência da exceção de incompetência internacional do Tribunal português quanto a uma ré determina a ilegitimidade da outra ré; II - No âmbito da revista «excecional», tal como delimitado pelo acórdão da Formação (cf. supra ponto 8), importa apreciar se, à luz do disposto no artigo 595.°, n.º 1, alínea b), do CPC, o estado dos autos permitia o julgamento antecipado proferido pelas instâncias sobre o mérito das pretensões deduzidas pela A. contra a lª Ré “DRISCOLL'S Portugal - Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda..”. *** II – Fundamentação de facto 10. Quanto à questão da competência, as instâncias deram como assentes os seguintes factos: 1) A Ré Driscoll’S Portugal – Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda é uma sociedade comercial de direito português, constituída no ano 2004, que tem como objecto social a produção e comercialização de frutas e tem a sua sede social em Beja, sendo o seu capital social da 1.ª Ré é detido a 100% pela sociedade comercial norte-americana Driscoll Internacional Inc. 2) A Ré Driscoll’S Of Europe B.V. é uma sociedade comercial de direito holandês, inscrita no RNPC sob o n.º 980492408, com sede em Bijster 26, 4817 HX Breda, Holanda e que detém o direito de conceder sublicenças para plantar, colher e comercializar frutos vermelhos, com a marca Driscoll’s, marca essa que é detida por uma outra sociedade de direito holandês denominada Delight Global Holdings C.V., com domicílio nas Ilhas Cayman, em Intertrust Cayman Island, 190 Elgin Avenue, George Town, Grand Cayman KY1-9005. 3) A Autora Moinho da Alagoa – Produção Agrícola, Lda e a Ré Driscoll’S Of Europe B.V. celebraram em 25 de Abril de 2013 um acordo escrito denominado Grower Agreement 2013 (314-2013) ” relativo à produção e comercialização de frutos vermelhos, constando da Cláusula 21.4. do referido contrato que, “Na medida em que seja permitido por normas imperativas, este Contrato deve ser regido e interpretado de acordo com a lei holandesa e as Partes atribuem jurisdição exclusiva aos tribunais holandeses competentes de Breda. Sem prejuízo e em adição ao referido, as Partes acordam que a Doe terá o direito, a seu exclusivo critério, de solicitar aos tribunais do país do lugar do Imóvel a adopção das medidas e soluções que se afiguram adequadas ou necessárias para defender os seus direitos ao abrigo do presente e preparar acções judiciais, incluindo para pedir e obter o decretamento de providências cautelares, inspecções e averiguações, na medida em que se revele necessário para aferir da existência, extensão e âmbito de qualquer incumprimento contratual ou violação de direitos e segredos (incluindo, designadamente, com o fim de obter ou promover a apreensão física de bens ou materiais, aceder às Instalações e verificar as plantações do Produtor, os processos de crescimento, colheita, empacotamento, expedição e consumo, bem como a prestação de informações e documentação relevantes aos fornecedores, e a cadeias de venda, clientes ou distribuição), assim como providências cautelares ou medidas preventivas permitidas pelas leis do país do lugar do imóvel com vista a obter a imediata cessação da conduta lesiva”. 11. Por sua vez, relativamente à questão do mérito, as instâncias consideraram assente que: 1 - A A. Moinho da Alagoa-Produção Agrícola, Lda. É uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto social consiste na gestão de projetos de produção agrícola, na produção hortofrutícola e na prestação de serviços relacionados com a atividade agrícola, a investigação e desenvolvimento de produtos, sistemas e serviços de logística incluindo a gestão de frota, aluguer de máquinas, aluguer de equipamentos e gestão de stocks. 2 - A A. Moinho da Alagoa-Produção Agrícola, Lda. É associada da organização de produtores Madre Fruta-Centro de Venda de hortofrutícolas, Lda., sociedade comercial por quotas, reconhecida como organização de produtores do sector de fruta e produtos hortícolas, à qual foi atribuído o n.º 55, conforme título de reconhecimento, emitido em 28-3-2016, pelo diretor Regional de Agricultura, Florestas e desenvolvimento Rural, em conformidade com o disposto na portaria n.º 169/2015, de 4-6. 