Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3525/12.1TBPTM-A.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
RECUSA
ASSEMBLEIA DE CREDORES
FAZENDA NACIONAL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO.
DIREITO TRIBUTÁRIO - PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO - RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA / CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.ºF, N.º5, 215.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO (CPPT): ARTIGOS 196.º, N.º/S 3 E 6, 199º, Nº/S 1, 2, 6, 7 E 9.
LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT), NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI Nº 55-A/2010, DE 31.12: - ARTIGOS 30.º, N.ºS 2 E 3, 36.º, N.º2.
LEI Nº 52/2008, DE 28-08 (L.O.F.T.J. – LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS): - ARTIGO 42.º, N.º2
LEI Nº 55-A/2010, DE 31.12 (LEI DO ORÇAMENTO PARA 2011): - ARTIGO 125.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18.02.14, PROC. Nº 1786/12.5TBTNV.C2.S1.
-*-

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 01.04.14, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

 I – Nos termos do disposto no art. 215º, nº1, do CIRE, o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores, designadamente no caso de violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo.

II – Estando em causa um crédito da Fazenda Nacional correspondente a 3,46% do montante global dos créditos e tendo o plano de recuperação do devedor sido aprovado por credores titulares de 75,63% daquele montante, pode ser havida como negligenciável, atenta a natureza e finalidade associadas  ao direito insolvencial, a violação de normas tributárias aplicáveis ao conteúdo do mesmo plano.

Decisão Texto Integral:

Proc. nº 3525/12.1TBPTM-A.E1.S1[1]

                (Rel. 158)

                              Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – O Mº Pº, em representação da Fazenda Nacional, interpôs recurso de apelação da decisão que, nos autos em epígrafe, a correr termos na comarca de Portimão (2º Juízo Cível), homologou o plano de revitalização da requerente “AA – Construção e Obras Públicas, Lda”.

       A dívida reclamada nos autos pela Fazenda nacional, reconhecida pelo Sr. Administrador, ascende a € 985 153,25, correspondente a débitos de IVA, IRC, coimas e juros.

       O plano de revitalização apresentado foi aprovado por credores representando 75,63% dos créditos, não estando de acordo apenas o credor “BB Bank” e a Fazenda Nacional, representando 19,04% de votos desfavoráveis, sendo de 12,334% a percentagem do crédito da Fazenda Nacional.

       Esta votou desfavoravelmente o plano de recuperação apresentado por o mesmo “defender a redução dos créditos fiscais, porquanto prevê o perdão da totalidade dos juros vencidos e das coimas; prever um regime de pagamento prestacional ilegal e não prever a constituição de garantias idóneas e suficientes”.

       Apreciando o plano, o tribunal decidiu-se pela sua homologação, justificando a sua posição, no aspecto controvertido, da seguinte forma:

       “Igualmente, no que concerne aos créditos fiscais, após alteração sugerida pelo tribunal, que fez com que as coimas passassem a integrar o capital, a reembolsar na totalidade (tal como acontece com os demais credores), cremos que fica salvaguardada a igualdade substancial de posições entre os credores e, bem assim, o pagamento de montantes que se traduzem em dívidas de carácter substantivo, decorrentes de tributos ou sanções, em detrimento de dívidas de carácter processual (como serão as derivadas de custas, pese embora aqui também haja uma vertente tributária, que, todavia, só surgem por estar a decorrer um processo, não se prendem com uma obrigação autónoma e substantiva)”.

       A Relação de Évora, por acórdão de 19.09.13, julgando procedente a apelação, revogou a decisão recorrida, recusando, consequentemente, a impugnada homologação judicial do plano de revitalização, porquanto, como acolhido no respectivo sumário, “I – Dado o disposto no art. 30º, nº/s 2 e 3 da LGT, com a sua actual redacção, não é legalmente possível homologar um plano de revitalização de empresa que implique redução, extinção ou moratória de créditos fiscais sem que a Fazenda Pública o tenha votado favoravelmente. II - O plano de revitalização que preveja redução de créditos tributários e que tenha merecido voto contrário da Autoridade Tributária, implica violação não negligenciável de normas respeitantes ao mesmo crédito, devendo determinar a recusa da sua homologação, nos termos do art. 215º, nº1 do CIRE”

       Daí que a requerente, invocando a contradição mencionada no art. 14º, nº1 do CIRE e decorrente do que havia sido decidido no acórdão-fundamento de 06.06.13, da mesma Relação[2], tivesse interposto recurso de revista excepcional, o qual foi rejeitado por douto acórdão de 21.01.14 da correspondente formação, dada a patente inexistência do condicionante pressuposto da “dupla conformidade”.

