Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6155/15.2T8GMR.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
DECLARAÇÃO
CONFISSÃO
CONTRATO DE SEGURO
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / CONFISSÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3.ª Edição, 2016, p. 48-49;
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1981, p. 233 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 352.º E 357.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 17/02/2009, PROCESSO 08A3761 JSTJ000, IN CJSTJ, TOMO I, P. 102 E WWW.DGSI.PT;
- DE 20/01/2010, RELATOR ALVES VELHO;
- DE 09/07/2015, RELATORA ANA PAULA BOULAROT;
- DE 03/10/2017, PROCESSO N.º 569/13.0 TBCSC.L1.S1.
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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
- DE 04/03/2013, RELATOR FILIPE CAROÇO, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. No âmbito de um contrato de seguro para cobertura de acidentes pessoais, donde consta uma cláusula geral contendo, num dos seus pontos, uma extensa e diversificada lista de casos de exclusão dessa cobertura, sob as alíneas de a) a u), algumas delas subdivididas em numeração romana, entre os quais figura, na alínea u), item iv, a exclusão de “acidentes ocorridos durante a execução de trabalhos ou atividades de “limpeza ou corte de árvores”, não se mostra lícito considerar que esta exclusão, dado o seu contexto literal, seja de fácil apreensão para um aderente com a 4.ª classe, nos escassos 10 a 15 minutos que lhe foram disponibilizados.

II. Tendo o aderente, ao subscrever a proposta do seguro, assinado também uma “declaração impressa” donde constava que lhe “foram prestados todos os esclarecimentos de que necessitava para a compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões, sobre cujo âmbito e conteúdo ficara esclarecido”, quando nem tão pouco o mesmo suscitara quaisquer dúvidas quanto às coberturas e exclusões exaradas nas condições particulares e gerais do contrato de seguro, nem sequer a falta delas, para mais não tendo a predisponente provado que tal clausulado lhe tenha sido dado a ler, tal só pode significar que essa “declaração impressa” foi assinada por aquele aderente sem atentar minimamente no teor do documento que lhe foi então entregue.

III. Nessas circunstâncias, não pode essa declaração, pela forma tão genérica como se apresenta e alheada como foi do teor daquele documento, valer como reconhecimento inequívoco e específico do mencionado clausulado, ou seja como confissão, nos termos previstos nos artigos 352.º e 357.º, n.º 1, do CC.

IV. Em tais circunstâncias, incumbia, antes de mais, à representante da predisponente advertir o aderente do relevo de todo esse clausulado extenso e diversificado de exclusões da cobertura do seguro, atento o âmbito do contrato de seguro de acidentes pessoais em referência, bem como chamar a atenção para a necessidade de ler com o devido cuidado o documento entregue.

V. Dada a relação de confiança existente entre o aderente e a representante da predisponente, bem como o facto de ter sido esta quem aconselhou e incentivou aquele à outorga do seguro, compreende-se que o mesmo aderente tenha subscrito a proposta de seguro e a sobredita declaração impressa nos moldes em que o fez e que, nesse contexto, não tenha tomado consciência do relevo do mencionado clausulado de exclusões da cobertura do seguro e da necessidade de uma leitura cuidadosa deste clausulado.

VI. Nesse contexto, não se afigura que seja imputável ao aderente um comportamento negligente por não ter procurado inteirar-se desse clausulado, concluindo-se antes pela inobservância do dever de comunicação e informação, por parte da predisponente.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


 

I – Relatório


1. AA (A.) instaurou, em 29/09/2015, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a BB, S.A. (R.), alegando, no essencial, que:

. Em 11/12/2013, no balcão da CC, a A. contratou com a R. um produto financeiro designado DD – e juntamente com o seu ora falecido marido EE celebraram dois com a mesma R. dois contratos de seguro de acidentes pessoais, do ramo vida, denominados “FF”, tendo sido então ambos informados de que, em caso de morte de um deles, o sobrevivente receberia a totalidade do capital de € 50.000,00;

. Porém, não foi fornecido à A. e seu marido, nem na altura nem posteriormente, qualquer documento ou informação complementar relativamente às cláusulas e cobertura contratuais;

. Na vigência desses contratos, em 15/01/2014, o marido da A. faleceu na sequência duma queda ocorrida quando se encontrava a podar uma árvore, tendo-se concluído, no relatório da autópsia, que a morte foi devida às lesões traumáticas torácicas sofridas associadas a enfarte agudo do miocárdio com 1 a 3 dias de evolução, que surgiu como complicação durante o internamento hospitalar subsequente à referida queda;             

. Em 03/02/2014, a A. participou à R. o mencionado sinistro, mas esta declinou qualquer responsabilidade, invocando a exclusão constante da alínea u)-iv, do ponto 4.1 da apólice, o que não colhe, porquanto do mencionado relatório consta apenas que as lesões sofridas com a queda concorreram para o enfarte do miocárdio que vitimou o sinistrado;

. Além disso, a R. não cumpriu os deveres de informação relativos ao contrato de seguro sobre a dita exclusão, sendo que, nessas condições, nunca a A. e marido teriam celebrado o mesmo, já que sempre acumularam a atividade agrícola com os seus empregos.

. A R. deve restituir os prémios que tem cobrado com referência ao contrato celebrado pelo falecido marido da A., no valor de € 102,00;  

Concluiu a A. a pedir que a R. fosse condenada:

A - A pagar-lhe a quantia global de € 55.133,28, acrescida dos juros de mora, contados desde a data da propositura da ação, à taxa legal para créditos comerciais, resultante da soma das seguintes parcelas:

 a) - € 50.000,00, respeitante ao capital do seguro;

 b) - € 5.031,08, por juros de mora sobre esse capital, contados desde 06/05/2014, data em que a R. teve todos os elementos para decidir pelo seu pagamento, até à data da propositura da ação;

  c) - € 102,00, a título de reembolso ou restituição, das quantias pagas pela A. à R., desde o mês de fevereiro de 2014, a título de prémio do contrato de seguro invocado;

B – A reembolsar ou restituir à A. todas as quantias que esta lhe venha a prestar desde a data da propositura da ação a título dos prémios de seguro do contrato invocado, acrescidas dos juros calculados nos termos e taxa acima indicadas.

2. A R. apresentou contestação, em que, impugnando a factualidade alegada pela A., sustentou que:

. O contrato de seguro em apreço foi celebrado através de mediador, no caso a GG, para quem se transferiu o dever de esclarecimento nos ter-mos do artigo 22.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 72/2008, por opção do falecido marido da A.;

. O marido da A. subscreveu então uma declaração impressa no sentido de lhe terem sido prestadas as informações prévias contratuais legalmente previstas, tendo-lhe sido entregue documento para o efeito e prestados os esclarecimentos necessários à compreensão do contrato, nomeadamente quanto a garantias e exclusões;

. O sinistro participado pela A. encontra-se excluído nos termos das condições gerais;

. A A. incorre em litigância de má fé ao invocar o desconhecimento da cláusula de exclusão em causa, bem como a não entrega ou não explicação das condições gerais por parte do tomador, que nunca suscitou qualquer dúvida, nem perante a GG nem perante a R..

Nessa base, concluiu a R. pela improcedência da ação, com exceção do direito à restituição dos prémios pagos após o óbito no seguro contratado pelo falecido marido da A..

E requereu a intervenção acessória provocada da GG, atenta a sua intervenção na qualidade de mediadora na celebração do contrato em causa.

3. Em articulado de resposta ao incidente dessa intervenção acessória, a A., além de exercer o contraditório quanto às exceções deduzidas na contestação, requereu também a intervenção da GG, a título principal, bem como a intervenção provocada principal dos demais herdeiros legais do seu falecido marido, HH, II e JJ como associados da própria A..

Nessa conformidade, a A. alterou o pedido inicial com vista a estendê-lo aos chamados seus associados e, subsidiariamente, pediu que a chamada GG fosse julgada, na qualidade de mediadora, pelo incumprimento das suas obrigações legais de informação, ao contraente LL, dos termos e das cláusulas do seguro em apreço e como única responsável pela inoponibilidade dessa cláusula à A. e, por via disso, condenada na indemnizações daí decorrentes.

4. Admitidas que foram as intervenções principais deduzidas, os intervenientes II e JJ fizeram seus os articulados da A.

5. Por sua vez, a GG contestou, pugnando, em primeira linha, pela rejeição do pedido subsidiário contra si formulado, por violação do princípio da estabilidade da instância, e no mais pela improcedência dessa pretensão, sustentando que:

. Do alegado incumprimento da chamada não resulta a obrigação de esta pagar o capital seguro, mas, quando muito, a indemnização pelos danos que o falecido marido da A. não teria sofrido se não tivesse ocorrido tal incumprimento, ou seja, a indemnização correspondente aos valores por ele pagos a título de prémios de seguro;

. Não obstante isso, a chamada seguiu à risca todas as instruções da R. Seguradora, dando a ler à A. e ao seu marido, antes da assinatura da proposta contratual, as notas informativas elaboradas pela R. donde constavam as exclusões, que foram sinteticamente referidas.

6. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador a admitir o pedido subsidiário formulado contra a GG, procedendo-se, de seguida, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, conforme fls. 348-357.

7. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 444 a 463/v.º, datada de 28/06/206, a julgar a ação procedente, decidindo:

   «a) - absolver do pedido a Interveniente GG, S.A.;

  b) - considerar a cláusula de exclusão do ponto 4.1, alínea iv), das condições gerais, excluída do respectivo contrato singular de seguro de acidentes pessoais celebrado entre EE e a Ré;

  c) - condenar a Ré BB, S.A., a pagar à Autora e demais Intervenientes Principais Ativos, na qualidade de herdeiros de EE, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados desde 6 de Maio de 2014 e até integral pagamento, às taxas sucessivamente emergentes do disposto no artigo 559.º/1 do C. Civil;

  d) - julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao pedido de reembolso dos prémios cobrados ao EE após a sua morte;

  e) - condenar a Ré BB, S.A., a pagar à Autora e demais Intervenientes Principais Ativos, na qualidade de herdeiros de EE, o montante correspondente aos juros moratórios, calculados às taxas sucessivamente emergentes do disposto no artigo 559.º, n.º 1, do CCivil, desde a data da cobrança indevida dos prémios referidos em d) e até à data em que os mesmos foram efetivamente reembolsados.»

8. Inconformada com tal decisão, a R. recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, através do acórdão de fls. 565 a 618, datado de 28/09/2017, por unanimidade, julgou a apelação totalmente improcedente, mantendo a decisão recorrida.

 9. Mais uma vez inconformada, a R. vem recorrer, a título de revista excecional, com fundamento em oposição jurisprudencial, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, para o que formulou as seguintes conclusões:

1.ª - O aresto recorrido ao confirmar o afastamento da cláusula de exclusão do ponto 4.1, alínea iv), das condições gerais, a qual excluía da cobertura da apólice acidentes pessoais emergentes de “limpeza ou corte de árvores”, por força da aplicação do disposto no art.º 8.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85 de 25/10, mesmo tendo-se provado que foi antecipadamente entregue ao tomador documento pré-contratual que continha essa cláusula de exclusão e que esta esteve na disposição deste último para que o lesse, encontra-se em oposição com o aresto fundamento proferido pelo STJ de 3/10/2017 no processo n.º 569/13. 0TBCSC.L1.S1;

2.ª - A decisão proferida no acórdão recorrido que se pronunciou negativamente sobre a arguição de nulidade da sentença ao elencar como facto provado um juízo conclusivo especulativo e condicional é uma questão de direito que não está subtraída do conhecimento em sede de revista pelo STJ;

3.ª - Tendo-se dado como facto provado uma afirmação condicional especulativa que imagina qual seria a posição contratual de uma pessoa entretanto falecida se fosse confrontada com uma exclusão contratual que, segundo a suposição, nunca conheceu (pois o problema com a mesma se levanta após a sua morte) além de bizarro tinha de ser considerado como não escrito dado que não se trata de uma realidade concreta de facto suscetível de comprovação;

4.ª - Por isso, deve ser eliminado o ponto 26 dos factos provados;

5.ª - Do que se encontra em discussão resulta que o contrato que está aqui em causa é aquele em que era tomador e pessoa segura o próprio falecido MM (cfr. ponto 8 dos factos provados), pelo que é quanto à informação prestada a este como tomador que releva apurar se houve ou não violação dos deveres de comunicação e esclarecimento;

6.ª - Dos factos provados resulta que a redação da cláusula em questão - que declara estarem sempre excluídos da cobertura do se-guro as actividades de “iv) limpeza ou corte de árvores” (art.º 2.º 4.1 iv) das CGA) é de um português simples que não oferece qualquer dúvida de interpretação a qualquer cidadão ainda que de condição modesta, que saiba ler;

7.ª - Provou-se que os tomadores - o falecido e a A. - não eram analfabetos, tendo o falecido completado a 4.ª classe quando atenta a sua idade eram as habilitações obrigatórias;

8.ª - Não se vislumbra nem das instâncias resulta qualquer segmento de dúvida interpretativa da dita cláusula de exclusão que carecesse de explicação complementar ou aclaração a quem soubesse ler, por menores habilitações que tivesse;

9.ª – Se, por um lado, resultou que as pessoas em causa não eram analfabetas, resultando até que, quanto ao A. marido, o mesmo “completou a 4.ª classe” (ponto 22 dos factos provados), é evidente que se trata de pessoas que, naturalmente, sabiam ler (o que de resto a A. nas declarações de parte confirma);

10.ª - A recorrente logrou demonstrar que entregou, assim colocando à disposição do tomador em causa - o falecido marido da A. - o conteúdo contratual de quatro páginas onde está legível e identificado quais são as exclusões contratuais - incluindo a acima indicada -, bem como que a A. e o falecido marido estiveram cerca de 10 a 15 minutos com o documento na sua posse para, querendo, examinarem o referido conteúdo contratual, após o que assinaram a proposta, ficando com o mesmo na sua posse (pontos 31 e 32 dos factos provados);

11.ª - Como se constata de fls. 278 a 280, 10 a 15 minutos é o tempo mais do que suficiente para que qualquer pessoa que não seja analfabeta leia um documento de duas páginas e meia, sobretudo quando já lhe foram explicadas as coberturas e ainda, complementarmente, uma das exclusões - acidentes em veículos de duas rodas - precisamente, porque esta não se encontrava especificada no elenco das demais exclusões e podia passar despercebida (cfr. ponto 29 dos factos provados)

12.ª - Tendo-se provado que, “em momento algum, o casal deu a entender que tinha dificuldade em ler ou que ou não entendia o teor do documento referido em 1.31” (ponto 34 dos factos provados) e tendo a funcionária entregue ao tomador, antes da celebração do seguro o documento de duas páginas e meio que contém as cláusulas de exclusão tem de se concluir por cumprido da parte do predisponente, o dever de comunicação e informação;

13.ª - O facto de se ter provado nos pontos 20 e 21 que o casal tomador apesar de reformados da indústria, complementarmente, sempre se dedicaram à “a agricultura à jorna, nomeadamente nas épocas das vindimas, das podas, no plantar e tirar batatas” e no “quintal da sua casa onde para além de plantarem videiras, sulfatarem e podarem, colhiam as uvas e faziam vinho para o seu consumo e os dos seus familiares”, sem que o tivesse comunicado à funcionária da GG, nenhum dever especial de informação faz impender sobre esta, mas antes sobre os próprios tomadores em direcionarem a sua atenção para a relação da exclusão em causa com essa sua atividade complementar;

14.ª - Como se provou, pese embora lhes fosse entregue o documento informativo pré-contratual que continha essa exclusão especificada e em redação entendível por qualquer pessoa minimamente alfabetizada, e ainda que desde essa entrega até à assinatura das propostas, dispuseram de tempo mais do que suficiente para lerem e pedirem esclarecimentos sobre aquilo que não fosse claro, o que não aconteceu, o facto de não se provar se leram efetivamente ou se desinteressaram de o fazer não pode afastar a conclusão do cumprimento do dever por parte da predisponente;

15.ª - Por isso, neste caso, se justifica que a A. “não possa invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respetivo cumprimento, quando esse desconhecimento, a existir, apenas resultou da sua falta de diligência” ou do falecido tomador no caso em apreço - Ac. STJ  de 24/3/2011;

16.ª - Afigura-se ilegal, por isso, a decisão que julgou inaplicável a cláusula de exclusão da cobertura em causa por alegada violação pela seguradora do dever de informação e comunicação, que não ocorreu;

17.ª - Afastando a cláusula em questão a cobertura do seguro em acidentes no decurso de trabalhos ou atividades de “iv) limpeza ou corte de árvores”, tendo-se provado que a morte do falecido tomador/segurado decorreu de uma queda de uma arvore quando procedia à poda da mesma (ponto 27 dos factos provados), deve a decisão proferida ser alterada no sentido da improcedência da ação e absolvição da R. do pedido por procedência da exceção de exclusão.

18.ª - Violou, deste modo, a decisão recorrida, o disposto nos artigos 5.º, 6.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 446/85, na redação atual, bem como dos artigos 18.º e 21.º do RJCS (Lei n.º 72/2008) e ainda do disposto nos artigos 405.º e 406.º do CC, bem como do disposto no art.º 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC.

Pede a Recorrente que se altere o decidido no acórdão recorrido quanto ao ponto 26 dos factos provados, determinando-se a sua eliminação, e se revogue o mesmo acórdão, substituindo-o por decisão que, considerando inteiramente aplicável a cláusula de exclusão em foco, julgue a ação improcedente, absolvendo a R. do pedido.  

10. A A. e os intervenientes associados II e JJ apresentaram contra-alegações, em que começaram por arguir a inadmissibilidade da revista excecional, mas pugnando, em sede de mérito, pela confirmação do julgado.

11. Remetidos os autos ao colégio dos três juízes deste Supremo Tribunal a que se refere n.º 3 do art.º 672.º do CPC, foi proferido o acórdão de fls. 838-842/v.º, datado de 18/01/2018, a admitir o recurso de revista excecional com o fundamento invocado.  


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – Delimitação do objeto do recurso


Em conformidade com o teor das conclusões da Recorrente, as questões suscitadas consistem nas seguintes:

i) – A questão da pretendida eliminação do facto constante do ponto 26 da factualidade dada por provada;   

ii) – A questão do erro de interpretação e aplicação de direito com fundamento em violação do disposto nos artigos 5.º, 6.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 446/85, na redação atual, e dos artigos 18.º e 21.º do RJCS (Lei n.º 72/2008), no respeitante ao afastamento da cláusula de exclusão da cobertura do seguro em causa constante do ponto 4.1, alínea iv), da cláusula 2.ª das condições gerais, em que se exclui da cobertura da apólice acidentes pessoais emergentes de “limpeza ou corte de árvores”.


