Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
208/16.7T8GRD.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ASSOCIAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS / PESSOAS COLECTIVAS / ASSOCIAÇÕES / FUNDAÇÕES / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PARTES / PERSONALIDADE E CAPACIDADE JURÍDICA – PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR DOCUMENTOS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PRESCRIÇÃO E PROVA.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3.ª Edição, Almedina, p. 203-204;
-António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil. Parte IV, Parte Geral, Pessoas, 4.ª Edição, Almedina, p. 779-881;
-Antunes Varela, RLJ, Ano 115, n.º 3696, p. 95 e 96;
-Elizabeth Fernandes, A Prova difícil ou impossível, a tutela judicial efetiva no dilema entrea previsibilidade e a proporcionalidade, Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, p. 824 e 825;
-Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo, 9.ª Edição, Almedina, p. 2014-2016;
-Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 200;
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, p. 247;
-Vaz Serra, Provas, Direito Probatório Material, BMJ, 110 a 112.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-1989, IN BMJ, 386.º, P. 446;
-DE 18-01-2005, PROCESSO N.º 3689/04, SUMÁRIOS, JAN./2005;
- DE 31/05/2005, PROCESSO N.º 05B1094, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-09-2012, PROCESSO N.º 174/08.2TTVFX.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Os documentos devem ser apresentados com os articulados ou, no máximo, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.

II - Após este limite temporal só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até então, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

III - Depois do encerramento da discussão e em caso de recurso, a junção de documentos apenas é admitida com as alegações e exclusivamente daqueles cuja apresentação não tinha sido possível até àquele momento ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.

IV – Tendo o A. invocado na petição e no requerimento de intervenção provocada que a associação R. tinha sido dissolvida, liquidada e os bens partilhados, não é admissível em sede de recurso e após as contra-alegações a pretendida junção de documento destinado a provar aqueles factos.

V - Tendo o A. invocado na petição que a associação R. tinha sido dissolvida, liquidada e os bens partilhados e tendo o R. associado contestado alegando ser o fundo comum a responder pelos créditos invocados por estar em curso a liquidação da associação e pedindo a sua consequente absolvição, é sobre o R. associado que impende o ónus de provar a existência do fundo comum, por constituir matéria impeditiva do direito que o A. pretendeu fazer valer contra si.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA e outra instauraram a presente ação declarativa na forma comum emergente de contrato de trabalho contra o MUNICÍPIO BB, CC e DD, pedindo o A. que se reconheça que na sequência da cessação do contrato de trabalho tem, solidariamente, sobre os RR. um direito de crédito no montante global de € 50.223,33, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da cessação do contrato de trabalho até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento alegou que foi trabalhador subordinado da R. Agência para a Promoção BB, entretanto dissolvida e de que os demais RR. eram os associados, sendo que do contrato de trabalho e da sua cessação emergiram para si os créditos laborais que peticiona, decorrentes de férias não gozadas, de subsídios de férias e de Natal e da compensação pela cessação do contrato de trabalho.

Apenas o R. Município BB contestou excecionando a sua ilegitimidade, bem como a da ré Agência para a Promoção BB, pois que não estando terminada a liquidação desta associação os demais RR. ainda não lhe sucederam nos respetivos direitos e responsabilidades.

Impugnou ainda a generalidade dos factos aduzidos pelo A. e peticionou a absolvição dos RR. da instância ou do pedido.

Saneado o processo e fixados os temas de prova, foi realizada a audiência de julgamento e proferida a sentença com o seguinte dispositivo:

“Na parcial procedência das acções, condenar a ré «Agência para a Promoção BB», a título principal, e os réus «Município BB» e «CC», por via subsidiária, em caso de falta ou insuficiência do fundo comum daquela, a pagar ao[…] autor[…]:

i. AA, as seguintes quantias:

a. € 44.248,53 (quarenta e quatro mil duzentos e quarenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral e efectivo vencimento;

b. Aquela que se vier a apurar em incidente de liquidação, respeitante aos 20 (vinte) dias de férias não gozadas, tendo como limite máximo o montante de € 2.074,80 (dois mil e setenta e quatro euros e oitenta cêntimos).

[…]”

Inconformado, o R. Município BB apelou tendo o A. contra-alegado.

Já na Relação o recorrido requereu a junção de um documento para prova da liquidação e partilha dos bens da R. Agência para a Promoção BB, argumentando que só então tivera conhecimento daquele facto.

A recorrente opôs-se à junção do documento.

Conhecendo da apelação e da requerida junção do documento, que indeferiu, proferiu a Relação a seguinte deliberação:

«Termos em que se delibera:

a) Julgar a apelação procedente em relação ao recorrente, revogando-se a decisão apelada e absolvendo-se o recorrente da condenação que nela lhe foi imposta.

b) Ordenar o desentranhamento e entrega ao apresentante dos documentos de fls 132 a 142.»