       Remetidos os autos à normal distribuição, foi o recurso admitido, como revista “normal”, nos aplicáveis termos do preceituado no art. 14º, nº1 do CIRE.

       Visando a revogação do acórdão, a recorrente apresentou alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões (na parte que, ora, releva):

                                                       /

1ª – A douta sentença recorrida que homologou o Plano não violou os arts. 30º, nº/s 2 e 3, 36º, n03 da Lei Geral Tributária, arts. 85º n03, 196º e 199º do CPPT e art. 125° da Lei 55-A/2010, de 31/12 (Lei do Orçamento do Estado de 2011), tendo interpretado correctamente as referidas disposições legais;

2ª – A Lei Geral Tributária não derroga o Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa, podendo o Plano de Insolvência perdoar ou reduzir todos os créditos privilegiados e comuns, inclusive os do Estado, na medida em que implica a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência perante as normas de natureza fiscal;

3ª – Assim sendo, pode um Plano de Insolvência ou de Recuperação regular os créditos fiscais ou parafiscais, contra o voto do Estado;

4ª – Tendo sido essa a Jurisprudência dominante, pelo menos, até ao final de 2010. E assim deverá continuar!

5ª – Efectivamente, no actual procedimento falimentar, é aos credores que assiste a faculdade de decidir a forma como hão-de ser satisfeitos os seus créditos;

6ª – Uma das consequências da sentença que decreta a insolvência consiste na perda de privilégios que, até então, assistem ao Estado;

7ª – Sendo certo que o dever de pagar impostos está associado a interesses económicos com protecção constitucional, também é certo que o facto da Fazenda Pública recorrer persistentemente das sentenças que homologuem um Plano que contemple as medidas de diminuição ou diferimento no pagamento dos créditos tributários, contende com outros interesses de natureza económica e social, que constituem, igualmente, obrigações do Estado;

8ª – Por isso, a introdução do nº3 do art. 30º da LGT, deve continuar a entender-se como inoponível à homologação de um Plano de Insolvência ou de Recuperação que tenha sido aprovado pela maioria legalmente prevista;

9ª – Porquanto, os referidos acordos de pagamentos aos credores estão sob a égide dos limites constitucionais da igualdade e da legalidade tributárias e sob a sindicância judicial na apreciação da respectiva legalidade;

10ª – A regra do PER é a de privilegiar tudo o que não contrarie o interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do colectivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização da entidade devedora!

         Contra-alegando, defende o Dig. mo Agente do Mº Pº, em representação da Fazenda Nacional, o provimento do recurso, “ordenando-se a remessa dos autos à 1ª instância”, porquanto, “prevendo o plano de insolvência a redução de créditos ou garantias fiscais, em violação do disposto no art. 30º, nº/s 2 e 3 da LGT, a não homologação do mesmo só deverá ocorrer se não for efectuada a sua reformulação no prazo razoável que for fixado, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 207º e 215º do CIRE.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                    *

2 – A Relação teve por provada a factualidade mencionada no relatório do acórdão recorrido e transcrita em 1 supra, devendo explicitar-se que, em relação ao reconhecido crédito da Fazenda Nacional, no montante global de € 985 153,25, continha, em suma, o proposto Plano de Insolvência a adopção das seguintes medidas:

                                                  /

--- Pagamento integral do capital, por dispor o nº2 do art. 30º da LGT (Lei Geral Tributária) que o crédito tributário é indisponível;

--- Substituição das garantias existentes;

--- Constituição imediata de cessão de créditos detidos sobre terceiros a favor da Fazenda Nacional;

--- Pagamento, em 150 mensalidades postecipadas de termos de capital constante, vencendo-se a primeira prestação um mês após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;

--- Pagamento imediato de todas as obrigações que venham a vencer-se após a apresentação do presente requerimento, como, aliás, tem vindo a ser escrupulosamente cumprido pela, ora, requerente;

--- Património universal da requerente não onerado para efeito de prestação de garantias;

--- Compensação de créditos quanto a reembolsos e outros créditos tributários de que a requerente seja titular, colocando esta ao dispor da Fazenda Nacional a totalidade dos créditos aludidos.

                                                   *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado e não tendo lugar – como, ora, sucede – a ampliação prevista no art. 636º) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 608º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº4, 639º, nº1 e 679º, todos do vigente CPC[3]) –, constata-se que a questão por si suscitada e que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso consiste em saber se, tendo sido homologado o plano de insolvência relativo à recorrente, apesar do voto contra da Fazenda Nacional, o mencionado plano, por violar a lei imperativa, não podia ter sido homologado judicialmente, devendo ser considerado nulo e não produzindo quaisquer efeitos.