3 - A Ré Driscoll’S Portugal – Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda é uma sociedade comercial de direito português, constituída no ano 2004, que tem como objecto social a produção e comercialização de frutas e tem a sua sede social em Beja, sendo o seu capital social da 1.ª Ré é detido a 100% pela sociedade comercial norte-americana Driscoll Internacional Inc. 4 - A Ré Driscoll’S Of Europe B.V. é uma sociedade comercial de direito holandês, inscrita no RNPC sob o n.º 980492408, com sede em Bijster 26, 4817 HX Breda, Holanda e que detém o direito de conceder sublicenças para plantar, colher e comercializar frutos vermelhos, com a marca Driscoll’s, marca essa que é detida por uma outra sociedade de direito holandês denominada Delight Global Holdings C.V., com domicílio nas Ilhas Cayman, em Intertrust Cayman Island, 190 Elgin Avenue, George Town, Grand Cayman KY1-9005. 5 - A A. Moinho da Alagoa-Produção Agrícola, Lda e a Driscoll’S Of Europe B.V. celebraram um contrato denominado Grower Agreement 2013 (314-2013) relativo à produção e comercialização de frutos vermelhos. *** III – Fundamentação de Direito 12. Da incompetência internacional dos tribunais portugueses Na 1ª instância foi proferida decisão que julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, por infração das regras de competência internacional, em relação à 2.ª Ré. Interposto o competente recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância. Não obstante a convergência decisória das instâncias, uma vez que está em causa uma questão relativa à violação de regras de competência internacional, mostram-se reunidos os pressupostos de admissibilidade da revista ora interposta, nos termos do disposto nos arts. 671.º, nºs 1 e 3 (1.ª parte), 629.º, n.º 2, alínea a),do CPC. Cabe, pois, apreciar. Na revista, a recorrente sustenta que a matéria de facto em que assentou o acórdão recorrido é insuficiente para a decisão a proferir sobre a invocada incompetência dos tribunais portugueses, aduzindo que alegou na sua petição inicial factualidade que evidencia a existência de uma relação contratual complexa, una e indivisível, que envolve, de um lado, a Autora e, do outro, as duas Rés, o que permite caracterizar um litisconsórcio necessário passivo, com consequências a extrair naquele plano, nos termos previstos no Código de Processo Civil. Nesta conformidade, peticiona que, ao abrigo do disposto no art. 682.º, n.º 3 do CPC, os presentes autos sejam remetidos para o Tribunal da Relação de Évora (ou, caso este assim o entenda, para o Tribunal de 1.ª instância) para ampliação da matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito. Adianta-se, desde já, que a recorrente não tem razão, pois, como se sabe, a competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum, isto é, pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida. Quer isto dizer que é tida em conta toda a factualidade alegada como causa de pedir, sem necessidade de sobre a mesma ser produzida prova. Surge, assim, destituída de fundamento a requerida ampliação da matéria de facto. *** Dito isto, vejamos, então, se procede a exceção de incompetência absoluta invocada. Para este efeito, releva a seguinte factualidade: 1) – A Ré Driscoll’S Portugal – Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda é uma sociedade comercial de direito português, constituída no ano 2004, que tem como objecto social a produção e comercialização de frutas e tem a sua sede social em Beja, sendo o seu capital social da 1.ª Ré é detido a 100% pela sociedade comercial norte-americana Driscoll Internacional Inc. 2) - A Ré Driscoll’S Of Europe B.V. é uma sociedade comercial de direito holandês, inscrita no RNPC sob o n.º 980492408, com sede em Bijster 26, 4817 HX Breda, Holanda e que detém o direito de conceder sublicenças para plantar, colher e comercializar frutos vermelhos, com a marca Driscoll’s, marca essa que é detida por uma outra sociedade de direito holandês denominada Delight Global Holdings C.V., com domicílio nas Ilhas Cayman, em Intertrust Cayman Island, 190 Elgin Avenue, George Town, Grand Cayman KY1-9005. 