Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
928/18.1YRLSB.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: SOCIEDADE DE ADVOGADOS
SÓCIO
EXONERAÇÃO
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
DETERMINAÇÃO DO VALOR
VALOR REAL
AMORTIZAÇÃO DE QUOTA
COMPARTICIPAÇÃO
CAPITAL SOCIAL
ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
SUPRESSIO
TU QUOQUE
DECISÃO ARBITRAL
Data do Acordão: 02/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O art. 21.º, n.º 8, do RJSA (aqui aplicável) estabelece que o sócio exonerado tem direito a receber da sociedade a quantia apurada nos termos previstos no contrato de sociedade ou em acordo escrito de todos os sócios.
II- No caso, as cláusulas dos estatutos da sociedade não fornecem um critério para a fixação do valor da participação de capital do sócio exonerado, limitando-se a remeter para a deliberação da Assembleia Geral.
III - Por seu turno, as regras societárias estabelecidas não constam de documento escrito assinado por todos os sócios da recorrida.
IV - Os factos provados não revelam uma manifestação de vontade directa e expressa de aceitação pelo colectivo de sócios da recorrente das regras societárias estabelecidas respeitantes à exoneração de sócio.
V - Por outro lado, só seria possível extrair uma declaração tácita de aceitação das regras societárias relativas à exoneração de sócios se existisse uma exteriorização escrita de todos os sócios, da qual se deduzisse, com toda a probabilidade, a vontade de aceitar, em concreto, essas regras de exoneração.
VI - Todavia, essa exteriorização não consta nem resulta dos factos provados ou dos documentos invocados pela recorrente.
VII - Tendo sido a recorrente quem inviabilizou a aplicação das regras societárias, ao não ter promovido a sua subscrição por todos os sócios, nem ter tomado as deliberações exigidas pelas cláusulas estatutárias, a pretensão formulada na acção pela recorrida, que pressupõe a não aplicação dessas regras sobre a exoneração, apesar de ter intervindo na sua aprovação, não configura um abuso do direito.
VIII - Afastada a aplicação das regras societárias e não fornecendo os estatutos da sociedade um critério para a fixação do valor da participação de capital, este valor teria de ser fixado com recurso à comissão arbitral – art. 21.º, n.os 9 e 10, que remete para as regras dos arts. 13.º e 17.º, todos do RJSA.
IX - Não resolvendo estas regras a questão do cálculo do valor da participação de capital para efeito de exoneração de sócios, tem de recorrer-se às normas do CC supletivamente aplicáveis, previstas, em especial, nos arts. 1021.º e 1018.º (art. 2.º do RJSA).
X - Decorre do disposto no art. 1021.º, n.º 1, do CC, que o sócio exonerado tem direito ao contravalor da participação, que corresponde à quota parte do valor da sociedade na data relevante.
XI - A determinação do valor da sociedade não pode limitar-se, num critério estático e atomista, a considerar os valores parcelares do activo líquido do património social que constam do balanço (critério contabilístico estrito).
XII - Por um lado, mesmo nessa perspectiva, sendo comum a subavaliação dos activos (desde logo, por aplicação do princípio do custo histórico, do princípio da prudência e pela existência de reservas ocultas), esses valores devem ser corrigidos para o seu valor real e efectivo.
XIII - Por outro lado, a esse valor patrimonial deve acrescer o valor que advém de activos imateriais ou intangíveis, da organização em si e da posição no mercado, ou seja, a reputação, notoriedade, relação com clientes e acreditamento no mercado, que integram o seu valor de aviamento (ou goodwill).
XIV - No caso, tratando-se de uma sociedade de advogados, mais se acentua esta vertente.
XV - Determinado o valor da sociedade, este deve ser repartido pelos sócios na proporção da parte que lhes corresponde nos lucros, em função do sistema de pontos que vigorava na sociedade, devendo deduzir-se o valor da clientela desviada (arts. 21.º, n.º 9, e 17.º, n.º 6, do RJSA).
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

A demandante AA (AA)[2] formulou em Tribunal Arbitral (por convolação da comissão arbitral legalmente constituída) contra a demandada PLMJ ADVOGADOS, SP, RL o seguinte pedido:

A. Determine o valor da requerida e a contrapartida de amortização das participações de capital que a requerente detinha na requerida no montante que, pelo mínimo, aqui se líquida em € 1.865.307 [€2.027.900-€162.593];

B. Condene a requerida a pagar à requerente o montante acima referido, acrescido dos juros moratórios, contados à taxa legal de 4%, desde 26.06.2008, até 07.07.2015, num total de €518.810,87, o que perfaz o montante global de €2.384.117,87, a que há ainda a acrescer os juros vincendos até efectivo pagamento;

C. Para além dos valores supra referidos, acrescerão ainda os que resultarem do apuramento do real valor da requerida, considerando todos os factores que influenciam o respectivo valor da sociedade, relativamente aos quais a requerente não dispõe ainda da totalidade da informação, desde já se pedindo a condenação da requerida nos montantes que, efectivamente se vierem a apurar no decurso do processo.

Como fundamento, alegou o seu percurso na Sociedade PLMJ, bem como a sua iniciativa de exoneração, sustentando o pedido na não aplicabilidade das ou na inderrogabilidade substancial das normas relativas à contrapartida da exoneração do sócio, descrevendo a necessidade de avaliação da Sociedade e os vários métodos elegíveis para essa avaliação, apresentando, em detalhe, o método que considera dever ser usado nos presentes autos. Para tal efeito, apresenta um método de cálculo relativo à participação de indústria, a deduzir do valor da Sociedade para efeito de determinação do valor desta "para os sócios de capital, enquanto tais", representando o "excedente societário".

A Demandada contestou, referindo o percurso profissional interno da Demandante, bem como o seu processo "de saída" e sustentando a validade e aplicação das Regras Societárias para determinação do valor de amortização das participações de capital da Demandante; impugnou o método de avaliação propugnado pela Demandante e invocou um crédito sobre a Demandante, com ele opondo excepção de compensação.

A Demandante respondeu à matéria de excepção.

O Tribunal, com o contributo das partes, fixou, definitivamente, as seguintes Questões Litigiosas:

Questão Litigiosa 1 - os artigos 9º/6 e 11° dos estatutos da demandada (documento R-22); apuramento do valor das participações de capital dos sócios pela assembleia geral da demandada; sindicabilidade (mecanismos de reação em caso de discordância em relação ao apuramento) do apuramento; relevância da omissão; da derrogabilidade do direito do sócio que se exonera ao valor de amortização da respetiva participação de capital.

Questão Litigiosa 2 - o artigo 11º dos estatutos da demandada e os artigos 23º e ss das regras societárias; compatibilização; prevalência para efeitos da determinação do valor da participação social das demandadas.

Questão Litigiosa 3 - as regras societárias de 2005 (documentos A-6) (artigos 23º e ss) em vigor ao tempo da exoneração das demandantes como o acordo escrito dos sócios da demandada nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 8 do artigo 21° do DL 229/ 2004, de 9 de setembro (RJSA); validade; eficácia; relevância do comportamento das demandantes e dos sócios da demandada relativamente a essas regras.

Questão Litigiosa 4 - o nº 2 do artigo 24º das regras societárias da demandada; sindicabilidade do apuramento do valor das participações de capital dos sócios pela assembleia geral da demandada no caso de exoneração da sociedade com continuação da atividade profissional; validade; eficácia; relevância da omissão.

Questão Litigiosa 5 - o nº 2 do artigo 24º das regras societárias da demandada; apuramento do valor das participações de capital dos sócios pela assembleia geral da demandada; validade e eficácia; sindicabilidade do apuramento; relevância da omissão; determinação e sindicabilidade dos investimentos realizados nos anos anteriores; o coeficiente de atualização; relevância da omissão na determinação do coeficiente; determinação e sindicabilidade dos investimentos no ano em curso.

Questão Litigiosa 6 - o nº 3 e n.º 4 do artigo 24º das regras societárias demandada; o ativo imobilizado corpóreo, líquido de amortizações (apuramento e sindicabilidade); a exclusão (e valor) da coleção PLMJ e da clientela; a atualização; apuramento, validade e eficácia; a divisão por pontos.

Questão Litigiosa 7 - o acordo de exoneração do Ex.mo senhor professor BB; relevância.

Questão Litigiosa 8 - os pontos detidos pelas demandantes, relevância; considerando os pontos de crescimento relativos ao desempenho durante o ano de 2007; relevância.

Questão Litigiosa 9 - métodos de avaliação da demandada para efeitos do irisa; discounted cashflow/utilização de múltiplos; o excedente bruto; o excedente societário.

Questão Litigiosa 10 - o valor e a relevância dos "rendimentos gerados pela sociedade afetos, por deliberação dos sócios, a afetações específicas"; a N...; pagamentos TCA a sócios; o fundo de pensões; a fundação PLMJ; o valor doativo de entidades relacionadas com a demandada e os seus sócios.

Questão Litigiosa 11 - o cálculo do valor da clientela que acompanhou as demandantes na sua saída; período temporal a considerar.

Questão Litigiosa 12 - as negociações goradas relativas a um acordo de saída (em particular, os documentos R-17, R-18, R-73); relevância de tais negociações; a praxe do foro; relevância.

Questão Litigiosa 13 - o sistema dual em vigor na demandada; as assembleias estatutárias e as assembleias gerais de sócios (cimeiras); relevância; o comportamento dos sócios da demandada e das demandantes relativamente a essas regras; relevância.

Questão Litigiosa 14 - as regras societárias de 2003 (documento R-26) e de 2002; em particular, o texto do n° 3 do artigo 17° e o contributo da demandante AA; relevância,

Questão Litigiosa 15 - a inexistência de desembolso pelos sócios de quantitativo subjacente às entradas de capital dos sócios da demandada; em particular, a inexistência de entradas de capital das demandantes; relevância.

Questão Litigiosa 16 - as sucessivas alterações dos estatutos da demandada no que diz respeito às regras de determinação do valor relevante para amortizações de participação de capital (A-3; R-21; R-22; R-29); relevância.

Questão Litigiosa 17 - as práticas societárias e as normas constantes das regras societárias tendentes à retenção de sócios (em particular, o fundo de pensões); relevância.

Questão Litigiosa 18 - relevância e efeitos do apuramento do valor da demandada efetuado no início de janeiro de 2008 (R-17 e R-18); relevância e efeitos do apuramento do valor da demandada efetuado após o fecho do exercício de 2007(R-57).

Questão Litigiosa 20 - a clientela da demandada que acompanhou os colaboradores que saíram da demandada aquando da saída das demandantes; relevância.

Questão Litigiosa 21 - outros fatores para a determinação do valor da demandada, designadamente: a dívida; a estrutura de custos.

Questão Litigiosa 22 - as horas de trabalho não faturadas pela demandada em dossiers trabalhados pelas demandantes e pelos demais colaboradores que com elas saíram da demandada; relevância.

A final, foi proferida pelo Tribunal Arbitral decisão com este dispositivo:

“Condenar a Demandada a pagar às Demandantes as seguintes quantias:

- à Demandante CC, a quantia de € 28.692,39 (vinte e oito mil, seiscentos e noventa e dois euros e trinta e nove cêntimos);

- à Demandante AA, a quantia de € 31.735,29 (trinta e um mil, setecentos e trinta e cinco euros e vinte e nove cêntimos);

Valores que se fixam como as contrapartidas pela amortização das quotas que detiveram, enquanto sócias de capital da Demandada, calculadas nos termos seguintes:

- Valor do imobilizado corpóreo líquido de amortizações da Demandada a 31.12.07 =€1.502,872,85

- Total de Pontos = 3457

- Valor por ponto =€1.502,872,85/3457=€ 434,73

- Valor CC = (€ 434,73 X 132) X 50% =€ 57.384,78 X 50% =€28.692,39

- Valor AA = (€ 434,73 X 146) X 50% =€ 63.470,58 X 50% =€31.735,29

Nos termos das RS2005, o pagamento da contrapartida de amortização deve ser "liquidado em 6 prestações anuais, sem juros nem correção monetária, e vencendo-se a primeira prestação um ano após o afastamento de PLMJ e as restantes, sucessivamente, um ano após o vencimento da anterior." No caso, portanto, em 31.12.2008, 31.12.2009, 31.12.2010,31.12.2011,31.12.2012 e 31.12.2013. Tal obrigação é, como resulta claramente da regra citada, de prazo certo[3], e a constituição em mora não depende de interpelação (Código Civil, artigo 805º/2º).

Nos termos do artigo 781º do Código Civil, "se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas." Assim, todas as prestações devidas às Demandantes devem considerar-se vencidas.

Aos valores acima referidos acrescem os juros legais, à taxa legal, desde o dia 31.12.2008 até integral pagamento.”.

Esta decisão teve voto de vencido por parte do Sr. Juiz Árbitro nomeado pelas Demandantes, relativamente à decisão e aos seus fundamentos, tendo concluído:

Em suma, face ao exposto, e na ausência de critérios estatutários válidos e que estabeleçam um concreto, inquestionável e definitivo critério para a determinação do valor da participação do valor da participação de capital que cada uma das Demandantes detinha em PLMJ, entendo que deveria ter tido lugar o julgamento da causa mediante a aplicação do regime constante do artigo 21.º, n.º 9 do RJSA, o que obrigaria a encontrar, antes de mais, um critério de avaliação da própria Sociedade.”.

Foi interposto recurso de apelação, tendo a Relação proferido Acórdão com esta decisão:

“Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, concedendo provimento à apelação, anula-se a decisão recorrida e determina-se a baixa dos autos a fim de ser ampliada a matéria de facto na medida necessária para esse efeito e nos termos contextualizados na fundamentação anterior”.

Na sequência, veio o Tribunal Arbitral a proferir nova decisão com este teor:

“O Tribunal Arbitral tomou conhecimento e analisou o teor do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... (adiante, TR...) de 23.10.2018 (adiante, o Acórdão TR...) e, em obediência a esse Acórdão,

1. fundamentará a sua decisão no que concerne à matéria de facto e

2. analisará as questões litigiosas que no Acórdão Arbitral foram consideradas prejudicadas.

A decisão ora proferida integra o Acórdão Arbitral proferido em 15.12.2017, dele fazendo parte integrante.

(…)

Aditam-se, assim, à matéria dada como provada:

• 1A - as Demandantes propuseram a ação judicial que correu termos sob o nº 350/10...., sendo nela proferidas a sentença que constitui o Doc. R-20 e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... [Doc. R-89);

• 80A- A N... subarrendava o edifício sede da Requerida a esta (Doc. R-41). (…)

2. As questões litigiosas prejudicadas

No Acórdão Arbitral, a propósito das Questões Litigiosas I e II, o Tribunal Arbitral expôs o seu entendimento sobre o ordenamento jurídico nacional no que diz respeito à matéria da amortização da participação de capital em Sociedades de Advogados e considerou que esse entendimento prejudicava o conhecimento de outras questões litigiosas.

Preliminarmente, no entanto, cumpre, no que diz respeito à questão litigiosa 18, retificar um lapso de escrita que consta do Acórdão Arbitral (página 133, primeiro parágrafo].

Com efeito, não foi essa questão que o Tribunal considerou prejudicada (como resulta, de resto, da apreciação que é feita da mesma nas páginas 135 a 138 do Acórdão Arbitral, sob o n- V].

As questões que o Tribunal, efetivamente, considerou prejudicadas, foram as questões litigiosas 9,10,17 (todas sob o ponto VII], 19, 21 (ambas sob o ponto VIII) e que são as seguintes:

9. Métodos de avaliação da Demandada para efeitos do RJSA: Discounted Cash Flow/utilização de múltiplos; o excedente bruto; o excedente societário 10.0 valor e a relevância dos rendimentos gerados pela Sociedade afetos, por deliberação dos sócios, a deliberações específicas; a N...; pagamentos TCA a sócios; o Fundo de Pensões; a Fundação PLMJ; o valor do ativo de entidades relacionados com a Demandada e os seus sócios;

17. As práticas Societárias e as normas constantes dos Estatutos da Demandada no que diz respeito às regras de determinação do valor relevante para amortizações de participação de capital; relevância;

19. A relevância da saída de outros sócios da Demandada (Dr.s DD, EE, FF, BB) no apuramento do valor desta feita pelas Demandantes.

21. Outros fatores relevantes para a determinação do valor da Demandada designadamente a dívida; a estrutura de custos.

No Acórdão TR... refere-se que "a síntese do TA plasmada na formulação da questão VII, em si mesma, é suficientemente abrangente por forma a alcançar a matéria da questão IX” (página 50, último parágrafo), para depois se referir (página 51, primeiro parágrafo) que deverá ser seguido o roteiro assinalado na questão IX, como acima determinado”. Cremos que o Tribunal da Relação ... se refere à questão litigiosa 9 e não ao item IX, porquanto este último (que abrangia a questão litigiosa 15) se encontra apreciado (Acórdão Arbitral, páginas 143-144).

Assim, no que diz respeito à questão litigiosa 9, deve considerar-se, em primeiro lugar, que as Demandantes, tendo exposto vários métodos (teoricamente) suscetíveis de ser aplicados, propuseram, em concreto, um método de avaliação que aplicaram e que converteram em pedido e que esse método de avaliação mereceu do Tribunal as considerações então plasmadas no Acórdão no capítulo relativo à apreciação da Prova (CAPITULO VI - análise crítica da prova) - breve consideração genérica, páginas 17-18) e também a propósito do depoimento do Professor GG (páginas 61 a 67).

Acresce que o elenco da matéria provada (pelas razões então expostas e ora resumidas no parágrafo anterior) não permite, em obediência às regras do ónus da prova, a aplicação do método preconizado pelo Prof. GG. Na realidade, se o Tribunal não ficou, pelas razões que então apontou, convencido da bondade do método sugerido, não poderia - e não pode - dar como provada matéria (como o excedente, por exemplo) de que depende a aplicação desse método.

Isto é: mesmo que o Tribunal entendesse que as RS (as de 2003 ou as de 2005) não são válidas à luz da lei, sempre ao Tribunal estaria - e está - vedado considerar o método proposto, até pelas razões apontadas pela testemunha; isto, claro, sem prejuízo do recurso que possa ser interposto quanto a essa decisão do Tribunal Arbitral, que está fundada, essencialmente, na sua apreciação crítica da prova a que acima se aludiu (quer a genérica, quer a efetuada a propósito do depoimento da testemunha GG, único potencialmente relevante para este efeito).

Com o devido respeito, não é claro para o Tribunal Arbitral se o Acórdão determina, ou não, a necessidade de apreciação das questões litigiosas 10,17,19 e 21; todavia, o Tribunal Arbitral, por razões de economia processual, não deixará de abordar essas questões, ainda que de forma sintética.

No que diz respeito à questão litigiosa 10 (agrupada, no Acórdão, com as questões litigiosas, 9 e 17 - item VII), o entendimento do Tribunal Arbitral quanto à matéria dos rendimentos afetos, por deliberação dos sócios, a afetações específicas é irrelevante na determinação do valor da Sociedade, independentemente de se adotar, ou não, o entendimento de que as RS são juridicamente válidas.