Desta deliberação recorre agora o A. de revista para este Supremo Tribunal impetrando a revogação do acórdão e a repristinação da sentença da 1ª instância.

O Município BB contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Recebido o recurso e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da procedência da revista no que tange à admissibilidade da junção do documento, mas a sua negação quanto ao mais.

Notificadas, as partes não responderam.

Formulou o recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

A) O A foi trabalhador da DD até à extinção da mesma e, na sequência da sua extinção, o aqui A. (e a autora no Processo n°209/16.5T8GRD) viu cessar o seu contrato de trabalho, por caducidade, o que lhes confere o direito a legal compensação e aos créditos laborais reconhecidos pela sentença de primeira instância e não questionados pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

B) Com base no disposto no artigo 198°, nº 1 e 2 do C. Civil, o Tribunal de primeira instância decidiu pela responsabilidade subsidiária (e não solidária, como peticionado) das rés, em caso de falta ou insuficiência do fundo comum da DD.

C) Tendo decidido, condenar a ré «DD», a título principal, e os réus «Município BB» e «CC», por via subsidiária, em caso de falta ou insuficiência do fundo comum daquela, a pagar aos autores as quantias devidas e melhor quantificadas em tal sentença.

D) A questão da existência ou não do alegado Fundo Comum nunca foi suscitada ao longo do Processo e o réu Município BB nunca alegou a existência de qualquer fundo comum. Tal questão, como consta da sentença (fundamentação de direito) foi suscitada pelo Ilustre Mandatário do réu apenas em sede de alegações finais e, depois, em sede de recurso.

E) Entende o Acórdão recorrido que o ónus da existência, ou não, do fundo comum pertenceria ao autor. Ora, por se discordar deste entendimento, se apresenta o presente recurso de revista, requerendo a revogação do Acórdão e a manutenção da sentença de primeira instância.

F) Com efeito, o ónus da prova da existência ou não do Fundo Comum nunca pode recair sobre o autor, dado que, a existir Fundo Comum, apenas as RR. o poderiam provar, juntando o respectivo processo de liquidação da Agência para a Promoção BB, o que, apesar de requerido pelo autor e ordenado por despacho judicial, não teve lugar (ver alínea B) do requerimento de prova apresentado pelo A. na Petição Inicial). Por isso, o ónus da prova recairia sempre sobre o R, Município BB, nos termos do disposto no artigo 344º nº 2 do CC.

G) Acresce que quem invocou a existência de um Fundo Comum foi a Ré, Município BB, o que nos termos do citado 342º, nº 1 e 2 do CC, faria incorrer sobre si o ónus da prova.

H) Apenas quando a prova não for possível ou se tornar muito difícil aquele que, segundo as regras do artigo 342º, nº 1 do C. Civil, teria de a fazer, o ónus da prova deixa de impender sobre ele, passando a recair sobre a outra parte.

I) Apesar de o Meritíssimo juiz de primeira instância ter ordenado a junção aos autos do processo de dissolução e liquidação da Agência para a Promoção BB, apenas foi junto aos autos a acta com a deliberação da dissolução, não tendo sido acompanhada do anexo, com a partilha/liquidação dos bens entre as duas Rés e associadas da mesma.

J) Tal anexo apenas veio ao conhecimento do recorrente /autor, conforme alegou, em 26/05/2017, junto dos serviços da Ré, CC, após ter sido solicitado o pagamento dos valores devidos, pela co-autora, EE, na sequência do decidido pelo Venerando Tribunal da Relação.

K) Ao contrário do que entendeu o Acórdão recorrido, ao autor não era possível juntar tal documento, cuja existência desconhecia, não lhe podendo ser exigível apresentar o mesmo em data anterior.

L) Com efeito, por despacho judicial (despacho de 17/03/2016, sob a ref.a 24015299) foi ordenada a junção da ata que contém a deliberação de dissolução da mencionada Agência e os liquidatários remeteram tal ata aos autos (requerimento de 30/03/2016, sob a ref.a 560974). Porém, não remeteram tal documento completo, não tendo junto os documentos que chegaram ao conhecimento do autor em 26/05/2017 e que deveriam acompanhar a referida ata, junta em cumprimento do despacho judicial.

M) O Acórdão recorrido deve ser revogado neste particular dado que a requerida junção de documentos se conforma com os ditames do artigo 651º do C. P. Civil.

N) O Acórdão recorrido deve ser revogado, mantendo-se a sentença proferida pela primeira instância e, perante a inexistência de Fundo Comum e a não prova do mesmo (por quem lhe aludiu e o invocou), deve ser decretada a responsabilidade de ambas as Rés.

O) Concluindo-se que o acórdão recorrido não se conforma com as normas dos artigos 198º, 342º, 344º do Código Civil, 423º, 425º, e 651º do CPC, com o artigo 3º do Código do Trabalho e artigos 72º e 74º do Código do Processo do Trabalho.”