3) - A Autora Moinho da Alagoa – Produção Agrícola, Lda e a Ré Driscoll’S Of Europe B.V. celebraram em 25 de Abril de 2013 um acordo escrito denominado Grower Agreement 2013 (314-2013) ” relativo à produção e comercialização de frutos vermelhos, constando da Cláusula 21.4. do referido contrato que, “Na medida em que seja permitido por normas imperativas, este Contrato deve ser regido e interpretado de acordo com a lei holandesa e as Partes atribuem jurisdição exclusiva aos tribunais holandeses competentes de Breda. Sem prejuízo e em adição ao referido, as Partes acordam que a Doe terá o direito, a seu exclusivo critério, de solicitar aos tribunais do país do lugar do Imóvel a adopção das medidas e soluções que se afiguram adequadas ou necessárias para defender os seus direitos ao abrigo do presente e preparar acções judiciais, incluindo para pedir e obter o decretamento de providências cautelares, inspecções e averiguações, na medida em que se revele necessário para aferir da existência, extensão e âmbito de qualquer incumprimento contratual ou violação de direitos e segredos (incluindo, designadamente, com o fim de obter ou promover a apreensão física de bens ou materiais, aceder às Instalações e verificar as plantações do Produtor, os processos de crescimento, colheita, empacotamento, expedição e consumo, bem como a prestação de informações e documentação relevantes aos fornecedores, e a cadeias de venda, clientes ou distribuição), assim como providências cautelares ou medidas preventivas permitidas pelas leis do país do lugar do imóvel com vista a obter a imediata cessação da conduta lesiva”. Atendendo a que se está perante uma relação jurídica plurilocalizada e transnacional, há que reconhecer que se verificam alguns dos elementos de conexão com a ordem jurídica portuguesa referidos nos arts 62º e 63º do CPC e o art. 59º do mesmo Código que atribuem aos tribunais portugueses competência internacional. Tal não obsta, porém, a que as partes convencionem a jurisdição competente para dirimir litígios emergentes dessa relação jurídica transnacional, através da celebração de pactos privativos e atributivos de jurisdição. É o que sucede no caso em apreço, já que a suprarreferida cláusula 21.4 do contrato celebrado entre a Autora e a 2ª Ré, ao determinar que “as partes atribuem jurisdição exclusiva aos tribunais holandeses competentes de Breda” consubstancia precisamente um pacto de jurisdição e um pacto de competência.[1] Considerando a data da propositura da presente ação, a validade ou invalidade do pacto atributivo de jurisdição deve ser apreciada de acordo com o art. 25.º do Regulamento (UE) n.o 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial de 12 de Dezembro[2], nos termos do qual: "1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado: a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão. (…) 5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato. [...]". A recorrente, porém, defende que o pacto de jurisdição contido no contrato em causa nestes autos não pode prevalecer em qualquer circunstância sobre normas imperativas do ordenamento jurídico português, nomeadamente sobre o disposto nos arts. 30.º, n.º 3 e 33.º, nºs 2 e 3, do CPC, nem impedir a aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, instituído pelo DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. Como veremos, não lhe assiste razão. Na verdade, e tal como tem sido afirmado reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, as situações jurídicas plurilocalizadas, desde que transnacionais, podem ser objecto de pactos atributivos de jurisdição, nos termos do art. 25.º do Regulamento nº 1215/2012.[3] A mesma orientação jurisprudencial tem afirmado igualmente que a validade dos pactos atributivos de jurisdição é independente de qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado a que o direito interno confira relevo.[4] De igual modo, é pacífico que as disposições do Regulamento (UE) 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12.12.2012, incluindo o disposto no art. 25.º (e, anteriormente, o art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001), têm prioridade sobre as normas de direito interno e, por consequência, sobre as normas do Código de Processo Civil.[5] Como se escreveu no acórdão deste Supremo de 10.12.2020[6], “atendendo ao art.