Com efeito, parece ao Tribunal que os Sócios podem deliberar afetar parte (ou, no limite, todo] o lucro que lhes caberia da forma que entenderem; e que, tendo afetado, essa afetação diversa é feita, ainda que de forma indireta, no interesse social em que os sócios se reviram. É incongruente, na opinião do Tribunal, que os sócios - incluindo as Demandantes afetem o seu lucro em matérias que consideraram relevantes (como a Fundação, a N..., o Fundo de Pensões) e depois, com a Fundação constituída, a N... e o Fundo de Pensões constituídos e entretanto extintos, pretendam que esses lucros proporcionais acresçam ao valor da sua amortização, gerando uma situação de desigualdade entre os sócios face às regras (as RS) pelas quais os sócios norteiam as suas relações, para mais em benefício dos sócios que se exoneram e em detrimento dos que permanecem na Sociedade. É a estabilidade da vida social que o impõe.

No que diz respeito à questão litigiosa 17, deverá considerar-se que a mesma está abrangida nos itens I e II (questões litigiosas 1 a 6); na verdade, os Estatutos e as RS levam à conclusão de que os sócios da Demandada se vinculam por razões que transcendem a participação de capital e que não são inerentes a esta, designadamente a forma de distribuição do lucro (assente em pontos, não em capital, que é igual para todos os sócios) e os outros benefícios, como (ao tempo) o acesso à reforma (nos termos do contrato constitutivo do Fundo, naturalmente).

Relativamente à questão litigiosa 19, apenas se apurou o que consta do número 128 da matéria de facto dada como provada - ie, que no período entre 2003 e 2007, saíram da Demandada 4 sócios além das Demandantes, facto que é manifestamente insuficiente para que o Tribunal afira o impacto que essa saída teve no valor da Sociedade. Acresce que resulta também da matéria dada como provada - números 107 a 109 - que a faturação bruta, as despesas e as distribuições se mantêm significativamente estáveis, pelo que é impossível o Tribunal concluir, apenas com base nos factos disponíveis (provados), que aquela saída afetou negativamente o valor da Sociedade.

Por fim, relativamente à questão litigiosa 21, apenas se apurou o que consta dos números 107 a 109 da matéria de facto dada como provada, sendo que a estrutura de custos está, obviamente, refletida na despesa, afetando negativamente as distribuições. Todavia, não é possível ao Tribunal Arbitral concluir, mais uma vez, qual o impacto da estrutura de custos nessa diminuição das distribuições, porquanto não está apurada a causada diminuição das distribuições em 2009 (que é o único ano em que se verifica, simultaneamente, aumento da faturação e da despesa e diminuição das distribuições).

3. A aprovação das Regras Societárias

Refere-se no Acórdão TR... (página 79, 3º parágrafo) que "para que a referenciada regra pudesse prevalecer enquanto regra para que remetem os estatutos, pode entender-se que se teria de ter dado como provado que as RS foram aprovadas por deliberação de todos os sócios. Ora, tal facto não foi levado ao acervo dos factos dados como provados."

Não cabe ao Tribunal Arbitral questionar esse entendimento do Tribunal da Relação ..., embora esteja implícito na decisão arbitral um entendimento diferente, de independência entre as RS e os Estatutos, entendimento esse, entre outras razões, fundado na letra ("no contrato de Sociedade ou em acordo escrito de todos os sócios”) usada no artigo 21º do RJSA.

O que se encontra provado, a esse respeito, é o que consta dos números 14 a 23 da matéria de facto dada como provada, em particular o primeiro - o acordo das partes quanto à vigência das RS2005 - e o último, na medida em que convoca a Cimeira de aprovação das RS de 2003 (Doc. R-23)

Desse documento não se retira, por si só, se estavam ou não presentes todos os sócios da Demandada.

Assim, analisando o Documento R-26, verificamos que as RS de 2003 se encontram assinadas por todos os sócios (exceto os que são indicados no documento com tendo "atividade profissional suspensa"), a saber: HH; II; JJ; KK; LL; MM; NN; CC; OO; PP; AA; QQ; RR; SS; TT; BB; UU; VV; WW; XX; YY; ZZ e AAA.

Que são exatamente os mesmos que constam como estando presentes na reunião cuja ata se encontra vertida no documento R-23 (sendo que, nessa reunião, está presente um sócio designado por BBB que não assina as RS (Doc. R-26); por outro lado, estas estão assinadas por DD, cuja presença não está assinalada na ata da reunião).

A técnica de redação das atas em apreço inculca a ideia de que, na primeira das reuniões se encontrava presente a totalidade dos sócios, na medida em que, na ata seguinte são referidas as ausências. Todavia, essa consideração não é suficiente para que o Tribunal Arbitral conclua se na reunião de 19.4.2002 (Doc.R-25) estavam ou não presentes todos os sócios.

Já no que diz respeito à reunião de ratificação ocorrida em 19.4.2002 (Doc. R-25) é expressamente referido que não se encontravam "presentes CC, CCC e AAA".

Assim, não é possível concluir se, na deliberação de Abril, estavam ou não presentes todos os sócios da Demandada, sendo inequívoco que na reunião de 19.4.2002 não estavam.

Diga-se, em todo o caso, que nenhuma das partes em litígio suscitou, ao longo dos factos que articulou, a questão que ora é trazida aos autos pelo TR..., considerando-se que não cabia ao Tribunal Arbitral dela indagar (as Demandantes suscitam a questão da maioria no artigo 139º da PI, mas essa maioria - 75% dos sócios de capital - está manifestamente verificada; a Demandada não aborda essa questão da maioria ou da unanimidade dos sócios (mesmo os eventualmente ausentes).

Ora, na consideração de que tal facto é essencial - que não é o entendimento do Tribunal Arbitral, mas que o TR... admite poder entender-se que se teria de ter dado como provado que as RS foram aprovadas por deliberação de todos os sócios - é, portanto, essa omissão de alegação que deverá ser ponderada.

Sem prejuízo por opinião diversa, naturalmente, consigna-se que não é esse o entendimento do Tribunal e que, portanto, não há que relevar o défice - de uma e/ou outra parte - de alegação.”.

Esta decisão teve voto de vencido por parte do Sr. Juiz Árbitro nomeado pelas Demandantes, do seguinte teor:

Voto vencido relativamente à decisão e aos seus fundamentos, pelas mesmas razões que votei vencido na decisão de 15 de Dezembro de 2017.

Isto porque a reformulação operada pela presente decisão em nada alterou o teor daquela decisão, seja quanto à matéria de facto, seja quanto à matéria de direito.

Por razões de simplificação processual, dou aqui por integralmente reproduzidos todos os fundamentos do meu voto de vencido na decisão de 15 de Dezembro de 2017.”.

Novamente inconformada com a decisão, a demandante interpôs recurso de apelação, tendo a demandada recorrido subordinadamente.

A Relação decidiu:

1. Na parcial procedência da apelação da Demandante, alterando a decisão recorrida, condenar a apelada a pagar-lhe a quantia a esta devida pela exoneração, a título de amortização de capital, que resultar de liquidação de sentença, relativamente a

- valor real da sociedade;

- comparticipação da Demandante nesse valor;

- dedução, ao valor apurado, do valor devido que vier a ser também apurado, a título de desvio de clientela por parte da Demandante, tudo de acordo com os termos atrás fixados, tendo-se em conta o limite do peticionado e o valor já reconhecido pelo Tribunal Arbitral, como sendo devido.

2. Julgar improcedente in totum o recurso subordinado.

Custas na proporção do vencido, fixando-se em 1/10 a responsabilidade da Demandante e em 9/10 a responsabilidade da Demandada, sem prejuízo das correções devidas depois de definitivamente apurada a responsabilidade efetiva de cada uma das partes.

Discordando desta decisão a demandada vem pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

A)      O presente recurso tem por objeto o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., de 05.01.2021, que identificou como questões a decidir as seguintes: (i) qual o regime jurídico aplicável ao cálculo da comparticipação do capital da Recorrida, no contexto da sua exoneração (o que resulta da aplicação das regras societárias ou do regime estatutário e legal, previsto no DL 229/2004, ao tempo vigente) e (ii) a determinação do valor da participação de capital da Recorrida, no contexto da exoneração.

B)      Quanto à determinação do regime jurídico aplicável ao cálculo da contrapartida da Recorrida, no contexto da sua exoneração, o artigo 21.º, n.º 8 do RJSA estabelece a faculdade de os sócios, de uma sociedade de advogados, regularem, por acordo escrito de todos eles, os termos da exoneração voluntária de qualquer um deles, faculdade concretamente utilizada pelos sócios da Recorrente.

C)      À data da exoneração da Recorrida, vigoravam entre e para os sócios da PLMJ as Regras Societárias, versão de 2005, as quais regulavam expressamente, nos artigos 23.º e 24.º, os termos em que devia ser apurado o montante da contrapartida devido pela exoneração de um sócio.

D)      O Acórdão recorrido entendeu, erradamente, que a ora Recorrente não demonstrou a existência de um acordo escrito dos sócios para efeitos de aplicação do artigo 21.º, n.º 8 do RJSA, o qual teria de “ser por eles expresso, por escrito”. Não tem, porém, razão.

E)      Primeiro, porque a lei apenas exige que o acordo seja reduzido a escrito – que foi –, não impondo que o mesmo seja assinado por todos os sócios, pelo que a assinatura das Regras Societárias apenas relevaria como elemento probatório, circunstância que em nada afeta a validade e, consequentemente, a vigência das mesmas (tanto mais que da matéria provada e da documentação junta resulta que os sócios se consideravam vinculados pelas mesmas).

F)      Segundo, nos termos do artigo 217.º, n.º 2 do Código Civil, a exigência de forma legal não impede que a declaração seja emitida tacitamente (e não expressamente, como refere a decisão recorrida), bastando para o efeito, que os factos de que a declaração se deduz estejam, eles próprios, reduzidos a escrito, entendimento que é pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência.

G)      In casu, a vigência das Regras Societárias de 2005, como acordo escrito de todos os sócios, era pacífica entre todos os sócios da Recorrente, sendo expressamente aceite por todos nas suas interações com a sociedade e os outros sócios (participação em assembleias gerais, discussão de regras distribuição de lucros, etc.).

H)      Em qualquer caso, essas manifestações sempre seriam comportamentos concludentes com a referida vigência – muitos dos quais resultam dos factos provados e têm respaldo em documentação (escrita) junta aos autos –, pelo que os factos de onde se deduz a vontade – aceitação tácita – de os sócios de se vincularem às Regras Societárias de 2005 estão, também eles, reduzidos a escrito.

I)        Terceiro, as Regras Societárias de 2005 não eram regras novas, mas uma reformulação das Regras Societárias de 2003, sendo o conteúdo dos artigos 23.º e 24.º das Regras Societárias de 2005 – únicas disposições que relevam para efeitos de aplicação do artigo 21.º, n.º 8 do RJSA – equivalente ao dos artigos 16.º e 17.º das Regras Societárias de 2003, as quais foram assinadas por todos os sócios.

J)       Se dúvidas houvesse sobre se as Regras Societárias de 2005 consubstanciam um acordo escrito, elas sempre se dissipariam perante a circunstância de estas preverem a mesmíssima disposição sobre a contrapartida a pagar pela exoneração de sócio que as regras Societárias de 2003 (que, à luz do entendimento da decisão recorrida, cumprem as exigências de forma necessárias, porquanto o consentimento dos sócios foi revelado de forma expressa através de assinatura).

K)      Em face do exposto, houve um acordo escrito sobre o método de cálculo da quantia a arbitrar aos sócios exonerados (constante dos artigos 16.º e 17.º das Regras Societárias de 2003 e replicado no artigo 23.º e 24.º das Regras Societárias de 2005), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 8 do RJSA, pelo que o regime jurídico aplicável ao cálculo da contrapartida pela exoneração da recorrida é o que decorre da aplicação das referidas Regras.

L)       O Acórdão recorrido afastou ainda a aplicação das Regras Societárias com fundamento na circunstância de não terem sido adotadas certas diligências, previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º das Regras Societárias de 2005, porquanto entendeu que solução contrária autorizaria um “comportamento antijurídico” da Recorrente que, com aquela omissão teria paralisado os passos necessários à efetivação dos direitos da Recorrida. Também aqui não tem razão por duas razões.

M)      Primeiro, porque a conduta da Recorrente não merece censura, ao contrário da atuação e pretensões da Recorrida que são manifestamente abusivas e contrárias ao princípio da boa-fé. Com efeito, foi a Recorrida (e não a Recorrente) quem assumiu, ao longo do período em que foi sócia da Recorrente, um comportamento definitivamente contraditório com o que veio a perfilhar no âmbito deste litígio, desde logo, porque foi a Recorrida que ajudou a criar, aprovou e, enquanto manteve a sua qualidade de sócia, nunca colocou em causa as Regras Societárias (especificamente os artigos 23.º e 24.º das Regras Societárias de 2005 e, bem assim, os artigos 16.º e 17.º das Regras Societárias de 2003). Mas mais: a Recorrida, como sócia e membro dos órgãos de gestão da Recorrente, nunca requereu ou promoveu pela adoção das diligências, assumindo o mesmo comportamento omissivo que a decisão considera “razão bastante” para desaplicar as Regras Societárias.

N)      Ao aplicar as Regras Societárias de 2005 a Recorrente não vai “beneficiar de um comportamento que lhe é imputável e que viola diretamente as regras por ela assumidas”, porquanto se limitará a aplicar as regras pré-estabelecidas; pelo contrário, ao não aplicar as Regras, a Recorrida quer obter um benefício que se traduz numa contrapartida 51 vezes superior à apurada pelo Tribunal Arbitral.

O)      Pelo que, a solução a que chega o Tribunal recorrido, ao considerar “irrelevante” a atuação da Recorrida, é, essa sim, uma legitimação inadmissível de um “comportamento

antijurídico”.

P)      Segundo, a conduta da Recorrente não inviabilizou a possibilidade de cálculo do valor dos direitos da Demandante na sequência da exoneração, uma vez que esse cálculo é feito por aplicação dos artigos 23.º, n.º 1 e 24.º, n.ºs 3 e 4 das Regras Societárias de 2005 – e não por aplicação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º –, não sendo, por isso, necessárias as operações a que a decisão recorrida faz referência, conclusão a que chegou o Tribunal Arbitral.

Q)      De resto, esta é a solução a que se chega quer por interpretação literal dos preceitos, quer por aplicação do n.º 2 do artigo 236.º do Código Civil, porquanto esse sempre foi (e continua a ser) o entendimento dentro da Recorrente, entendimento que nunca foi contestado pela Recorrida, que o conhecia ou tinha obrigação de conhecer.

R)      Assim, o valor da amortização corresponderá à quota-parte – determinada em função dos pontos detidos por cada Sócio – do valor do ativo imobilizado corpóreo líquido da sociedade determinado em cada ano, ou seja, ao valor que consta do balanço, reduzido em 50%, o que perfaz o montante global de EUR 31.735,29.

S)      Mesmo que assim não se entendesse, as omissões detetadas não inviabilizam o cálculo da quantia devida, porquanto as operações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º ainda são passíveis de ser realizadas.

T)       Em face do exposto, a desaplicação das Regras Societárias pela decisão recorrida – com base nos fundamentos que aduz – é, ela própria, manifestamente injusta, desproporcional e desrazoável, não tendo qualquer respaldo na vontade e comportamento das Partes, sendo, aliás, contraditória com estes, conduzindo a uma solução “antijurídica”, que não se pode aceitar.

U)      Subsidiariamente, caso assim não se entenda, também não será de admitir o método proposto pela decisão recorrida, porquanto, não sendo aplicável o método de cálculo decorrente das Regras Societárias de 2005, o regime a aplicar é o que decorre da aplicação do artigo 1021.º do Código Civil que é inequívoco em determinar que a metodologia de avaliação a considerar é a de “liquidação”.

V)      A decisão recorrida entendeu aplicar o método do valor contabilístico ajustado, o qual consistiria “na valorização do conjunto de bens, direitos e obrigações que integram o ativo e que constam do balanço da Empresa, corrigidos ou ajustados para o valor de mercado”, pelo que na avaliação do valor real da sociedade teriam de ser ponderados os ativos intangíveis.

W)     A decisão recorrida, também aqui, andou mal, porquanto ao impor o apuramento do “valor de mercado” através da ponderação de ativos intangíveis, desconsiderou que estamos perante a avaliação de uma sociedade de pessoas e não de uma sociedade comercial ou de uma “Empresa”. Com efeito, para além de não praticarem atos de comércio, nas sociedades de advogados, enquanto sociedades de pessoas que são, a tónica não está nos meios de produção, mas na própria pessoa dos sócios, que não é dissociável da sociedade: o seu principal ativo são os sócios.

X)      Acresce que o “ajustamento” que a decisão recorrida propõe, por referência ao “valor de mercado”, apurado através da ponderação daqueles indicadores, pressupõe uma lógica de continuidade (e não de liquidação), apelando a fatores dinâmicos ou de continuidade – e não estáticos –, de ordem subjetiva e meramente previsionais, pelo que terá de ser rejeitado à luz das normas concretamente aplicáveis, nomeadamente os artigos 1021.º e 1018.º do Código Civil.

Y)      Ademais, a ponderação daqueles indicadores, desconsidera que “o goodwill pessoal das sócias exoneradas, sob a forma de reputação, know how, capacidade de trabalho e de angariação e retenção de clientela, acompanha-as na exoneração e passa a ser por elas directamente apropriado, livre de restrições”, sendo que tais “intangíveis” também foram adquiridos na Recorrente, nomeadamente com a sua “marca”, reputação, formação etc., pelo que os mesmos sempre teriam de ser ponderados e correspondentemente deduzidos.

Z)      Aqui chegados, importa reiterar que a avaliação da participação da Recorrida, nos termos do artigo 1021.º do Código Civil, deverá ser feita sob o paradigma de liquidação da sociedade, tomando apenas em linha de conta os elementos constantes do Balanço – Doc. A-15.

AA)    Não se podendo desconsiderar o Balanço da Recorrente, como pretende a decisão recorrida, porquanto, no caso, não existem quaisquer razões que justifiquem a suspeição lançada sobre ele pelo tribunal a quo. Com efeito, (i) o Balanço foi efetuado nos termos da lei, (ii) foi junto aos autos pela Recorrida, que não o contestou, impugnou ou suscitou quaisquer dúvidas sobre o seu rigor e correção, (iii) nunca foi questionado por qualquer entidade pública fiscalizadora, (iv) nem tão pouco pelo juiz do Processo n.º 350/10.... que o tomou como bom e a ele recorreu no seu juízo e (v) o Balanço não tem de considerar “ativos incorpóreos como por exemplo marcas, contactos, outros dados, recursos humanos”.

BB)    Nenhum daqueles itens (“intangíveis) é suscetível de ser vendido isoladamente, seja porque não têm valor dissociado das pessoas que compõem a sociedade (como é o caso da “marca” – que o Tribunal não diz qual é – e dos “contactos”), seja porque estão protegidos por sigilo profissional (como é o caso dos “dados”), seja porque estão fora do comércio (não é possível vender os “recursos humanos”).

CC)    Ainda que dúvidas existissem, trata-se de elementos que nunca poderiam ser considerados numa ótica de liquidação, porque pressupõem a existência da própria sociedade.

DD)   As meras reservas do tribunal a quo (que nem sequer foram invocadas pelas Partes) não são, por isso, suficientes para desconsiderar a aplicação de um elemento relevante trazido aos autos (pela própria Recorrida), porquanto são manifestamente infundadas, baseando-se numa pretensa prática generalizada que não foi alegada ou provada como tendo ocorrido in casu.