Por seu turno o recorrido formulou nas contra-alegações as seguintes conclusões:

“A) O presente recurso de revista deve ser rejeitado já que o recorrente não alega, nem invoca, para interposição do mesmo, nenhuma das circunstâncias previstas nos artºs 671º e/ou 672º C.P.C, que comportem o presente recurso de revista, sendo certo que, in casu, não estão verificados, os requisitos que, legalmente, poderiam conduzir à admissão do mesmo.

B) Consequentemente, deve o presente recurso ser rejeitado, mantendo-se a douta Decisão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

C) O douto Acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura, pelo que, mostrando-se o mesmo totalmente conforme ao Direito e não incorrendo em violação de quaisquer princípios ou normas legais deve ser confirmado, com a consequente absolvição, do Município BB, das condenações impostas pela Decisão de 1ª instância…”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a ação comum instaurada em 5.02.2016.

- O acórdão recorrido foi proferido em 12.07.2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (diploma a que se reportação todos os preceitos invocados sem indicação de outra fonte);

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de outubro, entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 - Se deveria ter sido admitida a junção do documento requerida pelo A. ao Tribunal da Relação após apresentação das contra-alegações;

2 – Sobre quem recaía o ónus da prova da existência do fundo comum da R. Agência para a Promoção BB.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

“1. Em 10 de Janeiro de 2007, entre os réus «Município BB» e «CC» foi constituída, por escritura pública, a associação denominada «DD», pessoa colectiva nº …, que se passou a reger pelas cláusulas constantes dos respectivos estatutos.

2. Em 1 de Fevereiro de 2007, os autores foram admitidos ao serviço da ré «DD», sendo o autor para exercer funções de director executivo e a autora as funções de secretária geral.

3. Auferindo o autor uma retribuição mensal ilíquida de € 2 418,00 e a autora de € 806,00, em ambos os casos acrescida da quantia diária de € 6,05, a título de subsídio de alimentação.

4. Os contratos de trabalho foram celebrados pelo período de 18 meses, com início em 1 de Fevereiro de 2007 e termo em 31 de Julho de 2008, renováveis por iguais períodos de tempo.

5. Na reunião nº 8 da ré «DD», que teve lugar em 25 de Novembro de 2008, da qual foi lavrada ata, foi deliberado que o salário base do autor, a partir de 1 de Janeiro de 2009, passaria a ser de € 3 900,00, passando o salário base da autora a ser de € 1 307,25.

6. Os autores mantiveram-se ininterruptamente ao serviço da ré «DD» até ao dia 31 de Março de 2015.

7. Por comunicação datada de 9 de Março de 2015, recepcionada em 10 de Março de 2015, os autores foram informados que a Assembleia-geral extraordinária da ré «DD», reunida em 27 de Fevereiro de 2015, havia deliberado a dissolução imediata da referida associação e que, em virtude de tal deliberação, os contratos de trabalho outorgados com os autores, em 1 de Fevereiro de 2007, caducariam.

8. Mais foram informados que tinham sido nomeados liquidatários FF e GG.

9. Na reunião nº 33 da ré «DD», que teve lugar em 28 de Junho de 2013 e da qual foi lavrada ata, foi deliberado que os autores não haviam gozado dias de férias, sendo o autor num total de 65 dias e a autora num total de 20 dias, tendo-lhes sido reconhecido o respectivo direito.

10. Os autores não receberam o subsídio de férias referente às férias vencidas a 1 de Janeiro de 2015.

11. Os autores não receberam os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, relativamente ao tempo de serviço prestado no ano de 2015.

12. Após a reunião aludida em 3.1.9, os autores não gozaram as férias aludidas na deliberação.

13. Os autores também não gozaram as férias vencidas a 1 de Janeiro de 2015.”

4.2 – O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas, bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras([4]).

4.2.1 - Se deveria ter sido admitida a junção do documento requerida pelo A. ao Tribunal da Relação após apresentação das contra-alegações.

Em 26.05.2017, em momento posterior ao da apresentação, quer das alegações de recurso de apelação pelo réu Município BB, quer das contra-alegações que formulou, requereu o A. recorrido a junção de um documento.

Justificou tal junção argumentando que apenas naquela data teve conhecimento, através do aludido documento, de que no dia da deliberação da dissolução da R. Associação Para a Promoção BB teve lugar a liquidação dos seus ativos e a sua adjudicação aos RR. Município BB e CC, sendo por isso falaciosa a alegação do R. Município BB segundo a qual, pelas obrigações da extinta Associação Para a Promoção BB, deverá responder o fundo comum, nos termos do art.º 198.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.

A Relação indeferiu a requerida junção, com os seguintes fundamentos:

«Dispõe o artº 651º nº 1 do CPC que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artº 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”.

Por seu turno, o artº 425º do mesmo diploma estipula que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tinha sido possível até aquele momento”.