De salientar que a referida questão de afastamento da mencionada exclusão conforme foi julgado no acórdão recorrido vem suscitada em sede da presente revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, sob a invocação de se encontrar em contradição com o decidido sobre questão fundamental de direito no domínio da mesma legislação pelo acórdão do STJ, de 03/10/2017, proferido no processo n.º 569/13.0TBCSC. L1.S1, já transitado em julgado, conforme certidão de fls. 686 a 698.

Assim sendo, o objeto do recurso centrar-se-á em tal fundamento e nas decorrências jurídicas daí resultantes no plano da pretensão deduzida pela A..

III – Fundamentação


1. Factualidade como provada nas instâncias


Vem dada como provada nas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. No dia 11 de dezembro de 2013, aos balcões da CC, S.A., na sua Agência ..., na cidade de ... (doravante também abreviadamente designada por GG), a autora (A.) e a ré (R.), através da mediação daquela empresa, contrataram o denominado (pela seguradora) DD, que teve o seu início às zero horas desse dia 11 de dezembro e que constitui um Plano Poupança Reforma com rendimento garantido e que permite a constituição de uma poupança, pelo valor de € 30.000,00 (trinta mil euros) correspondentes à entrega única (prémio único) que a autora logo fez à ré, pelo prazo contratual de 5 anos e um dia, terminando às 24 horas do dia 11/12/2018.

1.2. A A., nascida em .../1947, constava como tomadora desse seguro e como pessoa segura, sendo ela, pois, a beneficiária contratual em caso de vida e, como rezam as condições particulares do contrato em apreço, o beneficiário contratual em caso de morte da sua mulher, era o seu cônjuge, NN, nascido em .../1946, e em 100% do capital garantido (e respetivos juros), contrato esse titulado pela apólice nº ....

1.3. Concomitantemente, a A. e o seu falecido marido celebraram dois contratos de seguro, titulados, respetivamente, pelas apólices AP ... e AP ..., pelo montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) correspondente ao capital seguro em cada um destes contratos, denominados FF (que por comunicações da R. datadas de 26/11/2014 e remetida à A. e ao seu já falecido marido, passou a denominar-se OO), mediante o pagamento mensal e doze vezes ao ano, efetuado por débito direto na conta bancária de que a A. é titular na GG, dos correspondentes prémios pagos em frações.

1.4. Essa contratação foi feita mediante proposta composta de 5 páginas, uma delas subscrita por EE, pelo prazo de um ano renovável, com início na data da subscrição, como resulta da proposta de fls. 97 a 99, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

1.5. Como resulta das condições particulares juntas a fls. 99/v.º, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, as condições gerais aplicáveis ao caso são as de “Acidentes Pessoais Individual, n.º 002” - cfr. fls. 100 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

1.6. Da proposta de seguro subscrita pelo referido tomador consta, na página 3, cfr. fls. 98, a seguinte declaração impressa:

“declaro que me foram prestadas as informações pré-contratuais legalmente previstas, tendo-me sido entregue, para o efeito, o documento respectivo, para delas tomar integral conhecimento, e bem assim, que me foram prestados todos os esclarecimentos de que necessitava para a compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões, sobre cujo âmbito e conteúdo fiquei esclarecido”

1.7. O tomador MM subscreveu a referida proposta na página 4, como se constata de fls. 98/v.º, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;  

1.8. A pessoa segura pelo contrato, à data em vigor, era o referido MM, sendo beneficiários os “herdeiros legais” e as coberturas e capitais, cfr. documento de fls. 99/v.º, os seguintes:

- Morte ou Invalidez Permanente por Acidente…. 50.000,00€;

- Despesas de Internamento Hospit. por Acidente…5.000,00€;

- Incapacidade temporária por internamento hosp.......25,00€;

1.9. Das condições gerais consta, cfr. documento de fls.100 e segs., o seguinte:

  « Art.º 1.º [das CGA]

Neste seguro, entende-se por:

Acidente: o acontecimento de carácter súbito, externo, imprevisível para o tomador do seguro, pessoa segura e beneficiário, que cause à pessoa segura lesões corporais…ou morte.»  

Art.º 2.º [das CGA]:

4.1: Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações:

   g) - ações ou omissões que envolvam perigo eminente para a integridade física ou saúde da pessoa segura, que não sejam justificados pelo exercício da profissão;

   u) – Acidentes ocorridos durante a execução dos seguintes trabalhos ou atividades:

   iv) De limpeza ou corte de árvores.»

1.10. Desde a celebração desses contratos de seguro de acidentes pessoais que os respetivos prémios têm sido cobrados quer à A. quer ao seu marido, e têm sido pontualmente pagos.

1.11. Em plena vigência do contrato de seguro de acidentes pessoais, no dia 15 de janeiro de 2014, faleceu, com sessenta e sete anos de idade, o marido da A., EE;

1.12. Foi participado à R. sinistro por morte do EE ocorrida em 15/1/2014, subsequente a queda de 6m de altura quando o mesmo se encontrava a podar uma árvore.

1.13. Do relatório da autópsia feita a EE e junto a fls.53 e seguintes consta, além do mais (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), que

“a morte EE foi devida às lesões traumáticas torácicas antes descritas, associadas a enfarte agudo do miocárdio com 1 a 3 dias de evolução, que surgiu como complicação durante o internamento hospitalar a que a vítima foi submetida na sequência de queda acidental, conforme descrito na informação facultada à perita. Entre a data de internamento e a data do óbito transcorreram 5 dias, período durante o qual a vítima permaneceu sempre internada no CHAA – Unidade ...”         

1.14. Por carta datada de 6 de maio de 2014 e reportando-se à participação e ativação do contrato de seguro de acidentes pessoais de que era titular o seu finado marido e ao pedido do pagamento do respetivo capital, a R. seguradora declinou a responsabilidade, fundando-se, para o efeito, no facto do evento participado se encontrar excluído das condições da apólice, Ponto 4.1., alínea u) iv), ou seja, de que está excluída do âmbito da cobertura os acidentes ocorridos durante os trabalhos ou atividades de - iv) – limpeza ou corte de árvores, pelo que não pagam nenhuma indemnização e encerram o processo – cfr. documento de fls.59;

1.15. Por carta registada com aviso de receção datada de 12 de junho de 2014, por si assinada e dirigida ao Presidente do Conselho de Administração da R., que a recebeu, exigiu toda a documentação atinente a esse contrato e ao respetivo processo de sinistro.

1.16. Por óbito de EE, residente habitualmente na Rua ..., que faleceu no estado de casado com a A., em primeira núpcias de ambos e no regime da comunhão geral de bens, foi lavrada no dia 30 de abril de 2014 e no Cartório da Notária ..., na cidade de ..., da respetiva escritura de habilitação de herdeiros, que aí foi exarada de fls. 89 e seguintes do Livro 63 – A desse Cartório, da qual consta que aquele LL finou-se ab intestato e sem qualquer outra disposição de última vontade e, como seus únicos herdeiros, sucederam-lhe: a Autora, AA; uma filha do casal, HH, casada no regi-me da comunhão de adquiridos com ... e residente em ..., França; II, operário desempregado, e JJ, estudante e estes dois últimos solteiros, maiores, residentes na Rua ..., ambos netos do de cujus e filhos do filho deste, ..., que repudiou o seu direito à herança por óbito do seu pai por escritura lavrada no mesmo Cartório em 21/02/2014 e que não existem outras pessoas que, segundo a lei, prefiram aos declarados herdeiros ou que com eles possam concorrer na sucessão da mesma herança - cfr. documentos de fls.173 e seguintes cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

1.17. No ato de subscrição da proposta de seguro, foi dito à A. e ao seu marido que, em caso de invalidez de qualquer um dos cônjuges contratantes, o que ficasse inválido, receberia o dinheiro do seguro e, em caso de morte, seria o que sobrevivesse que receberia a totalidade do capital.

1.18. Em 7 de fevereiro de 2014, a A. solicitou à GG “a abertura do processo da apólice ..., por óbito da pessoa segura, acionando assim as coberturas da apólice”.

1.19. Após a morte do marido da A., a R. continuou a cobrar os prémios do seguro de acidentes pessoais celebrado com o falecido, num total de € 102,00 até 30 de setembro de 2015, tendo a R. entretanto procedido à sua devolução à A..

1.20. O casal sempre complementou o trabalho assalariado industrial com trabalhos na agricultura à jorna, nomeadamente nas épocas das vindimas, das podas, no plantar e tirar batatas.

1.21. E sempre trabalharam num quintal da sua casa onde para além de plantarem videiras, sulfatarem e podarem, colhiam as uvas e faziam vinho para o seu consumo e os dos seus familiares.

1.22. A A. fez a 3.ª classe e o seu marido completou a 4.ª classe.

1.23. Estando ambos reformados, sendo que a A. recebia mensalmente € 223,24 da sua pensão de reforma e o falecido outro tanto de pensão;

1.24. A A. e o seu falecido marido eram clientes da GG há mais de vinte anos, à data da celebração dos contratos.

1.25. A trabalhadora da GG aconselhou-os e incentivou-os na outorga do seguro de acidente pessoais;

1.26. Se a A. e o seu falecido marido tivessem sabido que o seguro não cobria a atividade de corte de árvores, não teriam celebrado os seguros de acidentes pessoais em apreço.

1.27. O falecido procedia à poda de uma árvore, quando esta se partiu, levando a que o marido da A. caísse desamparado no solo.