EE)    Pelo que, nos termos dos artigos 1018.º e 1021.º do Código Civil, o apuramento do montante da contrapartida devida pela exoneração da Recorrida deverá ser feito nos seguintes termos: deverá ser apurado o ativo patrimonial líquido, ao qual se deduzirá o passivo, apurando-se o saldo. Desse saldo, ter-se-á de descontar o montante correspondente ao resultado líquido desse exercício, que equivale ao valor integralmente distribuído aos sócios da Recorrente, atento o funcionamento da sociedade em regime de “caixa”. O remanescente, a existir, é distribuído em função da proporção da respetiva participação nos lucros, no caso, dos pontos da Recorrida.

FF)    Por aplicação deste método, a Recorrida teria direito ao valor de EUR 8.868,96.

GG)   A decisão recorrida entendeu ainda que o valor a apurar, devido a título de contrapartida pela exoneração da Recorrida, estava limitado pelo “valor já reconhecido pelo Tribunal Arbitral”. Também aqui não tem razão, uma vez que, se a decisão recorrida entende que o acórdão arbitral andou mal, porque aplicou um regime que aquela entendeu desaplicar, não pode depois admitir que a condenação mínima da Recorrente ainda seja aferida em função dos resultados daquele método. A partir do momento que o Tribunal a quo revoga (ainda que parcialmente) o acórdão arbitral (e aplica um método de cálculo distinto), é em função deste novo método que se apurará o montante concretamente devido.

HH)    Finalmente, a decisão recorrida admite – bem – que o valor da clientela desviada pela Recorrida deverá ser deduzido ao montante concretamente apurado, considerando, contudo, que o montante identificado no Facto Provado n.º 136, deverá ser reduzido equitativamente, porquanto não teria ficado claro nos autos qual a clientela de que a Recorrida foi exclusiva beneficiária (conclusão a que chega por apelo a uma pretensa leitura conjugada do Facto Provado n.º 136 com o Facto Provado n.º 137).

II)       Contudo, não há ligação entre os Factos Provados n.ºs 136 e 137 e o Tribunal a quo leu erradamente a matéria dada por provada e a respetiva fundamentação.

JJ)     O valor constante do Facto Provado n.º 136 foi trazido aos autos pela Recorrida (Doc. A-1); a Recorrente, sim, entendia que esse valor pecava por defeito (que fez com que chegasse a pedir a inversão do ónus da prova sobre esta matéria), porque não incluía toda a faturação levada pela Recorrida (e que esta terá dado a outros advogados que com ela saíram). Assim, o valor constante do Facto Provado n.º 136 é o valor da clientela que a Recorrida aceita ter desviado, ou seja, “matéria que as próprias Demandantes revelaram aos autos nos termos do Documento A-1”.

KK)    É, portanto, um valor mínimo, não podendo sofrer qualquer redução equitativa.

LL)     Salvo o devido respeito, ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 17.º, n.º 6 e 21.º, n.º 8 do RJSA, nos artigos 217.º n.º 2, 236.º, 334.º do Código Civil e ainda 1018.º e 1021.º do mesmo Código aplicáveis ex vi artigo 2.º do RJSA, e artigos 527.º, 609.º n.º 2, 615.º n.º 1 als. c) e d) e 674.º do CPC.

Nestes termos, deve ser admitido o presente Recurso de Revista e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida,

a)       Mantendo-se o decidido pelo Tribunal Arbitral, ou

b)      Subsidiariamente, condenando-se a Recorrente no pagamento da quantia que vier a ser liquidada correspondente ao valor da contrapartida apurado nos termos dos artigos 24.º, n.ºs 1 e 2 das Regras Societárias de 2005, ou

c)       Subsidiariamente, condenando-se a Recorrente no pagamento da quantia de EUR 8.868,96, calculada nos termos do artigo 1021º do Código Civil.

Deverá ainda a decisão quanto às custas da Apelação ser reformada e, à falta de melhor critério, condenando-se as partes a suportar as custas em partes iguais, sem prejuízo das correções devidas depois de definitivamente apurada a responsabilidade efetiva de cada uma das partes.

A recorrida contra-alegou, tendo concluído pela improcedência do recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

- Regime jurídico aplicável ao cálculo da comparticipação de capital da recorrida, no contexto da sua exoneração;

- Determinação do valor da participação de capital da recorrida nesse contexto;

- Decisão sobre custas.

III.

Encontra-se provada a seguinte factualidade:

1. As Demandantes CC e AA são advogadas e foram sócias da Demandada, respetivamente, de 1.1.91 e 1.1.96 até 31.12.2007 (Acordo das partes quanto ao artigo 1º da PI e, quanto à data de produção de efeitos da exoneração, a Sentença proferida no âmbito do processo nº 350/10...., Doc. R-89).

1A - as Demandantes propuseram a ação judicial que correu termos sob o nº 350/10...., sendo nela proferidas a sentença que constitui o Doc. R-20 e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... (Doc. R-89).

2. As Demandantes CC e AA formalizaram a sua intenção de exoneração da Demandada na Assembleia Geral da Demandada de 22.10.2007 e em cartas dirigidas à Demandada e por esta recebidas, na pessoa do respetivo Presidente do Conselho de Administração, em 24.1.2008 (Acordo das partes quanto ao Artigo 4º da PI - artigo 22º CT - e Docs. A-4 e A-5).

3. Dispõe o primeiro parágrafo da cláusula 13ª dos Estatutos da Demandada que «todo o sócio tem o direito de se exonerar da sociedade, ainda que para tal não invoque justa causa ou causa específica» (art.º 104.º da PI; Documento R-22).

4. Dispõem os números 1 a 3 da Cláusula 11ª dos Estatutos da Demandada que:

1. Anualmente, a assembleia geral que aprovar as contas do exercício anterior fixará o valor das participações de capital dos sócios para o ano que estiver em curso.

2. Sempre que, qualquer que seja a causa, a sociedade deva liquidar ao sócio, ou seus herdeiros, o valor da sua participação de capital, será este o que resultar do disposto no número um desta cláusula, corrigido pelas variações significativas do ativo social que tenham ocorrido até à data do facto que for causa do direito do sócio, ou seus herdeiros, a receber aquele valor, sem prejuízo do disposto na lei quanto à fixação deste por comissão arbitral.

3. Em caso de fixação do valor da amortização por comissão arbitral, esta terá, obrigatoriamente, em atenção, no cálculo do montante total de amortização, o valor referido no número supra (art.º 107.º da P1; Documento R-22).

5. Dispõe a Cláusula 12ª dos Estatutos da Demandada que: «o valor da participação de capital de um sócio será liquidado pela sociedade nas seguintes condições e prazos máximos: (...)

c) em caso de exoneração, em setenta e duas prestações mensais, iguais e sucessivas, que serão corrigidas anualmente a partir da quadragésima oitava, à taxa de desconto do Banco de Portugal, vencendo-se a primeira, trinta dias após a data da exoneração; (...).» (art.º 108.º da PI; Documento R-22).

6. Dispõe o segundo parágrafo da Cláusula 13ª dos Estatutos da Demandada que: «À exoneração do sócio são aplicáveis as disposições dos números três a oito do artigo vigésimo primeiro do Decreto-Lei 229/2004, de 10 de dezembro». (art.º 110.º da PI; Documento R-22).

7. De acordo com o disposto no nº 7 da cláusula 9ª dos Estatutos da Demandada, "as deliberações que fixem o valor referido no número 1 da cláusula décima-primeira exigem o voto favorável de 3/4 dos votos dos sócios titulares de participação de capital (art.º 115.º da PI; Documento R-22).

8. De acordo com o nº 6 da cláusula 9ª dos Estatutos da Demandada, "as deliberações que aprovem o valor da participação de capital de um sócio, seja por amortização, em qualquer dos casos em que esta tenha lugar, seja para estabelecer pela sociedade para acordo com sócio ou os seus herdeiros exige o voto favorável de todos os outros sócios titulares de participação de capital e de, conjuntamente, metade dos votos dos sócios apenas titulares de participação de indústria" (art.º 117.º da PI; Documento R-22).

9. Até à exoneração das Demandantes não foi proposta em qualquer Assembleia Geral da PLMJ, nem foi aprovada pela mesma, para efeitos do nº 1 da Cláusula Décima-Primeira dos Estatutos, a prefixação do valor das participações de capital de quaisquer sócios de capital, nomeadamente das participações das Demandantes (Acordo das partes quanto aos arts. 118.º e 120º da PI).

10. Até à exoneração das Demandantes não se procedeu, anualmente, em assembleia geral de aprovação de contas, à determinação do valor da Demandada prevista no nº 1 do artigo 24.° das RS2005 (Acordo das Partes quanto ao art. 168.º da PI).

11. A Assembleia Geral da Demandada nada deliberou, relativamente às Demandantes, nos termos e para os efeitos do disposto no n° 6 da cláusula 9ª dos Estatutos. (Acordo das partes quanto ao art.º 121.º da PI).

12. As Demandantes não foram convocadas, mesmo durante o ano de 2007, para qualquer Assembleia para efeitos de pré-fixação do valor. (Acordo das partes quanto ao art.º 122.º da PI).

13. A cláusula 18ª dos Estatutos Uniformizados da PLMJ dispõe que: «Os acordos parassociais outorgados entre todos os sócios são vinculativos entre estes, e nas relações entre eles prevalecem sobre as disposições não imperativas do presente contrato» (art.º 134.2 da PI; Documento A-3).

14. De acordo com a Cláusula 11ª da versão original dos Estatutos (27.09.1989):

Anualmente a assembleia geral que aprovar as contas do exercício anterior, fixará o valor das participações de capital dos sócios para o ano que estiver em curso.

2. Sempre que, qualquer que seja a causa, a sociedade deva liquidar ao sócio, ou seus herdeiros, o valor da sua participação de capital, será este o que resultar do disposto no número um desta cláusula, corrigido pelas variações significativas do ativo social que tenham ocorrido até à data do facto que for causa do direito do sócio, ou seus herdeiros, a receber aquele valor, sem prejuízo do disposto na lei quanto à fixação deste por comissão arbitrar (art.º 105º da CT, Documento R-21).

15. Em 02.01.2002 reuniu a Assembleia Geral da Demandada, tendo sido, por unanimidade e com a presença das Demandantes, aditados dois números à Cláusula 11ª, com o seguinte teor:

(...)

3. Em caso de fixação do valor da amortização por uma comissão arbitral, esta terá, obrigatoriamente, em atenção, no cálculo do montante total de amortização o valor referido no número um supra.

4. Se a amortização das participações sociais de um sócio resultar da transmissão não voluntária entre vivos das mesmas tal como previsto no artigo treze do Decreto-Lei número 513-Q/79, de vinte e seis de dezembro, o valor da amortização da respetiva participação social será de quinhentos euros." (art.º 106º da CT, Documento R-29).

16. Em 18.03.2005, reuniu a Assembleia Geral da Demandada, tendo sido, por unanimidade e com a presença das Demandantes, alterado o nº 4 da cláusula 11, que passou a ter a seguinte redação:

"4. Se a amortização das participações sociais de um sócio resultar da transmissão não voluntária entre vivos das mesmas tal como previsto no artigo dezanove do Decreto-Lei 229/2004, de 10 de dezembro, o valor da amortização da respetiva participação social será de quinhentos euros."(art.º 107º da CT, Documento R-30).

17. Para além das alterações acima referidas e de inúmeras alterações decorrentes da mera entrada ou saída de sócios, os Estatutos da Demandada foram alterados em 30.11.2006 (quanto à cláusula 169) e em 11.03.2007 (quanto à cláusula 3), tendo as Demandantes sido representadas, nessas ocasiões, por outros sócios da Demandada (art.º 108º da CT, Documentos R-31 e R-24).

14 (2) Quando as Demandantes se exoneraram, vigoravam entre e para os sócios da PLMJ as chamadas Regras Societárias, versão de 2005 (RS2005) e cujo artigo 24º, sob a epígrafe "Determinação do valor de PLMJ e das participações dos Sócios", dispõe:

"1.     Anualmente, na AGS de aprovação das Contas de PLMJ, proceder-se-á à determinação do valor da mesma, reportado a 31 (trinta e um) de dezembro do ano anterior, para efeitos de amortização das Participações de Capital por morte ou incapacidade permanente e absoluta do respetivo titular.

2. O valor de PLMJ corresponde ao valor dos investimentos realizados nos anos anteriores, atualizado anualmente pela aplicação de coeficiente a determinar anualmente pelo CA, acrescido do valor dos investimentos feitos no ano em curso.

3. O valor de amortização das quotas será o correspondente ao ativo imobilizado corpóreo líquido de amortizações, excluindo a «Coleção PLMJ» e a clientela, atualizado de acordo com a lei.

4. O valor da participação de cada S é determinado em função da percentagem relativa dos P por ele detidos relativamente à totalidade dos P."(arts. 137º da PI e 96.º CT, Doc, A-6)

15(2) Esse corpo de regras era, por sua vez, uma reformulação das Regras Societárias de 2003 cujo artigo 17º, com a mesma epígrafe, dispunha:

"1. Anualmente, na AGS de aprovação das Contas da Sociedade, procede-se à determinação do valor de PLMJ, reportado a 31 (trinta e um) de Dezembro do ano anterior, para efeitos de amortização das Participações de Capital por morte ou incapacidade permanente e absoluta do respetivo titular.

2. O valor de PLMJ corresponderá ao valor dos Investimentos realizados nos anos anteriores, atualizado anualmente pela aplicação de coeficiente a determinar anualmente pelo CA, acrescido do valor dos investimentos feitos no ano em curso.

3. O valor de amortização das quotas será o correspondente ao ativo imobilizado corpóreo líquido de amortizações, excluindo a «Coleção PLMJ» e a clientela, atualizado de acordo com a lei.

4. O valor da participação de capital de cada Sócio será determinado em função da percentagem relativa dos Pontos por ele detidos relativamente à totalidade dos Pontos."(art. 97º CT, Doc. R-26).

16 (2) Dispõe o artigo 56º, alínea a) das RS2005 que «São da competência da AGS (assembleia geral de sócios) as deliberações relativas a: a) alteração das RS; (...)». (art.º 138.º da PI; Documento A-6).

17(2) E, nos termos do artigo 57º, nº 4, alínea a) das RS2005, em tais deliberações devem votar pelo menos 75% dos sócios de capital. (art.º 139.º da PI; Documento A-6).

18. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 23º das RS2005 "No caso de cessação voluntária de atividade em PLMJ com continuação do exercício da profissão fora de PLMJ, o S que se apartar terá direito a ser reembolsado de 50% do valor da sua participação de capital, determinado nos termos do artigo 24º, infra." (art.º 129º da CT, Documento A-6).

19. Eliminado

20. De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 23º das RS2005, "a responsabilidade pelo pagamento do montante do reembolso incumbe a todos os S - na proporção dos P detidos, tomada a soma destes como 100% (cem por cento) - devendo tal pagamento ser liquidado em 6 prestações anuais, sem juros nem correção monetária, e vencendo-se a primeira prestação um ano após o afastamento de PLMJ e as restantes, sucessivamente, 1 ano após o vencimento da anterior"(art.º 147º da PI Documento A-6).

21. O Conselho de Administração da Demandada nunca aprovou o coeficiente de atualização previsto no n.º 2 do artigo 24.º das Regras Societárias (Acordo das Partes quanto ao art. 169.º da PI).

22. As Demandantes, entre outros, assinaram, em Setembro de 2003, a Declaração que constitui o Documento R-26, que tem anexa as Regras Societárias datadas de 2 de Janeiro de 2003 e na qual pode ler-se que "Os signatários, na qualidade de Sócios de DDD, EEE, FFF, GGG Sociedade de Advogados» (adiante «PLMJ») (..) declaram que o documento imediatamente subsequente, «Regras Societárias» (...), constitui nos termos e para os efeitos do disposto na Cláusula Décima Sétima dos Estatutos de «PLMJ», o Acordo Parassocial vigente a partir de 01 de Janeiro de 2003, no contexto da regulamentação dos seus direitos e obrigações societárias." (art.º 84.º CT, Documento R-26).

23. Na Cimeira de 24.11.2001 foram discutidas as Regras Societárias da Demandada, cujo texto completo foi ratificado (com a ausência da Demandante CC) em 19.04.2002, no âmbito de um processo de revisão; que daria origem às regras de 2003 (Artigo 100º da CT, Docs. R-23, R-25 e Doc. R-26).

24. No âmbito dessa discussão, a Demandante AA apresentou uma proposta nos termos da qual (art.º 304.º CT, Doc R-28).

"10. O regime supra [reforma] não é aplicável: aos regimes especiais em vigor; no caso de saída voluntária do Sócio de PLMJ antes da reforma; quando o Sócio continue a sua atividade profissional fora de PLMJ.".

25. Esse texto veio a integrar a proposta sobre o regime da reforma que veio a ser aprovado na Assembleia Geral de 19.04.2002 e a dar origem ao nº 3 do art.º 15º das Regras Societárias de 2002. (art. 305.º CT, Docs. R-51, R-25 e Doc. R-27):

"O regime supramencionado não é aplicável:

a) aos regimes especiais em vigor;

b) no caso de saída voluntária do Sócio de PLMJ antes da reforma;

c) quando o Sócio continue a sua atividade profissional fora de PLMJ."

26. Que deu lugar ao nº 2 do art.º 15º das Regras Societárias de 2003 (art.º 306.º CT, Doc. R-26):

"O regime estipulado nos artigos 13.º e 14º, supramencionado, não é aplicável:

(i) aos regimes especiais em vigor;

(ii) no caso de saída voluntária do Sócio de PLMJ antes da reforma;

(iii) quando o Sócio continue a sua atividade profissional fora de PLMJ."

27. E que por sua vez deu lugar ao nº 2 do art. 22º das Regras Societárias de 2005 (art. 307.2 CT, Doc. A-6):

"O regime estipulado nos artigos 20.º (vigésimo) e 21.º (vigésimo primeiro) supramencionado, não é aplicável:

(i) aos regimes especiais em vigor;

(ii)no caso de saída voluntária do S de PLMJ antes da reforma;

(iii)    quando o S continue a sua atividade profissional fora de PLMJ."

28. Parte do texto do artigo 17º, o nº 3 das RS, que trata do valor de amortização, resulta de uma proposta apresentada pela Demandante AA para a Assembleia Geral de 24.11.2001 (art. 101.º CT, Doc. R-28)

29. Nessa proposta, circulada por email em 12.11.2001 a Demandante AA fazia diversas sugestões de redação de vários artigos das Regras Societárias, propondo, a propósito da "Avaliação de PLMJ", o seguinte texto:

"3. O valor de amortização de quota de PLMJ será o correspondente ao ativo líquido de amortizações, atualizado anualmente pelo coeficiente de inflação (excluindo habitação) publicado anualmente pelo INE, ou qualquer outro que o substitua."(art. 101.º CT, Doc, R-28),

30. Na sua relação com a sociedade e os demais sócios, as Demandantes, em especial a Demandante AA, faziam apelo às RS (art. 81.º da CT, depoimentos de CCC e HHH).

31. A Demandada, enquanto Sociedade de Advogados, tem os seus Estatutos depositados na Ordem dos Advogados; em 11.03.2007 foi aprovada uma nova versão dos mesmos, que corresponde ao Doc. R-22 (art. 71.º CT; Documentos A-3 e R-22).