Destes normativos decorre que é possível a junção de documentos quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva) ou quando a sua junção apenas se revela necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

A superveniência objectiva ou subjectiva tem necessariamente de se relacionar com um facto atendível, relevante, que a parte não domina, que demonstre cabalmente que só no momento da interposição do recurso, por razões que são alheias ao interveniente processual, foi possível a junção do documento.

Ora, o recorrido não demonstra ou prova que a apresentação do documento não pudesse ter sido feita até ao encerramento da discussão.

Com efeito, no requerimento de intervenção provocada apresentado antes do encerramento da discussão, mais propriamente no dia 15.03.2016, o autor/recorrente alegou nos artºs 6º e 7º que “a presente acção foi proposta contra os RR Município BB e CC por, como se referiu, terem sucedido nos direitos e obrigações da dissolvida/extinta Agência para a Promoção BB; e pelo facto de tais pessoas colectivas (ao que foi dado conhecer ao autor) terem feito a liquidação e partilha dos activos e passivos entre ambas as RR”.

Ora, esta alegação mostra à saciedade que o autor tinha conhecimento da liquidação e partilha muito antes do enceramento da discussão, sendo que não demonstrou igualmente ter-lhe sido impossível obter o documento onde essa liquidação se formalizou.

Também não se nos afigura que a junção dos documentos ao processo se tenha tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.

Sobre a previsão contida na parte final do n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil, tem-se pronunciado a jurisprudência, nos seguintes termos:

- “A necessidade da junção “em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância tem lugar quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto pelo tribunal ou em preceito com cuja apreciação as partes não tivessem justificadamente contado.” - Acórdão do STJ, de 18/01/2005, Rec. N.º 3689/04-4.ª: Sumários, Jan./2005;

- “A junção de documentos ao abrigo da 2.ª parte do n.º 1 do art. 706.º do CPC só pode ter lugar se a decisão recorrida criar pela primeira vez a necessidade dessa junção, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam» - Acórdão do STJ de 31/05/2005, Proc. 05B1094, www-dgsi.pt.

Assim sendo, não tendo a decisão proferida em 1ª instância sido justificada por meio probatório inesperado junto pelo tribunal, nem tendo sido surpreendentemente aplicado preceito legal com que as partes não contavam, não se verifica a previsão inserta na parte final do n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil.

Em conclusão, por não se mostrarem preenchidos os requisitos previstos pelo artigo 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, indefere-se a requerida junção dos documentos ao processo (fls. 132 a 141), ordenando-se, consequentemente, o seu desentranhamento e entrega oportuna à parte.»

Nas conclusões I) a N) o autor insurge-se contra o assim decidido nos seguintes termos:              

I) Apesar de o Meritíssimo juiz de primeira instância ter ordenado a junção aos autos do processo de dissolução e liquidação da DD, apenas foi junto aos autos a acta com a deliberação da dissolução, não tendo sido acompanhada do anexo, com a partilha/liquidação dos bens entre as duas Rés e associadas da mesma.

J) Tal anexo apenas veio ao conhecimento do recorrente /autor, conforme alegou, em 26/05/2017, junto dos serviços da Ré, CC, após ter sido solicitado o pagamento dos valores devidos, pela co-autora, EE, na sequência do decidido pelo Venerando Tribunal da Relação.

K) Ao contrário do que entendeu o Acórdão recorrido, ao autor não era possível juntar tal documento, cuja existência desconhecia, não lhe podendo ser exigível apresentar o mesmo em data anterior.

L) Com efeito, por despacho judicial (despacho de 17/03/2016, sob a ref.a 24015299) foi ordenada a junção da ata que contém a deliberação de dissolução da mencionada Agência e os liquidatários remeteram tal ata aos autos (requerimento de 30/03/2016, sob a ref.a 560974). Porém, não remeteram tal documento completo, não tendo junto os documentos que chegaram ao conhecimento do autor em 26/05/2017 e que deveriam acompanhar a referida ata, junta em cumprimento do despacho judicial.

M) O Acórdão recorrido deve ser revogado neste particular dado que a requerida junção de documentos se conforma com os ditames do artigo 651° do C. P. Civil.

Vejamos.

Estipula o art. 423º do CPC:

“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

E dispõe o art.º 651.º n.º 1 que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art.º 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”.

Por seu turno o art.º 425º estabelece que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tinha sido possível até aquele momento”.

Daqui resulta que os documentos devem ser apresentados com os articulados ou, no máximo, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.

Após este limite “só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.

Depois do encerramento da discussão e em caso de recurso, a junção de documentos é ainda mais restritiva e excecional, sendo apenas admitidos e com as alegações (art. 651º, nº 1) os documentos cuja apresentação não tinha sido possível até àquele momento ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.

Após as alegações não é admissível a junção de documentos.

Sobre esta questão refere Abrantes Geraldes ([5]):

«Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva).

Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.

A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quando ao resultado.

A junção de documentos pode ainda verificar-se quando se mostre necessária para justificar a oportunidade de interposição do recurso ou o pressuposto processual da legitimidade extraordinária de que goze o recorrente.”

Fernando Amâncio Ferreira, debruçando-se sobre esta problemática ensina([6]):

«Tendo em conta que a instrução da causa deve ocorrer na 1.ª instância, em vista à decisão que aí deve ser proferida, é excepcional a faculdade de apresentar documentos com as alegações de recurso.

A junção de documentos às alegações justifica-se no âmbito de três situações (art.º 693.º-B):

1) Quanto não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, ou por a parte não ter conhecimento da sua existência ou, conhecendo-a, por não lhe ter sido possível fazer uso deles, ou ainda por os documentos se terem formado ulteriormente.

2) Quando a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido pela 1.ª instância;

3) Quando se impugnem as decisões previstas nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do art.º 691.º.

Na primeira situação, e por a Relação, para além de controlar a decisão impugnada tal como foi proferida, também dever levar em conta os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que ocorrerem até ao encerramento da discussão perante ela, os documentos destinam-se não só à prova dos factos já submetidos à consideração do tribunal a quo como ainda à prova dos factos posteriores ao encerramento da discussão da 1.ª instância. E também na instância de recurso devem ser admitidos documentos destinados a comprovar factos supervenientes estranhos à matéria que é objecto da demanda ou que visem pôr termo a esta (art.º 524.º, n.º 2, por remissão do art.º 693.º-B) (…)

Na segunda situação, a junção de documentos pela parte funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova: no que concerne às primeiras, cogite-se na possibilidade da decisão se apoiar em normas jurídicas com cuja aplicação a parte justificadamente não contasse, se bem que essa oportunidade se encontre hoje bastante reduzida, face ao disposto no n.º 3, do art.º 3; (…)

Na terceira situação, a junção de documentos justifica-se por não haver lugar nem a audiência de discussão nem a julgamento, pelo que não podem ser apresentados até ao encerramento da audiência ou em consequência do julgamento.»

Para Antunes Varela ([7]) «[a] junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos de impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. (…)

A decisão da 1ª instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil.»

Também esta secção se debruçou já sobre esta questão nos seguintes termos([8]):

«Efectivamente, não estando em causa uma situação enquadrável na parte final do artigo 693º-B, preceito que se refere precisamente à junção de documentos com a alegação de recurso de apelação, esta só é possível nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524º e no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.

Por isso e não se tratando de documentos destinados a fazer prova de factos posteriores aos articulados, só se a necessidade da sua junção resultasse duma ocorrência posterior ao encerramento da discussão da causa é que estaria legitimada a sua apresentação com as alegações, conforme estabelece o nº 2 do artigo 524º.

(…)

Na verdade, os casos em que a sua junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.

Acentua a doutrina e a jurisprudência que esta necessidade só surge na altura da apresentação da alegação de recurso em virtude da sentença se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou de ter resultado da aplicação ou interpretação de regra de direito com que as partes, razoavelmente, não contavam (…)»

No caso, no art. 41º da petição e visando fundamentar a “legitimidade das partes”, referiu o A: «A primeira e segunda RR [Município BB e CC] são partes legítimas para a presente demanda, dado serem as associadas da Associação “DD”, que lhe sucederam nos respetivos direitos e responsabilidades após a dissolução e liquidação».

E fundamentou o seu requerimento de intervenção provocada da Agência para a Promoção BB nos seguintes termos: «6º - A presente acção foi proposta contra os RR Município BB e CC por, como referiu, terem sucedido nos direitos e obrigações da dissolvida/extinta Associação “Agência para a Promoção BB”; 7º E pelo facto de tais pessoas colectivas (ao que foi dado a conhecer ao A.) terem feito a liquidação e partilha dos activos e passivos entre ambas as RR».

É certo que na contestação o Município BB alegara que a liquidação estava em curso.

Perante esta alegação, que contraditava o que invocara na petição, poderia o A., se assim o entendesse e para prova do que havia alegado, obter documento comprovativo da liquidação e partilha, até porque, como referiu no requerimento em que requereu a junção do documento em causa, esta terá ocorrido no dia da deliberação da dissolução da R. Agência para a Promoção BB.

É assim claro que o A. teve conhecimento da invocada dissolução antes do encerramento da discussão da causa, sendo certo que não demonstrou nem invocou a impossibilidade de proceder à obtenção e junção tempestiva do documento comprovativo, não constituindo justificação bastante o facto de, como alega, apenas o ter obtido em 26.05.2017, quando a deliberação em causa terá tido lugar, como refere, em 27.02.2015. E se é certo que conseguiu obter o documento em 26.05.2017, já depois da prolação da sentença da 1.ª instância, também o poderia ter obtido anteriormente se o tivesse solicitado, não tendo alegado e/ou demonstrado que não lhe foi possível obtê-los, ou que, tendo-o requerido, lhe foi recusado.

Por outro lado, a junção do documento não se tornou necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.