º 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (…) as disposições dos Tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União (…). Impõe-se também sublinhar que a aplicação do regime comunitário prevalece sobre o regime interno, em razão do princípio do primado do direito europeu, alcandorado a fonte hierarquicamente superior (…).”. Por sua vez, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem reafirmado que, na interpretação das normas sobre competência internacional, vale o princípio da interpretação autónoma relativamente aos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros, tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa, e o da interpretação uniforme em toda a União Europeia, como forma de assegurar a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados-Membros e o princípio da igualdade entre todos os cidadãos da União.[7]
De acordo com esta mesma jurisprudência, relevante quer para as normas da Convenção de Bruxelas de 1968 quer para os Regulamentos nº 44/2001 e nº 1215/2012[8], o citado art.25º estabelece, essencialmente, dois requisitos de forma e um requisito substancial. Por um lado, exige, como requisito de validade, a existência de um acordo entre as partes e a sua redução a escrito ou equivalente (nº 1, als. a), b) e c) e nº 2), por forma a justificar o primado concedido, em nome do princípio da autonomia da vontade e a garantir segurança e certeza na cabal compreensão do seu alcance. Aém disso, no tocante ao objeto ou conteúdo da cláusula atributiva de jurisdição (requisito substancial) exige-se que se refira, com suficiente precisão, a uma relação jurídica específica.[9] Como se afirma no Acórdão do TJUE “Hőszig Kft.” de 07-07-2016 (processo n.º C-222/15, ECLI:EU:C:2016:525[10]): “a existência de consenso dos interessados é um dos objetivos do artigo 23.°, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C-322/14, EU:C:2015:334, n.° 30 e jurisprudência aí referida). Isso justifica-se pela preocupação de proteger a parte contratante mais fraca, evitando que cláusulas atributivas de jurisdição, introduzidas num contrato por uma única das partes, passem despercebidas (v., neste sentido, acórdão de 16 de março de 1999, Castelletti, C-159/97, EU:C:1999:142, n.° 19 e jurisprudência referida). O juiz chamado a pronunciar-se tem a obrigação de analisar, in limine litis, se a cláusula atributiva de jurisdição foi efetivamente objeto de consenso entre as partes, que deve manifestar-se de forma clara e precisa, sendo que as exigências de forma estabelecidas pelo artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I têm por função, a este título, assegurar que o consentimento seja efetivamente provado (acórdãos de 6 de maio de 1980, Porta-Leasing, 784/79, EU:C:1980:123, n.° 5 e jurisprudência referida, e de 21 de maio de 2015, El Majdoub, C‑322/14, EU:C:2015:334, n.° 29 e jurisprudência referida). Ora, no caso dos autos, a cláusula atributiva de jurisdição encontra-se estipulada por escrito e integra o texto do contrato celebrado entre a autora e a 2.ª ré, pelo que houve comunicação da referida cláusula a ambas as partes. Neste contexto, é patente que os requisitos formais de validade do pacto atributivo de jurisdição previstos no atual art. 25.º do Regulamento 1215/2012 se encontram preenchidos. Por outro lado, de acordo com o n.º 5 do art. 25.º do Regulamento (UE) 1215/2012, “os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato”, pelo que “a validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido.” Acresce que o contrato que é objecto dos autos também não se reporta a matérias abrangidas pelas Secções 3 , 4, 5 e 6 do Regulamento nº 1215/2012, pelo que também não se mostra violado o n.º 4, do art. 25.º, do mesmo Regulamento. A autora invoca ainda na presente ação que houve violação do dever de informação por parte das rés, enquanto proponentes de cláusulas contratuais gerais, sobre o conteúdo de tal contrato, violando o regime previsto no nosso direito interno sobre cláusulas contratuais gerais (nomeadamente o disposto no art. 6.º do DL n.º 446/85 de 25-10), bem como que se verifica vício na formação da vontade. Todavia, ainda que assim fosse, tal matéria, integrando violação do nosso direito interno, não assume relevância no âmbito da aferição dos requisitos de validade formal e substancial previstos no referido art. 25.