32. De acordo com a cláusula 4ª dos Estatutos, o capital estatutário da PLMJ era, à data da exoneração das Demandantes, de 210.000 euros, dividindo-se em 21 participações iguais, de que eram titulares os 21 sócios de capital; (art. 112.º P1; Documento A-3).

33. Na sequência do anúncio referido em 2, supra, iniciaram-se conversações com vista a estabelecer os termos em que se processaria a saída das Demandantes e dos demais Sócios Exonerandos, conversações essas que se arrastaram, de tal forma que em 31 de Dezembro - a data que havia sido equacionada como data limite para a separação e por referência à qual todos os elementos foram preparados - não havia acordo (art. 23.º CT ,A-30 a A-34, R-17 e R-73 e depoimentos de AA e II).

34. Entre 22.10.2007 e 31.12.2007 as Demandantes, e suas equipas, estiveram fisicamente nas instalações da Demandada e mantiveram o acesso a toda a informação que entendessem, fossem dossiers, contactos, faturação etc. (art. 27.º CT, Documento R-89).

35. Nas negociações para o Acordo de Saída, as partes trocaram entre si minutas, nomeadamente as que constituem os Documentos A-30 a A-34, R-17 e R-73 (Artigo 329 da CT, Documentos A-30 a A-34,R-17 e R-73 e depoimentos de AA e II).

6. As conversações chegaram a um impasse e em 23 e 24 de Janeiro de 2008 as Demandantes enviaram as cartas juntas como Docs. A-4 e A-5 (art. 25.º CT e 53º, 55º e 56º da Resposta, Docs.A-4 e A-5, R-73, R-82, R-83, R-84, R-85, R-86 e depoimentos de AA e II).

37. Não foi possível chegar a acordo. (art.6º da PI, art. 29.ºCT; Docs. A-4 e A-5, R-73, R-82, R-83, R-84, R-85, R-86 e depoimentos de AA e II).

38. Em 18 janeiro de 2008 os serviços da Demandada, na pessoa de III, procederam, a pedido de II, ao cálculo do valor de amortização das participações de capital detidas pelas Demandantes, da seguinte forma:

a. foi considerado o valor do imobilizado corpóreo, como sendo em 31.12.2007 de EUR 764.370,43;

b. o valor dos elementos desse ativo foi, cada um deles, atualizado de acordo com os coeficientes previstos na Portaria 768/2007 de 9 de julho (o que produziu urna taxa média de 4,13%);

c. foi considerado o total de Pontos detidos por sócios, que era de 3.457;

d. foi apurado um valor por ponto de EUR 230,24 (EUR 221,11 sem coeficiente);

e. foi multiplicado pelos Pontos das Demandantes, respetivamente, 132 e 146;

f. produzindo um total de EUR 30.391,36 para a 1ª Demandante e EUR 33.614,69 para a 2ª Demandante;

g. o montante assim obtido foi reduzido a 50%, ou seja, respetivamente, para EUR 15.195,68 e EUR 16.807,35 (Arts. 128º e 130º da CT, Documento R-18 e depoimento III)

39. Os valores referidos na alínea a) do número anterior e no R-18 desconsideram, do imobilizado, despesas pessoais para serem contabilizadas na sociedade, entradas no imobilizado apesar de serem suportadas pelo próprio sócio e também algumas obras da fundação, num valor inferior a 40 mil euros. (Depoimento III).

40. O valor assim calculado foi comunicado às Demandantes através do email de 11.1.200/.3, que nunca mereceu resposta (art. 132.º da CT, Documento R-18 e depoimentos III e AA).

41. O valor do imobilizado a 31.12.2007 utilizado no número 38, supra, foi calculado no início de janeiro de 2008, mas antes do fecho das contas daquele exercício - (art. 133.º da CT, depoimento III)

42. Aquando da apresentação da Contestação no Proc.350/10...., a Demandada recalculou o valor das participações, tendo em conta o valor do ativo em 31.12.2007, nos seguintes termos (arts. 133.º e 134º CT, Documento R-57 e depoimento III).

Sócio   Nº pontos      Valor       Valorcom Coef.   50% do Valor comCoef.          Valor descontado

CC         132          29.292,99         30.498,09               15.249,04                             13.481,67

AA         146          32.399,82         33.732,73               16.866,37                            14.911,50

43. O valor do imobilizado corpóreo líquido de amortizações da Demandada era, a 31.12.07, de €1.502,872,85 (Documento A-15 e depoimento III).

44. Nos termos do artigo 24º/4 das RS 2005, os pontos existentes cabem não apenas aos sócios de capital, mas também aos de indústria e aos associados sénior (art. 188.º da PI; Documentos A-6, A-10,A-11, R-35, A-13 e A-14.).

45. A Demandada não pagou ou tentou pagar às Demandantes quaisquer valores a título de amortização das respetivas participações de capital. (Acordo das partes" quanto ao art. 170.º da PI).

46. As Demandantes nunca interpelaram a Demandada para o seu pagamento (acordo das partes quanto ao art. 36º CT)

47. O Senhor Professor BB (BB) exonerou-se de Sócio ... da Demandada com efeitos a 1 de janeiro de 2008, inclusive, mediante acordo que corresponde ao teor do Documento A-8 (Acordo das partes quanto ao art. 194.º da PI, Documento A-8) -

48. De acordo com o disposto na Cláusula 1 do referido contrato: "1, O Segundo Contraente renuncia não só à sua posição jurídica de Sócio ... da Primeira Contraente, mas também aos direitos referentes ao Fundo de Pensões Constituído pela Primeira Contraente, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2008, inclusive." (art. 196.º da PI, Documento A-8).

49. De acordo com o disposto na Cláusula 2 do referido contrato: "Em compensação dessas renúncias, o Segundo Contraente receberá da Primeira Contraente a importância global de € 850.000 (oitocentos e cinquenta mil euros), a liquidar em 2 montantes iguais de € 425.000 (quatrocentos e vinte e cinco mil euros), cada um, respetivamente, em 2 de Janeiro de 2008 e 2 de Janeiro de 2009."(art. 197.º. da PI, Documento A-8).

50. No final de 2007, BB detinha 109 Pontos (art. 198.º da PI, 157º CT).

51. As Demandantes tinham como referência o acordo celebrado entre a Demandada e BB (art. 199.º da PI, depoimentos de AA e II).

52. Por um lado, os Sócios da Demandada haviam decidido reestruturar o Departamento de Direito Fiscal (à data havia dois Departamentos), que passaria a ficar sob direção única do Dr. JJJ e, por outro, o Prof. BB.

As Demandantes não afirmam ter interpelado a Demandada, limitam-se a referir que a obrigação é de prazo certo (Cfr. Artigos 69º a 71º da resposta).

Cfr. artigos 157º a 166º da CT em que a Demandada não nega, antes confirma, a existência do acordo celebrado entre si e o Professor BB que manifestou a sua disponibilidade para sair da Demandada (art. 158.º da CT, depoimentos de CCC,KKK e LL).

53. Havia vontade da Demandada em amortizar a participação do Prof. BB e disposição deste para considerar esse cenário (art. 159.º da CT, depoimentos de CCC,KKK e LL).

54. De acordo com número 1 do artigo 20º das RS 2005, "os Sócios atingem a idade de reforma em 1 de Janeiro do ano em que completem 65 anos de idade; nos termos do disposto no nº 5 do mesmo artigo, "Para os SC, o montante mínimo da Pensão de Reforma será de €124.700" (art.161.º da CT, Documento A-6).

55. De acordo com o disposto parágrafo 2º do nº 3 do artigo 5º do Contrato Constitutivo do Fundo: "Em caso de desvinculação do Participante em relação à ...' após a data de 1 de Janeiro do ano em que o Participante atinge os 61 anos de idade mas antes da data de 1 de Janeiro do ano em que o Participante atinge 69 anos de idade, o valor atual da responsabilidade por serviços passados financiado à data da desvinculação será convertido numa pensão mensal vitalícia, com possibilidade de remição nos termos e nos limites legais" (art. 162.º da CT; Documento R-34).

56. A Demandada considerou, ao celebrar o acordo com BB, que existia o risco de ele poder vir a exigir a reforma, a ser custeada pelo fundo e, indiretamente, pela Demandada. (art. 163º da CT, depoimentos de LL e III).

57. A Demandada estimou que uma renda vitalícia, para um beneficiário de 65 anos de idade, custaria nessa altura qualquer coisa como 2 milhões de Euros (art. 164º da CT, depoimentos de LL e III).

58. Em 2007, a Demandada estudava a eficiência da manutenção do Fundo (art. 316º da CT, depoimentos de III e LL).

59. Nas exonerações de LLL e UU, não se valorizaram participações de capital usando o método preconizado pelas Demandantes. (art. 137.2º da CT, depoimentos de LLL e ...)

62. Os Sócios resolveram contemplar um regime de reforma como forma de estimular que os Sócios prolongassem a sua carreira profissional no escritório e de assegurarem aos mesmos um rendimento após a Reforma - arts. 114.º e 303º CT; Docs. A-6, R-34 e depoimento de PP).

63. De acordo com as Regras Societárias (arts. 20.º a 22.º), a partir dos 60 anos os Sócios iam reduzindo progressivamente os pontos que detinham (nº2 do artigo 209 e, a partir dos 65 anos (e obrigatoriamente aos 68) podiam reformar-se, passando a receber uma pensão de reforma paga por um Fundo de Pensões, financiado pela Demandada (art. 115.º CT,Doc.A-6).

64. A constituição do Fundo de Pensões foi aprovada pelos Sócios em 19.04.2002 (com a presença da Demandante AA, mas na ausência da Demandante CC - Doc.R-25), tendo sido celebrado com a AXA PORTUGAL COMPANHIADE SEGUROS DE VIDA em 3L12,2002 (Doc. R-34) um contrato com o objetivo de constituir um Fundo de Pensões PLMJ, definido como "o património exclusivamente afeto à realização do plano de pensões do Associado". O Associado é "a PLMJ (...), entidade que contribui para o Fundo e cujo plano de pensões é realizado ou complementado por este". Os "Sócios da PLMJ, pessoas singulares que, em cada momento, constem do registo da Ordem dos Advogados como tendo essa qualidade" são os Participantes (arts. 308º e 309.º CT, Docs. R-25 e R-34).

65. De acordo com o disposto no número 3 do art. 5º daquele contrato: "Em caso de desvinculação do Participante em relação à PLMJ antes da data de 1 de janeiro do ano em que o Participante atinge os 61 anos de idade ou de morte do mesmo durante o respetivo período de financiamento, cessam de imediato todas as responsabilidades do Fundo e o valor capitalizado afeto ao mesmo será utilizado na redução da contribuição anual a cargo da PLMJ."(art.310.º CT, Doc. R-34).

66. Parte da receita do escritório, antes de qualquer distribuição, servia para financiar o Fundo de Pensões (art. 311.º CT, Documento R-36 ).

67. O financiamento do Fundo de Pensões PLMJ foi feito à custa de resultados (lucros) que, de outro modo, poderiam ter sido distribuídos aos sócios da Demandada, incluindo as Demandantes (art.302.º da PI, Documento R-36 e Docs.A-10 a A-14).

68. Era a Demandada que fazia as contribuições para o Fundo. Os valores entregues ao Fundo eram imputados a cada Departamento (art. 318.º CT,Documento R-36 e Docs.A-10 a A-14).

69. Em dezembro de 2007, o valor do Fundo de Pensões PLMJ situava-se entre os 5.200.000€ e os 5.600.000€ e o Valor Atual Responsabilidade Serviços Passados entre os 8.899.444 e os 8.958.471, em ambos os casos dependendo do cenário macro-económico e da consideração ou desconsideração dos Novos Sócios de Indústria (art. 16º da Resposta Complementar da Demandada, Documento R-77).

70. Entre 2003 e 2007, foram feitas as seguintes entregas destinadas a financiar o Fundo de Pensões (sendo cativados recebimentos para esse efeito):

a) 2003- € 676.482:

a. 2% das receitas brutas dos departamentos=€ 464.987 - Pág.80 das contas de 2003 (correções às receitas) (Doc.A-10);

b. TCA utilizada para FP = € 250.000 - Pág.10 do Documento com o título "Contas 2005 - Respostas enviadas por HHH/MMM sobre dúvidas apresentadas pelos sócios"(cfr.Doc.A-21);

b) 2004- € 819.086:

a. 2% das receitas brutas dos departamentos=569.086 - Pag. 68 das contas de 2004(correções às receitas) (Doc.A-11);

b. TCA utilizada para FP = 250.000 -pág. 10 do Doe A-21);

c) 2005- € 886.486:

a. 2% das receitas brutas dos departamentos = 586.486 - pág. 81 das contas de 2005 (correções às receitas) (Doc.A-12);

b. TCA utilizada para FP = 300.000 -Pág.10 do Doc.A-21);

d) 2006- € 609.569:

a. 2% das receitas brutas dos departamentos=261.836 - Pag. 66 das contas de 2006(correções às receitas) (Doc.A-13);

b. TCA utilizada para financiar FP = € 347.733 - cfr. anexo Contas de 2006, Doc. A-13 — utilização da tranche de 10% da TCA para Fundo de pensões;

e) 2007- € 623.665:

a. 2% das receitas brutas dos departamentos=275.932 - pág. 69 das contas de 2007(correções às receitas) (Doc.A-14);

b. TCA cativada (mas não entregue) para FP = 347.733 - tranche de 10% da TCA para financiamento do Fundo de Pensões (valor da tranche de 10% da TCApara FP. (art.303.g.da P1 e documentos suprarreferidos)

71. No ano de 2007, ao SOC2 em 2007 foi imputado a título de contribuição para o Fundo de Pensões e ao SOC3 em 2007 foi imputada a contribuição de EUR 4.509,00 (arts .21 e 22. Resposta Complementar da Demandada, Doc,A-14, depoimento de CC)

72. Em 2007, a Demandante recebeu, a título de TCA, EUR 122.974, quando em 2006 havia recebido EUR 57.252. (art. 23 Resposta Complementar da Demandada Doc.A-13; Doc.A-14)

73. Em 31 de Dezembro de 2012, segundo a demonstração da posição financeira do Fundo, publicada pela AXA, o total do respetivo ativo era de € 8.948.801,93 (art. 308.º PI, Doc.A-23)

74. Em 26 de Julho de 2013, o Conselho Diretivo do Instituto de Seguros de Portugal deliberou autorizar a extinção do Fundo (art. 307º PI, Doc. A-22)

75, A Fundação PLMJ foi constituída por escritura de 07.05.2001, retificada em 19.09.2002, reconhecida pelo Ministério da Cultura como tendo interesse cultural (art.299.º CT Docs. R-43 a R-47)

76. As dotações para a Fundação eram objeto de protocolos celebrados entre a Demandada e aquela que previam o valor dos donativos a fazer em cada ano à Fundação, tendo sido celebrados protocolos em 01.08.2001 e 03.01.2005 (art.300.ºCT, Docs.R-48 e R-49)

77. Os valores entregues em cada ano à Fundação constavam das contas e eram do conhecimento dos Sócios da Demandada. As Demandantes faziam do Conselho de Curadores da Fundação. (art.301.ºCT.,Docs.A-10 a A-14 e R-44)

78. As dotações anuais da Demandada à Fundação PLMJ eram suportadas pelos sócios (e também associados sénior) da Demandada, posto que constituíam uma afetação específica de resultados que, de outro modo, lhes seriam distribuídos (art, 296º.PI, Docs.A-10 a A-14)

79. Foram as seguintes as dotações/custos anuais suportados pela Demandada com a Fundação:

a)      2003 - € 105.091 (Doc.A-10, página 38);

b)     2004 - € 91.634 (Doc.A-11, página 42);

c)     2005 - € 166.864 (Doc.A-12, página 53);

d)     2006 - € 162.911 (Doc.A-13, página 46);

e)     2007 - € 224.990 (Doc.A-14, página 44) (art.298º PI, Docs. A-10 a A-14)

80. Foram ainda afetos à Fundação os seguintes montantes pagos a terceiros:

a)      2005 - € 24.318,79 (Doc.R-4);

b)      2006 - € 17.387,40 (Doc.R-4); e

c)      2007 - € 21.585,08 (Doc. R-4). (art. 41 do Articulado Complementar das Demandantes, Documento R-4).

80-A - A N... subarrendava o edifício sede da Requerida a esta (Doc. R-41).

81. A N... era uma sociedade que anteriormente se designava R..., LDA. e que era titular de alguns direitos imobiliários relacionados com as antigas instalações da Demandada, sendo locatária financeira num contrato de leasing imobiliário relativo ao edifício da Rua ... e de um conjunto de lugares de estacionamento num edifício vizinho (art.280.º da CT,DocumentoR-40 e depoimento KKK).

82. Na sequência da alienação desses ativos a sociedade ficou com um prejuízo fiscal (art.281.º da CT, Documento R-40 e depoimento KKK).

83. Os Sócios da Demandada tomaram a decisão de que o arrendamento das novas instalações sede da Demandada (bem como dos escritórios do ... e F.…) seria feito através da N.…, que as subarrendaria à Demandada (arts. 275º e 276ºPI e artigo 282.ºCT, Docs.A-10, R-40,R-41 e depoimento KKK).

84. As receitas da N.… provinham das rendas que recebia da PLMJ, no âmbito de contratos de subarrendamento celebrados entre estas duas sociedades (art.277.ºP1, Doc.A-13).

85. A Demandada afetava parte dos seus resultados distribuíveis ao pagamento das referidas rendas, incluindo, por acordo dos sócios da Demandada, parte das verbas afetas à TCA, que eram também transferidas para este efeito (art.280.ºCT, Docs.R-39,A-10,A-11).

86. A N... contraiu um financiamento, de valor não apurado, para custear as obras de adaptação do novo edifício, que suportou diretamente. Ambas as Demandantes conheciam este processo (art.283.º CT, Docs.A-10,A-11.R-40).

87. Por forma a ter meios para custear os seus encargos, a N.… faturava à Demandada um valor de renda 25% superior ao que pagava ao senhorio, diferencial esse que usava para pagar o condomínio e parte dos encargos com o financiamento (arts,278.ºP1 e 284.ºCT,Doc.A-20, A-10,A-11, R-40).

88. Como esse valor não era suficiente, logo em 1999 ficou acordado que uma parte do denominado TCA fosse alocada ao pagamento do passivo da N... (art.285.ºCT, Doc.R-39,A-10,A-11).

89, Em setembro de 2006, de acordo com o referido Relatório de Contabilidade datado de 7.9.2006, a N.… devia à Demandada a quantia de €1.153.395,04, sendo credora desta no montante de € 252.328,51 (art. 291.º da P1, art. 32 do Articulado Complementar das Demandantes, Doe.A-20).

90. A N... custeou a generalidade das obras realizadas não só no edifício da Avenida da ..., como também nos escritórios do ... e F... (art.291.ºCT; Docs A-10,A-13,A-14 e. Doc.R-35)

91. Até 2006 a N.… estava ainda a amortizar o financiamento bancário contraído (art.292.ºCT, Doc,R-40).

92. A última tranche do financiamento bancário referente ao programa de financiamento do edifício ..., no montante de €124.703, foi liquidada em Julho de 2006 (art.282.ºPl, Doc.A-13)

93. Em 2007, a N.… cedeu a sua posição contratual nos arrendamentos à Demandada (art.292.2 CT,Documentos R-41 e R-42).

94. A N.… suportava, para além das rendas e dos encargos de financiamento, outros encargos, nomeadamente EUR 3.253,00 de seguros de benfeitorias (art. 11º da Resposta Complementar da Demandada, Doc.A-13).