Como referido na doutrina e jurisprudência citadas, os casos em que a junção de documentos se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.

Ora, não é manifestamente o caso presente, pois a necessidade da junção dos documentos agora em causa já resultava da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.

Não merece, por conseguinte, censura a decisão da Relação que não admitiu a junção aos autos do documento.

4.2.2 – Sobre quem recaía o ónus da prova da existência do fundo comum da R. Agência para a Promoção BB.

O A. requereu a condenação solidária dos RR. no pagamento dos créditos de que é titular.

A 1ª instância considerou serem os RR. efetivamente responsáveis pelo pagamento ao A. dos créditos que lhe reconheceu, mas não solidariamente como aquele peticionara. Foi a R. Agência para a Promoção BB condenada a título principal e os RR. Município BB e CC, por via subsidiária, em caso de falta ou insuficiência do fundo comum daquela, a pagarem ao A. os créditos reconhecidos.

E fê-lo com os seguintes fundamentos: “Como resulta da conjugação das normas dos artigos 182º e 183º do Código Civil, o momento da extinção da ré «Agência para a Promoção BB» coincide com o momento da deliberação de extinção, ou seja, o dia 27 de fevereiro de 2015.

Porém […] a ré «DD» não deixou de ter personalidade judiciária, cessando unicamente a sua personalidade jurídica.

Efetivamente, extinta a ré, haveria que questionar a identidade das pessoas singulares e/ou coletivas que responderiam perante os credores sociais pelas dívidas contraídas anteriormente.

Como defendeu o réu «Município BB», quer este, quer a ré «CC» não teriam de responder diretamente, na medida em que ainda não se mostra encerrada a liquidação da ré «DD».

Ora, a sustentar-se esta posição, verificar-se-ia um hiato em que inexistiria entidade responsável pela satisfação dos direitos dos credores sociais: a associação já não poderia responder judicialmente e os associados ainda não o poderiam fazer.

[…]

Advogou o ilustre mandatário do réu «Município BB», em sede de alegações, a aplicação ao caso do regime previsto para as associações sem personalidade jurídica.

Quer por aplicação direta, quer por analogia, afigura-se-nos uma solução ajustada, dado que salvaguarda os direitos dos credores.

Na verdade, apesar de não terem personalidade jurídica, “têm ainda personalidade judiciária:

b) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais” (artigo 12º, alínea b), do Código de Processo Civil).

Sendo assim, nos termos do disposto no artigo 198º, nos 1 e 2, do Código Civil:

“1 – Pelas obrigações validamente assumidas em nome da associação responde o fundo comum e, na falta ou insuficiência deste, o património daquele que as tiver contraído; sendo o ato praticado por mais de uma pessoa, respondem todas solidariamente.

2 – Na falta ou insuficiência do fundo comum e do património dos associados diretamente responsáveis, têm os credores ação contra os restantes associados, que respondem proporcionalmente à sua entrada para o fundo comum.”

Esta norma institui um regime de subsidiariedade na responsabilidade, respondendo os associados apenas no caso de o fundo comum não ser suficiente, ou faltar de todo, para assegurar o pagamento das dívidas.

Os autores demandaram os réus a título de responsabilidade solidária, responsabilidade que constitui plus relativamente responsabilidade subsidiária.

Nada resultando em contrário, é de considerar que, ao demandarem os réus pelo máximo (responsabilidade solidária) admitiram a condenação dos réus pelo mínimo (responsabilidade subsidiária), razão pela qual a condenação dos réus nestes termos não ofende o princípio contido no artigo 609º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Resta sublinhar que, ao ter-se considerado como demandada ab initio a ré «DD», a ação foi intentada em tempo, não estando ainda decorrido, à data da citação, o prazo previsto no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho.”

O R. Município BB apelou desta decisão impetrando a sua absolvição argumentando que o tribunal ao condená-lo subsidiariamente, quando o A. pedira a condenação solidária, se substituíra às partes, sendo certo que o A. não alegara quaisquer factos principais ou instrumentais dos quais decorra a responsabilidade subsidiária, nem dos provados consta qualquer um que reconheça a falta ou insuficiência do fundo comum.

O acórdão recorrido entendeu que competia ao autor, nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, a alegação e a prova dos factos demonstrativos da falta ou insuficiência do fundo comum a que se alude no art.º 198.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma. Não tendo o A. feito essa prova concluiu que não se verificavam os pressupostos da responsabilidade subsidiária do réu Município BB e absolveu-o do pedido, com a seguinte fundamentação:

«Da verificação dos pressupostos substantivos da responsabilidade subsidiária do apelante:

A resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.

Comece por evidenciar-se que não vem questionada a sentença recorrida na parte em que a mesma considerou aplicável à situação dos autos o regime jurídico das associações sem personalidade jurídica, em particular o art. 198º do CC, sendo que nesse segmento decisório aquela decisão transitou em julgado.

