Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
390/09.0TBBAO.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: UNIÃO DE FACTO
ENCARGOS NORMAIS DA VIDA FAMILIAR
DISSOLUÇÃO
RESTITUIÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE - DIREITO DA FAMÍLIA / UNIÃO DE FACTO.
Doutrina:
- ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 3.ª edição, 1979, 335.
- ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª edição, 2004, 480 e ss..
- MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2.º, 2001, 45, 55.
- MENEZES LEITÃO, O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, 1996, 517, nota 68, e Direito das Obrigações, I, 3.ª edição, 2003, 425.
- PEREIRA COELHO, O Enriquecimento e o Dano, 2.ª reimpressão, 2003, 36; na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 145.º, 2015/2016, 115, 125.
- RODRIGUES BASTOS, Das Obrigações em Geral, II, 1972, 13.
- VAZ SERRA, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 108.º, 266.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 473.º, N.ºS 1 E 2, 474.º, 1273.º E SS. , 1311.º, 1325.º, 1340.º, N.º1, 1675.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17 DE JANEIRO DE 2002, PROCESSO N.º 01B4058, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 22 DE FEVEREIRO DE 2011, PROCESSO N.º 81/04.8TBVLF.C1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A contribuição monetária de um dos membros da união de facto, para a construção de uma casa e a aquisição de um veículo automóvel, não se enquadra no âmbito da satisfação dos encargos da vida familiar.

II - Com a dissolução da união de facto extingue-se a causa jurídica da contribuição monetária, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada.

III - A restituição opera, nomeadamente, por efeito do instituto do enriquecimento sem causa.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


                        AA instaurou, em 8 de setembro de 2009, na então Comarca de Baião (Instância Central de Penafiel, Secção Cível, Comarca do Porto Este), contra BB, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 124 079,12, acrescida de juros, a partir da citação, sobre a quantia de € 4 700,00, ou, subsidiariamente, a pagar-lhe metade da quantia gasta na construção, aquisição de bens (imóveis e móveis, incluindo veículo automóvel) e ainda a quantia de € 4 700,00, acrescida dos juros vencidos e vincendos.

Para tanto, alegou, em síntese, que viveu, em união de facto, com a R., desde maio de 1997 até março de 2008, da qual nasceu um filho; durante esse período sempre exerceu uma profissão remunerada, no ramo da construção civil, enquanto a R. se limitou cuidar das lides domésticas; foi o A. que, com o seu dinheiro, adquiriu todo o conjunto de bens utilizados por ambos, arrogando-se agora a R. a sua exclusiva proprietária, designadamente do veículo automóvel, marca Fiat, matrícula ...-...- LV, e de um depósito em conta bancária, no valor de € 4 700,00; com tal atitude, a R. incorreu numa situação de enriquecimento sem causa, prevista no art. 473.º do Código Civil.

Contestou a R., por impugnação, e concluindo pela improcedência da ação.

Replicou ainda o A., concluindo como na petição inicial.

Prosseguindo o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 31 de agosto de 2015, sentença, a julgar a ação totalmente improcedente.

Inconformado com a sentença, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Porto, que, por acórdão de 4 de fevereiro de 2016, dando parcial provimento ao recurso, condenou a Ré a restituir ao Autor o valor da casa referida em T), calculado com referência a princípios de março de 2008, com as dependências, obras e melhoramentos efetuados nela ou no seu logradouro e quintal, mencionados nos factos X) a AK), mas sem o terreno onde foi construída, bem como o valor do veículo referido em AAI), calculado com referência à mesma data, ambos os valores a liquidar, e com juros a partir da citação.


Inconformada, a Ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

a) Não está demonstrado o enriquecimento da Recorrente e, concomitantemente, o empobrecimento do Recorrido.

b) A união de facto é uma forma de estar em família, devendo entender-se que as despesas normais e correntes de quem vive, embora “informalmente”, a “plena comunhão de vida”, de que fala o art. 1577.º do CC, não é repetível, finda a relação, mediante a aplicação do regime do art. 476.º do CC.

c) Não está verificado o pressuposto da ausência de causa justificativa do enriquecimento.

d) As prestações efetuadas traduzem-se em formas de contribuição do Recorrido para a vida comum com a Recorrente.

e) Não se encontra ainda preenchido o pressuposto previsto no art. 474.º do CC, que exige que não haja outro meio de reação contra o enriquecimento.