95. Durante o ano de 2006 a Demandada fez alguns pagamentos por conta da N.… e recebeu outras verbas da N..., pelo que o crédito era, no final do ano, de EUR 1.143.895,04 (art.29 Resposta Complementar da Demandada,Doc.R-70).

96. Em 2007 foram feitos pagamentos adicionais no valor de EUR 147.535,98, pelo que o valor total do crédito atingiu os EUR 1.291.43L02 (art.º 30 Resposta Complementar da Demandada, Doc. R-1).

97. A utilização da N.… não tinha qualquer vantagem, nomeadamente fiscal, pelo que se começaram a equacionar formas de pôr termo ao modelo (art.287.ºCT,Documento R-40,depoimento KKK).

98. Nesse contexto, a Demandante AA, enquanto membro do Conselho de Administração da Demandada, pediu ao Departamento de Fiscal que analisasse e propusesse uma solução (art.288.ºCT, Doc.R-40).

99. Em resposta, em 28.11.2006 foi enviado à Demandante AA um email, contendo um anexo da autoria de KKK, detalhando o problema e propondo uma solução, que passava pela transferência do arrendamento para a Demandada. (art.288.ºCT,Doc.R-40,depoimento KKK).

100. Em novembro de 2006, foi ponderado baixar a margem cobrada pela N.… à Demandada em 2007 para 20%, em lugar dos 25% praticados no ano, conforme troca de emails entre a Demandante AA e os serviços da Demandada (art. 7 da Resposta Complementar da Demandada, Doc.R-69).

101. Em setembro e outubro de 2007, foram celebrados os contratos juntos como Docs. R-41 e R-42 (art. 34º Resposta Complementar da Demandada, Docs.R-41 e R-42).

102. A N.… foi extinta em 30 de novembro de 2007, sendo a sua dissolução e encerramento da liquidação registados em 27/12/2007, através da Apresentação nº 6 (art.289.ºCT, Docs.A-14 e R-7).

103. As "Contas da PLMJ" são elaboradas de acordo com as regras estabelecidas pela mesma, e assentam nos valores de recebimentos (tesouraria) e não de faturação da Demandada (art. 207º PI, art. 75º da CT,Documentos A-10 a A-14).

104. Havia Assembleias Gerais de Sócios (por vezes denominadas Cimeiras) de acordo com as Regras Societárias, longas e muito participadas, e Assembleias de acordo com os Estatutos, apenas para aprovar contas ou o número de Sócios e onde a generalidade dos Sócios se fazia representar (art. 76.º CT, Documentos R-23 e R-24 e depoimentos de PP, CC, II e LL).

105. O sistema sempre funcionou assim e nunca foi contestado, nomeadamente pelas Demandantes (art.78.ºCT, depoimentos de PP, CC, II e LL).

106. Os lucros da sociedade eram distribuídos não em função do valor das participações de capital e de indústria que resultam dos Estatutos, mas por referência a Pontos (TCA e Captações) (art.83.ºCT,Docs.A-6 e A-10 a A-14).

107.  A receita bruta da Demandada nos anos de 2003 a 2009 foi de:

·2003 - €23.328,346 (Documento A-10, página 6)

·2004 - €28.454,303 (Documento A-11, página 6)

·2005 - €29.304,313 (Documento R-35, página 6)

·2006 - €33.512.060, "desconsiderando as receitas do Dep.URB" (Documento A-13, página 6)

·2007 - "35.3 m €" ("expurgando SE/Saída, as receitas foram de €29.9 m €"(Documento A-14, página 6)

·2008 - 32,3 milhões de euros (Documento A-19, página 1)

·2009 - 33,42 m de Euros (Documento R-65, página 1) (Documentos A-10, A-11, A-13, A-14, A-19, R-35 e R-65)

108. Nesses anos, a despesa da Demandada foi a seguinte:

· 2003 - €9.090.141(Doc.A-10, página 2)

· 2004 - €10.842.646 (Doc.A-11, página 3)

· 2005 - €11284253 (Doc.R-35, página 3)

· 2006 - €12.445.114 (Doc.A-13, página 3)

. 2007 - €12.660.823 (Doc.A-14, página 3)

· 2008 - €12,6 milhões (Doc.A-19, página 3)

· 2009 - 14.689 mil euros (Doc.R-65, página 2) (Documentos A-10, A-11, A-13, A-14, A-19, R-35 e R-65)

109. Nesses anos, os valores distribuíveis na Demandada foram as seguintes:

·2003 - 13.863 milhões (Doc.A-10, página 9)

·2004 - 17 milhões (Doc.A-11, página 8)

·2005 - 17 milhões (Doc.R-35, página 8)

·2006 - 21,259 milhões (Doc.A-13, página 8)

·2007 - "20,2 mio €" (Doc.A-14, página 6)

·2008 - 17,9 milhões de euros (Doc.A-19, página 2)

·2009 - 16,9 mio euros (Doc.R-65, página 4) (Documentos A-10, A-11, A-13, A-14,A-19, R-35 e R-65)

110. Os resultados distribuídos às Demandantes, ao longo dos anos de 2003 a 2007, foram os seguintes:

                     2003            2004            2005            2006            2007

CC            €390.804      €624.571      €529.427     €603.490      €595.362

AA        €502.887      €867.093      €611,000     €704.390     €755.501

(Documentos A-10, A-11, A-35, A-13 e A-14)

111. A Drª HHH, dos serviços da Demandada, elaborou o Doc.R-36, retirando os respetivos valores das contas da sociedade. (art. 188.º da CT, Documento R-36 e depoimento HHH)

112. A ascensão ao estatuto de Sócio ... não está dependente do desembolso pelos próprios sócios, de qualquer dinheiro ou outro valor a título de entrada e as Demandantes não procederam a qualquer desembolso para esse fim (artigo 19º e 20º CT; depoimentos de III, II, LL, SS, NNN, ZZ).

113. As tabelas de avaliação foram concebidas com o propósito de avaliação (e, através dela, determinação de prémios e progressão na carreira) (art.198.ºda CT, Docs.A-16 a A-18 e depoimentos de PP e ZZ).

114. Não foram atribuídos às Demandantes quaisquer Pontos de Crescimento por referência ao seu desempenho em 2007 (art. 200.º da PI, artigo 209ºCT).

115. Os pontos das Demandantes em 31.12.2007 eram, respetivamente, 132 e 146, num total de 4382(artigos 200ºe 233ºda P1 e art. 252.ºda CT). 116. O total de pontos considerado no Doc.R-18 (3457) contempla apenas os pontos de sócios e estes expurgados dos que tinham estatutos especiais (Doc.R-18 e depoimento de III).

117. Em 2007, para recebimentos totais de EUR 35.294.52, os Departamentos SOC2 e SOC3 tiveram, respetivamente, recebimentos de EUR 1.241.411 e EUR 2.685.575, num total de EUR 3.926.986 (art. 254.ºCT, Documento A-14).

118. Em 2007, o IM02 teve recebimentos de EUR 1.684.720 (art. 177.º CT, Doc.A-14).

119. Os Departamentos SOC2, SOC3 e IM02, entre 2003 e 2007, tiveram receitas de:

           2003              2004              2005              2006              2007

SOC2          ...1.411

SOC3       ...575

IM02         ...720

Total         ...706                              

(art.178.ºCT e 233º CT, Docs.A-10 a A-14)

120. Nos anos que precederam a saída das Demandantes, o sistema assentava na divisão do escritório em Departamentos, tendo por base uma especialização tendencial das equipas; as despesas do escritório que não eram passíveis de atribuição direta aos Departamentos eram repartidas entre estes com base, principalmente, na área que ocupavam, tendo cada Departamento um Objetivo de Recebimentos anual, baseado na dimensão e graduação das respetivas equipas (art.85.º CT, Docs. A-10 a A-14, R-35 e depoimentos de HHH e ZZ)

121. As receitas, por seu turno, serviam em primeiro lugar para pagar todas as despesas da Sociedade; o excedente era repartido em duas tranches, uma de 60%, que revertia para o coletivo (e era repartida depois de acordo com os pontos detidos por cada Sócio - sem distinção de valor entre os pontos dos Sócios de Capital e de Indústria - e por cada Associado Sénior) e outra de 40%, que ficava dentro de cada Departamento, sendo repartida tendencialmente em função dos pontos detidos pelos Sócios e Associados Sénior de cada Departamento. A chave de repartição 60%-40% invertia-se para 40%-60% a partir do momento em que o Departamento em causa atingisse o Objetivo de Recebimentos (art.86.ºCT, Docs.A-10 a A-14, R-35 e depoimentos de HHH e ZZ)

122. Quanto aos pontos, eram atribuídos a Associados Sénior e a Sócios (os denominados de Indústria e os denominados de Capital) e variavam anualmente em função das avaliações, bem como de mudanças de estatuto (em regra, um Sócio de Indústria tinha um mínimo de 40 pontos e um Sócio ... de 70 pontos, até um máximo de 150) - (art. 87.º CT, Documentos A-6, A-10, A-11, R-35, A-13 e A-14 e OOO e III)

123. Os Associados Sénior detinham também pontos, participando diretamente nos resultados da sociedade, mas não participavam em Assembleias Gerais nem na formação das decisões aí tomadas (art. 89.º. CT, Documentos A-6, A-10, A-11, R-35,A-13 e A-14 e depoimentos de ..., OOO, III)

124. Os Associados e os Estagiários não participavam nos resultados, mas os primeiros podiam beneficiar de prémios anuais (art. 90.º CT, Documentos A-6, A-10, A-11, R-35, A-13 e A-14.)

125. Ao longo dos anos os Sócios poderiam receber mais pontos, que se traduziriam em maior participação nos lucros (art.93.ºCT Documentos A-6, A-10, A-11, R-35, A-13 e A-14.)

126. Nos termos das Regras Societárias, os advogados da Demandada recebiam uma remuneração diretamente indexada ao valor da clientela que angariavam, designada «captação» (art.72º). Essa remuneração, que à data variava entre 6% e 15% dos recebimentos gerados pelo cliente angariado, era paga até um máximo de 5 anos (art.111.ºCT, Documento A-6)

127. As «Captações» (entendidas como a remuneração, percentual à faturação desse cliente, devida, durante os 5 anos subsequentes à apresentação do Cliente ao Sócio, Associado ou Advogados Não Associados pela captação de clientes, nos termos do artigo 72º das RS 2005 - Documento A-6) e a «TCA» (Transferência de Clientes Atuais, entendida como a remuneração devida aos sócios que tenham transferido a sua clientela para os PPP/QQQ/RRR, nos termos do artigo 71º das RS 2005 - Documento A-6) são parte das receitas que são alocadas a determinados advogados (no caso das captações, não têm sequer de ser Sócios ou Associados Sénior) e que são contrapartida de prestações específicas (art.186.ºda CT, Documentos A-6,A-10,A-11, A-13, A-14, A-19, R-35,R-65 e R-36)

128. No período de 2003-2007 saíram da Demandada 4 outros Sócios, a saber, o Dr. DD (Sócio de Indústria), a Dra. EE (Sócia ...), a Dra. LLL (Sócio ...) e o Prof. BB (Sócio ...) (art.179.º CT, depoimento de HHH, LLL e BB)

129. De acordo com o Balanço da Demandada, em 31.12.2007 o passivo da Demandada ascendia a EUR 21.572.405 (art. 261º CT, Documento A-15)

130. Uma parte substancial deste passivo diz respeito a adiantamentos de clientes provisões para honorários que, por força do sistema de «caixa» com que a sociedade funciona, são distribuídas, ainda que os respetivos serviços só sejam prestados em momento posterior (art. 262 da CT, Documento A-15).

131. Com as Demandantes, saíram da Demandada para a mesma Sociedade, vários advogados (SSS, TTT, UUU, VVV da WWW, XXX e YYY), bem como o secretariado a elas afeto (art. 266º CT, Sentença Processo 350/10.... - Doc.R.89).

132. As Demandantes eram chefes dos Departamentos de Societário 2 e Societário 3, cujas equipas, na generalidade, as acompanharam (art.225º CT, Sentença Processo 350/10...., pontos 4 e 5 da matéria dada como provada - Doc.R.89).

133. Por razões de organização interna (fossem de repartição de responsabilidades, fosse por reconhecimento de mérito) os clientes - e, mais frequentemente, assuntos - eram por vezes transmitidos a advogados da equipa (art. 226ºCT, depoimentos de TTT, UUU, SSS).

134. A generalidade dos clientes que pudessem estar em nome das Demandantes e dos advogados que integravam as suas equipas, saiu da Demandada para a mesma sociedade (art. 227º CT depoimentos de TTT, UUU, SSS, ..., ZZZ, AAAA e BBBB).

135. Aquando da saída das Demandantes e dos demais advogados que as acompanharam, saíram da Demandada um total de 597 assuntos, alguns acompanhando as Demandantes, e outros acompanhando outros sócios, nomeadamente a sócia de capital XXX e os sócios de Industria, TTT e UUU, e associados, ainda que os mesmos se tenham integrado na sociedade de que as Demandantes também são sócias, e aí tenham permanecido (art.258.º da Pl, Sentença Processo 350/10....,ponto 166 da matéria de facto dada como provada (Doc.R.89) e depoimentos de TTT, UUU, SSS e ZZZ)

136. A Demandante CC faturou, nos anos de 2008 e 2009, em clientes que já estavam abertos na Demandada, o montante global de €1.137,363 (Documento A-1); a Demandante AA faturou, nos anos de 2008 e 2009, em clientes que já estavam abertos na Demandada, o montante global de €848.288 (Documento A-1);

137. Parte da clientela que saiu com as Demandantes ou com os advogados que com elas saíram deixou de ser clientela da Demandada na medida em que passou a ser tratada pelas Demandantes ou por advogados que saíram com as Demandantes (artº 228 º da Contestação, depoimentos TTT, UUU).

138. Aquando da saída das Demandantes, em 25 de Janeiro de 2008, a Demandada entregou-lhes um suporte informático contendo cópia das pastas e documentos profissionais que lhes diziam respeito ou a clientes e assuntos com que as Demandantes tinham trabalhado ou que estiveram sob sua responsabilidade (e dos restantes sócios e colaboradores que também saíram) (art. 111 Réplica, Sentença Processo 350/10...., ponto 166 da matéria de facto dada como provada (Doc.R.89) e depoimentos de HHH,TTT e AA).

139. Entregou-lhes também uma cópia da listagem com o registo de todas as horas e descritivos que constavam no sistema informático em seu nome, assim como a listagem dos assuntos referentes a clientes que haviam manifestado a vontade de continuar a confiar os seus interesses às Demandantes (e aos restantes sócios e colaboradores que também saíram) - (art. 112 Réplica, Sentença Processo 350/10...., ponto 167 da matéria de facto dada como provada (Doc. R.89) e depoimentos de HHH, TTT e AA).

140. A certeza quanto à continuada prestação de serviços a esses clientes, e a cessação da prestação de serviços pela Demandada aos mesmos Clientes, só podiam ser verificadas no futuro (art. 113º Réplica, Sentença Processo 350/10…, ponto 167 da matéria de facto dada como provada (Doc.R.89).

141. Essas listagens foram entregues às Demandantes no dia 28 de janeiro de 2008 e terão sido elaboradas por referência a essa data - art. 114º Réplica, Sentença Processo 350/10...., ponto 168 da matéria de facto dada como provada (Doc. R.89) e depoimentos de T..., TTT e AA).

142. A Demandada ficou na posse de toda a informação que permitiu que as Demandantes também levassem consigo (registos de horas, listagens de assuntos e clientes acima referidas e de toda a documentação informática cuja cópia entregou às Demandantes) (art. 115 Réplica, Sentença Processo 350/10...., ponto 169 da matéria de facto dada como provada (Doc.R.89).

143. Em 2007 a Demandada teve Despesas Comuns no valor total de EUR 3.373.949, repartidas entre "Serviços de Gestão", "Serviços Jurídicos Centrais", "Custos Comuns", "Formação e Promoção", e despesas relacionadas com "Património" no valor de EUR 613.506 (art. 268º CT; Documento A-14).

144. Estas despesas (espaço, pessoal, máquinas, etc.) não eram suscetíveis de ser imediatamente reduzidas após a saída das Demandantes (art. 269º CT e depoimento III).

145. O Doc. R-16, que contém uma versão seccionada do ficheiro levado pelas Demandantes, da qual foi omitido o nome do cliente e assunto, bem como a descrição dos serviços prestados:

(i) contém horas internas de gestão, promoção e formação, serviços pro-bono;

(ii) contém horas já faturadas - e recebidas — que não desapareceram das fichas respetivas;

(iii) serviços com antiguidades de anos que fora decidido não faturar;

(iv) avenças — faturadas e recebidas — que não sendo faturadas com discriminativos, mantêm os serviços registados nas fichas. (arts. 271º da CT (nota de rodapé 118) e 118º Réplica, Sentença Processo 350/10...., pontos 71 e 72 da matéria dada como provada (Doc.R.89) e depoimentosde TTT, UUU, III, CCCC).

146. O artigo 17º, n.º 2 dos Estatutos da Fundação PLMJ dispunha que: “O Conselho de Administração deliberará qual o destino a dar aos bens eventualmente existentes à data da tomada de deliberação da extinção” (Doc.R-43, p.2122vºa 2130).

147. Por seu turno, o artigo 14º dos Estatutos da Fundação diz expressamente que: “Em caso de extinção da Fundação, e salvo disposição legal em contrário, o seu património terá o fim que o Conselho de Curadores considerar mais conveniente para a prossecução dos fins para que foi instituída”.

IV.

1. Regime jurídico aplicável ao cálculo da comparticipação de capital da recorrida, no contexto da sua exoneração.

Na fundamentação do Acórdão recorrido (AR), depois de se indicarem as normas legais e cláusulas estatutárias e as regras societárias respeitantes a esta questão, escreveu-se o seguinte:

Provou-se, ainda, que não se procedeu a qualquer assembleia geral na qual se tenha deliberado acerca do valor das participações de capital das demandantes para efeitos do artigo 9/6 dos Estatutos e, até à exoneração das Demandantes, não se procedeu à determinação do valor da demandada à luz do artigo 24º/1 das RS/2005 (n.ºs 8,9,10 e 11 dos factos).

No percurso intelectual do T.A. parte-se de uma visão interpretativa qualificada como coerência interna e coerência relativa, ponderando neste âmbito os efeitos que o negócio visa produzir em conformidade com as declarações das partes (art.º 346º CC) e, neste contexto, o Tribunal  enfrentou a questão de saber qual o quórum deliberativo (fls. 7308 e 7323) estatutariamente exigido, por confronto entre os números 6 (voto favorável de todos os outros sócios titulares de participação de capital e de, conjuntamente, metade dos votos dos sócios apenas titulares de participação de indústria) e 7 (as deliberações que fixem o valor referido no número 1 da cláusula primeira exigem o voto favorável de três quartos dos votos dos sócios titulares de participação de capital) da cláusula 9ª dos estatutos na medida em que ambos se referem à fixação do valor das participações sociais.