       Apreciando:

           

                                                          *

4 – A sobredita questão foi já objecto de meticulosa abordagem e exaustivo tratamento por parte desta 6ª Secção – à qual são distribuídos, nos termos do disposto no art. 42º, nº2 da Lei nº 52/2008, de 28.08 (L.O.F. T.J.Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), todos os processos mencionados no respectivo art. 121º –, na sequência do que foi proferido, por unanimidade, o Ac. de 18.02.14, de que foi relator o Ex. mo Cons. Fonseca Ramos e em que os, ora, relator e 1ª adjunta intervieram como adjuntos (Proc. nº 1786/12.5TBTNV.C2.S1).

       Conforme respectivo sumário, aí se entendeu que:

                                                          /

     1 – O Direito falimentar português tem sido objecto de reformas, sempre oscilando entre dois paradigmas, tendo em conta a situação da economia e das empresas – indissociável da conjuntura económica e financeira nacional e transnacional – num tempo histórico em que a globalização tornou vulneráveis as economias de muitos países, mormente daqueles cuja situação económica e financeira, por ser mais precária, foi mais atingida por uma nova realidade: um dando primazia à recuperação, outro privilegiando a liquidação de empresas em estado de insolvência iminente.

     2 – A Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, reformou aspectos do CIRE, em consequência das obrigações assumidas pelo Estado por imposição do Memorando da troika que, nos pontos 2. 17, 2.18 e 2.19 – “Enquadramento legal da reestruturação de dívidas de empresas e de particulares”, dispõe:

“2.17. A fim de melhor facilitar a recuperação efectiva de empresas viáveis, o Código de Insolvência será alterado até ao fim de Novembro de 2011, com assistência técnica do FMI, para, entre outras, introduzir uma maior rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação de planos de reestruturação.

2.18. Princípios gerais de reestruturação voluntária extrajudicial em conformidade com boas práticas internacionais serão definidos até fim de Setembro de 2011.

2.19. As autoridades tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos, nos casos em que outros credores também aceitem a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dívidas”.

     3 – Daqui decorre que o Estado, num quadro de forte constrangimento económico e financeiro, assumiu o compromisso de legislar no sentido de introduzir um quadro legal de cooperação e flexibilização dos seus créditos quando estiver em causa a aceitação de reestruturação de créditos de outros credores, ou seja, o Estado Português aceitou adoptar, legislativamente, procedimentos flexíveis quanto aos seus créditos, que, no direito português, como é consabido, se apresentam exornados de fortes garantias (v. g. privilégios creditórios), em ordem à salvaguarda das empresas, em comunhão de esforços com os credores particulares, dando primazia à recuperação.

     4 – Esse foi o caminho trilhado pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, antes mesmo da Reforma de 2012, ao considerar que o Estado, no contexto do processo insolvencial, poderia ver os seus créditos afectados por decisão dos credores, porquanto as prerrogativas dos seus créditos, no contexto da relação tributária, não seriam, sem mais, transponíveis para o processo universal que a insolvência é, e, por isso, não estavam os créditos da Autoridade Tributária numa posição de intangibilidade, enquanto os credores privados renunciavam aos seus direitos na tentativa de recuperar a empresa e, reflexamente, outros interesses a ela ligados, onde nem sequer é despiciendo aludir aos benefícios que o erário público colhe quando uma empresa é recuperada e não liquidada pela inviabilidade da sua recuperação.

     5 – O legislador alterou a Lei Geral Tributária blindando os créditos fiscais. O art. 30º, nº2 estatui – “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, tendo o art. 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31.12 (Lei do Orçamento para 2011), aditado um nº3 ao art. 30º, para que não restassem dúvidas: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.

     6 – Reafirmando com indiscutível clareza a indisponibilidade dos créditos tributários, proibindo a sua redução ou extinção e tendo em conta a amplitude do conceito de “relação tributária” e o que a constitui – cfr. art. 30º, nº1, als. a) a e) – o direito insolvencial, após a reforma de 2012, quando conjugado com aqueles preceitos da LGT, é dificilmente harmonizável.

     7 – Como é notório, quer os créditos do Estado, quer os de outras entidades, como a Segurança Social, representam, em grande número de casos, avultadas somas, daí que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que terão de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias, ante o Estado que, nada cedendo, se coloca numa posição de jus imperii, num processo em que, só excepcionalmente, deveria ter tratamento diferenciado.

     8 – Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com a execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos e garantias, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.