Com a revista, a Recorrente pretende a sua absolvição do pedido.


Contra-alegou o A., no sentido da improcedência do recurso.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está em discussão a verificação do enriquecimento sem causa de um dos membros da união de facto dissolvida.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Pelas instâncias, foram dados como provados os seguintes factos:


1. O A. viveu com a R., desde os inícios de maio de 1997 até aos princípios de março de 2008, partilhando a mesma mesa e habitação, passeando, saindo juntos e auxiliando-se reciprocamente, no seu dia a dia, e relacionando-se afetiva e sexualmente.

2. Dessa união nasceu em 18 de dezembro de 1997, o filho de ambos, CC, que criaram e educaram.

3. Viveram como se fossem marido e mulher e, assim, sendo reconhecidos e tratados, principalmente pelas pessoas com quem mais se relacionavam.

4. Assim sucedeu ininterruptamente até que a R. abandonou a habitação que partilhavam.

5. Durante todo o tempo sempre o A. exerceu uma profissão remunerada, em regra a de ..., no ramo da construção civil.

6. Por escritura de justificação e compra e venda, de 22 janeiro de 1999, DD e EE declararam: “que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio rústico - FF- mato, com a área de 6300m2, sito no lugar de Tapados, freguesia de Valadares, concelho de Baião, (...) omisso na Conservatória do Registo Predial de Baião; inscrito na matriz respectiva em nome do justificante varão sob o artigo 5..., com o valor patrimonial de 852$00 e o atribuído de 1.100.000$00. Que, em data imprecisa de 1974, este prédio lhes foi doado, verbalmente, por GG e mulher, HH, (...) não tendo sido outorgada a respectiva escritura de doação, nem a podendo outorgar agora por terem falecido os doadores. Assim, não têm título suficiente da sua aquisição. Que, porém, há mais de 20 anos de forma pública, pacífica, contínua e de boa fé, ou seja, com o conhecimento de toda a gente, sem violência nem oposição de ninguém, reiterada e ininterruptamente, na convicção de não lesarem quaisquer direitos de outrem e ainda convencidos de serem titulares do respectivo direito de propriedade e assim o julgando as demais pessoas têm possuído aquele prédio roçando o mato, fazendo benfeitorias, pagando os impostos ao Estado; pelo que tendo em consideração as referidas características de tal posse o adquiriram por usucapião; estando, por isso, impossibilitados de comprovar a referida aquisição pelos meios extrajudiciais normais”.

7. Essas declarações foram confirmadas por II, JJ e KK.

8. Na mesma escritura, os outorgantes referidos em 6. declararam ainda que “pelo preço de 1.100.000$00, que já receberam, vendem à 3.a e ao 4.o outorgantes, em comum e partes iguais, o retro identificado prédio”, que a R. e LL declararam aceitar.

9. Na Conservatória do Registo Predial de Baião, encontra-se descrito, sob o n.º 98…/19990322, o prédio urbano, sito no lugar de ..., freguesia de Valadares, com a área de 6300 m2, sendo a coberta de 251 m2 e a descoberta de 6049 m2, composto de edifício de rés-do-chão e logradouro.

10. Pela apresentação n.º de 2, de 22/03/1999, foi registada a favor da R., LL e MM, a aquisição desse prédio, por compra a DD e EE.

11. Na Repartição de Finanças de Baião, encontra-se inscrito em nome da R. e de LL um prédio urbano, sito na freguesia de Valadares, com o artigo matricial 93... provisório.

12. No dia 29/12/1998, na Repartição de Finanças de Baião, foi emitido termo de declaração, do qual consta que LL, por si em como gestor de negócios da R., declarou “que pretende pagar a sisa que for devida com referência a 1.100.000$00, preço por que contratou comprar a DD e esposa EE (...), o seguinte: prédio rústico denominado Tapado..., também conhecido por Tapado do ... ou C..., sito nos limites do lugar de ..., sitio dos ..., freguesia de Valadares, deste concelho, inscrito na matriz sob o artigo 56... (...)”.