Todavia, salvo o devido respeito, por melhor entendimento, tal como parece resultar do próprio texto, o quórum previsto na cláusula 9ª/6, é o exigido para aprovação do valor das participações sociais em Assembleia Geral, inclusivamente nos casos de amortização do capital sempre que esta tenha lugar.

Por sua vez, o quórum previsto na cláusula 9ª/7 é aplicável a todos os outros casos.

Note-se que a existência de acordo escrito para efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 8, do RJSAdv. foi alegada pela Demandada, e sobre ela impendia o ónus da prova de tal factualidade, nos termos do disposto no artigo 342º, n.º 1, do Código Civil ("CC").

A Demandada não logrou fazer prova de tal facto.

O T.A., admite a possibilidade de acordo tácito por parte de alguns dos sócios. No entanto, não o distinguindo a lei, não nos parece ser autorizado ao intérprete fazê-lo e, por isso, salvo melhor opinião, o acordo de todos os sócios exigido por lei, tem de ser por eles expresso, por escrito.

Ainda no âmbito da questão de saber se ao caso são aplicáveis as Regras Societárias ou as normas do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados vigente ao tempo que ocorreu a exoneração da recorrente, importa ter presente que na lógica do T.A. o regime das RS2005 é aplicável em virtude de não estar demonstrado o respetivo desuso (fls. 7337).

Todavia, não é possível perscrutar o percurso intelectual do Tribunal uma vez que ele próprio refere, a propósito da questão III onde se pergunta “quais as consequências a retirar do facto de a Assembleia Geral da demandada não ter procedido ao apuramento do valor das participações de capital dos sócios (questões litigiosas números 1 a 6)”:

Como resulta da matéria de facto dada como provada, «Até à exoneração das Demandantes não foi proposta em qualquer Assembleia Geral da PLMJ, nem foi aprovada pela mesma, para efeitos do nº 1 da Cláusula Décima-Primeira dos Estatutos, a prefixação do valor das participações do capital de quaisquer sócios de capital, nomeadamente das participações das Demandantes». (nº 9), «até à exoneração das Demandantes não se procedeu, anualmente, em assembleia geral de aprovação de contas, à determinação do valor da Demandada prevista no nº 1 do artigo 24 das RS2005» (nº 10), «a Assembleia Geral da Demandada nada deliberou, relativamente às Demandantes, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 da cláusula 9ª dos Estatutos» (nº 11) «as Demandantes não foram convocados, mesmo durante o ano de 2007, para qualquer Assembleia para efeitos de prefixação do valor» (nº 12) e, por último, «O Concelho de Administração da Demandada nunca aprovou o coeficiente de atualização previsto no nº 2 do artigo 24º das Regra Societárias» (nº 21 da matéria dada como provada)” - (fls. 7337).

Estes factos são demonstrativos de que, na realidade, a Demandada não adotou as diligências para levar à prática, cabalmente as regras RS2005, em ordem a tornar possível a fixação do valor das participações de capital da Demandante, nem a determinação do valor da Demandada e o CA não aprovou o coeficiente de atualização previsto no nº 2 do artigo 24º das mesmas Regras.

Quer dizer que, à luz dos normativos tidos por aplicáveis, pelo T.A., verifica-se que a própria Demandada inviabilizou a possibilidade de cálculo do valor dos direitos da Demandante na sequência de exoneração.

Ora, a esta luz não pode a mesma Demandada beneficiar de um comportamento que lhe imputável e que viola diretamente as regras por ela assumidas, tornando, assim, a nosso ver, irrelevante a alegação de participação ativa da Demandante na elaboração das Regras Societárias.

Salvo o devido respeito, a interpretação da Demandada e do T.A., levaria à conclusão de que é legítima a conduta omissiva da Demandada que, na prática, como se viu, paralisou os passos necessários à efetivação dos direitos da recorrente face às RS2005.

Assim, a Demandada criou regras próprias sobre a matéria da exoneração dos sócios que se desviam do regime jurídico estabelecido em geral e, depois, não criou as condições previstas nas mesmas regras para tornar efetivos os direitos que as próprias regras preveem.

Porém, a criação de regras que se traduzem no exercício da liberdade contratual pela sociedade não pode ter por finalidade a paralisação dos direitos dos sócios face à sociedade. Há todo um comportamento expetável, imposto pela confiança, de modo que não haja contradição no comportamento assumido pela demandada, sob pena de, no limite, por iniciativa e vontade dela própria legitimarmos, afinal um comportamento antijurídico.

Esta seria razão bastante para, no presente caso, termos por inaplicáveis as RS2005.

Assim, por todo o exposto, entende-se que as Regras Societárias de 2005 não são aplicáveis in casu e não podem ser tidas como acordo escrito de todos os sócios, para efeitos do artigo 21. °, n.º 8, do RJSAdv.

Dito isto, naturalmente que não pode subsistir o valor encontrado pelo TA., baseado na aplicação destas mesmas Regras.

A recorrente discorda, invocando, em síntese, estas razões:

- As Regras Societárias (RS) consubstanciam um acordo escrito entre todos os sócios, porquanto:

- a lei apenas exige que o acordo seja reduzido a escrito, não impondo que o mesmo seja assinado por todos os sócios;

- a exigência de forma não impede que a declaração seja emitida tacitamente;

- Existe um acordo escrito assinado por todos os sócios da recorrente – as Regras societárias de 2003 (RS2003);

- Comportamento manifestamente abusivo da recorrida;

- A recorrente não inviabilizou a possibilidade de cálculo do valor dos direitos da recorrida na sequência da exoneração.

Vejamos.

À data em que se verificou a exoneração da recorrida estava em vigor o Regime Jurídico das Sociedades de Advogados (RJSA), aprovado pelo DL 229/2004, de 10/12, que alterou o regime anterior, tendo por referência, como se refere no respectivo preâmbulo, alguns princípios fundamentais, desde logo, o princípio da liberdade contratual, permitindo-se a cada sociedade de advogados optar pelo regime que melhor entender, à luz das suas características próprias e dos advogados que a integram.

Como corolário deste princípio, prevê-se, designadamente, a possibilidade de o contrato de sociedade ou acordo de sócios regular a forma de calcular o valor da amortização das participações de capital em caso de (…) exoneração de sócio.

Concretizando esse propósito, prevê-se no art.º 21º, a possibilidade de os sócios se exonerarem da sociedade (nº 1), estabelecendo-se que o sócio exonerado tem direito a receber da sociedade a quantia apurada nos termos previstos no contrato de sociedade ou em acordo escrito de todos os sócios (nº 8).

Com interesse para esta questão, releva o que se prevê na Clª 9ª dos Estatutos da sociedade (ES) recorrida, nos nºs:

6. As deliberações que aprovem o valor da participação de capital de um sócio, seja por amortização, em qualquer dos casos em que esta tenha lugar para estabelecer pela sociedade para acordo com sócio ou os seus herdeiros exige o voto favorável de todos os outros sócios titulares de participação de capital e de, conjuntamente, metade dos votos dos sócios apenas titulares de participação de indústria.

7. As deliberações que fixem o valor referido no número 1 da cláusula décima-primeira exigem o voto favorável de 3/4 dos votos dos sócios titulares de participação de capital.

E, bem assim, na Clª 11ª

1. Anualmente, a assembleia geral que aprovar as contas do exercício anterior fixará o valor das participações de capital dos sócios para o ano que estiver em curso.

2. Sempre que, qualquer que seja a causa, a sociedade deva liquidar ao sócio, ou seus herdeiros, o valor da sua participação de capital, será este o que resultar do disposto no número um desta cláusula, corrigido pelas variações significativas do activo social que tenham ocorrido até à data do facto que for causa do direito do sócio, ou seus herdeiros, a receber aquele valor, sem prejuízo do disposto na lei quanto à fixação deste por comissão arbitral.

3. Em caso de fixação do valor da amortização por comissão arbitral, esta terá, obrigatoriamente, em atenção, no cálculo do montante total de amortização, o valor referido no número supra.

Por outro lado, segundo as Regras Societárias de 2005 (RS2005) 

Dispõe o art.º 23º, nº 1:

No caso de cessação voluntária de actividade em PLMJ com continuação do exercício da profissão fora de PLMJ, o S que se apartar terá direito a ser reembolsado de 50% do valor da sua participação de capital, determinado nos termos do artigo 24°, infra.

E, nos termos do art.º 24º, com a epígrafe Determinação do valor de PLMJ e das participações dos Sócios:

1.  Anualmente, na AGS de aprovação das Contas de PLMJ, proceder-se-á à determinação do valor da mesma, reportado a 31 (trinta e um) de Dezembro do ano anterior, para efeitos de amortização das Participações de Capital por morte ou incapacidade permanente e absoluta do respectivo titular.

2. O valor de PLMJ corresponde ao valor dos investimentos realizados nos anos anteriores, actualizado anualmente pela aplicação de coeficiente a determinar anualmente pelo CA, acrescido do valor dos investimentos feitos no ano em curso.

3. O valor de amortização das quotas será o correspondente ao activo imobilizado corpóreo líquido de amortizações, excluindo a «Colecção PLMJ» e a clientela, actualizado de acordo com a lei.

4. O valor da participação de cada S é determinado em função da percentagem relativa dos P por ele detidos relativamente à totalidade dos P.

Como se referiu, o art.º 21º, nº 8, do RJSA estabelece que o sócio exonerado tem direito a receber da sociedade a quantia apurada nos termos previstos no contrato de sociedade ou em acordo escrito de todos os sócios.

Decorre das cláusulas citadas dos ES que, como foi entendido no Acórdão do Tribunal Arbitral (TA) e no Acórdão recorrido (AR), essas normas não fornecem um critério para a fixação do valor da participação de capital do sócio exonerado, limitando-se a remeter para a deliberação da Assembleia Geral (AG).

Importa, porém, notar que a clª 11ª dos ES impõe que o valor das participações de capital dos sócios seja fixado anualmente em AG; é dessa fixação que resulta o valor da participação de capital que a sociedade deve liquidar ao sócio pela exoneração deste.

Por outro lado, com se prescreve na clª 9ª, nº 6, a aprovação do valor da participação social de um sócio, por amortização, exige o voto favorável de todos os sócios de capital e, conjuntamente, metade dos votos dos sócios (apenas) de indústria.

Ora, como resulta da matéria de facto provada – pontos 9 e 11 – não foi tomada em AG da recorrida nenhuma das referidas deliberações.

Saliente-se, porém, o que se prevê na clª 9ª, nº 8, dos ES: podem os sócios tomar deliberações unânimes por escrito, com dispensa de reunião de assembleia geral.

Assim, à semelhança do regime estabelecido para as sociedades comerciais (art.º 54º, nº 1, do CSC), havendo acordo de todos os sócios quanto ao sentido da deliberação, pode ser dispensada a reunião formal, contanto que tal deliberação conste de escrito assinado por todos[4].

Daí decorre que a falta de deliberação da AG sobre a fixação do valor da participação de capital de um sócio, em caso de exoneração, pode não ter a relevância que lhe é atribuída no AR e pela recorrida: assim será se, como se admite, aliás, no art.º 21º, nº 8, do RJSA, existir acordo escrito de todos os sócios sobre essa fixação.

No que respeita à existência desse acordo, as decisões do TA e do AR divergem, assim como, naturalmente, o entendimento, quer da recorrente, quer da recorrida.

Como se referiu, no AR afirma-se que o acordo de todos os sócios exigido por lei tem de ser por eles expresso, por escrito.

A recorrente discorda, aderindo à fundamentação do Acórdão do TA, defendendo que apenas se exige que o acordo seja reduzido a escrito e não que tenha de ser assinado por todos os sócios; de todo o modo, nada impede que a declaração seja emitida tacitamente, como ocorre, no caso, com as RS2005.

Sobre essa primeira afirmação, respeitante à assinatura, a recorrente, com o devido respeito, não tem razão.

Conforme dispõe o art.º 373º, nº 1, do CC, os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor.

Esta norma impõe, assim, o dever ou o encargo da assinatura, que serve para "perfilhar" a declaração, reconhecendo-a como própria. A subscrição revela, pois, a assunção da autoria ou paternidade da declaração, sendo condição essencial e indispensável do documento[5].

Ora, no caso, as RS2005 não constam de documento escrito assinado por todos os sócios da recorrida. Não pode, pois, considerar-se que essas Regras constituem um "acordo escrito de todos os sócios".

Não obstante, salvo exigência especial da lei, consagra o art.º 217º, nº 1, do CC a equivalência entre a declaração expressa e a declaração tácita[6].

A distinção entre ambas baseia-se na "avaliação objectiva da finalidade do enunciante"[7].

Assim, "deve ser tido como declaração expressa o comportamento finalisticamente dirigido a exprimir ou a comunicar algo. Declaração tácita será então o comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo"[8].

Neste sentido, como decorre do citado preceito legal, a declaração expressa revela-se através de um "meio directo de manifestação da vontade"; a declaração tácita é um meio indirecto de expressão, resultando de qualquer comportamento, desde que concludente ou suficientemente significativo, ou seja, se a declaração dele se deduz com elevado grau de probabilidade.

Por outro lado, a natureza formal da declaração não obsta a que ela seja emitida tacitamente, exigindo-se apenas no nº 2 do art.º 217º que a forma solene tenha sido observada quanto aos factos de que a mesma se deduz.

No caso, a recorrente alega que ao fazerem uso das Regras Societárias, ao reunirem e decidirem ao abrigo das mesmas, ao invocá-las e ao receberem anualmente os seus rendimentos de acordo com o definido nelas, os sócios da recorrente aceitaram-nas expressamente.

Invoca, para o efeito, os factos provados dos pontos 14(2), 30, 104, 105, 126 e 127 e documentação que demonstra a realização de AGs em que foram discutidas alterações ou aplicadas as RS2005.

Como parece evidente, porém, esses factos não consubstanciam ou revelam uma manifestação de vontade directa e expressa de aceitação pelo colectivo de sócios da recorrente das regras societárias estabelecidas respeitantes à exoneração de sócio (arts. 23º e 24º das RS2005).

Por outro lado, devendo admitir-se que essa declaração pudesse ser tácita (conforme entendimento do TA, não acolhido no AR), quer os factos referidos, quer as actas da AG invocadas pela recorrente, não podem ter-se como elementos relevantes para o efeito, uma vez que os mesmos não revelam inequivocamente, ou seja, não são concludentes da aceitação por todos os sócios das regras respeitantes à contrapartida a pagar pela exoneração de um sócio. O que interessaria, na verdade, para o caso seria o acordo ou aceitação por todos os sócios dessas regras sobre a exoneração.

Como alega a recorrida, só seria possível extrair uma declaração tácita de aceitação das regras societárias relativas à exoneração de sócios se existisse uma exteriorização escrita de todos os sócios, da qual se deduzisse, com toda a probabilidade, a vontade de aceitar, em concreto, essas regras de exoneração.

Todavia, essa exteriorização não consta nem resulta dos factos provados ou dos documentos invocados pela recorrente.

Acrescenta a recorrente que existe um acordo assinado por todos os sócios: as Regras Societárias de 2003 (RS2003) que, quanto ao cálculo da contrapartida pela exoneração do sócio, contêm nos arts. 16º e 17º regras idênticas às previstas nos arts. 23º e 24º das RS2005. Em seu entender, existe, pois, um acordo escrito sobre o método de cálculo da quantia a arbitrar aos sócios exonerados, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 21º, nº 8, do RJSA.

Não se põe em dúvida que aquelas RS2003 tenham sido assinadas por todos os sócios da recorrente (com ressalva apenas de dois sócios que estavam com a inscrição suspensa) – cf. facto 22 e Doc. R-26.

Sucede que essas regras foram substituídas pelas RS2005, colocando-se a questão da subscrição destas pelos sócios que, nessa altura, integravam a sociedade recorrente, ou seja, se são os mesmos sócios que assinaram as RS2003. Com efeito, como contrato que é, tem eficácia relativa (cf. art.º 406º, nº 2, do CC), vinculando apenas os sócios que o celebraram.

Ora, esse facto não ficou provado (cf. facto 128 e considerando, designadamente, os sócios com a inscrição anteriormente suspensa).

Daí que a assinatura das RS2003 não possa relevar para o efeito alegado, ou seja, para que se considere que as RS2005 constituem escrito assinado por todos os sócios da recorrente na altura da sua aprovação.

Ainda a respeito desta questão, sustenta a recorrente que ficou demonstrado o "comportamento manifestamente abusivo da recorrida", por ter sido esta "quem assumiu, ao longo do período em que foi sócia, um comportamento definitivamente contraditório com o que veio a perfilhar no âmbito deste litígio".

Invoca o venire contra factum proprium, a suppressio e o tu quoque, com fundamento nestes factos:

- A recorrida, entre outros, assinou, em Setembro de 2003, a Declaração que constitui o Documento R-26, que tem anexa as Regras Societárias datadas de 2 de Janeiro de 2003 (facto 22 e doc. R-26);

- Na Cimeira de 24.11.2001 foram discutidas as Regras Societárias da recorrente, cujo texto completo foi ratificado em 19.04.2002, no âmbito de um processo de revisão; que daria origem às regras de 2003 (facto 23);

- No âmbito dessa discussão, a recorrida apresentou uma proposta sobre o regime da reforma que veio a ser aprovado na Assembleia Geral de 19.04.2002 e a dar origem ao nº 3 do art.º 15º das Regras Societárias de 2002, ao nº 2 do art.º 15º das Regras Societárias de 2003 e ao nº 2 do art.º 22º das Regras Societárias de 2005 (factos 24 a 27);

- Parte do texto do artigo 17º, o nº 3 das RS, que trata do valor de amortização, resulta de uma proposta apresentada pela recorrida para a Assembleia Geral de 24.11.2001 (facto 28)

- Nessa proposta, circulada por email em 12.11.2001 a recorrida fazia diversas sugestões de redacção de vários artigos das Regras Societárias (facto 29);

- Na sua relação com a sociedade e os demais sócios, as Demandantes (no proc. arbitral), em especial a recorrida, faziam apelo às RS (facto 30);

- A recorrida exerceu funções executivas de gestão nas várias configurações que o órgão de administração da recorrente teve entre 2001 e 2006 (cf. documentos indicados pela recorrente);

- Havia Assembleias Gerais de Sócios (por vezes denominadas Cimeiras) de acordo com as Regras Societárias, longas e muito participadas e onde a generalidade dos Sócios se fazia representar (facto 104);

- O sistema sempre funcionou assim e nunca foi contestado, nomeadamente pela recorrida (facto 105)

- Nos termos das Regras Societárias, os advogados da recorrente recebiam uma remuneração diretamente indexada ao valor da clientela que angariavam, designada «captação» (facto 126);

- As «Captações» (entendidas como a remuneração, percentual à faturação desse cliente, devida, durante os 5 anos subsequentes à apresentação do Cliente ao Sócio, Associado ou Advogados Não Associados pela captação de clientes, nos termos do artigo 72º das RS 2005 - Documento A-6) e a «TCA» (Transferência de Clientes Atuais, entendida como a remuneração devida aos sócios que tenham transferido a sua clientela para os PPP/QQQ/RRR, nos termos do artigo 71º das RS 2005 - Documento A-6) são parte das receitas que são alocadas a determinados advogados (no caso das captações, não têm sequer de ser Sócios ou Associados Sénior) e que são contrapartida de prestações específicas (facto 127);

- Na Assembleia Geral extraordinária de Sócios, de 04.07.2003, na qual a recorrida esteve presente, foram deliberadas alterações às Regras Societárias então vigentes, tendo sido inclusivamente deliberada a constituição de uma Comissão de Redacção para a elaboração de alterações ou aditamento às regras Societárias (Doc. A-7);

- Já na Assembleia Geral de Sócios de 20.11.1999, na qual foram discutidas e deliberadas diversas alterações e aditamentos às regras Societárias de 2000, o papel da recorrida foi fulcral, tendo a mesma sido a autora de muitas das alterações então efectuadas e aprovadas (Doc. R-39).