1.28. Em momento algum, o marido da A. suscitou quaisquer dúvidas quanto às coberturas e exclusões exaradas nas condições particulares e gerais do contrato de seguros, nem sequer a falta delas.

1.29. A trabalhadora da GG explicou as coberturas referidas em 1.17 e comunicou verbalmente a exclusão decorrente da utilização de veículos motorizados de duas ou três rodas e moto-quatro e também que despesas de internamento eram asseguradas se ocorresse acidente.

1.30. Explicou-lhes também qual o custo mensal do prémio que teriam de suportar.

1.31. A trabalhadora da GG entregou-lhes o documento denominado “Informações Pré-contratuais Caixa Proteção Pessoal”, junto a fls.278 a 281 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) previamente elaborado pela BB, que tinha em seu poder e onde constavam as exclusões.

1.32. Cerca de dez a quinze minutos depois da entrega desse documento é que os mesmos assinaram as propostas de seguro;

1.33. A R. BB facultou à GG o acesso às “Condições Gerais” e às “informações Pré-contratuais Caixa Protecção Pessoal” do seguro em menção e a comercializar aos balcões da GG – aditado pela Relação;

1.34. Em momento algum o casal deu a entender que tinha dificuldade em ler ou que não entendia o teor do documento referido em 1.31 – aditado pela Relação.


Para melhor visualização do contexto do facto descrito em 1.9 transcreve-se, na íntegra, o teor do ponto 4 da cláusula 2.ª das condições contratuais gerais ali dado por reproduzido e que é o seguinte: 

4. EXCLUSÕES APLICÁVEIS A TODAS AS COBERTURAS

4.1. Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações:

a) Incapacidade, lesão ou doença pré-existentes, bem como suas consequências ou agravamentos, exceto se a situação pré-existente for conhecida do Segurador antes da celebração do contrato caso em que será considerada a diferença entre o grau de incapacidade pré-existente e o seu agravamento resultante do acidente;

b) Ações ou omissões dolosas ou grosseiramente negligentes praticadas pela Pessoa Segura, Tomados da Seguro ou Beneficiários, bem como por aqueles pelos quais sejam civilmente responsáveis;

c) Ações ou omissões praticadas pela Pessoa Segura quando acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora de prescrição médica, bem corno quando lhe for detetado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas por litro;

d) Ações ou omissões praticadas pela Pessoa Segura quando participe em distúrbios no trabalho, greves, lock out., tumultos, motins e alterações da ordem pública;

e) Suicídio ou sua tentativa;

f) Apostas e desafios;

g) Ações ou omissões que envolvam perigo iminente para a integridade física ou saúde da Pessoa Segura, que não sejam justificados pelo exercício da profissão;

h} Acidente ocorrido enquanto a Pessoa Segura conduzir veiculo, sem estar legalmente habilitada;

i) Acidente ocorrido enquanto a Pessoa Segura for transportada como passageiro de veiculo conduzido por condutor não habilitado, quando essa circunstância for do seu conhecimento e voluntariamente se fizer transportar;

j) Acidente ocorrido enquanto a Pessoa Segura conduzir ou for transportada em veículo em situação de roubo, furto ou furto de uso, quando essa circunstância for do seu conhecimento e voluntariamente se fizer transportar;

l) Consequências de acidentes que consistam em:

(i) Hérnias de qualquer natureza, varizes e suas complicações, bem como lombalgias;

(ii) Infeção pelo vírus do síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA);

(iii) Ataque Cardíaco ou Acidente Vascular Cerebral, salva quando causado por traumatismo físico externo;

(iv) Perturbações ou danos exclusivamente do foro psíquico;

(v) Implantação, reparação ou substituição de próteses ou ortóteses que não sejam intracirúrgicas;

(vi) Quaisquer doenças quando não se prove, por diagnóstico médico, que são sua consequência direta.

m) Guerra, invasão, ato de inimigo estrangeiro, hostilidades ou operações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião e revolução;

n) Atos de terrorismo, como tal considerados pela legislação penal portuguesa vigente;

o) Explosão, libertação de calor e irradiações provenientes de cisão de átomos ou radioatividade e ainda os decorrentes de radiações provocadas pela aceleração artificial de partículas;

p) Tufões, tornados, ventos ciclónicos, trombas de água, terramotos, maremotos, erupções vulcânicas, impacto de corpos celestes, bem como inundações, incêndios, explosões, aluimentos ou deslizamentos de terras ou terrenos, queda de árvores e de construções ou estruturas, provocados por qualquer daqueles fenómenos;

q) Prática desportiva em competições, estágios e respetivos treinos;

r) Pilotagem e utilização de aeronaves, exceto como passageiro de linha aérea regular;

s} Prática das seguintes atividades:

Desportos terrestres motorizados, Artes marciais, Luta e boxe, Paraquedismo, incluindo a prática de queda livre, Parapente e asa delta, Saltos ou saltos invertidos com mecanismos de suspensão corporal (bungee jumping), Tauromaquia e largadas de touros ou rezes, Caça de animais ferozes nu que reconhecidamente sejam considerados perigosos, Equitação com corrida e salto, Motonáutica e esqui aquático, Desportos náuticos praticados sobre prancha, Descida de torrentes ou correntes originadas por desníveis nos cursos de água, Mergulho com utilização de sistemas auxiliares de respiração (garrafas), Caça submarina, Desportos praticados sobre a neve c o gelo, Alpinismo e escalada, "slide"e "rappel", Espeleologia;

t) Danos causados por animais que, face à lei vigente, sejam considerados perigosos ou potencialmente perigosos e por animais selvagens venenosos ou predadores, quando na posse da Pessoa Segura;

u} Acidentes ocorridos durante a execução dos seguintes trabalhos ou atividades:

í) Em andaimes, telhados, pontes, minas, poços, pedreiras e postes;

ii) Fabrico, manuseamento ou transporte de explosivos;

iii) Engarrafamento de gases comprimidos;

iv) De limpeza ou corte de árvores;

v) Com guindastes, gruas e tratores, bem como durante o ­transporte em atrelados de tratores;

vi) De estiva e de fogueiro;

vii) No circo, em exibição ou treinos;

viii) De monda química com helicópteros, aviões ou avionetas;

ix) De duplo de cinema no decurso de filmagens ou ensaios;

x) De operariado em fábricas, estaleiros e oficinas.

4.2. Estão também excluídos de todas as coberturas do seguro os acidentes decorrentes da utilização de veículos motorizados de duas ou três rodas e moto-quatro, salvo convenção em contrário constante das Condições Particulares.


2. Factos dados como não provados


Vêm dado como não provado que:

2.1. Na solicitação referida em 1.18, a A. participou à GG que o marido, no dia 9 de janeiro de 2014, estava a podar uma árvore que partiu, causando a sua queda e lesões que determinaram a sua assistência e internamento no Hospital de ....

2.2. A A. e o seu falecido marido mal sabem ler e escrever.

2.3. O referido de 1.21 a 1.24 era conhecido pela trabalhadora da GG.

2.4. A trabalhadora da GG sabia do referido em 1.26;

2.5. O marido da A. estava pendurado numa árvore sem qualquer equipamento de segurança;

2.6. A trabalhadora da GG que “vendeu” os seguros de acidentes pessoais seguiu todas as instruções recebidas pela R. BB;

2.7. Explicando à A. e ao falecido marido que se tratava de um seguro de acidentes pessoais e do interesse que daí poderia advir para o casal.

2.8. A trabalhadora da GG deu-lhes a ler o documento referido em 1.31;

2.9. A trabalhadora da GG referiu-lhes que as exclusões tinham a ver com atividades que aumentavam o risco de acidente.

2.10. Mais tarde e depois de aceite a proposta, a R. enviou à A. e marido as condições gerais da apólice onde constam as atividades excluídas das garantias.


3. Do mérito da revista


3.1. Quanto à pretendida s eliminação do facto dado como provado no ponto 1.26


Sustenta a Recorrente que deve ser eliminada a matéria vertida no ponto 26 dos factos dados por provados pelas instâncias donde consta o seguinte:

Se a A. e o seu falecido marido tivessem sabido que o seguro não cobria a atividade de corte de árvores, não teriam celebrado os seguros de acidentes pessoais em apreço.

Tal questão já fora suscitada em sede de apelação, tendo sido julgada improcedente pelo Tribunal da Relação, como se alcança de fls. 591.

Porém, a Recorrente insiste na argumentação de que se trata de “uma afirmação condicional especulativa que imagina qual seria a posição contratual de uma pessoa entretanto falecida se fosse confrontada com uma exclusão contratual que, segundo a suposição, nunca conheceu (pois o problema com a mesma se levanta após a sua morte), além de bizarro tinha de ser considerado como não escrito dado que não se trata de uma realidade concreta de facto susceptível de comprovação”.

A questão reconduz-se, afinal, a saber se o transcrito enunciado consubstancia matéria de facto ou se apenas contém uma afirmação conclusiva de natureza meramente jurídica.

Não parece sofrer dúvida que o referido enunciado versa sobre a chamada “vontade conjetural” do marido da A. quanto à conclusão do negócio, caso soubesse que o seguro não cobria a atividade de corte de árvores.

Ora a vontade negocial conjetural traduz-se, ainda assim, em facto essencial do foro psicológico de cariz volitivo hipotético, mas como tal suscetível de ser equacionado, nomeadamente para efeitos de anulabilidade do negócio com fundamento em erro sobre o respetivo objeto.  