Nos termos do art. 198º/1 do CC, “Pelas obrigações validamente assumidas em nome da associação responde o fundo comum e, na falta ou insuficiência deste, o património daquele que as tiver contraído; sendo o acto praticado por mais de uma pessoa, respondem todas solidariamente”, acrescentando o seu número 2 que “Na falta ou insuficiência do fundo comum e do património dos associados directamente responsáveis, têm os credores acção contra os restantes associados, que respondem proporcionalmente à sua entrada para o fundo comum.”.

Decorre explicitamente da norma acabada de transcrever que a possibilidade de um credor de uma associação extinta responsabilizar o património dos seus associados depende da falta ou insuficiência do fundo comum da associação, sendo que esta falta ou insuficiência representa um facto constitutivo do direito do credor obter a responsabilização dos referenciados associados.

Como assim, competia ao autor a alegação e prova dos factos demonstrativos dessa falta ou insuficiência do fundo comum (art. 342º/1 do CC).

Lidos e relidos os factos descritos nos factos enunciados como provados nada se descortina sobre a (in)existência ou (in)suficiência do fundo comum da extinta DD de que o apelante era associado fundador.

É certo que no ponto 7º) desses factos se enuncia que “Por comunicação datada de 9 de Março de 2015, recepcionada em 10 de Março de 2015, os autores foram informados que a Assembleia-geral extraordinária da ré «DD», reunida em 27 de Fevereiro de 2015, havia deliberado a dissolução imediata da referida associação e que, em virtude de tal deliberação, os contratos de trabalho outorgados com os autores, em 1 de Fevereiro de 2007, caducariam.”.

Porém, ao contrário do sustentado pelo apelado, do acabado de transcrever nada se extrai, implícita ou explicitamente, sobre a (in)existência ou (in)suficiência do fundo comum da extinta DD.

De resto, no ponto 8º desses mesmos factos enuncia-se que foram nomeados liquidatários FF e GG, a significar, tudo leva a crer, que existia um fundo comum a liquidar, desconhecendo-se em absoluto qual a sua dimensão e, nessa medida, a sua (in)suficiência para satisfazer os créditos laborais reconhecidos ao apelado na sentença recorrida.

Finalmente, lida a petição inicial aperfeiçoada apresentada pelo apelado e ao contrário do que a mesma sustenta, de forma genérica e sem qualquer espécie de concretização que não se descortina passível de ser efectuada, não se vislumbra que ali tenha sido alegado qualquer facto referente à falta ou (in)suficiência do fundo comum da extinta DD.

A significar que não estão verificados os pressupostos substantivos de que dependia a responsabilidade subsidiária imposta ao apelante pela satisfação dos créditos laborais reconhecidos ao apelado, razão pela qual deve a apelação proceder em relação ao apelante.»

Vejamos.

Dispõe o art.º 198º, do Código Civil ([9]):

 “1. Pelas obrigações validamente assumidas em nome da associação responde o fundo comum e, na falta ou insuficiência deste, o património daquele que as tiver contraído; sendo o ato praticado por mais de uma pessoa, respondem todas solidariamente”;

2. “Na falta ou insuficiência do fundo comum e do património dos associados diretamente responsáveis, têm os credores ação contra os restantes associados, que respondem proporcionalmente à sua entrada para o fundo comum.”

Decorre desta norma que pelas obrigações da associação responde, em primeira linha, o fundo comum e na falta ou insuficiência deste, o património de quem as tiver contraído. Na falta destes responde o património dos restantes associados, na proporção à sua entrada para o fundo comum.

Estabelece o art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil:

«1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.»

“… [O] ónus da prova (e da afirmação) quanto a cada facto incumbe à parte cuja pretensão processual só pode obter êxito mediante a aplicação da norma de que ele é pressuposto; de onde que cada parte terá aquele ónus quanto a todos os pressupostos nas normas que lhe são favoráveis” ([10]).

Uma vez que vigora no processo civil o princípio do dispositivo (iudex debet indicare secundum allegata et probata partium), tem a parte, que pretenda seja dado valor a certo facto em juízo, de alegá-lo e fazer prova dele: é este o chamado ónus subjectivo ou forma ou ónus de produção da prova([11]).