13. Na sequência dessa declaração foi liquidada a sisa, no valor de 88 000$00.

14. O Cartório cobrou, pela realização da escritura referida, o valor de 49 730$00.

15. O registo do prédio, a favor da R. e de LL, importou em   € 51,25.

16. O custo do projeto (que abrangeu também a casa/fração de LL) ascendeu a € 500,00.

17. No prédio referido em 6. foi construída, em 2001, uma casa de habitação de rés-do-chão, com garagem ao lado, com uma superfície coberta de 125,50 m2.

18. A licença camarária de construção dessa moradia importou em € 454,25.

19. Tal construção esteve a cargo do empreiteiro NN, com domicílio no lugar de ..., freguesia de Santa Marinha do Zêzere, Baião.

20. E o seu custo ascendeu a 10 900 000$00.

21. Em meados de 2007, foi colocada no prédio referido em 17. uma marquise, em alumínio, e um portão, em ferro, cujo custo ascendeu a € 3 660,00.

22. Desde 1998 foram efetuadas, no mesmo prédio, obras e melhoramentos no logradouro e quintal, nomeadamente, por volta de 2002, uma segunda garagem, com a área aproximada de 28 m2, de um só pavimento, cimentado e “afagado” no chão e coberto por uma placa em cimento, com as paredes em blocos de cimento, areadas e pintadas exteriormente e com portas de ferro, no valor calculado, a preços atuais, em € 6 000,00;

23. ...e a edificação de uma “cozinha de lenha”, de rés-do-chão, com cerca de 28 m2, com uma porta e uma janela, em alumínio, em placa e paredes em blocos de cimento, areadas e pintadas, de ambos os lados e no interior, junto à banca da louça e do fogão, bem assim como no pavimento, ainda revestidos a azulejo e tijoleira;

24. ...e o levantamento de um armazém agrícola, com um lagar, com uma parede, em blocos de cimento, e as restantes, tal como a sua cobertura, em chapas de zinco, onduladas;

25. ...e a construção, em 2004, no prolongamento da garagem e da cozinha referidas em 22. e 23., de uma casa de banho exterior, com placa em cimento e paredes em tijolo, areadas e pintadas no exterior e revestidas a tijoleira no interior e chãos, com poliban e acessórios;

26. ...e o levantamento de um muro de suporte, em betão, com as dimensões aproximadas de 27 metros de comprimento, 1,50 metros de altura e 0,40 metros de largura;

27. ...e a edificação de um outro muro, com cerca de 20 metros de comprimento, 1,5 metros de altura e 0,40 metros de largura, também em betão;

28. ...e a abertura, em agosto de 2005, de um furo artesiano vertical, com a colocação de eletrobomba, no valor de € 2400,00;

29. ...e a concretização de um segundo furo artesiano, em novembro de 2005, e respetiva eletrobomba, no valor de € 2 295,00;

30. ...e a terraplanagem, em dezembro de 1998, de mais de 2 200 m2 de terreno;

31. ...e a execução de quatro ramadas em bancas de cimento, ligadas por cinco fiadas de arame e a plantação das respetivas videiras (mais de 100);

32. ...e a feitura de uma vinha de onze bardos, cada um com seis metros de comprimento, três pilares de cimento e três fios de arame e respetivas videiras, no valor de € 500,00;

33. …e a comparticipação com LL, na construção de uma calçada, em paralelo, de acesso às casas, com as dimensões aproximadas de 4,5 metros de largura e o comprimento de 30 metros, no valor de € 1000,00;

34. ...e a construção de um tanque, em blocos de cimento, isolado e areado, com cerca de 4 metros de comprimento, 3 metros de largura e 1 metro de altura.

35. Na casa que A. e R. habitaram existiam os seguintes bens: uma mobília de sala comum, composta de um sofá cama e dois sofás individuais, em tecido, uma mesa de centro, oito cadeiras, um móvel de sala, uma arca, um móvel em forma de globo, tudo em madeira, no valor global de € 1 500,00.