As pessoas, no exercício de direitos e deveres, devem assumir um comportamento correcto e leal, não defraudando a confiança e as legítimas expectativas dos outros.

O abuso do direito, como se prevê no art.º 334º do CC, pressupõe que haja um excesso manifesto no seu exercício, que conduza a um resultado clamorosa e intoleravelmente divergente do fim para que a lei o concebeu.

Na invocada modalidade de venire contra factum proprium, o abuso do direito consiste no exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta anterior; exige sempre uma situação de confiança, gerada por essa conduta anterior, tida como vinculante para futuro, o investimento na confiança pela contraparte e a boa fé desta.

A suppressio, para operar, exige mais do que o mero decurso do tempo e a inactividade do titular do direito, uma vez que a mesma constitui também uma forma de tutela da confiança do beneficiário, perante aquela inacção.

O tu quoque visa a actuação de posições jurídicas indevidamente obtidas: uma pessoa que viola uma norma jurídica não pode, designadamente, prevalecer-se da situação assim obtida[9].

No caso, ficou provado que, na relação com a recorrente e demais sócios, a recorrida fazia apelo às Regras societárias, que estas foram objecto de discussão em várias AGs da recorrida e que o sistema sempre funcionou com base nessas Regras, o que nunca foi contestado.

Não ficou, porém, demonstrado que as regras sobre a exoneração de sócios tivessem sido objecto dessa discussão, ressalvada a que preparou a aprovação das RS2003 (AG de 24.11.2001), em que a recorrida apresentou uma proposta sobre o valor da amortização das participações de capital.

Repare-se, contudo, que, segundo essa proposta, o valor da amortização seria o correspondente ao activo líquido de amortizações, que, pelo  seu âmbito objectivo mais amplo, se poderia saldar num valor substancialmente superior ao que resulta do critério que veio a ser aprovado, correspondente ao activo imobilizado corpóreo líquido de amortizações, constante do art.º 17º, nº 3 das RS2003 e, depois, de idêntica norma do art.º 24º, nº 3, das RS2005.

É certo, porém, que a recorrida acabou por aprovar essas regras.

O facto de a recorrida ter integrado o CA da recorrente não parece relevante para permitir fundamentar a (alegada) imputação de qualquer incumprimento à recorrida, no que concerne à aprovação das RS2005. O órgão é colegial e nada se provou sobre o que se passou (ou não passou) no foro interno desse órgão no que respeita a tal questão.

O "incumprimento" é, com efeito, da recorrente, quer no que respeita à subscrição dessas Regras, que estavam a ser aplicadas, quer na viabilização da aplicação prática das regras respeitantes à fixação do valor das participações de capital para efeitos de exoneração dos sócios, que são, aliás, objectivamente, de difícil interpretação e até de problemática compatibilização (quanto aos arts. 23º e 24º e, neste, entre os nºs 1 e 2 e o nº 3).

De todo o modo, não podendo essas Regras valer como acordo escrito de todos os sócios, nos termos da clª 9ª, nº 8, dos ES e para efeitos do disposto no art.º 21º, nº 8, do RJSA, teriam de ser observadas as cláusulas estatutárias e tomadas as deliberações aí previstas para a fixação das participações de capital, o que nunca ocorreu, como acima se disse.

Saliente-se, por outro lado, que as referidas regras nunca foram aplicadas em anteriores situações de exoneração de sócios, que foram sempre resolvidas por acordo.

Assim, o tempo entretanto decorrido não poderia fundamentar a suppressio, que não se basta com um mero não exercício prolongado do direito.

E, se o "incumprimento" é da recorrente, se é esta quem, indevidamente, pretende prevalecer-se das Regras societárias, a invocação, neste âmbito do tu quoque carece também de fundamento, invertendo claramente a situação.

Assim como, pela mesma razão, não tem fundamento, parece-nos, a invocação do abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium: sendo certo, como refere a recorrente, que a recorrida ajudou a criar, aprovou e nunca colocou em causa as regras societárias, deve reconhecer-se que, no que respeita às regras referentes à exoneração de sócios, não houve sequer oportunidade de as colocar em causa, uma vez que nunca chegaram a ser aplicadas.

A recorrida contribuiu para a aprovação destas regras sobre a exoneração, mas não ficou demonstrado que tenha concorrido com uma qualquer conduta adequada a legitimar a convicção de que não seria necessária a satisfação de outros requisitos exigidos para a sua aplicação; foi a recorrente quem inviabilizou essa aplicação, ao não ter promovido a sua subscrição por todos os sócios, nem ter tomado as deliberações exigidas pelas cláusulas estatutárias.

Entende-se, por conseguinte, que a pretensão formulada na acção pela recorrida, que pressupõe a não aplicação das referidas regras sobre a exoneração, não configura um abuso do direito.

Conclui-se, assim, como no AR que as RS2005 não podem ser tidas como acordo escrito de todos os sócios, para efeitos do disposto no art.º 21º, nº 8, do RJSA, não sendo aplicáveis no caso.

Afastada a aplicação das RS2005 e, como se referiu, não fornecendo os ES um critério para a fixação do valor da participação de capital, este valor teria de ser fixado com recurso à comissão arbitral, nos termos do art.º 21º, nºs 9 e 10, do RJSA, aplicando-se as regras previstas nos arts. 13º e 17º deste diploma legal.

Considerou-se, porém, no AR que estas regras também não resolviam a questão do cálculo do valor da participação de capital para efeito de exoneração de sócios.

Daí a conclusão – neste condicionalismo, não impugnada por qualquer das partes – de que, conforme dispõe o art.º 2º do RJSA, se teria de recorrer às regras do Código Civil supletivamente aplicáveis, previstas, em especial, nos arts. 1021º e 1018º, desse teor:

Artigo 1018.º (Partilha)

1. Extintas as dívidas sociais, o activo restante é destinado em primeiro lugar ao reembolso das entradas efectivamente realizadas, exceptuadas as contribuições de serviços e as de uso e fruição de certos bens.

2. Se não puder ser feito o reembolso integral, o activo existente é distribuído pelos sócios, por forma que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que lhe competir nas perdas da sociedade; se houver saldo depois de feito o reembolso, será repartido por eles na proporção da parte que lhes caiba nos lucros.

3. As entradas que não sejam de dinheiro são estimadas no valor que tinham à data da constituição da sociedade, se não lhes tiver sido atribuído outro no contrato.

4. Ainda que o contrato o não preveja, podemos sócios acordar em que a partilha dos bens se faça em espécie.

Artigo 1021.º (Liquidação de quotas)

1. Nos casos de morte, exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação; se houver negócios em curso, o sócio ou os herdeiros participarão nos lucros e perdas deles resultantes.

2. Na avaliação da quota observar-se-ão, com as adaptações necessárias, as regras dos n.ºs 1 a 3 do artigo 1018.º, n aparte em que forem aplicáveis.

3. O pagamento do valor da liquidação deve ser feito, salvo acordo em contrário, dentro do prazo de seis meses, a contar do dia em que tiver ocorrido ou produzido efeitos o facto determinante da liquidação.

2. Determinação do valor da participação de capital da recorrida, no contexto da sua exoneração

Definido o regime jurídico aplicável à determinação do valor da participação de capital, escreveu-se no AR sobre esta questão:

Como se viu, as partes têm visões diferentes sobre o assunto e a matéria em questão não se reveste de simplicidade nem de linearidade, porquanto, desde logo e por aplicação do artigo 1021º tem por base o estado da sociedade, questão sobre a qual não vimos na jurisprudência elementos de que nos possamos socorrer para decidir o presente caso.

Segundo P. Lima e A. Varela: “Proceder-se-á previamente à dedução do passivo. Deve, nos termos do n.º 2 atender-se aos lucros e às perdas que competem ao sócio […] que deixou de pertencer à sociedade […]. Deve, por último, nos termos do n.º 3 do artigo 1018º, atender-se, em princípio, ao valor que a entrada tinha no momento da constituição da sociedade”.

Recorrendo a doutrina alargada, encontrámos uma síntese de Ana Isabel Baptista dos Santos, “Projeto de Mestrado em Contabilidade, Fiscalidade e Finanças Empresariais Métodos de Avaliação de Empresas” que incide, justamente sobre a temática aqui em discussão.

A metodologia para avaliar uma Empresa não é matéria pacífica, antes sendo variável em função da informação sobre a Empresa, o tipo de negócio e o setor de atividade em que se insere.

Disso nos dá conta a citada autora que nos aponta para uma certa variedade de métodos e para as dificuldades da sua aplicação.

Feito o enquadramento legal e na ponderação, nomeadamente, do indicado elemento doutrinário, dir-se-á que o estado da sociedade está associado ao valor da própria sociedade. E esse valor, para a finalidade que nos ocupa, na esteira do defendido pela recorrida, não poderá extravasar o do momento em que o evento da exoneração ocorreu. É isso que resulta do artigo 1021º CC acima transcrito. Por isso, do nosso ponto de vista, não fará sentido valermo-nos de métodos que impliquem projeções sobre a evolução futura do negócio (Métodos financeiros), ainda que porventura possam ser legítimos noutros contextos e, ao que tudo indica, sejam frequentemente utilizados.

Na sequência, depois de se afastar os métodos propostos pela recorrida – método dos múltiplos e a ponderação do caso do Prof. BB – acrescentou-se o seguinte sobre a utilização de outros métodos:

Numa perspetiva patrimonial, um dos métodos possíveis é o método de avaliação baseado no valor contabilístico.

Porém, como se sabe, este método não se afigura adequado se tomarmos em conta que nem sempre os elementos contabilísticos refletem com rigor o estado de uma empresa num dado momento.

Desde logo, como é, aliás, da experiência comum, nem sempre a contabilidade das empresas reflete com transparência o seu real estado. Neste âmbito, como é sabido, é frequente a utilização de mecanismos que contornam as consequências fiscais perante uma Administração fiscal que nem sempre, ao longo dos anos, adotou o zelo dos últimos tempos. Depois, muitas vezes o ativo descrito no Balanço não abrange ativos incorpóreos como por exemplo marcas, contactos, outros dados, recursos humanos.

Portanto, socorrendo-nos tão somente do Balanço poderemos ter, com alta probabilidade, uma subavaliação significativa do negócio.

Aliás, a própria recorrida não segue completamente este método, como o inculca a referência a que: “tal não significa que a metodologia seja acriticamente um reflexo do balanço, como refere o Tribunal da Relação ...: «sempre que se trate de apurar o valor de uma determinada participação social, seja no caso, por exemplo, de alienação, amortização, exoneração ou exclusão de sócio, a lei aponta no sentido de apenas ter de se apurar a contrapartida a pagar pelo valor real da participação social»”.

Nessa medida, parece-nos ser de afastar, in limine, o critério contabilístico estrito.

Vejamos, então, na mesma perspetiva patrimonial o método do valor contabilístico ajustado, o qual consiste segundo a autora referenciada, “na valorização do conjunto de bens, direitos e obrigações que integram o ativo e que constam do balanço da Empresa, corrigidos ou ajustados para o valor de mercado. Trata-se de um método que procura corrigir algumas limitações do método de avaliação patrimonial contabilístico. Os ajustamentos a efetuar às demonstrações financeiras podem ser de duas grandes naturezas: Reservas ocultas, que são situações de ativos subavaliados ou passivos sobreavaliados, desrespeitando os princípios contabilísticos geralmente aceites. Exemplo: Provisões para outros riscos e encargos genéricos.

A própria recorrida converge para a correção do método contabilístico, mas com algum tempero, ao aludir a que:

J Espírito Santo, refere: “a avaliação tem por objeto o património efetivo da sociedade, sendo indiferente para tal efeito o valor pelo qual o mesmo se encontra contabilizado (valor contabilístico), que pode, ou não, corresponder ao real […] o “critério de fixação do valor da participação social nos termos do art.º 1021 do CC é qualificado pela lei como o do valor real”. E cita também Antunes Varela em anotação ao artigo 1021º CC no sentido da possibilidade de um interessado demonstrar que: “os valores a ter em conta no ativo e passivo das sociedades são diferentes dos constantes do balanço”.

Em idêntico sentido João Cura Mariano, citado também pela apelada, defende nomeadamente que: “O valor real não significa valor de mercado [mas também não pode ser confundido com] o valor que consta da contabilidade, normalmente subavaliado por razões fiscais”.

Segundo este método, na ponderação do valor real naturalmente tem-se em mente o valor contabilístico, mas ele tem de ser corrigido por ajustamento ao valor de mercado, tendo em conta os elementos relevantes que resultam dos factos dados como provados, e que permitam uma aproximação ao justo valor (em sintonia, aliás, com a Diretriz Contabilística nº 1349).

Nesse âmbito, afigura-se que para além dos ativos corpóreos ter-se-á de ponderar também os ativos intangíveis, como sejam o facto de a sociedade em causa ser uma sociedade de profissionais, com presença da academia (BB que cessou funções com referência a 01.01.2008), com uma notória reputação no mercado e com uma determinada carteira de clientes.

Na busca do valor real e na esteira do que refere a testemunha GG, uma sociedade não é, apenas, uma infraestrutura (“facilidade”) que permite somar e integrar a atividade de vários profissionais em estádios diferenciados das suas carreiras. A sociedade integra esses contributos e acumula ou destrói valor pela sua dinâmica coletiva que alimenta ativos corpóreos e, sobretudo, incorpóreos, que se traduzem, como vimos, na respetiva marca, reputação, notoriedade e capital relacional com os clientes e o mercado notoriedade, processos e aprendizagem organizacional alcançada.

Neste âmbito, tratando-se de uma sociedade de Advogados, assumem relevo, não tanto o imobilizado corpóreo que (que corresponde aos ativos mais líquidos gerados noutro tipo de sociedades), mas mais as competências reconhecidas aos seus profissionais e o nome projetado no negócio e que necessariamente condiciona dinamicamente o tipo de clientela e, por conseguinte, o ativo real da sociedade.

Por isso, naturalmente que esses fatores terão de ser ponderados para calcular o valor real da sociedade.

Afastou-se ainda no AR a ponderação de afectações específicas, invocadas pela recorrida (N..., Fundação PLMJ e Fundo de Pensões), afirmando-se depois sobre o cálculo do valor da participação da recorrida:

Apurado o valor da sociedade, há que calcular o valor da comparticipação da recorrente (aqui recorrida)

Sobre esta matéria importa ter em conta que na sociedade vigorava um sistema de pontos (sendo também certo que a Demandante era sócia de capital e de indústria (cf. nomeadamente documento complementar de fls. 1689 e 1690 - Estatutos reformulados) e depois, deduzir-se-á o valor da clientela da recorrida desviada pela recorrente.

Os estatutos da Demandada, na cláusula 11ª dispõem: “2. Sempre que, qualquer que seja a causa, a sociedade deva liquidar ao sócio, ou seus herdeiros, o valor da sua participação de capital, será este o que resultar do disposto no número um desta cláusula, corrigido pelas variações significativas do ativo social que tenham ocorrido até à data do facto que for causado direito do sócio, ou seus herdeiros, a receber aquele valor (…) (fls. 1697)”.

Daqui resulta uma inequívoca correlação entre a participação do sócio e as variações do ativo o que inculca a ideia de que, calculado o valor real da sociedade nos termos sobreditos e com o esclarecimento que adiante se deixa referido, a participação do sócio acompanhará a proporção que lhe couber no referido valor (na linha do que se estatui no artigo 1018º/2 do CC).

A recorrente concorda que, não sendo aplicável o método de cálculo decorrente das RS2005, o regime a observar é o previso no art.º 1021º do CC e que, como foi entendido, deve ser afastada a aplicação de métodos financeiros e, bem assim, os métodos propostos pela recorrida.

Discorda, porém, do método adoptado no AR.

Conforme dispõe o art.º 1021º, nº 1, do CC, no caso de exoneração de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação (sobre este momento, cf. o art.º 1002º, nº 3, do CC).

O sócio exonerado tem assim direito ao contravalor da participação, que não é determinado directamente, como valor autónomo, mas antes corresponde à quota parte do valor da sociedade na data relevante; é, pois, em função deste valor da sociedade que se determina o valor que cabe à participação do sócio exonerado.

A avaliação de uma sociedade não constitui, no entanto, uma questão pacífica, como se evidenciou no AR, existindo diversos métodos, mais ou menos adequados, em função da concreta empresa que tem por objecto.

Discute-se, desde logo, como no caso dos autos, se essa avaliação deve ser feita numa óptica de liquidação ou de continuidade.

Segundo a recorrente, o art.º 1021º do CC é inequívoco em determinar que a metodologia da avaliação a considerar é a da liquidação: o valor da participação deve corresponder ao "valor real", mas no contexto da liquidação, pressupondo que a empresa não irá existir no futuro.

Esta metodologia pressupõe, porém, a atribuição de um valor correspondente a uma quota de liquidação ideal, como se a sociedade se dissolvesse ou liquidasse de facto na data relevante. Não é esta, contudo, a situação comum, como não o é no caso dos autos, em que se pretende avaliar uma sociedade que permanece como tal e vai perdurar.

Como refere Ferrer Correia, os elementos do activo para essa avaliação "devem ser tomados segundo o seu valor comercial vivo, uma vez que a empresa permanece como tal"[10].

Assim, como se disse, terá de calcular-se o valor da sociedade, em função do seu estado na data relevante; e será a partir desse valor de base que se determina o valor da participação. É a esta determinação que se aplicam as regras da partilha do activo restante da liquidação[11].

Na perspectiva de continuidade podem ser adoptados diferentes métodos[12], em parte reflectidos nas distintas posições assumidas nestes autos, quer considerando o valor patrimonial da recorrente, quer o seu valor económico-financeiro.

No AR, refutando-se outros métodos – designadamente, o critério contabilístico estrito, por não reflectir o estado real da sociedade, e o económico-financeiro, por o valor não poder extravasar o momento em que a exoneração ocorreu, não podendo implicar projecções sobre a evolução futura do negócio –, optou-se pelo designado método contabilístico ajustado[13], tendo em conta o valor contabilístico, mas "corrigido por ajustamento ao valor de mercado", ponderando, "para além dos activos corpóreos, também os activos intangíveis, como sejam o facto de a sociedade em causa ser uma sociedade de profissionais, com a presença da academia, com uma notória reputação no mercado e com uma determinada carteira de clientes".

A recorrente discorda, defendendo a aplicação de um critério contabilístico estrito: apenas deve ter-se em conta os elementos constantes do balanço que, no caso, foi elaborado nos termos legais, não justificando as reservas do Tribunal a quo e que não considera – nem tem de ser considerado no cálculo da contrapartida ela exoneração – activos incorpóreos.