º do Regulamento 1215/2012. Efetivamente, como se salienta nos acórdãos do STJ acima citados, e em especial no Acórdão do STJ de 14.7.2020, Revista nº 161/18.2T8FAR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em que se analisa uma situação em tudo semelhante à do caso presente) a noção de pacto atributivo de jurisdição (art. 25.º do Regulamento (UE) 1215/2012) é autónoma, relativamente ao direito interno de cada Estado-Membro. Além disso, o artigo 25.º do Regulamento 1215/2012 ressalva a validade substancial do pacto de jurisdição à luz da lei do Estado Membro cuja jurisdição foi escolhida pelas partes, o que no caso dos autos corresponde à lei dos Países Baixos e não à lei portuguesa cujos tribunais foram excluídos pelo referido pacto, sendo certo que da legislação holandesa constante dos autos, não resulta qualquer invalidade do referido pacto de jurisdição.
Em face do exposto, cremos ser indiscutível que se encontram verificados todos os requisitos previstos no art. 25º, nºs 1 e 2, do Regulamento nº 1215/2012, nada permitindo pôr em causa a validade do pacto atributivo de jurisdição que se discute nestes autos. Quanto à questão de saber se, in casu, se verifica uma situação de litisconsórcio necessário do lado passivo o que, na perspetiva da recorrente, afastaria a competência da jurisdição convencionada, ao abrigo do artigo 25.º do Regulamento n.º 1215/2012, considerou o acórdão recorrido que, tendo a autora pedido a condenação solidária das rés no pagamento de determinada quantia, não se está perante o referido litisconsórcio, pois que o regime das obrigações solidárias, mormente no âmbito da solidariedade passiva, não se adequa à lógica da intervenção plural fundada na natureza da relação jurídica, na medida em que, por via do critério da responsabilidade substantiva (artigos 512º, nº 1, 518º, 519º, 523 e 526, todos do C. Civil) está sempre cautelado o efeito útil da decisão. A este respeito, e como já tivemos ocasião de referir, este Supremo Tribunal tem reiterado de forma constante que as disposições do Regulamento (UE) 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12-12-2012, incluindo a disposição do art. 25.º (e, anteriormente, o art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001), têm prioridade sobre as normas de direito interno e, portanto, sobre as normas do Código de Processo Civil. Ainda muito recentemente, num caso com contornos semelhantes aos destes autos, este Supremo Tribunal entendeu que eventual litisconsórcio necessário natural do lado passivo não afastava a aplicação de uma cláusula atributiva de jurisdição que cumpra os requisitos formais e substanciais estabelecidos no art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, não se permitindo, por isso, que a parte que deveria ser demandada no tribunal de um outro Estado-Membro da União Europeia, de acordo com o que foi convencionado, possa ser demandada em Portugal em virtude de a autora poder ter configurado a ação em termos que exigem a demanda de um terceiro estranho ao pacto de jurisdição.[11] Neste contexto, e mesmo que as especificidades do caso concreto pudessem configurar, à luz da lei processual portuguesa, um caso de litisconsórcio necessário natural, a verdade é que, contrariamente ao que parece defender a recorrente, a questão da interpretação, validade e eficácia de um pacto atributivo de jurisdição a tribunais de outros Estados-Membros da União Europeia não pode ser equacionada em função dos conceitos normativos da ordem jurídica portuguesa. Tão pouco se encontra fundamento para, no contexto dos autos, considerar que a procedência da exceção de incompetência internacional do Tribunal português quanto à 2ª Ré seria razão bastante para determinar a ilegitimidade da outra ré.