36. Um candelabro de teto, um relógio de sala (de pé), um aparelho de música e uma estatueta em barro, tudo no valor de € 1 250,00.

37. Uma mobília de cozinha, feita por “Móveis ...”, constituída por um móvel de parede em forma de “L”, com o comprimento aproximado de 5 metros, a altura de 0,90 metros e a largura de 0,50 metros, em madeira de castanho;

38. ...um balcão, com a mesma forma e dimensão, em madeira de castanho, com tampo em granito;

39. ...um móvel, em madeira de castanho, com 1 metro de comprimento, 0,90 metros de altura e 0,50 metros de largura, com tampo em granito;

40. ... e uma mesa com o tamanho de 1,90 metros de comprimento por 0,80 metros de largura, em madeira de castanho e com tampo em granito.

41. Oito cadeirões em madeira de castanho, com almofada em pele, no valor de  € 1000,00, pagos integralmente com dinheiro do A.

42. Um frigorífico (combinado), um fogão (placa), uma televisão a cores, uma banca de lavar louça, em inox, um exaustor e um esquentador inteligente, no valor total de € 1 750,00.

43. Dois tachos e uma panela em ferro fundido e outra louça e cutelaria diversa, um microondas, três garrafas de gás, no valor de € 1 000,00.

44. Uma mobília de cozinha (lenha), composta de uma mesa com a estrutura em ferro e tampo em madeira, com o comprimento de 2,5 metros e a largura de 0,80 metros, e com dois bancos, em madeira, do mesmo comprimento;

45. ... outra mesa, circular, em fórmica branca com quatro cadeiras, no mesmo material, tudo no valor de € 500,00;

46. ... um móvel de parede e um balcão, em fórmica branca, no valor de € 250,00;

47. ...um fogão a gás, de cinco bocas, uma televisão a cores, uma máquina de lavar louça e uma banca de lavar louça em inox.

48. Uma mobília de quarto composta de cama de casal, duas mesinhas de cabeceira, uma cómoda, uma cadeira almofadada em tecido, um roupeiro, dois candeeiros de mesa e um de teto, uma televisão a cores, um aparelho de música e um vídeo, tudo no valor de € 2 100,00.

49. O aparelho de música e o vídeo foram adquiridos, exclusivamente, com dinheiro do A.

50. Uma mobília de quarto de casal constituída por uma cama, duas mesinhas de cabeceira, um guarda-fatos, uma cadeira, dois candeeiros de mesa e outro de teto e uma televisão a cores, tudo importando em € 1 200,00, adquiridos exclusivamente com dinheiro do A.

51. Uma outra mobília de quarto composta, pelo menos, por uma cama, uma secretária e uma televisão a cores.

52. Um computador, respetivo monitor e impressora e dois candeeiros, no montante total de € 500,00.

53. Uma máquina de costura elétrica e outra de lavar roupa, esta instalada na casa de banho exterior, no valor de € 600,00.

54. Uma garrafeira para 108 garrafões, em estrutura de ferro, e outra para 300 garrafas em inox.

55. Duas cubas em inox, com a capacidade de 550 litros cada, no valor de € 650,00.

56. Um ralador de uvas elétrico, uma prensa para espremer uvas, várias enxadas e outras alfaias agrícolas, na importância global de € 500,00.

57. O veículo, matrícula ...-...- LV, marca Fiat, modelo Punto, foi, pela apresentação n.º 000..., de 08/03/2001, registado a favor da R.

58. Esse veículo foi adquirido pelo preço de € 6000,00.

59. À data em que A. e R. se separaram, esta era titular única de uma conta bancária na agência de ... da Caixa Geral de Depósitos.

60. O preço declarado na escritura referida em 6. e 8. foi pago por OO e PP que, com tal ato, pretenderam transmitir, gratuitamente e por mera liberalidade tal prédio, pelo menos, à R. e a LL.

61. Antes de viverem juntos, a R. não dispunha de recursos económicos.

62. Durante o tempo em que viveram juntos, a R. não auferiu qualquer rendimento durante os anos de 1999, 2000 e 2002.

63. Durante 1997 auferiu o montante de € 1 979,73, do Município de ..., acrescido de € 525,48 da Caixa Geral de Aposentações (CGA).