Esse método, porém, é considerado inteiramente inadequado para o efeito, conforme entendimento francamente predominante, quer da doutrina[14], quer da jurisprudência conhecida[15].

Escreve, a este propósito, Evaristo Mendes[16]:

"O valor contabilístico ou de balanço é o valor agregado dos elementos que compõem o valor patrimonial, considerando os valores individuais de tais elementos, tal como se encontram inscritos no balanço, de acordo com as regras de elaboração do balanço de exercício. Trata-se, portanto, de uma variante do anterior (valor patrimonial) e ainda mais inadequada que ela para traduzir o real valor de uma sociedade".

E acrescenta (em nota):

"Estamos, por um lado, a falar da mera soma dos valores de cada elemento do património social, considerado em si mesmo; e estamos, por outro lado, em face de um património restrito, que nem sequer compreende todos os elementos do património social com autonomia jurídica".

Ficariam, assim, excluídos da avaliação bens e valores imateriais valiosos, o que parece pouco adequado ao paradigma de sociedade consagrado no art.º 980º do CC, como organização produtiva destinada a criar riqueza em benefício dos sócios; não como simples património.

Como daí se infere, o estado da sociedade a que alude o art.º 1021º, nº 1, do CC significa o "estado do seu património e o estado do seu negócio, prática profissional ou empresa, com o valor que desse modo lhe corresponde"[17].

Como se sabe, uma empresa é formada por um conjunto de bens de distinta natureza – coisas corpóreas e incorpóreas – articulados entre si numa organização com vista à consecução de um fim económico e produtivo, integrando ainda, para este efeito, certas relações de facto com valor económico (com fornecedores, bancos e clientes), reveladoras da sua capacidade lucrativa, ou seja, do seu aviamento[18].

Noutra formulação, uma empresa apresenta três espécies de valores: "valores ostensivos" (constituídos pelos bens corpóreos e incorpóreos), "valores de organização" (que derivam da articulação dos elementos da empresa, num todo com a mesma função e destinação económica) e "valores de exploração" (advindos das relações com clientes, fornecedores e financiadores)[19].

Como afirma Ferrer Correia, "o valor do estabelecimento não é puramente igual à soma dos valores do seu activo considerados à margem da organização – antes o simples facto dessa organização implica para cada um desses bens uma valorização especial".

Esse "maior valor do todo organizado" constitui o valor de aviamento.

A determinação do valor da sociedade não pode, pois, limitar-se, num critério estático e atomista, a considerar os valores parcelares do activo líquido do património social que constam do balanço.

Por um lado, mesmo nessa perspectiva, sendo comum a sua subavaliação (desde logo, por aplicação do princípio do custo histórico, do princípio da prudência e pela existência de reservas ocultas), esses valores devem ser corrigidos para o seu valor real e efectivo; ou seja, para o seu justo valor.

Por outro lado, a esse valor patrimonial deve acrescer o valor que advém de activos imateriais ou intangíveis, da organização em si e da posição no mercado, ou seja, considerando a reputação, notoriedade, relação com clientes e acreditamento no mercado, que integram o seu valor de aviamento (ou goodwill), como "valor não físico ou intangível e, por isso, contabilizado à parte, que expressa o valor da empresa para além do seu valor contabilístico" [20].

No caso, tratando-se de uma sociedade de advogados, mais se acentua esta vertente, como foi sublinhado no AR (nas alegações de recurso – ponto 218 – afirma-se, aliás, que o activo corpóreo da recorrente é irrelevante, o que, a nosso ver, confirma a impropriedade do método contabilístico estrito).

Importa, pois, seguindo o método adoptado no AR, considerar, nos termos referidos, o valor corrigido do activo líquido do património social da recorrente e ponderar em concreto que esta constitui uma sociedade de profissionais, em que sobressai a capacidade e contributo individual e colectivo de sócios e associados e a específica relação que mantêm com clientes.

Releva igualmente a notoriedade e reputação da sociedade, que se reflecte na atractividade para captar bons profissionais e para angariar, satisfazer e fidelizar clientes nos mais diversos (senão todos) domínios jurídicos.

De considerar também a dimensão da sociedade e a carteira de clientes.

Será ainda de ter em conta a organização em si, quer a estrutura física e localização, quer em termos de funcionamento, a organização dos serviços e procedimentos operacionais (incluindo sistema informático e de gestão implantados).

Determinado, nos termos expostos, o valor da sociedade, este deve ser repartido pelos sócios na proporção da parte que lhes corresponde nos lucros, em função do sistema de pontos que vigorava na sociedade (facto 106), repartição que não foi questionada.

A esse valor haverá de deduzir-se o valor da clientela desviada – arts. 21º, nº 9 e 17º, nº 6, do RJSA.

Sobre esta questão, escreveu-se no AR:

Por fim, como se referiu, ter-se-á de deduzir o valor da clientela desviada pela recorrente.

A este propósito, provou-se o que consta do facto nº 136, com o seguinte teor:

“A Demandante CC faturou, nos anos de 2008 e 2009, em clientes que já estavam abertos na Demandada, o montante global de €1.137.363 (Documento A-1); a Demandante AA faturou, nos anos de 2008 e 2009, em clientes que já estavam abertos na Demandada, o montante global de €848.288 (Documento A-1)”.

Ora, estes valores balizam no limite máximo, o cálculo que vier a ser operado quanto à determinação do valor da comparticipação deduzida do valor do “desvio de clientela”.

Quer dizer, trata-se de um valor de referência, mas que não prejudica a possibilidade de ponderação de outros dados.

Com efeito, o facto n.º 136 terá de ser lido em consonância com o facto nº 137, com o seguinte teor: Parte da clientela que saiu com as Demandantes ou com os advogados que com elas saíram deixou de ser clientela da Demandada na medida em que passou a ser tratada pelas Demandantes ou por advogados que saíram com as Demandantes (artº 228º da Contestação, depoimentos TTT, UUU).

Note-se que o documento com base no qual o Tribunal Arbitral deu como provado o facto n.º 136 (Doc. A-1 a fls. 138 e seguintes) contem um elenco indiscriminado de faturas, não concretizando quais as que se referem a clientela desviada e da qual foi exclusiva beneficiária a Demandante e a clientela restante de que possam ter beneficiado outros advogados.

Portanto, quer-nos parecer que terá de ser efetuada uma redução equitativa do valor referenciado no facto 136, em função do real benefício da Demandante.

Estes valores, naturalmente, por falta de elementos que permitam desde já a sua quantificação, terão de ser calculados em sede de liquidação de sentença, nos termos do artigo 609/2 do CPC, colhendo, assim, o peticionado em via subsidiária.

A recorrente sustenta que a decisão assenta numa leitura incorrecta dos factos provados, entendendo que o montante de € 848.208,00, referido no facto 136, não deve ser objecto de qualquer redução, pois representa (no mínimo) a facturação da recorrida com a clientela desviada, não respeitando o facto 137 aos mesmos valores.

Crê-se, no entanto, que se decidiu bem.

Com efeito, não há qualquer dúvida que o referido montante constituirá o limite máximo apurado da facturação obtida pela recorrida com clientes que estavam abertos anteriormente na recorrente.

O facto 136, por si, é claro sobre o valor absoluto da facturação obtido pela recorrida com essa clientela, mas só aparentemente traduz o benefício pessoal conseguido pela recorrida.

Aquele facto deve ser complementado com o facto 137, de que decorre que a referida facturação não pode ser imputada exclusivamente à recorrida, dela beneficiando também outros advogados que com ela trabalhavam, sendo certo que o doc. A-1 não é esclarecedor, não permitindo essa discriminação.

Importa apurar o benefício efectivo obtido pela recorrida com a clientela desviada, o que implicará seguramente uma redução do valor provado de facturação, em medida a fixar em ulterior liquidação, como se determinou e, aí sim, com recurso, se for caso disso, à equidade.

No que respeita à limitação do decidido pelo TA:

Na decisão do AR determinou-se que o valor apurado na liquidação deve ter em conta o limite peticionado e o valor já reconhecido pelo TA como sendo devida.

A recorrente discorda também da decisão nesta parte, entendendo que este limite mínimo deve ser desconsiderado: a partir do momento que o Tribunal revoga o acórdão arbitral (e aplica um método de cálculo distinto), é em função deste novo método de cálculo que se apurará o montante concretamente devido, não cabendo estabelecer uma condenação mínima em função de um resultado obtido através de um regime que se considerou não ser aplicável.

Por seu turno, a recorrida sustenta que seria manifestamente injusto que a recorrente se prevalecesse da inaplicabilidade o método previsto nas RS2005 para defender que a recorrida poderia receber um valor inferior àquele que receberia se a recorrente tivesse adoptado as diligências necessárias para aplicação dessas regras.

Entende-se, com o devido respeito, que a posição agora assumida pela recorrente é inaceitável, contrariando manifestamente o entendimento que preconizou sobre a primeira questão, em que concluiu que, por aplicação das RS2005, deveria ser fixada, como contrapartida pela exoneração, o valor de € 31.735,29, que foi o montante atribuído pelo TA.

De todo o modo, importa salientar que da decisão do TA, que fixou aquela contrapartida, apenas recorreu a demandante, ora recorrida (o recurso subordinado não incidiu sobre esta questão).

A demandada, ora recorrente, conformou-se com essa decisão, reiterando até, no presente recurso, como se acabou de dizer, que o montante da contrapartida deveria ser o que foi fixado pelo TA.

Portanto, em termos de resultado, não sofre dúvida que o valor a fixar nunca poderá ser inferior ao reconhecido pelo TA, que a recorrente reiteradamente aceitou.

A fixação de um montante inferior traduzir-se-ia em manifesta reformatio in pejus, que é proibida, como decorre do disposto no art.º 635º, nº 5, do CPC: a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão recorrida[21].

3. A recorrente discorda ainda da decisão do AR sobre custas, defendendo que, à falta de melhor critério, estas deveriam ser repartidas em partes iguais.

No AR fixou-se em 1/10 a responsabilidade da demandante e em 9/10 a responsabilidade da demandada, sem prejuízo das correcções devidas depois de definitivamente apurada a responsabilidade efectiva de cada uma das partes.

A repartição das custas é, assim, provisória, sujeita a correcção ulterior em função do valor da condenação que vier a resultar da liquidação, apesar de ser evidente pela proporção estabelecida, que, de algum modo, se antecipou que esse resultado será substancialmente superior ao valor fixado pelo TA.

Com esta premissa, que se aceita, e considerando ainda que a recorrente decaiu totalmente no recurso subordinado[22], afigura-se-nos que, apesar de fugir do critério tradicional[23], a decisão não merece censura.

Em conclusão:

1. O art.º 21º, nº 8, do RJSA (aqui aplicável) estabelece que o sócio exonerado tem direito a receber da sociedade a quantia apurada nos termos previstos no contrato de sociedade ou em acordo escrito de todos os sócios.

2. No caso, as cláusulas dos Estatutos da sociedade não fornecem um critério para a fixação do valor da participação de capital do sócio exonerado, limitando-se a remeter para a deliberação da Assembleia Geral.

3. Por seu turno, as Regras societárias estabelecidas não constam de documento escrito assinado por todos os sócios da recorrida.

4. Os factos provados não revelam uma manifestação de vontade directa e expressa de aceitação pelo colectivo de sócios da recorrente das regras societárias estabelecidas respeitantes à exoneração de sócio

5. Por outro lado, só seria possível extrair uma declaração tácita de aceitação das regras societárias relativas à exoneração de sócios se existisse uma exteriorização escrita de todos os sócios, da qual se deduzisse, com toda a probabilidade, a vontade de aceitar, em concreto, essas regras de exoneração.

6. Todavia, essa exteriorização não consta nem resulta dos factos provados ou dos documentos invocados pela recorrente.

7. Tendo sido a recorrente quem inviabilizou a aplicação das regras societárias, ao não ter promovido a sua subscrição por todos os sócios, nem ter tomado as deliberações exigidas pelas cláusulas estatutárias, a pretensão formulada na acção pela recorrida, que pressupõe a não aplicação dessas regras sobre a exoneração, apesar de ter intervindo na sua aprovação, não configura um abuso do direito.

8. Afastada a aplicação das Regras societárias e não fornecendo os Estatutos da sociedade um critério para a fixação do valor da participação de capital, este valor teria de ser fixado com recurso à comissão arbitral – art.º 21º, nºs 9 e 10, que remete para as regras dos arts. 13º e 17º, todos do RJSA.

9. Não resolvendo estas regras a questão do cálculo do valor da participação de capital para efeito de exoneração de sócios, tem de recorrer-se às normas do Código Civil supletivamente aplicáveis, previstas, em especial, nos arts. 1021º e 1018º (art.º 2º do RJSA).

10. Decorre do disposto no art.º 1021º, nº 1, do CC, que o sócio exonerado tem direito ao contravalor da participação, que corresponde à quota parte do valor da sociedade na data relevante.

11. A determinação do valor da sociedade não pode limitar-se, num critério estático e atomista, a considerar os valores parcelares do activo líquido do património social que constam do balanço (critério contabilístico estrito).

12. Por um lado, mesmo nessa perspectiva, sendo comum a subavaliação dos activos (desde logo, por aplicação do princípio do custo histórico, do princípio da prudência e pela existência de reservas ocultas), esses valores devem ser corrigidos para o seu valor real e efectivo.

13. Por outro lado, a esse valor patrimonial deve acrescer o valor que advém de activos imateriais ou intangíveis, da organização em si e da posição no mercado, ou seja, a reputação, notoriedade, relação com clientes e acreditamento no mercado, que integram o seu valor de aviamento (ou goodwill).

14. No caso, tratando-se de uma sociedade de advogados, mais se acentua esta vertente

15. Determinado o valor da sociedade, este deve ser repartido pelos sócios na proporção da parte que lhes corresponde nos lucros, em função do sistema de pontos que vigorava na sociedade, devendo deduzir-se o valor da clientela desviada (arts. 21º, nº 9 e 17º, nº 6, do RJSA).

V.

Em face do exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 20 de fevereiro de 2022

Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Proc. nº 928/18.1YRLSB.S1
F. Pinto de Almeida (R. 410)
Cons. José Rainho; Cons.ª Graça Amaral
[2] Então em co-autoria com a demandante CC (CC).

[3] Mesmo se se entender que o crédito das Demandantes, apesar de depender apenas de meros cálculos aritméticos, era ilíquido, teremos de concluir que a Demandada podia-como de resto fez, por duas vezes (cf. números 38 e 42 da matéria dada como provada) - torná-lo líquido, pelo que não tem aplicação a regra constante do artigo 805º/3 do CC e continua a verificar-se o requisito, a existência de mora, de que depende a aplicação do artigo 781º. 
[4] Cf. Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2ª ed., 226; Acórdão do STJ de 18.05.2006 (06A1106), acessível em www.dgsi.pt.
[5] Cf. Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I-Parte Geral, 1054; Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª ed., 143; Enzo Roppo, O Contrato, 97; L.F. Pires de Sousa, Direito Probatório Material, 50.
[6] Cf. P. Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 456 e segs.
[7] C. Ferreira de Almeida, Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, Vol. II, 712.
[8] P. Pais de Vasconcelos e P. Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9ª ed., 464.
[9] Sobre o abuso do direito e concretamente sobre as fórmulas invocadas, cf., por último, Menezes Cordeiro, Ob. Cit., 933 e segs.
[10] Lições de Direito Comercial, Vol. I, 209
[11] Cf. Evaristo Mendes, Exoneração de sócios, em II Congresso do DSR, 22. De todo o modo, como acrescenta este Autor (pg. 23), o que se "apresenta como mais relevante é a circunstância de a sociedade envolver tipicamente um negócio ou empresa que lhe confere o essencial do seu valor". Assim, mesmo na avaliação numa óptica de liquidação, será de atender "ao melhor valor da liquidação realizável", consoante as diversas modalidades, "incluindo não apenas a tradicional liquidação atomista peça a peça, mas também a liquidação com trespasse desse negócio ou empresa e, inclusive, a liquidação com transferência global do património social" (cf. art.º 162º do CIRE).
[12] Cf. Evaristo Mendes, Ob. Cit, 23 e segs (valor patrimonial, de que o contabilístico é uma variante; valor económico-financeiro; valor de mercado e métodos mistos, como o do goodwill); Tiago Soares da Fonseca, O Direito de Exoneração do Sócio no Código das Sociedades Comerciais, 340 e segs (critério nominal, contabilístico, de mercado ou pelo valor real).
[13] Cf. Ana I. Batista dos Santos, Métodos de Avaliação de empresas – Aplicação a uma PME, 12 (acessível on line)
[14] Ferrer Correia, Ob. Cit., 208 e Estudos de Direito Civil, Comercial e Criminal, 215 (absoluta impropriedade do balanço ordinário para servir de base a uma estimativa aproximadamente correcta da parte social ou da quota de um sócio); Brito Correia, Direito Comercial, 2º Vol., 431 (deve atender-se ao valor real da quota do sócio no património social e não ao mero valor contabilístico, que pode não corresponder ao valor real); Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2ª ed., 245 (o valor deve corresponder à proporção – à quota parte – do sócio, no valor real da sociedade, valor que não se confunde com o chamado valor de balanço); Tiago Soares da Fonseca, Ob. Cit., 345 (a avaliação deve ser feita segundo o valor que a participação representa no património social efectivo e não segundo o valor que lhe é imputado contabilisticamente); Cura Mariano, Direito de exoneração dos Sócios, 137 (os bens patrimoniais da sociedade devem ser considerados pelo seu valor efectivo e não pelo valor que consta da contabilidade); P. Videira Henriques, A Desvinculação Unilateral Ad Nutum nos Contratos Civis de Sociedade e de Mandato, 86 (objecto da avaliação é o património social efectivo e não o valor que lhe é imputado na contabilidade e, designadamente, no balanço); J. Espírito Santo, Exoneração de Sócios no Direito Societário Mercantil Português, 203 (o critério legal é o do valor real; a avaliação tem por objecto o património efectivo da sociedade, sendo indiferente para tal efeito o valor pelo qual o mesmo se encontra contabilizado (valor contabilístico), que pode, ou não, corresponder ao valor real); Ana I. Batista dos Santos, Ob. Cit., 12 (os registos contabilísticos podem ser significativamente diferentes  do justo valor e existem activos intangíveis que não constam do balanço).
[15] Cf. Acórdão do STJ de 07.10.1997, CJ STJ V, 3, 52 (a quota deve corresponder, tanto quanto possível, ao valor real do quinhão do sócio na sociedade); Acórdão da Relação do Porto de 25.10.2005 (P. 0422142), em www.dgsi.pt (o que está em causa na liquidação é o valor real da quota de sócio na participação social).
[16] Ob. Cit., 24.
[17] Evaristo Mendes, Ob. Cit., 30.
[18] Cf. Ferrer Correia, Lições cit., 202, 203 e 230.
[19] Coutinho de Abreu, Da Empresarialidade, 45.
[20] Tiago Soares da Fonseca, Ob. Cit., 341.
[21] Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil 467.
[22] Cujas custas poderiam, porventura mais correctamente, ser tributadas e imputadas autonomamente à recorrente.
[23] De repartição provisória igualitária das custas, o que pressupõe, porém, uma situação de absoluta incerteza quanto ao resultado da liquidação.