Em fase do exposto, é de julgar improcedente o recurso, nesta parte. *** 14. Do conhecimento imediato do mérito da causa Como decorre do antecedente relatório, por se entender que a decisão da causa dependia apenas da aplicação e da interpretação de normas jurídicas já debatidas pelas partes, sendo indiferente a prova dos factos ainda controvertidos e, na medida em que, sem necessidade de mais provas, o estado do processo permitia decisão segura, foi proferido saneador/sentença a julgar totalmente improcedente a ação quanto à lª R. DRISCOLL'S Portugal, Unipessoal, Lda., absolvendo-a dos pedidos deduzidos contra esta pela A.. Inconformada, a A. recorreu de tais decisões para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido proferido o acórdão a julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença da 1ª instância. A autora interpôs, então, revista excecional, invocando como fundamento a existência de contradição jurisprudencial, recurso que foi admitido pela Formação, embora “com o seu âmbito circunscrito à questão da invocada ilicitude processual, à luz do disposto no artigo 595.°, n.° 1, alínea b), do CPC, do julgamento antecipado proferido pelas instâncias sobre o mérito das pretensões deduzidas pela A. contra a lª R. DRISCOLL'S Portugal - Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Ldª”. É este juízo, que legitimou o julgamento antecipado da causa relativamente à lª R., que importa, pois, sindicar. Por outras palavras: a questão de que cumpre conhecer consiste em saber se o estado dos autos permitia, sem necessidade de mais provas e com a segurança indispensável, conhecer imediatamente do mérito da causa relativamente à 1ª Ré, ou se, pelo contrário, existe ainda matéria de facto controvertida necessária não só a uma melhor caracterização da complexa situação litigiosa, mas também à sua resolução no quadro das soluções de direito plausíveis, tendo-se assim violado o disposto no artigo 595.°, n.° 1, alínea b), do CPC. Ora bem. A respeito do conhecimento imediato do mérito da ação, tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal que “só poderá ser levado a cabo o conhecimento imediato, parcial ou total, da causa quando se conclua, de forma evidente, pela desnecessidade de prosseguir a ação (…)” – cfr. O acórdão do STJ de 07-1-2019, revista n.º 878/17.9T8LRA.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Oliveira Abreu.[12] Ou, como se consignou no mesmo acórdão: “(…) o conhecimento imediato do mérito da causa, nesta fase intermédia da demanda, só será de reconhecer quando, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não tendo em vista apenas e só a adotada pelo juiz da causa, a matéria de facto não deixar dúvidas sobre a sua procedência ou improcedência, sendo que tal ocorrerá quando toda a facticidade se mostre adquirida processualmente (por confissão expressa ou tácita, e/ou por acordo ou sustentada documentalmente), a par de que seja manifestamente indiferente, para qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, a demonstração de quaisquer outros factos impugnados, tendo sempre presente a questão que subjaz ao debate jurídico a levar a cabo pelo tribunal.” Como também se refere no acórdão do STJ de 18-01-2018, revista n.º 18084/15.5T8LSB.L1.S2, Relator Roque Nogueira[13]: “O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador quando para tal não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo – art. 595.º, n.º 1, al. b), do CPC. Devem os tribunais fazer uso prudente e cauteloso desse poder, não devendo a segurança ser sacrificada à celeridade.”. Em consonância com esta orientação, adiantamos, desde já, que, no caso em apreço, o estado dos autos não permite fundar um juízo antecipado de mérito. Antes de mais, importa ter presente, tal como se realçou no acórdão da Formação, que a diretriz constante da alínea b) do n.° 1 do artigo 595.° do CPC, inspirada no princípio da economia processual, em ordem a permitir o julgamento antecipado do mérito da causa, quando não haja factos controvertidos ou necessitados de prova a produzir em audiência final, deve ser interpretada no sentido de que “a aferição da necessidade de produção de prova em sede de audiência final, atentos os factos controvertidos, deverá ser feita em função das soluções de direito que então se afigurem objetivamente plausíveis e não na estrita perspetiva jurídica, subjetiva, do juiz que proferir o saneador-sentença, a não ser que se trate de questão unicamente de direito para a qual a matéria de facto controvertida seja absolutamente indiferente ou irrelevante. Será esse sentido que se encontra ínsito na locução, de cariz indeterminado, expressa no normativo transcrito, ao ter como referência: sempre que o estado do processo permitir.”. Dito isto. No caso em debate, interessa convocar o acórdão invocado como fundamento da revista excecional e que foi proferido no âmbito do processo n.° 447/18.6T8FAR e do processo n.º 450/18.6T8FAR, àquele apenso, em que estavam em causa duas ações declarativas instauradas contra as duas mesmas rés da presente ação, com forte similitude entre as situações processuais ocorridas nestes autos e naqueles processos, e em que a lª instância proferiu saneador (parcelar) a julgar procedente a exceção de incompetência internacional, absolvendo a ré DRISCOLL'S Of Europe BV da instância e, depois, saneador-sentença a julgar de mérito improcedentes as pretensões deduzidas pelas ali autoras contra a ré DRISCOLL'S Portugal - Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Ldª. Nesse acórdão-fundamento revogou-se a decisão da 1ª instância e ordenou-se o prosseguimento dos autos para julgamento. Para assim decidir, considerou-se que: “Perscrutado o objecto da causa, em associação com a factualidade trazida aos autos pelas partes, verifica-se que existem questões problemáticas essenciais sobre o enunciado contratual - parte delas que se reportam ao âmbito de delimitação objetiva e subjetiva da responsabilidade - de carácter duvidoso e que não se encontram totalmente cristalizados na fase de gestão inicial do processo. Por isso, a nosso ver, ainda que a final até pudesse ser pré-visionada uma solução idêntica caso estivessem preenchidos os pressupostos tácitos de suporte, no plano jurídico a matéria em apreço não poderia ter sido decidida de imediato com a segurança exigida por lei, Na verdade, inexistem elementos factuais para promover uma decisão conscienciosa e completa relativamente a todas as questões suscitadas. E, deste modo, relativamente a esta componente do pedido, não podia o Tribunal "a quo'" ter proferido saneador-sentença nos exatos termos exarados. Existem matérias não decifradas factualmente a propósito do apuramento da natureza, da configuração e do conteúdo negocial que podem eventualmente alterar o sentido decisório tomado. Além do contexto negocial, sobejam ainda dúvidas sobre a existência (ou não) de um eventual incumprimento contratual nos parâmetros dos danos sofridos e na aferição do nexo de causalidade entre o incumprimento contratual e no aferimento desses valores, bem como no apuramento do conteúdo da relação existente entre as pessoas coletivas aqui presentes. Sem que tal constitua uma nulidade processual, toda a decisão se encontra estruturada apenas em 5 (cinco) factos - parte substancial relacionados com a situação registral comercial dos diversos envolvidos e um deles emitido a propósito do contrato sub judice - mas estes factos não são suficientes para justificar a decisão tomada. Na arquitetura da ação, a parte ativa salienta que a Autora e as Rés mantêm relações comerciais relacionadas com a atividade de produção e comercialização de frutos vermelhos. Mais avança que todo o processo operacional e negocial respeitante ao território português foi conduzido e coordenado por ambas as Rés, atuando a primeira Ré enquanto verdadeira representante da segunda Ré para o território nacional, passando indistintamente por ambas a generalidade dos contactos e acordos acerca da atividade de produção da Autora. Mais ressalta da leitura da petição inicial que, para além do acordo escrito estabelecido com a sociedade holandesa, existiram estipulações acessórias não escritas que vincularam a pessoa coletiva sediada em território nacional, designadamente ao nível da fixação de objetivos de produção para o período. E, ultrapassando esta fase de descrição do trato negocial estabelecido, uma das causas de pedir está estribada na interpretação de uma cláusula contratual. Como é natural desconhece-se se são veridictas ou falsas estas alusões fácticas. Porém, as mesmas não foram escrutinadas pelo Tribunal. Complementarmente, as conclusões jurídicas tomadas não assentam em qualquer fundamento fáctico de suporte e a decisão jurídica corresponde apenas a um juízo abstrato-hipotético sobre matérias que se encontram controvertidas e que não viabilizam a construção de um silogismo judiciário com um grau de certeza adequado aos fins do processo civil. (…).” Tais considerações têm toda a razão de ser e aplicam-se inteiramente