64. Durante 1998 auferiu o montante de € 1072,42, de QQ, acrescido de € 546,43 da CGA.

65. Durante 2001 auferiu o montante de € 4 014,03, do Município de ....

66. Durante 2003 auferiu o montante de € 940,00, de RR & Filhas, Lda., e € 676,48 da CGA.

67. Durante 2004 auferiu o montante de € 703,50 da CGA.

68. Durante 2005 auferiu o montante de € 703,506 da CGA.

69. Durante 2006 auferiu o montante de € 736,96 da CGA.

70. Durante 2007 auferiu o montante de € 736,96 da CGA.

71. Durante 2008 auferiu o montante de € 3 210,45, da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da …, e € 773,50 da CGA

72. A R. 1imitou-se a cuidar das lides domésticas durante os anos de 1999, 2000 e 2002, e cuidando das lides domésticas durante os anos de 1998, 2001, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, durante 1997 desde o mês de maio e até princípio de março de 2008.

73. Foi o A. quem proveu ao sustento e pagamento de todas as despesas do seu agregado familiar, durante os anos de 1999, 2000 e 2002, e de todas as despesas do agregado familiar superiores a € 220,00, por mês, desde maio até ao final de 1997, a € 92,00, por mês, durante todo o ano de 1998, a € 342,00, por mês, durante todo o ano de 2001, a €142,00, por mês, durante todo o ano de 2003, a € 67,00, por mês, durante os anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, e a € 400,00, nos meses de janeiro e fevereiro de 2008, usando o dinheiro que recebia do trabalho.

74. Foi o A. quem pagou a metade dos valores referidos em 13., 14., 15. e 18., que cabia à R.

75. Foi o A. quem pagou, com dinheiro seu, o custo do projeto referido em 16.

76. O preço da construção da moradia referida em 20. foi integralmente pago com dinheiro do A.

77. Foi o A. quem liquidou, com o seu dinheiro, o custo da marquise referida em 21.

78. Foi o A. quem liquidou, com o seu dinheiro, o custo da construção da garagem referido em 22.

79. A edificação da cozinha referida em 23. importou em € 4 700,00 e foi integralmente paga com dinheiro do A.

80. O levantamento do armazém agrícola aludido em 24. ascendeu a € 6 400,00 e foi integralmente pago com dinheiro do A.

81. A construção da casa de banho referida em 25. importou em € 1 650,00 e foi integralmente paga com dinheiro do A.

82. O levantamento do muro de suporte aludido em 26. ascendeu a € 760,00 e foi integralmente suportado com dinheiro do A.

83. A edificação do muro mencionado em 27. importou em € 280,00 e foi integralmente paga com dinheiro do A.

84. O custo da abertura do furo artesiano referido em 28. foi integralmente suportado com dinheiro do A.

85. O valor despendido com a concretização do furo artesiano aludido em 29. foi exclusivamente com dinheiro do A.

86. O custo da terraplanagem a que se alude em 30. foi de € 950,00, que apenas o A. desembolsou.

87. O preço da feitura da vinha, mencionado em 32., foi integralmente custeado com dinheiro do A.

88. A comparticipação na calçada, a que se alude em 33., foi paga, em exclusivo, com dinheiro do A.

89. A construção do tanque referido em 34. importou em € 450,00, que o A. pagou com dinheiro seu.

90. Foi o A. quem adquiriu, com dinheiro seu, os móveis descritos em 35. e 36.

91. O móvel de parede aludido em 37. tem o valor de € 875,00.

92. O balcão referido em 38. tem o valor de € 975,00.

93. O móvel aludido em 39. tem o valor de € 190,00.

94. Foi o A. quem adquiriu, com dinheiro seu, os bens referidos em 37., 38., 39., 42. a 46.

95. Os bens referidos em 47. têm o valor de € 920,00 e foram adquiridos exclusivamente com dinheiro do A.

96. ...o mesmo sucedendo com os bens descritos em 48., excecionando o aparelho de música e o vídeo.