Também relativamente à repartição do ónus da prova, Elizabeth Fernandes refere ([12]):

«(…) [A] distribuição das cargas probatórias assenta e oscila na distinção entre factos constitutivos do direito alegado pelo autor ou pelo reconvinte e nos factos impeditivos, modificativos ou extintivos alegados por parte do réu. O autor tem o ónus de provar as alegações fácticas que pressupõem a aplicação das normas nas quais se funda a sua pretensão. O réu, em contrapartida, tem o ónus de provar os factos que determinam a aplicação da norma que impedirá, modificará ou extinguirá o direito do autor. Tudo assenta, pelo menos na formulação mais originária, na distinção entre normas de base e contra-normas as quais funcionam, respetivamente como regra e exceção, pelo que a aplicação da teoria e consequente distribuição do ónus probatório nela baseada implica identificar, em cada caso concreto, a que tipo de norma pertence o facto em prova. Para Leo Rosenberg, não há nem pode haver outra solução do problema do ónus da prova que o princípio por ele defendido, segundo o qual, “cada parte suporta o ónus do preceito jurídico cujo efeito faz valer no processo”, sendo que “somente mediante a interpretação do direito material é possível acertar o alcance dos factos que devem ser provados”. O que precede significa que, sendo este critério de distribuição derivado diretamente da função desempenhadas pelas normas invocadas pelas partes para fundamento da ação ou da defesa, o mesmo é distribuído abstraindo do caráter positivo ou negativo do facto a demonstrar. Pela mesma razão, a repartição não depende da probabilidade da verdade do facto, ou seja, o encargo probatório não é distribuído em função da maior ou dificuldade que a parte terá em demonstrar em abstrato determinado tipo de factos.”

No caso que nos ocupa, o A. intentou a ação contra a associação e contra os seus associados Município BB e CC pedindo a respetiva condenação solidária, alegando ter a associação sido extinta, liquidada e os bens partilhados por aqueles associados.

O R. Município BB contestou invocando estar ainda a decorrer a liquidação, não respondendo, por isso, o seu património pelos créditos do A. para com a extinta associação.

E em sede de recurso alegou ser o fundo comum a responder pelas dívidas da associação e não o Município seu associado. Pretendeu, assim, o R. Município impedir a pedida condenação solidária e/ou subsidiária, baseada na extinção, liquidação e partilha da associação, com a exceção legal de que quem responde é o fundo comum.

Temos assim que, tendo o autor invocado a existência de um crédito contra o réu Município, não satisfeito antes ou aquando da dissolução da associação e tendo este se defendido de molde a beneficiar do disposto no art.º 198.º, do Código Civil, segundo o qual é o fundo comum que responde, em primeira linha, pelas obrigações da associação, quando esta se extingue, impõe-‑se a conclusão de era ao referido réu que incumbia provar a existência daquele fundo comum.

Respondendo à questão formulada, dir-se-á assim que, ao contrário do decidido no acórdão revidendo, era ao Município BB que incumbia a prova da existência do fundo comum por, na sua tese, ser esse o facto impeditivo do direito que o A. quis fazer valer contra si.

De qualquer forma se dirá que a existência do fundo comum apenas impede que o património do associado Município BB responda pelas dívidas da associação enquanto aquele fundo não for excutido. Sendo-o e não tendo os créditos do A. sido integralmente satisfeitos, responderá o património dos RR. Município BB e CC (arts. 198º do CC e 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais ([13])), ou seja, o património destes associados responde subsidiariamente pelo créditos do A.

Ora, o A. não impugnou a sentença da 1.ª instância, na parte em que considerou ser a responsabilidade do Município meramente subsidiária.

Face ao exposto impõe-se a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença da 1ª instância.

6 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder a revista e revogar o acórdão recorrido.

2 – Repristinar a sentença da 1ª instância

3 - Condenar o recorrido nas custas da apelação e da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 1.03.2018

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

_______________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[5] Em RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2016, 3.ª edição, Almedina, pág., 203-204, em anotação ao art.º 651.º
[6] Em MANUAL DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, 9.ª edição, Almedina, pág., 2014-2016 (a propósito dos artigos 524.º, n.º 1 e 693.º -B do CPC (correspondentes aos atuais artigos 425.º e 651.º), na versão que lhe foi conferida pelo DL nº 303/2007 de 24 de agosto).
[7] Em RLJ, ano 115, n.ºs 3696, a págs. 95 e 96.
[8] Acórdão de 26.09.2012, processo n.º 174/08.2TTVFX.L1.S1 (Gonçalves Rocha), in www.dgsi.pt, a propósito dos artigos 524.º, n.º 1 e 693.º-B do CPC (correspondentes aos atuais artigos 425.º e 651.º), na versão que lhe foi conferida pelo DL nº 303/2007 de 24 de agosto.
[9] Regime cuja aplicabilidade ao caso dos autos foi decidida na 1ª instância e não foi questionada nem na apelação nem agora na revista.
[10] Manuel de Andrade, NOÇÕERS ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL, 1976, pág. 200.
[11] Vaz Serra, PROVAS (DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL), SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (BMJ, 110, 111 e 112), página 112.
[12] “A PROVA DIFÍCIL OU IMPOSSÍVEL” (A TUTELA JUDICIAL EFETIVA NO DILEMA ENTRE A PREVISIBILIDADE E A PROPORCIONALIDADE), in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra editora, pág. 824-825.
[13] Cfr. António Menezes Cordeiro, TRATADO DE DIREITO CIVIL, PARTE IV, PARTE GERAL, PESSOAS, 4.ª edição, Almedina, páginas 779-881.