ao caso que agora analisamos, pois, como se salientou no acórdão da Formação, “em ambos os processos estão em causa pretensões deduzidas contra as mesmas rés, ainda que por autoras diversas, mas comungando de uma semelhante posição subjetiva - todas elas agentes de produção e de comercialização de frutos vermelhos no mercado dominado pelas rés -, num quadro contratual e de relação comercial complexa do mesmo tipo, em que os litígios emergiram de divergências sobre os preços previstos e praticados pelas rés e até sobre a validade de uma cláusula contratual estipulada nessa matéria, alegadamente nas mesmas condições pré-negociais e em semelhante devir de execução do programa contratual e das desenvolvidas relações comerciais. A par disso, a configuração do objeto desses litígios apresenta idênticos traços essenciais e similares estados de controvérsia na fase da gestão inicial/saneamento do processo sobre o mesmo tipo de questões ali suscitadas. Com efeito (…) foi alegado todo um factualismo complexo tendente a caracterizar as relações comerciais havidas entre aquela A. e ambas as R.R. que não se cinge ao núcleo duro do contrato-tipo escrito, denominado Grower Agreemení 2013 (314-2013), celebrado, em 25/04/2013, entre a mesma A. e a 2ªR., mas que se estende ao nicho mais alargado das relações comerciais que envolveram a formação e a execução continuada desse contrato, incluindo o papel aí desempenhado pelas mesmas rés, o que, de modo algum, se encontra substancialmente refletido nos cinco factos tidos por assentes, tal como sucedeu nos processos em que foi proferido o acórdão-fundamento.”. Neste contexto, e em particular no que se refere à caracterização das alegadas relações comerciais complexas havidas entre a A. e ambas as R.R., que as instâncias desconsideraram, assumindo que a causa de pedir assentava unicamente no incumprimento do referido contrato-tipo celebrado entra a A. e a 2ª, sem cuidarem de esclarecer o alcance e sentido dado a essas relações comerciais e de perspetivar o alegado sobre a intervenção delas na formação e no desenvolvimento subsequente desse contrato, bem como no plano da intervenção e representação da 2ª R no território nacional, a produção de prova sobre a factualidade alegada e impugnada poderá permitir uma melhor caracterização dos negócios celebrados e, porventura, justificar a aplicação de outros institutos jurídicos relevantes para a boa decisão da causa. Por outro lado, relativamente à invocada solidariedade das R.R., as instâncias limitaram-se a convocar o respetivo regime geral para concluir logo pela inexistência de solidariedade legal nem convencional nos termos do artigo 513.° do CC, ignorando que, em sede das relações comerciais, existe solidariedade passiva nos termos do art.° 100.° do Código Comercial. Nesta perspetiva, cremos ser prematuro fundar o juízo de improcedência dos pedidos formulados contra a 1ª R, sem ter em conta todas as circunstâncias do caso concreto que a produção ulterior de prova poderá vir a revelar. Em suma: perante o contexto litigioso e processual da presente ação importa produzir prova sobre a factualidade alegada, essencial para proferir decisão de mérito em relação às pretensões da A. contra a 1ª R. Em face do exposto, impõe-se a revogação do acórdão recorrido, a fim de os autos prosseguirem a sua tramitação, com a instrução e julgamento da causa, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na revista. *** IV – Decisão 15. Nestes termos, concedendo parcialmente a revista, acorda-se em anular o acórdão recorrido, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação, nos termos e para os fins que se deixaram acima consignados, confirmando quanto ao mais o decidido. As custas do recurso serão suportadas pela recorrente na proporção de 50% do que for devido, sendo o restante a cargo da parte vencida a final. Lisboa, 2/6/2021 Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado 1º Adjunto: Oliveira Abreu 2º Adjunto: Ilídio Sacarrão Martins Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, do Decreto-Lei nº 20/2020, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade. ________ [1] V. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 95.º, in Código de Processo Civil anotado, vol. I , pág. 223. |