97. A mobília referida em 51. é composta, ainda, de duas mesinhas de cabeceira, um guarda-fatos, uma cómoda, uma arca, uma cadeira, que, juntamente com os demais elementos referidos em 51., totalizam € 1 300,00.

98. Foi o A. quem adquiriu, com dinheiro seu, os bens referidos em 51., 52. e 96.

99. A garrafeira a que se alude em 54. tem o valor de € 100,00.

100. Os bens descritos em 56. e o referido veículo foram pagos, exclusivamente, com dinheiro do A.

101. O A. transmitiu gratuitamente à filha da R., por mera liberalidade, o computador e a secretária aludidos em 51. e 52.

102. O A. ofereceu à R., como presente de aniversário, a máquina de costura elétrica referida em 53.



***



2.2. Delimitada a matéria de facto, expurgada de redundâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, e que respeita à questão do enriquecimento sem causa, nomeadamente no âmbito da união de facto dissolvida.

O acórdão recorrido, divergindo da sentença, que foi absolutória, concluiu pela verificação da situação de enriquecimento sem causa, condenando, por isso, a Recorrente a restituir ao Recorrido o correspondente valor.

A Recorrente, porém, insurgiu-se contra tal veredicto, argumentando essencialmente que não se encontra preenchido qualquer um dos requisitos do enriquecimento sem causa e, por consequência, pugnando pela sua absolvição do pedido formulado na ação.


A ação instaurada, na verdade, teve por fundamento o enriquecimento sem causa, resultante da dissolução da relação de união de facto.

O art. 473.º do Código Civil (CC), aproveitando o reconhecimento feito pela jurisprudência, consagrou como fonte autónoma de obrigações, o enriquecimento sem causa, o enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia. A obrigação de restituir aquilo que se adquiriu sem causa corresponde a uma necessidade moral e social, com vista ao restabelecimento do equilíbrio injustamente quebrado entre patrimónios e que, de outro modo, não era possível obter-se (RODRIGUES BASTOS, Das Obrigações em Geral, II, 1972, pág. 13, e MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2.º, 2001, pág. 45). Por isso, se atribui à ação de enriquecimento sem causa o fim de remover o enriquecimento do património do enriquecido, transferindo-o ou deslocando-o para o património do empobrecido (PEREIRA COELHO, O Enriquecimento e o Dano, 2.ª reimpressão, 2003, pág. 36).

A obrigação de restituir, fundada no enriquecimento injusto, pressupõe, nos termos do disposto no art. 473.º, n.º 1, do CC, a verificação cumulativa de três requisitos: o enriquecimento de alguém, o enriquecimento sem causa justificativa e ter sido obtido à custa de quem requer a restituição (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª edição, 2004, págs. 480 e segs.).

Destes requisitos o que levanta mais dificuldades é, sem dúvida, o segundo, sendo certo que a lei não chegou a definir a causa do enriquecimento, embora tenha estabelecido um certo critério de orientação, nomeadamente no n.º 2 do art. 473.º do CC, prescrevendo que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.

A causa do enriquecimento pode resultar do fim imediato da prestação e do fim típico do negócio. Por isso, se a obrigação não existiu ou se o fim do negócio falhou, deixou de haver causa para a prestação e a obrigação resultante do negócio. Por outro lado, carece também de causa a deslocação patrimonial, sempre que a ordenação substancial dos bens aprovada pelo direito a atribua a outro, isto é, que seja substancialmente ilegítima ou injusta (ANUNES VARELA, ibidem, pág. 487, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 3.ª edição, 1979, pág. 335, e MENEZES CORDEIRO, ibidem, pág. 55).

A falta de causa justificativa pode decorrer da circunstância de nunca ter existido ou, tendo existido, entretanto, se ter perdido.

Esta situação, do desaparecimento posterior da causa, corresponde à tradicional condictio ob causam finitam, tipificada no n.º 2 do art. 473.º do CC, que se caracteriza por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que, entretanto, deixou de existir.

Acresce ainda que o enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária (art. 474.º do CC), de modo a poder ser só invocado quando a lei não faculta ao empobrecido qualquer outro meio de compensação ou restituição.