Como é sabido, em regra, os factos de foro psicológico, incluindo os de feição conjetural, não se revelam de forma direta, mas por inferência de factos instrumentais dos quais, à luz das regras da experiência comum, se pode concluir, por via de presunção judicial, no sentido da sua verificação.

E, como desde há muito tem vindo a ser reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, uma tal inferência ou conclusão presuntiva inscreve-se ainda no domínio do julgamento de facto, segundo o regime da prova livre.

Nessas circunstâncias, o enunciado afirmativo sobre o facto psicológico essencial consubstancia um juízo probatório de natureza factual, que não mera conclusão de direito, como sucede no caso da matéria vertida no ponto 1.26 dos factos provados.

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, improcedem, neste particular, as razões da Recorrente.

 

3.2. Quanto à questão do invocado erro de interpretação e aplicação do direito, no respeitante ao afastamento das cláusula de exclusão da cobertura do seguro constante do ponto 4.1, alínea u-iv) da cláusula 2.ª das condições gerais do contrato de seguro ajuizado


Como já acima ficou dito, o fundamento especial da presente revista estriba-se na alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento proferido pelo STJ, em 03/10/2017, no processo n.º 569/13.0 TBCSC.L1.S1, já transitado, contradição essa suscitada em torno do dever de comunicação e informação por parte do predisponente ao aderente de uma cláusula geral de exclusão de cobertura de um contrato de seguro.

Em sede de verificação desse fundamento para efeitos de admissibilidade da presente revista excecional, o colégio de três juízes a que se refere o art.º 672.º, n.º 3, do CPC, no acórdão de fls. 838 a 839/v.º, foi ponderado o seguinte: 

«A recorrente entende que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão proferido pelo STJ em 3/10/2007 [rectius 2017], transitado em julgado (cuja cópia certificada juntou).

Tem vindo a ser entendido nesta Formação que ocorre o pressuposto de admissibilidade de revista prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 672° (oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito) quando, verificando-se a identidade da situação de facto subjacente em ambos os casos, a mesma disposição legal se mostre, num e noutro caso, interpretada e/ou aplicada em termos opostos. A oposição ocorrerá, pois, quando um caso concreto é decidido, com base na mesma disposição legal, numa acórdão num sentido e no outro em sentido contrário. Exigível será sempre, a identidade em ambos os casos, do núcleo central da situação de facto e de normas jurídicas interpretadas ou aplicadas e a sua essencialidade para determinar o concreto resultado da decisão num noutro dos acórdãos, isto é, para condicionar em termos decisivos a solução da questão. Assim, a questão fundamental de direito cuja identidade pode desencadear a contradição, não se define pela estatuição da norma jurídica, abstractamente considerada a que, naturalmente, será possível subsumir uma pluralidade de eventos reais, mas pela questão nuclear necessariamente recortada na norma pelos factos da vida que revelaram nas decisões e respectiva repercussão, em termos essenciais e determinantes, nas concretas decisões em confronto.

No caso vertente, a questão controvertida consiste, essencialmente, no conteúdo e âmbito do dever de comunicação ao segurado, face a um contrato de seguro sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais (DL 446/85, de 25-10).

De sublinhar, desde logo, que as cláusulas de exclusão de cobertura do seguro em cada um dos contratos em confronto são distintas, assim como é diferente a matéria de facto concretamente provada e não provada em cada um dos casos (no acórdão recorrido trata-se de um seguro de acidentes pessoais em que a cláusula de exclusão é referente a uma morte no decurso de o corte de árvores, sendo a matéria de facto abundante a respeito das circunstâncias da celebração do contrato, enquanto no acórdão fundamento se trata de um seguro de protecção do lar e está em causa uma exclusão respeitante ao funcionamento do alarme numa situação de furto, apenas se provando que as condições do contrato foram entregues ao segurado).

Porém, em ambos os casos foi entregue um documento contendo as cláusulas de exclusão, tratando-se de cláusulas de fácil apreensão, estando em causa, nos dois, o conteúdo do dever de comunicação e a sua articulação com os deveres do tomador no conhecimento das cláusulas.

Assim e sem prejuízo das particularidades de cada um dos contratos, somos em crer existir, sobre o (essencial) aspecto em questão, uma efectiva contradição entre os arestos em observação no que concerne ao preenchimento do dever de comunicação. Enquanto no acórdão recorrido se entendeu que a seguradora, por intermédio da mediadora GG na pessoa da funcionária desta, incumpriu o dever de comunicar e explicar a cláusula contratual em questão (que afastaria a cobertura do seguro), já no acórdão fundamento considerou-se não ocorrer incumprimento dos deveres de comunicação/informação referido se a forma simples, objectiva e clara como está redigida a cláusula (como sucederá também no acórdão recorrido) não reclama qualquer esclarecimento específico por parte da seguradora ao segurado.

Daí que deva admitir-se o recurso com fundamento na referenciada alínea.»


    Não sofre dúvida que, nos termos do artigo 672.º, n.º 4, do CPC, o referido acórdão da formação sobre a verificação do alegado fundamento da revista excecional é vinculativo no que respeita à admissibilidade do recurso, o que não significa que o seja já em sede de apreciação do mérito dessa questão e que ora nos compete ajuizar.


  Antes de mais, importa ter presente a superação de contradição jurisprudência, inclusive por via do mecanismo da revista excecional, constitui uma garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, aliás, na linha da diretriz hermenêutica do n.º 3 do art.º 8.º do CC[1]. Daí que o seu enfoque incida sobre a contradição de critérios normativo-decisórios e não sobre as divergências que se prendam com a própria especificidade de cada caso concreto. 

    Para tal, importa que a contradição alegada se revele frontal nas decisões em equação, que não implícita ou pressuposta, muito embora não se mostre necessária a verificação de uma contradição absoluta, não relevando a argumentação meramente acessória ou lateral (obiter dicta)[2]. Essa oposição só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado, como, de resto, se considerou no acórdão do STJ, de 17/02/2009, proferido no processo 08A3761 JSTJ000[3].

   No caso presente, o que vem questionado é a alegada discrepância do critério decisório adotado no acórdão aqui recorrido relativamente ao conteúdo do dever de comunicação e informação por parte do predisponente, perante o aderente, em confronto com o critério seguido sobre a mesma questão essencial de direito, não obstante as particularidades de um e outro caso.   

    Ora, no acórdão-fundamento, tomando-se por base o disposto nos artigos 5.º, 6.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25-10, com as alterações introduzidas pelos Dec.-Lei n.º 220/95, de 31/10, n.º 249/99, de 07/07, e n.º 323/2001, de 17/12, foi considerado, no que aqui releva, que:

   «O dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo.

O dever de informação, que pressupõe a efectivação da comunicação, dirige-se essencialmente à percepção do conteúdo e corresponde à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento pelo aderente. Impõe-se, nesta circunstância, a prestação espontânea de informação dos aspectos das cláusulas que exijam aclaração, sem prejuízo da prestação de todos os esclarecimentos razoáveis que lhe sejam solicitados pelo aderente.

E, citando Ana Prata, ali se referiu que:     

«Deste artigo 6.º não decorre que o predisponente das cláusulas tenha a obrigação de explicar a cada cliente, uma por uma, cada umas das cláusulas e o seu significado (porventura complexo); no entanto, quando se trate de cláusulas que, dadas as circunstâncias – isto é, em razão da dificuldade objectiva da compreensão do seu alcance ou/e da impreparação da contraparte que vai aceitá-las – justifiquem uma aclaração, um esclarecimento sobre o seu sentido, o predisponente, independentemente do pedido do aderente, tem de prestar essa informação circunstanciada …»

          Daí se entendeu no referido aresto que:

 «O legislador elevou a um tal patamar o dever de informação que considera excluídas dos contratos singulares as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo – artigo 8.º, alínea b). Isto é, a lei considera que o utilizador das cláusulas não respeita o dever de informar quando uma cláusula geral integral e atempadamente comunicada, de um modo adequado, tem um conteúdo que não seja normalmente perceptível por um cidadão médio, dotado de zelo e, diligência e ponderação médias.»

      No caso ali versado, tratava-se de um contrato de seguro “Multirrisco Habitação”, denominado “Protecção Total de Lar”, sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, que foi objeto de alteração em virtude da mudança de residência do segurado, empresário e produtor de profissão, a quem foram facultadas as condições gerais e especiais desse contrato.

O que estava em causa era a aplicação de uma cláusula com o seguinte teor:

«O presente seguro é aceite e estabelecido considerando que as portas, de acesso directo ao local de risco, são dotadas de fechaduras de segurança e que no mesmo se encontra instalado um sistema de alarme, colocado por firma especializada, conforme declaração expressa na proposta de seguro/alteração.

Fica convencionado que não são da responsabilidade da seguradora os prejuízos decorrentes de furto, consumado ou tentado se, no momento do sinistro, se verificar o não funcionamento do referido alarme, quer por o mesmo se encontrar desligado ou avariado.”

Naqueles autos, ficou provado que, na habitação do segurado, estava instalado um sistema de alarme com cobertura integral e com comunicação com a central de uma empresa de segurança, mas que, no intervalo de tempo em que ocorreu o furto, o referido sistema de alarme estava desligado.

Perante um tal circunstancialismo, no acórdão-fundamento, foi entendido que:

«Feita, assim, a comunicação ao aderente do teor integral das cláusulas contratuais, com especificação das condições especiais, impunha-se a este a adopção de um comportamento activo, diligente, no sentido de tomar conhecimento real e efectivo das cláusulas do contrato. De facto, quando o dever de comunicação do predisponente esbarra com o alheamento ou indiferença do destinatário, que não cuida de se inteirar das condições em que a responsabilidade da seguradora opera, não pode imputar-se a esta qualquer desvio no cumprimento desse dever.

Como se discorreu no acórdão deste tribunal de 24.03.2011, não se justifica que a protecção concedida à parte mais fraca vá ao ponto de abarcar as situações em que a falta de conhecimento das clausular apenas decorreu de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocada em posição de conhecer essas cláusulas, não teve qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor.

Por outro lado, a forma simples, objectiva e clara como está redigida a cláusula em questão, que já vigorava antes da alteração referida (…), não reclamava qualquer esclarecimento por parte da ré ao autor, pois, como bem se afirma no acórdão recorrido, “o seu sentido é facilmente compreensível por uma pessoa de diligência média, como, sem sombra de dúvida, devemos considerar o aqui segurado, empresário e produtor de profissão. Com efeito, o conteúdo dessa cláusula explicita, de forma inequívoca, a exoneração da responsabilidade de indemnizar em consequência da inobservância, pelo segurado, da medida cautelar consistente no correcto funcionamento do sistema de alarme instalado na sua habitação.»        

Por sua vez, o acórdão aqui recorrido ocupa-se de um contrato de seguro de cobertura de acidentes pessoais donde constam, na respetiva cláusula 2.ª das condições gerais, sob a epígrafe âmbito do seguro, um ponto 4, intitulado exclusões aplicáveis a todas as coberturas, subdividido nos pontos 4.1 e 4.2, constando do ponto 4.1 uma longa lista de diversificados casos de exclusão, distribuída pelas alíneas de a) a u), algumas delas subdivididas por pontos sob numeração romana, em caracteres de reduzida dimensão. De entre essas alíneas, figura a alínea u), subdividida, por seu turno, nos pontos de i) a x), contemplando “acidentes ocorridos durante a execução dos seguintes trabalhos” incluindo no ponto iv) trabalhos “de limpeza ou corte de árvores”.

Dos factos provados destaca-se, no que aqui interessa, que:

i) - No dia 11/12/2013, aos balcões da GG, na sua Agência em ..., a A. e a R., através da mediação daquela, contratam um Plano Poupança Reforma com rendimento garantido e que permite a constituição de uma poupança pelo valor de € 30.000,00 correspondentes ao prémio único que a A. logo fez à R., pelo prazo contratual de 5 anos e um dia, terminando às 24 horas do dia 11/12/2018 – ponto 1.1;

ii) - Concomitantemente, a A. e o seu marido EE celebraram dois contratos de seguro, titulados, respetivamente, pelas apólices AP ... e AP ..., pelo montante de € 50.000,00 cor-respondente ao capital seguro em cada um destes contratos, denominados FF, mediante o pagamento mensal e doze vezes ao ano, efetuado por débito direto na conta bancária de que a A. é titular na GG, dos correspondentes prémios pagos em frações – ponto 1.3;

 iii) - A trabalhadora da GG aconselhou e incentivou a A. e marido a outorgarem seguro de acidente pessoais – ponto 1.25;

iv) - Essa contratação foi feita mediante proposta composta de 5 páginas, uma delas subscrita por EE, pelo prazo de um ano renovável, com início na data da subscrição – ponto 1.4;

v) - A trabalhadora da GG entregou-lhes o documento denominado “Informações Pré-contratuais Caixa Proteção Pessoal”, junto a fls. 278 a 281, previamente elaborado pela BB, que tinha em seu poder e onde constavam as exclusões – ponto 1.31;

vi) - No ato de subscrição da proposta de seguro, foi dito à A. e ao seu marido que, em caso de invalidez de qualquer um dos cônjuges contratantes, o que ficasse inválido, receberia o dinheiro do seguro e, em caso de morte, seria o que sobrevivesse que receberia a totalidade do capital – ponto 1.17;

vii) - A trabalhadora da GG explicou as coberturas referidas em 1.17 e comunicou verbalmente a exclusão decorrente da utilização de veículos motorizados de duas ou três rodas e moto-quatro e também que despesas de internamento eram asseguradas se ocorresse acidente – ponto 1.29;

viii) - Explicou-lhes também qual o custo mensal do prémio que teriam de suportar – ponto 1.30;

ix) - Cerca de dez a quinze minutos depois da entrega desse documento é que os mesmos assinaram as propostas de seguro – ponto 1.32;

x) - Em momento algum, o casal deu a entender que tinha dificuldade em ler ou que não entendia o teor do documento referido em 1.31 – ponto 1.34.

xi) - Em momento algum, o marido da A. suscitou quaisquer dúvidas quanto às coberturas e exclusões exaradas nas condições particulares e gerais do contrato de seguros, nem sequer a falta delas – ponto 1.28;

x) - Da proposta de seguro subscrita pelo referido tomador consta, na página 3, cfr. fls. 98, a seguinte declaração impressa:

“declaro que me foram prestadas as informações pré-contratuais legalmente previstas, tendo-me sido entregue, para o efeito, o documento respectivo, para delas tomar integral conhecimento, e bem assim, que me foram prestados todos os esclarecimentos de que necessitava para a compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões, sobre cujo âmbito e conteúdo fiquei esclarecido” – ponto 1.6;

xi) - A A. fez a 3.ª classe e o seu marido completou a 4.ª classe – ponto 1.22;

xii) - A A. e o seu falecido marido eram clientes da GG há mais de vinte anos, à data da celebração dos contratos – ponto 1.24;

xiii) - Em plena vigência do contrato de seguro de acidentes pessoais, no dia 15/01/2014, faleceu, com 67 anos de idade, o marido da A., EE, no decurso do seu internamento hospitalar por traumatismo provocado ao cair desamparado no solo, quando procedia à poda de uma árvore, que se partiu  – ponto 1.11;

xiv - Segundo o relatório da autópsia feita a EE, a morte deste foi devida a lesões traumáticas torácicas, associadas a enfarte agudo do miocárdio com 1 a 3 dias de evolução, que surgiu como complicação durante o internamento hospitalar a que a vítima foi submetida na sequência de queda acidental – ponto 1.13.

Não se provou que:

  - A trabalhadora da GG sabia do referido em 1.26 – ponto 2.4;  

 - A trabalhadora da GG que “vendeu” os seguros de acidentes pessoais seguiu todas as instruções recebidas pela R. BB, explicando à A. e ao falecido marido que se tratava de um seguro de acidentes pessoais e do interesse que daí poderia advir para o casal – ponto 2.6;  

- A trabalhadora da GG lhes deu a ler o documento referido em 1.31 – ponto 2.8;  

   - A trabalhadora da GG lhes referiu que as exclusões tinham a ver com atividades que aumentavam o risco de acidente – ponto 2.9;  

- Mais tarde e depois de aceite a proposta, a R. enviou à A. e marido as condições gerais da apólice onde constam as atividades excluídas das garantias – ponto 2.10.  


Perante este universo factual, no acórdão recorrido, foi exposta a seguinte fundamentação:

«A demonstrar-se que a R. não cumpriu o ónus de prova do regular cumprimento de comunicação e informação através do seu representante, resta de tal falta retirar as necessárias consequências.

Para tal, há que recorrer ao regime legal das cláusulas contratuais gerais.

São cláusulas contratuais gerais as que são elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem respetivamente a subscrever ou aceitar – art.º 1.º, n.º 1, do DL 446/85, sendo que o ónus da prova de que uma cláusula contratual geral resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretende prevalecer-se do seu conteúdo – art.º 1 º n.º 3 do cit. DL.

Nos termos do preceituado no art.º 8.º do cit. DL, consideram-se excluídas dos contratos singulares: “a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º; b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo; (…)”.

Artigo 5º que impõe que as “1. cláusulas contratuais gerais, devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.”

Comunicação essa (n.º 2) “a realizar de modo adequado e com a antecedência necessária para que tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência”.

Sendo que o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submete a outrem as cláusulas contratuais gerais (nº 3).

Associado a este dever de comunicação, está ainda o dever de informação consagrado no artigo 6º do mesmo DL, por força do qual deve o contratante que recorre a “cláusulas contratuais gerais informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique” (nº 1).

Para além do dever de prestar “todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.” (nº 2).

Como corolário do princípio da boa-fé na negociação e formação dos contratos consagrado no artigo 227º do CC impõe-se que a parte que recorre às mencionadas cláusulas contratuais gerais cuide de garantir uma comunicação prévia, clara e atempada das cláusulas a que a contraparte se vai submeter (sem poder de negociação quanto ao seu conteúdo) por forma a garantir que esta tem um efetivo conhecimento das obrigações e direitos conferidos por tal contrato.

Alegou a A. não ter tido conhecimento – não ter ocorrido comunicação nem explicação - nomeadamente da cláusula de exclusão que fundou a recusa de pagamento da R. seguradora na sequência do sinistro por si participado.

Com pertinência para apreciação desta questão relevam os factos nºs 3 a 9, 17, 20 a 31, 32 (com a alteração da redação introduzida em sede de reapreciação da matéria de facto); 33 e 34 (estes factos novos aditados na sequência, igualmente, da reapreciação da matéria de facto) e ainda factos não provados 3 e 4, 8 a 10, 12 e 13.

Provado (no que mais releva) que a funcionária da GG (mediadora ligada) entregou ao casal o documento denominado “Informações Pré-Contratuais Caixa Proteção Pessoal” de fls. 278 a 281 do qual consta o que está seguro, bem como as “situações” excluídas (nomeadamente 31 dos factos provados), associado ao facto de nenhumas dúvidas terem os contraentes suscitado quanto às coberturas e exclusões exaradas nas condições gerais e particulares (vide 28) dos factos provados, associado ao facto de terem assinado a proposta de seguro cerca de 10 a 15 minutos depois da entrega de tal documento,  insurge-se a recorrente quanto à entendida não demonstração do cumprimento do dever de informação e comunicação do clausulado e em concreto da cláusula referida em 14 dos factos provados por parte da mediadora ligada, sua representante.

É certo que a recorrente pugnou pela alteração dos factos provados e não provados, por forma a dar-se como provado que o documento em questão lhes foi dado a ler. O que foi improcedente. Fora o caso, e a situação em causa imporia apreciação diversa.

Porém e com base nos factos provados, não se mostra cabalmente demonstrado pela R., sobre quem impendia tal ónus, que o conhecimento efetivo e completo do clausulado em questão foi proporcionado aos contraentes.

A mera entrega do documento em questão aos contraentes, pessoas simples e com pouca formação – não mais que a 4ª classe – só por si não demonstra o cumprimento de tal dever.

Concorda-se que aos contraentes aderentes é exigível uma conduta diligente e interessada, sob pena de aos mesmos poder ser de igual forma imputado um comportamento contratual contrário ao já referido princípio geral da boa-fé que na negociação e formação dos contratos recai sobre todos em plano de igualdade.

A este propósito e neste sentido tendo a recorrente invocado o decidido no Ac. STJ de 20/01/2010, Relator Alves Velho; Ac. 09/07/2015, Relatora Ana Paula Boularot - este com um voto de vencido a propósito do enquadramento do pedido de esclarecimentos no âmbito do referido dever de diligência por banda do aderente; e ainda no Ac. TRG de 04/03/2013, Relator Filipe Caroço in www.dgsi.pt, todos.

Ocorre que este dever de diligência tem como pressuposto necessário a comunicação prévia e atempada das cláusulas contratuais gerais, por forma a permitir ao aderente - em especial e como é o mais habitual aquele que não está habituado à linguagem técnica e jurídica inserida nos documentos entregues – percecionar o seu sentido e/ou na dúvida solicitar então os esclarecimentos tidos por necessários.

O clausulado de fls. 278 a 280 será na verdade de fácil leitura, admite-se até nos referidos 5 minutos pela recorrente, para quem se insere no meio jurídico e faz da análise de clausulado contratual e em especial no âmbito dos seguros o seu modo de vida.

Manifestamente assim não será para quem tem no máximo a 4.ª classe.

Não se entendendo demonstrado ser para o efeito o indicado período de 10/15 minutos suficiente, a implicar desde logo a consideração por esta via de que foi deficientemente cumprido o dever de comunicação (cfr. neste sentido Ac. TRG de 04/03/2013 supra já citado).

De mencionar ainda que de forma expressa a funcionária da GG realçou a exclusão relativa aos motociclos por, certamente na sua boa-fé, ter entendido que esta cláusula de exclusão poderia ser relevante para os outorgantes.

O circunstancialismo em que o contrato foi celebrado, num contexto de relação de confiança inerente a quem é cliente há mais de 20 anos; face às explicações e menções referidas em 17, 29 e 30, dos factos provados; o incentivo e aconselhamento referido em 25 dos mesmos factos provados à celebração do contrato; a pouca literacia dos aderentes e o período de tempo que mediou entre a apresentação das informações pré contratuais e a assinatura da proposta, permitem afastar qualquer juízo de censura em relação à atuação dos aderentes.

Ao invés, entendemos que à funcionária da GG no mesmo contexto, incumbia-lhe ter averiguado para assim melhor aconselhar os aderentes, em função das cláusulas de exclusão cujo teor tinha a obrigação de conhecer, para além do nível de instrução dos aderentes, o modo de vida dos mesmos – que enforma o circunstancialismo indicado no artigo 6º nº 1 do DL 446/85 - por forma a se inteirar quais as exclusões que em concreto poderiam ser determinantes para a formação da vontade daqueles e que poderiam resultar em prejuízo dos seus interesses, assim podendo atuar em conformidade (vide neste sentido Ac. STJ 02/12/2013 acima já citado).

Não está demonstrado ter sido observado este dever, tanto mais que dos factos não provados (vide nºs 3 e 4 destes factos) consta o desconhecimento por parte da referida funcionária dos factos provados nºs 21 a 24 e 26.

Impõe-se assim concluir pela não demonstração por parte da R. do regular cumprimento por parte do mediador, seu representante, da comunicação e informação no que ora releva da cláusula de exclusão prevista no ponto 4.1 u) iv das condições gerais da apólice que titulava o contrato de seguro celebrado – improcedendo assim o argumento recursivo elencado em 1 supra.

Dever de informação que para este deriva não só do previsto nos artigos vindos de citar do DL 446/85, aplicável por força do já referido artigo 3º do RJCS, mas igualmente por força do disposto nos artigos 18º e 21º do RJCS conjugado com os artigos 31º a 33º do RJMS.

Condições gerais, diga-se ainda que nem sequer a R. fez prova de ter enviado aos aderentes (vide 13 dos factos não provados).

A implicar a exclusão do contrato em questão de tal cláusula, nos termos do artigo 8º do citado DL 446/85.

Consequentemente se considerando abrangido pelo seguro o sinistro participado, com a obrigação da R. em pagar o capital seguro, nos termos decididos pelo tribunal a quo, que com base nestes fundamentos se confirma (a que se reportava o argumento recursivo 5 supra elencado).»


Ora, numa análise de cariz perfunctório do confronto entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento para efeitos de verificação do invocado requisito de admissibilidade da revista excecional, admite-se, como se admitiu no douto acórdão da formação, a suscetibilidade de os critérios decisórios ali assumidos revelarem contradição, na medida em que, não obstante as particularidades de cada um dos casos, divirjam ainda assim no aspeto essencial da questão respeitante ao preenchimento do dever de comunicação e de informação por parte da predisponente perante o aderente, considerando que a cláusula em foco estaria redigida de forma simples, objetiva e clara, sem que tivesse sido reclamada qualquer esclarecimento específico por parte do aderente.

  Todavia, importa agora em sede de mérito empreender numa análise mais aprofundada, quer quanto ao critério decisório adotado num e noutro acórdão, quer quanto ao teor e contexto em que tal cláusula foi apresentada ao aderente no ato de subscrição da proposta contratual.


Assim, no respeitante aos referidos critérios decisórios, verifica-se que, no acórdão-fundamento, depois de se proceder à interpretação do sen-tido e alcance dos deveres de comunicação e informação à luz dos artigos 5.º, 6.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25-10, se considerou que:

   «O dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo.

O dever de informação, que pressupõe a efectivação da comunicação, dirige-se essencialmente à percepção do conteúdo e corresponde à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento pelo aderente. Impõe-se, nesta circunstância, a prestação espontânea de informação dos aspectos das cláusulas que exijam aclaração, sem prejuízo da prestação de todos os esclarecimentos razoáveis que lhe sejam solicitados pelo aderente.

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  O legislador elevou a um tal patamar o dever de informação que considera excluídas dos contratos singulares as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo – artigo 8.º, alínea b). Isto é, a lei considera que o utilizador das cláusulas não respeita o dever de informar quando uma cláusula geral integral e atempadamente comunicada, de um modo adequado, tem um conteúdo que não seja normalmente perceptível por um cidadão médio, dotado de zelo e, diligência e ponderação médias.

E já atentando nas especificidades do caso, concluiu-se que:

   «Feita, assim, a comunicação ao aderente do teor integral das cláusulas contratuais, com especificação das condições especiais, impunha-se a este a adopção de um comportamento activo, diligente, no sentido de tomar conhecimento real e efectivo das cláusulas do contrato. De facto, quando o dever de comunicação do predisponente esbarra com o alheamento ou indiferença do destinatário, que não cuida de se inteirar das condições em que a responsabilidade da seguradora opera, não pode imputar-se a esta qualquer desvio no cumprimento desse dever.

Como se discorreu no acórdão deste tribunal de 24.03.2011, não se justifica que a protecção concedida à parte mais fraca vá ao ponto de abarcar as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorreu de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocada em posição de conhecer essas cláusulas, não teve qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor.

Por outro lado, a forma simples, objectiva e clara como está redigida a cláusula em questão, que já vigorava antes da alteração referida (…), não reclamava qualquer esclarecimento por parte da ré ao autor, pois, como bem se afirma no acórdão recorrido, “o seu sentido é facilmente compreensível por uma pessoa de diligência média, como, sem sombra de dúvida, devemos considerar o aqui segurado, empresário e produtor de profissão. Com efeito, o conteúdo dessa cláusula explicita, de forma inequívoca, a exoneração da responsabilidade de indemnizar em consequência da inobservância, pelo segurado, da medida cautelar consistente no correcto funcionamento do sistema de alarme instalado na sua habitação.»  

    Por sua vez, no acórdão recorrido, com base no mesmo quadro normativo e à luz do princípio da boa fé, foi entendido que:

«Como corolário do princípio da boa-fé na negociação e formação dos contratos consagrado no artigo 227º do CC impõe-se que a parte que recorre às mencionadas cláusulas contratuais gerais cuide de garantir uma comunicação prévia, clara e atempada das cláusulas a que a contraparte se vai submeter (sem poder de negociação quanto ao seu conteúdo) por forma a garantir que esta tem um efetivo conhecimento das obrigações e direitos conferidos por tal contrato.

Não obstante isso, ali se reconheceu, na linha do doutrinado acórdãos do STJ de 20/01/2010 e de 09/07/2015, que:

[…] aos contraentes aderentes é exigível uma conduta diligente e interessada, sob pena de aos mesmos poder ser de igual forma imputado um comportamento contratual contrário ao já referido princípio geral da boa-fé que na negociação e formação dos contratos recai sobre todos em plano de igualdade.


    Significa isto que, embora de forma menos argumentativa mas mais literal dos normativos convocados, o acórdão recorrido não diverge substancialmente quanto ao sentido e alcance dos mencionados deveres de comunicação e de informação. E, a par disso, não deixou sequer de ter presente o grau de diligência exigível ao aderente em termos que se afiguram, em tese e no essencial, convergentes com o critério adotado no acórdão-fundamento.

     Onde ocorre divergência é precisamente na aplicação desses critérios ao caso concreto, fundamentalmente, por se tratar de situações que requerem uma ponderação de fundo no plano substancial da sua natureza e contexto específicos.

    Assim, no caso versado no acórdão-fundamento, tratava-se de uma cláusula de exclusão, no âmbito de um contrato de seguro “Multirrisco Habitação”, que fora objeto de alteração em virtude da mudança de residência do segurado, empresário e produtor de profissão, a quem foram facultadas as condições gerais e especiais desse contrato. Nesse contexto, a cláusula de exclusão ali em apreço consistia em afastar a responsabilidade da seguradora em caso de prejuízos decorrentes de furto se, no momento do sinistro, se verificar o não funcionamento do referido alarme por o mesmo se encontrar desligado ou avariado.

   Diversamente no caso destes autos, estamos no âmbito de um contrato de seguro por acidentes pessoais do qual constam, em sede de cláusulas gerais, uma extensa lista de situações de exclusões bem diversificadas, que se estendem pelas alíneas do abecedário de a) a u), algumas delas subdivididas por pontos em numeração romana, com a configuração acima transcrita.

É, pois, nesse contexto literalmente denso e diversificado que se encontra, inserida no item iv) da alínea u) do ponto 4.1 da cláusula geral aqui em foco, a exclusão de “acidentes ocorridos durante a execução de trabalhos ou atividades de limpeza ou corte de árvores.”

Poder-se-ia até discutir se a atividade de “limpeza de árvores” envolve todo o tipo de poda, sabido que esta poderá assumir as variantes, nomeadamente de “poda de limpeza ou manutenção”, “poda de formação” ou “poda de desbrota”, sendo que a matéria de facto não é clara quanto ao tipo de poda em causa, muito embora se depreenda que se trataria de poda efetuada em árvore.

Mas mesmo admitindo que a locução “limpeza de árvores” seja, por si só, de compreensão fácil no sentido de alcançar a chamada “poda de limpeza”, o que se afigura já de difícil apreensão para uma pessoa com a 4.ª classe, como era o segurado, é surpreender, por via de leitura, num escasso período temporal de 10 a 15 minutos, a inclusão daquela cláusula no universo extenso e diversificado das alíneas constantes do indicado ponto 4.1 da cláusula 2.ª das condições gerais.

Impunha-se assim ao predisponente que, pelo menos, advertisse o aderente do tipo de riscos excluídos da cobertura do seguro visados com tais exclusões, de modo a orientar a respetiva leitura, o que não se prova que tenha sido feito, salvo quanto à cláusula de exclusão do ponto 4.2.

Acresce que a R. não logrou provar sequer que “a trabalhadora da GG” tenha dado a ler ao aderente o documento denominado “Informações Pré-contratuais Caixa Proteção Pessoal”, junto a fls.278 a 281 previamente elaborado pela BB, que tinha em seu poder donde constavam as exclusões, nem que lhe tivesse referido que essas exclusões tinham a ver com atividades que aumentavam o risco de acidente. E também não logrou provar que, mais tarde e depois de aceite a proposta, tenha enviado à A. e marido as condições gerais da apólice donde constam as atividades excluídas das garantias.

É certo que dos factos dados como provados nos pontos 1.6 e 1.7 consta que o tomador do seguro MM, marido da A., ao subscrever a proposta de seguro, subscreveu também uma “declaração impressa” com o seguinte teor:   

“declaro que me foram prestadas as informações pré-contratuais legalmente previstas, tendo-me sido entregue, para o efeito, o documento respectivo, para delas tomar integral conhecimento, e bem assim, que me foram prestados todos os esclarecimentos de que necessitava para a compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões, sobre cujo âmbito e conteúdo fiquei esclarecido”

Mas não é menos certo que do ponto 1.28 consta também que “em momento algum, o marido da A. suscitou quaisquer dúvidas quanto às coberturas e exclusões exaradas nas condições particulares e gerais do contrato de seguro, nem sequer a falta delas” e que a R. não logrou provar que tendo sido dado a ler àquele o documento que lhe foi então entregue referido no ponto 1.31.

Da conjugação desses factos resulta que o aderente assinou uma “declaração impressa” donde constava que lhe “foram prestados todos os esclarecimentos de que necessitava para a compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões, sobre cujo âmbito e conteúdo ficara esclarecido”, quando nem tão pouco o mesmo aderente suscitara quaisquer dúvidas quanto às coberturas e exclusões exaradas nas condições particulares e gerais do contrato de seguro, nem sequer a falta delas, para mais não tendo a R. provado que tal clausulado lhe tenha sido dado a ler. 

Isto só poderá significar que tal “declaração impressa” foi assinada pelo aderente sem atentar minimamente no teor do documento que lhe foi então entregue.

Não pode assim essa declaração, pela forma tão genérica como se apresenta e alheada como foi do teor daquele documento, valer como reconhecimento inequívoco e específico do mencionado clausulado, ou seja como confissão, nos termos previstos nos artigos 352.º e 357.º, n.º 1, do CC.


Mas, não obstante isso, será imputável ao tomador do seguro um comportamento negligente por não ter procurado inteirar-se desse clausulado?

Na linha do sustentado no acórdão recorrido, face às circunstâncias do caso, estamos em crer que não.

Com efeito, tanto a A. como o seu marido eram clientes da GG há mais de vinte anos, à data da celebração dos contratos (ponto 1.24 dos factos provados), o que aponta para a existência de uma relação de confiança. Além disso, foi a própria trabalhadora da GG, agindo em representação da R., quem os aconselhou e incentivou a outorgar os seguros de acidentes pessoais (ponto 1.25).

Acresce que, como já foi referido, embora o item iv) da alínea u) do ponto 4.1 da cláusula 2.ª das condições gerais se apresente, em si mesmo, de compreensão fácil, não se pode ignorar que aquele item se encontra inserido num texto extenso e diversificado de outros itens, tornando-se assim, à luz da experiência comum, de perceção difícil, nomeadamente para uma pessoa com a 4.ª classe o poder apreender nos escassos 10 a 15 minutos que lhe foram disponibilizados (ponto 1.32).

Em tais circunstâncias, incumbia, antes de mais, à representante da predisponente advertir o aderente do relevo de todo esse clausulado extenso e diversificado de exclusões da cobertura do seguro, atento o âmbito do contrato de seguro de acidentes pessoais em referência, em vez de se ter limitado a sinalizar, no que aqui releva, apenas a exclusão do ponto 4.2, bem como chamar a atenção para a necessidade de ler com o devido cuidado o documento entregue.

Assim, dada a relação de confiança existente entre o aderente e a representante da predisponente, bem como o facto de ter sido esta quem aconselhou e incentivou aquele à outorga do seguro, compreende-se que o mesmo aderente tenha subscrito a proposta de seguro e a sobredita declaração impressa nos moldes em que o fez e que, nesse contexto, não tenha tomado consciência do relevo do mencionado clausulado de exclusões da cobertura do seguro e da necessidade de uma leitura cuidadosa deste clausulado.      

Em suma, perante todo este contexto pré-negocial, mesmo a adotar o critério decisório do acórdão-fundamento, com o qual, de resto, não colide em tese, nos termos exposto, o critério decisório do acórdão recorrido, impõe-se concluir aqui pela inobservância do dever de comunicação e informação por parte da presdisponente ao aderente e, consequentemente, pela eliminação da cláusula de exclusão em foco e pela procedência da ação tal como foi julgado pelas instâncias.   


IV – Decisão


Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente.  

Lisboa, 7 de junho de 2018


Tomé Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo *

Rosa Tching  

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* Votei o acórdão, considerando, porém, desnecessária a parte da fundamentação relativa à contradição de julgados. Com efeito, entendo que o objecto do recurso se restringe às questões enunciadas nas conclusões do recorrente, com exclusão da conclusão 1ª, relativa à contradição de julgados, contradição que constitui tão só fundamento de admissibilidade da revista por via excepcional.

Maria da Graça Trigo

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[1] Sobre a conciliação desses dois princípios, vide Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1981, pp. 233 e seguintes.
[2] Neste sentido, vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3.ª Edição, 2016, pp. 48-49.
[3] Acórdão relatado por Salazar Casanova, publicado na CJSTJ, Tomo I, p. 102 e disponível na Internet http://www.dgsi. pt/jstj.