    

                                                           *

5 – A fundamentação constante do transcrito sumário e a que, mais desenvolvida e exaustivamente, é invocada no respectivo acórdão, – uma e outra, aqui, inteiramente perfilhadas e para onde se remete, porquanto objecto de publicação e acessíveis em www.dgsi.pt –, conduziria, fatalmente, ao acolhimento da pretensão da recorrente, a qual, em homenagem à filosofia de valores que presidiu ao CIRE, na redacção emergente da Lei nº 16/2012, de 20.04, deverá, em conformidade, sobrepor-se e prevalecer sobre as denunciadas e sucessivas dislexias legislativas sobre a matéria.

       É que, no caso dos autos e além do mais que tal fundamentação encerra, peculiares circunstâncias reforçam um tal entendimento:

----- Desde logo, o facto de não ter havido redução ou perdão de capital devido pela recorrente, tanto mais que o montante das coimas em dívida acabou por ser qualificado e tratado como dívida de capital;

----- É a própria Fazenda Nacional que se mostra receptiva ao “pagamento em regime prestacional” do montante em dívida (Cfr. fls. 497, que mais se assemelha a mera e burocrática transcrição de anódina circular que à ponderação e consideração do caso concreto…);

----- Em 13.01.14, conforme certificado pela competente autoridade tributária (Cfr. fls.362), a recorrente já só devia a esta a quantia de € 276 796,91, o que equivale a, apenas, 3,465% do montante global dos créditos;

----- Face à mencionada diminuição do montante em dívida à Fazenda Nacional, tem de reconhecer-se que tal traduz uma conduta linear e construtiva, desde então, por parte da gerência da recorrente, carecendo de plausível justificação a exigibilidade de substituição da respectiva gerência por haver sido contemplado no plano o pagamento em prestações de créditos fiscais;

----- No plano de revitalização, foram previstas garantias que se nos afiguram idóneas e suficientes para obter a satisfação do crédito da Fazenda Nacional: colocação do património universal e não onerado da devedora ao seu dispor; e cessão de créditos que a devedora detém sobre terceiros e judicialmente reconhecidos, no valor de € 621 441,00, a favor da Fazenda Nacional.

       Tudo impondo, pois, a conclusão de que, no configurado quadro circunstancial, nunca poderia qualificar-se como não negligenciável a invocada violação dos arts. 30º, nº/s 2 e 3 e 36º, nº2 da LGT (Lei Geral Tributária), na redacção introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31.12, e 196º, nº/s 3 e 6 e 199º, nº/s 1, 2, 6, 7 e 9, ambos do CPPT (Código de Procedimento e Processo Tributário) (Convergindo, neste sentido, v. g. o Ac. da Rel. de Coimbra, de 01.04.14, de que foi relator o Ex. mo Desembargador Manuel Capelo e acessível em www.dgsi.pt).

       Assim, por ausência de preenchimento de qualquer das correspondentes previsões constantes do art. 215º (“ex vi” do preceituado no art. 17º-F, nº5) do CIRE, inexiste fundamento legal para a decretada recusa oficiosa de homologação do plano de recuperação da devedora, impondo-se, pois, a revogação do acórdão recorrido e a repristinação, com a aduzida fundamentação, do decidido na 1ª instância.

                                                           

                                                        *

6Sumário (art. 663º, nº7):

                                                        /

 I – Nos termos do disposto no art. 215º, nº1, do CIRE, o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores, designadamente no caso de violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo.

II – Estando em causa um crédito da Fazenda Nacional correspondente a 3,46% do montante global dos créditos e tendo o plano de recuperação do devedor sido aprovado por credores titulares de 75,63% daquele montante, pode ser havida como negligenciável, atenta a natureza e finalidade associadas  ao direito insolvencial, a violação de normas tributárias aplicáveis ao conteúdo do mesmo plano.

                                                        *

7 – Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, em consequência do que se revoga o acórdão recorrido, repristinando-se, com a aduzida fundamentação, o decidido na 1ª instância.

        Custas, aqui e na Relação, pela Fazenda Nacional, ficando as devidas na 1ª instância sujeitas ao regime previsto no art. 304º do CIRE.

                                                    /

                                        Lx  09/ 07/2014/

--------
[1]  Relator: Fernandes do Vale (05/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2]  Assim sumariado: “I – O Estado soberano que elaborou as leis que protegem os seus créditos de impostos – com prazos, garantias e exigências próprias – é o mesmo Estado soberano que fez o CIRE, pelo que, aquando da elaboração deste, conhecia bem a existência daquelas. II – Nada impede, pois, a homologação do plano de recuperação no qual sejam afastados os regimes tidos por imperativos em matéria de prazos e garantias de pagamento desses tributos, desde que se não verifiquem casos de recusa da homologação pelo juiz previstos nos arts. 215º e 216º do CIRE”.
[3]  Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.