Desenhado sumariamente o quadro normativo que mais interessa à compreensão do caso vertente, impõe-se o confronto com as circunstâncias concretas dos autos, de modo a verificar da existência, ou não, da situação de enriquecimento sem causa e, como tal, justificativa da obrigação de restituir.

Assim, resulta dos autos que a Recorrente e o Recorrido viveram em união de facto, desde maio de 1997 até março de 2008, da qual nasceu um filho em 1997. A união de facto ficou, assim, dissolvida em março de 2008, originando a “liquidação e “partilha” dos interesses patrimoniais” dos membros da união de facto, como a denomina a doutrina (PEREIRA COELHO, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 145.º, 2015/2016, pág. 115).

Durante a união de facto, nomeadamente em 2001, foi construída uma moradia em prédio pertencente à Recorrente, do qual é comproprietária com terceiro, e cujo custo, no valor de 10 900 000$00, foi suportado, na íntegra, pelo Recorrido. Para além disso, na mesma moradia, foram ainda realizadas diversas benfeitorias (21. a 34.), também custeadas, em exclusivo, pelo Recorrido.

Por outro lado, ainda em 2001, foi adquirido o veículo automóvel, marca Fiat, matrícula ...-...- LV, pelo preço de € 6 000,00, pago exclusivamente pelo Recorrido, e que foi registado a favor da Recorrente.

Foi apenas quanto a estes bens que a Relação entendeu verificar-se o enriquecimento sem causa e, em consequência, condenou a Recorrente a restituir ao Recorrido o correspondente valor, reportado a princípios de março de 2008, data da dissolução da união de facto.


Efetivamente, dissolvida a união de facto, que vigorou por dez anos, a Recorrente ficou, exclusivamente para si, com a moradia (construída), as benfeitorias e o veículo automóvel, integralmente pagos com o dinheiro do Recorrido. Deste modo, com a dissolução da união de facto, a Recorrente obteve um claro favorecimento patrimonial, enquanto o Recorrido, inversamente, ficou prejudicado na mesma proporção.

A contribuição monetária do Recorrido não pode ser enquadrada em qualquer dos deveres, designadamente de assistência, que, à semelhança dos cônjuges (art. 1675.º do CC), podem vincular, de facto, também os membros da união de facto, por ser estranha aos encargos do quotidiano da vida familiar (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 2002, acessível em www.dgsi.pt – Processo n.º 01B4058). Por isso, não é possível atribuir-lhe essa causa.

Contudo, a relação familiar estabelecida a partir da união de facto não é alheia. Com efeito, tal contribuição monetária destinou-se à construção da habitação e sua melhoria, bem como à aquisição de um veículo automóvel, naturalmente, para a fruição dos membros da união de facto.

Nestas circunstâncias, pode afirmar-se que a união de facto constituiu a causa jurídica da contribuição monetária realizada pelo Recorrido.

Assim, acompanhando o entendimento do referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, se não é aceitável que, ao abrigo de qualquer dos deveres recíprocos dos membros da união de facto, designadamente de assistência, um dos membros possa exigir do outro apoio para a construção de casa própria, ainda que destinada à morada de família, e à aquisição de veículo automóvel, já não custa aceitar que a contribuição voluntária do membro da união de facto, em tais circunstâncias, mesmo sem espírito de liberalidade, não deva ser, em princípio, objeto de repetição. Na verdade, as cedências e renúncias, que a harmonia da união de facto também exige, podem conduzir a uma tal solução de equilíbrio, designadamente na escolha em conjunto da residência da família, nomeadamente vir a ser instalada na casa de um dos membros da união de facto, embora construída e melhorada com o dinheiro proveniente da contribuição voluntária do outro.

Pode, assim, afirmar-se que a contribuição monetária do Recorrido, para a construção e melhoria da moradia da Recorrente, assim como para a aquisição do veículo automóvel, teve uma causa jurídica, constituída pelo modo como, em concreto, e em conjunto, escolherem a residência da família e um meio de mobilidade.


No entanto, com a dissolução da união de facto, extinguiu-se a causa jurídica da referida contribuição monetária, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada para a construção e valorização da habitação e a aquisição do veículo automóvel, propriedade exclusiva da Recorrente.

Trata-se, com efeito, do superveniente desaparecimento da causa da deslocação patrimonial, que representou tal contribuição monetária, correspondente à conditio ob causam finitam consagrada no n.º 2 do art. 473.º do CC.

Ocorreu, assim, uma clara situação de enriquecimento sem causa, por parte da Recorrente, ficando esta sujeita, por isso, à obrigação de restituir.

À mesma conclusão, para caso com a mesma afinidade, chega a doutrina (MENEZES LEITÃO, O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, 1996, pág. 517, e Direito das Obrigações, I, 3.ª edição, 2003, pág. 425, e PEREIRA COELHO, ibidem, pág. 125). No mesmo sentido, pode ainda citar-se, na jurisprudência, designadamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2011, acessível em www.dgsi.pt (Processo n.º 81/04.8TBVLF.C1.S1).

A dissolução da união de facto constitui apenas o facto que consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial, fundamentando a restituição, sem que do mesmo possa resultar qualquer outro tipo de consequências, nomeadamente no sentido de neutralizar o efeito da obrigação de restituir.


Por outro lado, o regime da restituição das benfeitorias, previsto nos arts. 1273.º e segs. do CC,  não pode ser aplicável, na medida em que não existe qualquer relação ou vínculo jurídico do Recorrido para com o prédio e o veículo automóvel, ambos propriedade da Recorrente, como sucede, por exemplo, nos casos de posse, arrendamento ou comodato.

Na verdade, o regime das benfeitorias, que se traduzem no melhoramento da coisa, pressupõe do seu autor uma ligação à coisa, nomeadamente em consequência de uma relação ou vínculo jurídico (VAZ SERRA, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 108.º, pág. 266, e MENEZES LEITÃO, O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, 1996, pág. 517, nota 68).

Por sua vez, o regime da acessão industrial imobiliária, igualmente mencionado pela Recorrente, também não poderia aproveitar ao Recorrido, na medida em que este não é o proprietário da construção, condição indispensável para a acessão industrial, como decorre do disposto nos arts. 1325.º e 1340.º, n.º 1, ambos do CC.

Não procede, igualmente, a alegação de que o Recorrido poderia ainda socorrer-se da ação de reivindicação. Com efeito, aquele não pôs em causa o direito de propriedade da Recorrente, tanto sobre a moradia como também sobre o veículo automóvel, tendo vindo a exigir apenas a compensação pelo custo de tais bens, integralmente suportado pelo Recorrido. Não podendo, assim, exigir o reconhecimento do direito de propriedade, não seria possível obter a restituição de tais bens mediante a ação de reivindicação (art. 1311.º do CC). 

Deste modo, não ficando prejudicada a natureza subsidiária da obrigação de restituir, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, não existe violação do disposto no art. 474.º do CC.


Tipificando, pois, os autos uma manifesta situação de enriquecimento sem causa, nomeadamente quanto à construção da casa e à aquisição do veículo automóvel, está a Recorrente obrigada a restituir ao Recorrido o valor com que injustamente se locupletou, de forma a compensá-lo, tal como se decidiu no acórdão recorrido, em conformidade com o direito aplicável.


Consequentemente, conclui-se pela negação da revista.


2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. A contribuição monetária de um dos membros da união de facto, para a construção de uma casa e a aquisição de um veículo automóvel, não se enquadra no âmbito da satisfação dos encargos da vida familiar.

II. Com a dissolução da união de facto extingue-se a causa jurídica da contribuição monetária, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada.

III. A restituição opera, nomeadamente, por efeito do instituto do enriquecimento sem causa.


2.4. A Recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC, sendo, no entanto, inexigível tal pagamento, por efeito do benefício do apoio judiciário de que goza.

À sua Patrona são devidos os honorários previstos na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista.

2) Condenar a Recorrente (Ré) no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

3) Atribuir à Patrona da Recorrente os honorários fixados na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro.


Lisboa, 3 de novembro de 2016


Olindo Geraldes (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova